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Acórdão 347/2001/T, de 9 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 347/2001/T. Const. - Processo 299/01. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Eduardo Augusto Lopes, identificado nos autos, foi pronunciado em decisão instrutória proferida em 22 de Maio de 1998 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Cascais como autor material de um crime agravado de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, 24.º, alíneas b), c) e j), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 275.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.

No âmbito do inquérito, ao abrigo do disposto no artigo 187.º do Código de Processo Penal, foi judicialmente ordenada a intercepção e gravação de comunicações telefónicas efectuadas ou recebidas em determinados postos, por períodos expressamente definidos e com sucessivas prorrogações, concedidas a requerimento do Ministério Público, tendo sido apresentada em 27 de Junho de 1997 a transcrição dos registos efectuados e terminados em 15 de Novembro de 1996.

Da decisão instrutória recorreu o arguido, invocando a nulidade das intercepções telefónicas ordenadas e realizadas no âmbito do inquérito, por alegada violação dos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal, recurso a que não foi atribuído efeito suspensivo.

Por Acórdão de 20 de Abril de 1999, o Tribunal de Círculo Judicial de Cascais absolveu o arguido Eduardo Augusto Lopes pela prática de um crime de detenção de arma proibida, mas condenou-o pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão e, em cúmulo com a pena aplicada num outro processo, na pena única de 9 anos de prisão.

O ora recorrente deixou este acórdão condenatório transitar em julgado (cf. fls. 317 a 318 e 247 e 248 dos autos).

Por Acórdão de 20 de Março de 2001 do Tribunal da Relação de Lisboa foi negado provimento ao recurso da decisão instrutória e julgada improcedente a questão prévia suscitada então pelo Ministério Público, no sentido da inutilidade do recurso por ter transitado em julgado o acórdão condenatório.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações que lhe introduziu a Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro.

Admitido o recurso, apresentou o arguido as competentes alegações, tendo concluído do seguinte modo:

"1 - O douto Tribunal da Relação interpretou o inciso imediatamente contido no artigo 188.º, n.º 1, do CPP, com o sentido de que as intercepções telefónicas poderão ser juntas ao processo (e o juiz tomar conhecimento delas) decorridos meses após terminar o período de autorização da intercepção.

2 - Mais interpretou aquela expressão contida no artigo 188.º, n.º 1, com o sentido de que o juiz poderá autorizar, por várias vezes, a prorrogação dos prazos de intercepção, sem que, findo cada período de autorização, as intercepções não sejam dadas a conhecer ao juiz a fim de este avaliar da necessidade ou não da continuação da intercepção e em consequência ordenar a junção das transcrições com relevo para os autos e a destruição das que se mostrem sem interesse.

3 - Na verdade, nos presentes autos, foram interceptados os postos telefónicos com os n.os 7609543 e 2123459, desde 3 de Novembro de 1995 a 7 de Novembro de 1996.

4 - Para além de o juiz não ter procedido a um adequado controlo no decorrer desse período (um ano e três meses), as intercepções só lhe foram presentes no dia 27 de Junho de 1997, ou seja, mais de um ano após o início das escutas.

5 - A total ausência de controlo jurisdicional é patenteada na circunstância de a PJ a fl. 1096 ter referido o desinteresse na continuação da intercepção telefónica e não obstante se ter procedido à sua continuação.

6 - Acresce ainda que só após o Ministério Público, conforme fl. 907, ter solicitado a junção aos autos das intercepções é que a PJ, de imediato, procedeu à sua transcrição.

7 - A escuta telefónica envolve sempre uma intromissão na área dos direitos fundamentais dos cidadãos, devendo, em consequência, o julgador interpretar restritivamente as normas relativas a este meio de obtenção de prova.

8 - E assim sendo a interpretação a dar à expressão 'imediatamente', no contexto das formalidades das operações telefónicas, terá de ser outra que não aquela que foi dada pelo Tribunal da Relação.

9 - Foi esta a interpretação que foi sufragada pelo douto acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional - recurso n.º 407/97, de 21 de Maio.

10 - Foi também assim que decidiu recentemente o Supremo Tribunal de Justiça no processo 1145/98, da 5.ª Secção.

11 - Aliás, também se decidiu nesse douto aresto que as intercepções sempre seriam nulas porquanto o critério de selecção das transcrições foi da autoria da PJ enquanto a lei impunha que fosse o juiz.

12 - Também por esta parte, ainda que por outros motivos, a interpretação dada pelo Tribunal da Relação sempre seria inconstitucional.

13 - Resulta assim claro que a interpretação dada pelo Tribunal da Relação à norma constante do preceituado no disposto no artigo 188.º, n.º 1, do CPP é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, e 34.º, n.os 1 e 4, da CRP.

14 - E sendo assim como consequência deverá a referida norma, segundo aquela interpretação, ser declarada inconstitucional e em consequência declararem-se inválidos todos os actos que dependeram das intercepções telefónicas realizadas, conforme artigos 122.º e 189.º do CPP."

O procurador-geral-adjunto em exercício neste Tribunal apresentou também as suas alegações de que se transcreve o seguinte trecho:

"Não obstante a posição do Ministério Público defendida nas alegações produzidas no processo 649/96, e a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Bravo Serra, entendemos ser de seguir a doutrina sufragada no Acórdão 407/97, de 21 de Maio, segundo a qual a norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas, é inconstitucional, por violação do disposto no n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, na versão anterior à revisão constitucional de 1987.

Termos em que se conclui que deve ser concedido provimento ao recurso".

Cumpre apreciar e decidir.

2 - Impõe-se, antes de mais, proceder à delimitação do objecto do presente recurso.

Disse-se no acórdão recorrido:

"As escutas telefónicas em apreço foram devidamente autorizadas e prorrogadas por sucessivos despachos judiciais, despachos cuja fundamentação, como se defendeu no Acórdão desta Relação de 22 de Março de 1994, se basta com qualquer fórmula, resumida ou sumária, donde resulte que foram ponderados os motivos de facto e de direito e o controlo da sua legalidade.

Como justamente salienta o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto no seu douto parecer, o Acórdão 407/97, do Tribunal Constitucional, limita-se a sublinhar que a exigência de imediação só se enquadra em termos inconstitucionais quando possa afectar, naturalmente negativamente, a decisão do juiz para atempadamente poder tomar posição quanto à junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles e, bem assim, a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas, sendo certo que o recorrente parece estribar-se num quadro teórico-abstracto de inconstitucionalidade desenquadrado da previsão daquele aresto.

Respeitadas que se mostram as limitações cautelares inerentes à utilização de um meio de prova, é certo que com reconhecida virtualidade para atingir direitos e liberdades fundamentais, atentas a natureza do crime em apreço, com ramificações internacionais, e a sofisticação da actuação dos agentes, através de atempadas prorrogações judiciais das escutas, autorizadas com limites temporais pré-definidos, nos autos respeitados, e da legal submissão de todos os intervenientes a obrigação de segredo de justiça, nenhuma nulidade relevante ou inconstitucionalidade se prefigura, até por isso que o direito, realidade viva do mundo da cultura, dimana de exigências concretas inultrapassáveis por meras conjecturas ideais ou abstractas.

O imediatismo a que respeita o n.º 1 do artigo 188.º do CPP deve, pois, interpretar-se em termos hábeis, mostrando-se toleradamente respeitado, em adequada ponderação de considerações garantísticas da defesa e superiores exigências da realização do direito, tanto mais que o caso em concreto diz respeito a aturadas e complexas investigações sobre crime, com ramificações internacionais, de tráfico de droga, incidentes sobre múltiplos agentes e vários telefones, ao longo de significativos espaços temporais, com sucessivas prorrogações atempadamente renovadas, ocorrendo a apresentação, logo que superiormente definida, escassos meses após as respectivas colheitas, estando o processo em segredo de justiça".

Entende o recorrente que a interpretação a que procedeu o Tribunal da Relação de Lisboa da norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, no sentido de que o juiz pode autorizar escutas telefónicas, prorrogando várias vezes os prazos de intercepção sem conhecer o teor das referidas intercepções a fim de avaliar a necessidade da continuação ou não das escutas e ordenar a junção das transcrições com interesse para os autos e eliminar as que repute sem interesse, é inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido e da inviolabilidade das comunicações enunciadas respectivamente nos artigos 32.º, n.º 1, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição.

Mais entende o recorrente que a interpretação a que procedeu o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido do inciso imediatamente constante do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, com o sentido de que as escutas telefónicas ordenadas no âmbito do inquérito podem ser juntas ao processo (e levadas, assim, ao conhecimento do juiz) decorridos vários meses após o termo do período de autorização para a intercepção, viola também as garantias de defesa do arguido e a inviolabilidade das comunicações estatuídas nos artigos 32.º, n.º 1, e 34.º, n.os 1 e 4, da CRP.

Pelo exposto, tudo se reconduz, portanto, a uma única questão de constitucionalidade: a interpretação do inciso "imediatamente" constante da norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, embora respeitando a diferentes segmentos e às mesmas normas da CRP. Assim, tal expressão reporta-se, por um lado, ao conhecimento do teor das escutas pelo juiz a fim de decidir da sua continuação ou destruição (se não tiverem interesse) e, por outro, à junção aos autos das transcrições das próprias escutas.

3 - Fundamentação. - Dispõe o artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:

"1 - Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações."

As escutas telefónicas e a eficácia que as caracteriza do ponto de vista da perseguição penal e da descoberta da verdade material colocam particulares questões de ponderação - aquele meio de obtenção de prova implica sempre um determinado grau de danosidade social, pelo tipo de direitos dos suspeitos/arguidos e (até) de terceiros que atinge e pela gravidade da lesão que provoca.

Entre nós, só com o CPP de 1987 o legislador se propôs enunciar os princípios gerais do regime processual penal das escutas telefónicas, nos artigos 187.º e seguintes, mas de modo algum se poderá entender que em tais normas se contempla um quadro exaustivo de regulamentação legal positiva abrangente, o que desde logo resulta evidente em matéria do dever de sigilo a que ficam obrigados todos os que intervenham nas operações materiais de transcrição (cf., nomeadamente, os artigos 101.º e 86.º do CPP).

Daí que, como Costa Andrade bem salienta "Não se estranhará, por isso, que as escutas telefónicas se mostrem particularmente rebeldes à pretensão de verter em forma de lei positiva uma qualquer disciplina generalizadora e acabada. Mesmo as tentativas aparentemente mais logradas nesta direcção acabam, quando confrontadas com a 'surpresa' das expressões da vida, por se mostrar incrivelmente lacunosas. É o que a doutrina e a jurisprudência alemãs não têm deixado de, insistentemente, assinalar, mesmo face à regulamentação cuidada dos §§ 100a) e 100b) da StPO. Também nos sistemas jurídicos de modelo continental, é sobretudo da elaboração doutrinal e da intervenção co-criadora da jurisprudência que há-de esperar-se o necessário e definitivo enquadramento normativo dos problemas práticos suscitados pelas escutas telefónicas" (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pp. 280 e 281).

Os tribunais superiores portugueses têm sido chamados a pronunciar-se sobre a problemática das escutas telefónicas e, em particular, sobre as normas dos artigos 187.º e 188.º do CPP, podendo dizer-se que, em geral, tal jurisprudência interpreta o inciso "imediatamente" constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP no sentido que foi seguido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cf., a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1998, in BMJ, n.º 480, 1998, p. 292).

Também na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a problemática das escutas telefónicas tem sido abundantemente apreciada, por referência quer aos direitos internos dos diversos países quer à própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo pacífico o entendimento de que a intercepção das conversas telefónicas - ainda que autorizadas por entidade judicial - constituem uma ingerência da autoridade pública no direito ao respeito pela vida privada e comunicações (cf., nomeadamente, o affaire Valenzuela Contreras c. Espanha, Acórdão de 30 de Julho de 1998).

A confidencialidade da palavra falada, ou o direito à palavra falada, aparecem assim erigidos em valor a tutelar, enquanto bem jurídico. (cf. Costa Andrade, sobre este direito na doutrina e jurisprudência alemãs, ob. cit. pp. 242 e seguintes).

O mencionado acórdão (Valenzuela Contreras) reitera jurisprudência anterior pois, nos casos "Klass" (6 de Setembro de 1978) e "Malone" (27 de Setembro de 1983) aquele Tribunal entendera já que as conversações telefónicas se compreendem nos conceitos de "vida privada" e de "correspondência", considerando ainda - no primeiro - que, em geral, a mera possibilidade de intercepção produz uma limitação no direito à liberdade de comunicação (cf. Jacobo López Barja de Quiroga, in Las Escuchas Telefónicas y la Prueba Ilegalmente Obtenida, 1989, p. 39).

A questão também não é nova para o Tribunal Constitucional, que se pronunciou sobre a constitucionalidade da norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP no Acórdão 407/97 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37.º vol., pp. 245 e segs.)

Sendo certo que a norma do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, ao assegurar "todas as garantias de defesa", pode ser fonte autónoma de direitos dos arguidos, na medida em que naquela expressão se englobam "todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 202), a verdade é que, para a apreciação do caso sub judicio, aquela norma, como parâmetro de constitucionalidade, é "consumida" pelas que constam do n.º 8 do mesmo artigo e dos n.os 1 e 4 do artigo 34.º da CRP, consagrando expressamente a nulidade de todas as provas obtidas mediante "abusiva intromissão [...] nas telecomunicações", a inviolabilidade do sigilo da correspondência "e dos outros meios de comunicação privada" e a proibição da "ingerência das autoridades públicas [...] nas telecomunicações [...] salvo os casos previstos na lei em matéria de processo penal".

Ora, no citado Acórdão 407/97, a que - diga-se desde já - inteiramente se adere, estava também em causa a interpretação do inciso "imediatamente" do artigo 188.º, n.º 1, do CPP (na redacção anterior à que resultou da Lei 59/98, de 25 de Agosto), que na decisão então recorrida comportaria, sem infracção constitucional, a junção aos autos do auto de transcrição das escutas efectuadas, quatro e seis meses depois da data da intercepção e gravação.

Sempre apelando para a ponderação a que necessariamente se tem de operar entre os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica implica e os interesses mais relevantes da perseguição penal, particularmente difícil em matéria de tráfico de estupefacientes - a tensão dialéctica entre os direitos individuais de defesa do arguido e o ius puniendi do Estado -, o Acórdão 407/97 do Tribunal Constitucional acolhe as seguintes ideias-chave:

a) Consagrada constitucionalmente a proibição de ingerência nas telecomunicações (artigo 34.º, n.º 4, da CRP), a possibilidade de existir essa ingerência no quadro do que é constitucionalmente tolerado ("matéria de processo criminal") impõe que ela seja "compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 18.º, n.º 2, da Constituição";

b) A restrição do direito fundamental em causa deve, assim, limitar-se "ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente";

c) "A imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional";

d) A garantia que representa a intervenção do juiz "pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica";

e) Não se impondo que a escuta seja materialmente realizada pelo juiz, deve assegurar-se "um acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato na terminologia legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou";

f) A expressão "imediatamente" "não poderá[...] reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasasse)";

g) Pressupondo aquela expressão ("imediatamente") um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado enquanto as operações decorrerem, ela não poderá significar "a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo";

Foi com base nestas ideias que, no acórdão em causa, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional uma interpretação do artigo 188.º, n.º 1, do CPP "que não imponha que o auto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e, bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas".

Ora, no caso dos autos, a norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, com a interpretação acolhida no acórdão impugnado, não se isenta do mesmo vício de inconstitucionalidade.

Na verdade, fazer equivaler o inciso "imediatamente" "ao tempo mais rápido possível" em termos de "cobrir" situações como a de o auto de transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção da prova, restringe desproporcionadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser constitucionalmente admissível.

Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve, o que se entendeu no citado Acórdão 407/97 - como aqui se entende - colidir com os interesses acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz. E impede, ainda, a destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem interesse relevante para a prova, a que, só por si, não obsta a fixação pelo juiz de um prazo para a intercepção, no termo da qual esta deve findar.

Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero requerimento do Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do conhecimento judicial do resultado da intercepção anterior, continua a significar a mesma ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz, o que pode até traduzir-se em longos períodos (um dos postos telefónicos foi interceptado desde 3 de Novembro de 1995 a 15 de Novembro de 1996 e o outro desde 3 de Abril a 12 de Novembro de 1996 e de novo entre 31 de Março a 5 de Setembro de 1997) de utilização deste meio de obtenção de prova na disponibilidade total dos órgãos de investigação.

É certo que, tal como a decisão recorrida no Acórdão 407/97, o acórdão impugnado faz apelo às dificuldades práticas - a reconhecida carência de meios técnicos e humanos - para justificar o entendimento dado ao referido inciso "imediatamente", num quadro de exigências de repressão da criminalidade grave, praticada por redes altamente organizadas.

A esse argumento se respondeu, ainda no Acórdão 407/97, em termos que também aqui se acolhem, que tais dificuldades constituem, num processo crime, ónus do Estado de direito democrático, ónus que não pode estar a cargo do arguido, ainda que, no limite, isso signifique deixar impunes alguns, criminosos. Não é de todo admissível num Estado de direito democrático, caracterizado pela publicitação do ius puniendi, fazer reverter contra o arguido o ónus da escassez de meios e dificuldades na obtenção de prova para o condenar.

Note-se que na nova redacção dada ao artigo 188.º (em especial no n.º 3) pela Lei 59/98 (actualmente pelo Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro) se procurou obviar às alegadas dificuldades de transcrição imediata dos elementos recolhidos, pois esta só será judicialmente ordenada depois de o juiz considerar tais elementos relevantes para a prova.

Resta acrescentar que o Tribunal Constitucional tem apenas poderes para verificar a constitucionalidade de normas, pelo que lhe está vedado "declarar inválidos todos os actos que dependerem das intercepções telefónicas realizadas, conforme os artigos 122.º e 189.º do CPP", como o recorrente pretende.

Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete reformar a sua decisão em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade, extraindo dele as consequências pertinentes ao nível do direito infraconstitucional e do concreto processo crime em causa.

4 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, decide-se:

a) Julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que foi dada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado da anterior; e

b) Em consequência, conceder provimento ao recurso, ordenando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido sobre a questão de constitucionalidade.

Lisboa, 10 de Julho de 2001. - Artur Maurício - Vítor Nunes de Almeida - Maria Helena Brito - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1950945.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1993-01-22 - Decreto-Lei 15/93 - Ministério da Justiça

    Revê a legislação do combate à droga, definindo o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-15 - Decreto-Lei 320-C/2000 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Penal, estabelecendo medidas de simplificação e combate à morosidade processual.

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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