de 25 de Outubro
O tratamento jurídico a dar aos bens situados em Portugal que pertençam a sociedades comerciais estrangeiras cujo património tenha sido objecto de providências de confisco, ou equiparadas, nos respectivos países foi objecto de vários diplomas legais: Decretos-Leis n.os 301/77, de 27 de Julho, 357-A/77, de 31 de Agosto, 103-A/78, de 23 de Maio, e 197-A/86, de 18 de Julho. Não é de admirar tal facto, pois trata-se de matéria em si mesma delicada e sem precedentes no nosso ordenamento.Vários preceitos dos diplomas mencionados estabelecem os requisitos para a assunção da administração dos referidos bens, sem, porém, se conseguirem eximir a dúvidas relativamente às providências confiscatórias a que se aplicam.
Da mesma forma, o termo dessa administração não está claramente apontado, tendo dado lugar a interpretações que levariam a deixar os bens sem administrador durante bastante tempo, o que manifestamente não estava na intenção que presidiu à elaboração dos respectivos preceitos legais.
Dúvidas subsistiam ainda no tocante aos efeitos, para os sócios, da propositura da acção de liquidação judicial.
Finalmente, os diplomas referidos não previam a possibilidade de os titulares da maioria do capital, reunidos por convocação do juiz, escolherem o liquidatário, da mesma forma que podem escolher os administradores da nova sociedade, caso a constituição desta tenha sido deliberada, o que parece plenamente justificável.
Igualmente se passam a permitir, em certos casos, as distribuições antecipadas de fundos existentes.
A presente iniciativa legislativa propõe-se, ainda, resolver algumas dúvidas interpretativas que se suscitam nos processos pendentes.
Entretanto, e apenas para evitar a tão inconveniente dispersão legislativa, aproveita-se a oportunidade para compilar num único texto todas as normas que regulavam esta matéria, antes dispersas pelos referidos diplomas, que assim se revogam.
Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º - 1 - Os bens situados em Portugal que pertençam a sociedades estrangeiras cujo património tenha sido objecto de providências de confisco ou equiparadas nos respectivos países respondem pelas obrigações regularmente contraídas pela sociedade em Portugal.
2 - São equiparados ao confisco do património da sociedade o confisco total ou parcial de títulos ou partes representativas de capital, bem como outras providências que, por qualquer modo, alterem, sem prévio acordo com os sócios, o domínio da sociedade.
3 - As obrigações referidas no n.º 1 deste artigo são as que resultam de contratos celebrados em Portugal, ou de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, por factos ilícitos ocorridos em Portugal, desde que à data das providências de confisco ou equiparadas já estivessem vencidas ou para a sua exigibilidade apenas faltasse o decurso de algum prazo.
Art. 2.º Para os efeitos previstos no presente diploma, consideram-se bens situados em Portugal, designadamente:
a) Os créditos da sociedade sobre devedores portugueses ou residentes em Portugal e, bem assim, as participações em sociedades com sede em Portugal;
b) Os bens que constituam frutos ou rendimentos de outros bens sujeitos à administração especial, nomeadamente juros de depósitos bancários, lucros de participações em sociedades e receitas de estabelecimentos comerciais ou industriais c) Os bens sub-rogados no lugar de bens inicial ou posteriormente submetidos à administração especial, nomeadamente as quantias em dinheiro resultantes de alienação de bens, bem como os bens em que essas quantias venham a ser investidas;
d) Os bens que, pertencendo a terceiros ou à própria sociedade, sejam detidos pela administração especial, como caução ou garantia de débitos, reembolsos ou substituições para com ou relativamente ao património especial sujeito à administração especial prevista no artigo 3.º Art. 3.º - 1 - A administração e disposição dos bens referidos no artigo anterior, até à verificação de qualquer dos factos previstos no n.º 1 do artigo 5.º e no artigo 11.º, compete unicamente a qualquer das pessoas que à data da providência referida no n.º 1 do artigo 1.º estejam eleitas ou designadas administradores ou gerentes da sociedade estrangeira, desde que:
a) Tendo nacionalidade portuguesa, não residam nem se encontrem à data da providência mencionada no território do Estado confiscante;
b) Não tendo nacionalidade portuguesa, à data da mencionada providência residam em Portugal e não se encontrem no território do Estado confiscante.
2 - No caso de não haver administradores nos termos do número anterior ou de eles não procederem efectivamente a essa administração, a administração e disposição competirão, unicamente, a um ou mais sócios residentes em Portugal, nomeados judicialmente, a requerimento de qualquer interessado, pelo processo regulado no artigo 1123.º do Código de Processo Civil, sendo obrigatória a convocação dos sócios por éditos.
3 - Os requisitos previstos no número anterior são exigidos quer a providência seja anterior ou posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 301/77, de 27 de Julho, e qualquer que seja a sua modalidade.
Art. 4.º A administração dos bens compreende, designadamente, o pagamento das dívidas contraídas regularmente em Portugal, realizando os fundos necessários para esse efeito, e o exercício dos cargos de gerente ou administrador que à sociedade competiam em sociedades suas subsidiárias com sede em Portugal.
Art. 5.º - 1 - Com ressalva da previsão do n.º 1 do artigo 8.º deste diploma, os sócios portugueses ou residentes em Portugal que representem, pelo menos, 5% do capital social podem convocar uma reunião dos sócios para ser deliberada a constituição de uma nova sociedade com o activo e o passivo que a sociedade tenha em Portugal.
2 - A convocação será publicada em jornais de Lisboa e Porto, com antecedência não inferior a 30 dias.
3 - A deliberação deve ser tomada por maioria absoluta do capital presente ou representado.
4 - São aplicáveis à constituição da nova sociedade as regras da cisão simples que não contrariem a finalidade do processo a que se refere o presente artigo.
5 - Aos administradores instituídos de acordo com o artigo 3.º compete administrar a nova sociedade até à primeira assembleia geral ordinária desta, à qual os administradores prestarão contas da administração por si desenvolvida até à constituição da nova sociedade.
Art. 6.º Operada a cisão, considerar-se-ão automaticamente transferidos para a nova sociedade, sem observância de quaisquer formalidades especiais, todos os direitos e obrigações que integrem o património da anterior sociedade existente em Portugal.
Art. 7.º - 1 - A constituição da nova sociedade só pode verificar-se seis meses após a providência de confisco ou equiparada, se entretanto não tiver sobrevindo acordo com os sócios.
2 - O acordo referido no número anterior fará, igualmente, terminar a administração especial de bens referida no artigo 3.º e impede a aplicação da disposição do artigo 11.º Art. 8.º - 1 - No prazo de dois anos a contar da utilização por cada sociedade dos mecanismos previstos nos Decretos-Leis n.os 301/77 e 357-A/77, a cisão da sociedade facultada pelo n.º 1 do artigo 5.º só pode ser promovida pelos administradores, instituídos nos termos do artigo 3.º, se os houver.
2 - Os administradores proporão à reunião dos sócios a atribuição das participações na nova sociedade, de harmonia com o estabelecido neste diploma.
3 - No caso de ser utilizada a faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 9.º, e entre os outros sócios se contarem entidades do sector público português, a proposta deve ter obtido previamente o acordo do Ministro das Finanças e, não sendo ela aprovada pela maioria absoluta do capital presente ou representado na reunião, sobrestar-se-á no processo de cisão, devendo os administradores, nos quinze dias seguintes, submeter a divergência a Conselho de Ministros, que decidirá definitivamente.
Art. 9.º - 1 - A atribuição das acções da nova sociedade ou do saldo da liquidação referida no artigo 11.º poderá ser feita não só aos sócios directamente atingidos pela providência de confisco ou equiparada, mas também a outros sócios, na medida em que, atentas as circunstâncias do caso, for considerada bastante para evitar exagerada redução do valor das suas participações sociais causada pela cisão do património social ou for determinado pelo interesse da nova sociedade em manter esses sócios.
2 - Contando-se entidades do sector público português entre os outros sócios referidos no número anterior, presume-se a existência do interesse previsto na parte final do mesmo número.
3 - Sob proposta dos administradores especiais, a reunião dos sócios a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º poderá atribuir àqueles cujas acções foram objecto de providência de confisco ou equiparada uma parte do activo, em dinheiro, não excedente a 10% do activo total, desde que não seja necessária para satisfação dos credores sociais.
Art. 10.º - 1 - A faculdade atribuída pelo n.º 1 do artigo 5.º pode ser exercida em qualquer tempo, desde que não esteja proposta a acção de liquidação judicial prevista no artigo 11.º 2 - O acto de propositura da acção de liquidação judicial só produz efeitos relativamente aos sócios a partir da data para que for convocada a reunião, nos termos do n.º 2 do artigo 1123.º do Código de Processo Civil.
3 - A reunião a que se refere o número anterior é, nestes casos, obrigatória.
Art. 11.º - 1 - Passados quatro anos sobre os factos previstos no n.º 1 do artigo 1.º sem que se tenha operado a cisão autorizada pelo artigo 5.º, pode o tribunal, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, ordenar que o património existente em Portugal seja liquidado pelo processo estabelecido nos artigos 1122.º e seguintes do Código de Processo Civil.
2 - O tribunal nomeará liquidatário a pessoa proposta pelos titulares da maioria do capital representado na reunião convocada nos termos do n.º 2 do artigo 1123.º do Código de Processo Civil ou, na falta de proposta, um administrador de falências.
3 - Depois de satisfeito todo o passivo conhecido, e embora o activo não esteja ainda totalmente realizado em dinheiro, pode o tribunal autorizar o liquidatário, mediante proposta deste, a efectuar distribuições de fundos existentes, mantendo-se, contudo, a parte destes estimada necessária para a satisfação dos encargos judiciais.
Art. 12.º A administração assumida por força do disposto no artigo 3.º termina, conforme os casos previstos no n.º 1 do artigo 5.º e no artigo 10.º, ou nos termos do n.º 3 do artigo 7.º ou pela entrega dos bens ao liquidatário judicialmente nomeado, respectivamente.
Art. 13.º O disposto no presente diploma aplica-se igualmente a bens situados em Macau.
Art. 14.º O presente diploma revoga os Decretos-Leis n.os 301/77, de 27 de Julho, 357-A/77, de 31 de Agosto, e 103-A/78, de 23 de Maio, e os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 197-A/86, de 18 de Julho, mantendo-se a sua aplicação aos processos pendentes, de acordo com o regime fixado pelo presente diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Setembro de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Joaquim Fernando Nogueira - José Manuel Durão Barroso.
Promulgado em 12 de Outubro de 1988.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 14 de Outubro de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.Para ser publicado no Boletim Oficial de Macau.