Directiva da AACS n.º 2/2002. - Exposição de mortos nos órgãos de comunicação social - aprovada em reunião plenária de 26 de Junho de 2002. - 1 - Designadamente queixas apresentadas à Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) sobre a forma de exposição do cadáver de Jonas Savimbi na RTP, alegadamente desrespeitadora da dignidade humana e chocante, levaram este órgão, nos termos da alínea n) do artigo 4.º da Lei 43/98, de 6 de Agosto (LAACS), ao estudo da cobertura por parte dos órgãos de comunicação social em geral dessa exposição.
2 - Dada a densidade e o alcance do problema nos seus termos essenciais, a exposição de mortos por parte dos órgãos de comunicação social, dada a sua frequência, resultante de conflitos militares ou militarizados e do exercício da violência em geral, a AACS - que, na circunstância da morte do referido líder político, entra em linha de conta com o interesse noticioso do facto, do qual a imagem, no contexto de uma prolongada e trágica guerra civil, era elemento fulcral, considerando assim legítimo o tratamento dado pela RTP à circunstância em apreço - opta por se pronunciar sobre a questão em geral, através de uma directiva, em aplicação do n.º 1 do artigo 23.º da citada Lei 43/98, no qual se estabelece assistir a este órgão "a faculdade de elaborar directivas genéricas e recomendações que visem a realização dos seus objectivos, bem como praticar os demais actos previstos na lei ou necessários ao desempenho das suas atribuições".
3 - Assim, desde logo se admite que a morte, e concretamente a exposição de mortos, constitui, em determinadas situações, um facto de interesse jornalístico, de interesse público. Interesse tanto mais sustentável quanto mais significativa for a personalidade do morto ou e as circunstâncias da sua morte ou e as suas consequências, isto é, a natureza do caso e a condição das pessoas.
4 - A questão está na compatibilização desse interesse jornalístico e público com o respeito pela dignidade humana que os mortos, por o serem, obviamente não perdem, pelos direitos dos seus familiares e próximos e pelos direitos do público em geral, designadamente o mais vulnerável, e, nomeadamente, as crianças.
5 - Essa compatibilização decerto incumbe, primeiramente, aos órgãos de comunicação social, na sua liberdade e na sua responsabilidade, na sua autonomia editorial, que a AACS não apenas naturalmente respeita como legalmente deve salvaguardar.
6 - Mas constitui igualmente dever de um órgão regulador como a AACS contribuir para o cumprimento da lei que protege a dignidade humana, que a situação limite da morte decerto não suspende, e os direitos dos familiares e próximos e dos cidadãos que constituem o público dos órgãos de comunicação social, nomeadamente os mais vulneráveis.
7 - Nesse sentido, se sublinha esse valor incontornável da dignidade humana, conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada, para ratificação, pela Lei 65/78, de 13 de Outubro, o Pacto Internacional sobre os Direitos Cívicos e Políticos, aprovado, para ratificação, pela Lei 29/78, de 12 de Junho, a Constituição da República Portuguesa e os deveres fundamentais dos jornalistas, nomeadamente o referido na alínea f) do artigo 14.º da Lei 1/99, de 13 de Janeiro (Estatuto do Jornalista), que especificamente determina a abstenção da recolha de "imagens que atinjam a dignidade das pessoas".
8 - Também nesse sentido se cita o Código Civil, no que importa a ofensa a pessoas já falecidas (artigo 71.º).
9 - Assim se espera que as imagens dos mortos e a dignidade humana que neles se mantém, e de certa forma simbolicamente se aprofunda, só sejam expostas na comunicação social como elementos de facto estruturantes da informação, essenciais à matéria noticiosa, ou pela notoriedade dos falecidos ou pela relevância da situação que os vitimou.
10 - Inversa e logicamente, devem os órgãos de comunicação social abster-se da divulgação de imagens de mortos que revistam o sensacionalismo, a morbidez, a crueldade, de facto gratuitas, desnecessárias à matéria noticiosa, sendo agravantes da dignidade dos mortos e da sensibilidade de familiares e outros próximos e dos direitos do público em geral, sobretudo o mais vulnerável, e assim estando em colisão com os princípios que a AACS deve salvaguardar e as determinações legais-éticas por cuja aplicação este órgão deve zelar.
Esta deliberação foi aprovada por maioria com votos a favor de Artur Portela (relator), Armando Torres Paulo (presidente), José Garibaldi (vice-presidente), Amândio de Oliveira, Manuela Matos, Carlos Veiga Pereira e José Manuel Mendes e abstenção de Sebastião Lima Rego.
26 de Junho de 2002. - O Presidente, Armando Torres Paulo, juiz conselheiro.