Fernando Antunes Fernandes, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo 4895/02, da 3.ª Secção, que decidiu que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção se consuma quando se verifica a transferência do dinheiro para a titularidade e a disponibilidade do beneficiário.
Em sentido oposto indicou o Acórdão da Relação do Porto de 31 de Outubro de 2001, proferido no processo 1045/01, que decidiu que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção se consuma com a prolação do despacho que aprova o projecto de candidatura ao subsídio.
Em conferência concluiu-se pela admissibilidade do recurso, tendo-se ordenado o seu prosseguimento, para que se decida quando se consuma o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro.
O recorrente, nas alegações que apresentou, após concisa abordagem da questão a decidir, emitiu posição no sentido de ser fixada jurisprudência nos termos seguintes:
«A consumação do crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, ocorre no momento da prolação da decisão de atribuição do subsídio, quando determinado por processo enganoso e fraudulento, sendo que, com tal decisão, são atribuídos os fundos, que transitam logo, da esfera jurídica do concedente para o destinatário, ainda que materialmente não transferidos.» O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, nas suas estruturadas e fundamentadas alegações, emitiu opinião no sentido da resolução do conflito jurisprudencial do modo seguinte:
«O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto pelo artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com o recebimento do subsídio ou subvenção por parte do agente, ou seja, com a transferência do quantitativo correspondente ao subsídio ou subvenção para a disponibilidade do agente.» Após julgamento em conferência, cumpre decidir.
Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica-se oposição de julgados.
A questão ora submetida à apreciação e julgamento do plenário das secções criminais deste Supremo Tribunal, qual seja a de saber quando se consuma o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, tem sido objecto de profunda controvérsia jurisprudencial. Conquanto a maioria das decisões dos nossos tribunais superiores se incline no sentido de que a consumação se verifica quando ocorre a transferência do subsídio ou subvenção para a disponibilidade do agente - acórdão recorrido (ver nota 1) -, a verdade é que num número significativo de acórdãos se vem entendendo que a consumação se dá com a prolação do despacho que aprova o projecto de candidatura ao subsídio ou subvenção acórdão fundamento (ver nota 2).
Esta última orientação assenta, fundamentalmente, nos seguintes argumentos:
O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção é um crime de execução vinculada, posto que só é susceptível de execução por uma das três formas descritas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, constituindo «uma espécie de burla», razão pela qual o que verdadeiramente releva para efeitos incriminatórios são as manobras fraudulentas, os erros e os enganos previstos naquelas alíneas, actos que antecedem a concessão do subsídio ou da subvenção e a predeterminam causalmente, sendo que todos os actos posteriores nada têm a ver com a factualidade típica da incriminação.
Com a concessão do subsídio ou da subvenção, adquire-se o direito ao recebimento dos mesmos, e a entidade concedente deixa de ter disponibilidade sobre os montantes afectos, perdendo relevância todos os actos posteriores destinados ao pagamento do subsídio ou da subvenção, não podendo valorar-se, pelo menos como fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, pelo que é no momento da prolação da decisão que os concede que aqueles se têm por definitivamente obtidos e, portanto, é nesse momento que o crime se consuma.
Relativamente à posição que faz coincidir a consumação com a disponibilização do subsídio ou subvenção, são os seguintes os fundamentos que a sustentam:
O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção é um crime de dano e de resultado, sendo que o dano e o resultado que com ele se pretendem evitar é a obtenção do subsídio ou subvenção, razão pela qual o mesmo só se mostra perfeito quando se verifica o resultado típico, ou seja, o recebimento do subsídio. Até lá, a perpetração de algum ou de alguns dos actos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, ainda que tenha ocorrido o termo da actividade delituosa por parte do agente, apenas configuram tentativa.
A modelação da factualidade típica operada pela redacção dada ao n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84 - «Quem obtiver subsídio ou subvenção [...] será punido» - conduz à conclusão de que a efectiva obtenção do subsídio, pelo recebimento ou disponibilização directa do respectivo montante pelo agente, integra o resultado do crime de dano, pelo que o crime só pode e deve ter-se por consumado com o recebimento do respectivo montante (ver nota 3).
Começando por analisar o conceito de consumação, dir-se-á que o facto só se deve ter por consumado quando se realizam todos os elementos do crime (ver nota 4).
Por isso, a consumação pode não corresponder ao momento da prática do facto, consabido que a lei substantiva considera o facto praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido - artigo 3.º do Código Penal (ver nota 5).
E o mesmo pode suceder relativamente ao exaurimento, terminação ou consumação material do crime, que tanto pode ocorrer antes, em concomitância, ou depois da consumação formal (ver nota 6).
Entrando directamente na apreciação da questão objecto do recurso, começar-se-á por observar que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção encontra-se inserido no capítulo II, secção II, subsecção II, do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, esta última sob a epígrafe «Crimes contra a economia».
Aliás, a estrutura e configuração da sua factualidade típica aponta claramente no sentido de que é efectivamente um crime contra a economia, visto que a norma que o modela e define (ver nota 7) tutela bens jurídicos supra-individuais, materialmente referenciados com a economia, designadamente com o seu funcionamento, desenvolvimento e sobrevivência (ver nota 8).
Com efeito, com o tipo legal de crime do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, pretende-se que a concessão de subsídio ou subvenção, acto relevante para a economia, se efectue com observância do condicionalismo fáctico previsto nas disposições legais que a regulam, tendo em vista os valores e interesses que conformam e desenvolvem o sistema económico, também denominado por constituição económica (ver nota 9).
Por outro lado, como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Fevereiro de 2003 (ver nota 10), o específico bem jurídico que o referido tipo legal de crime visa proteger abrange também o património público, não como mero conjunto de valores patrimoniais integrando o acervo genérico daquele património, ou mesmo como património genericamente concebido na sua dimensão funcional, mas como valores desse património público especificamente destinados mediante os subsídios ou subvenções que podem integrar - a fins concretos de programas públicos elaborados genérica e sectorialmente para a promoção desse desenvolvimento.
Na verdade, a obtenção de subsídio ou subvenção pelos meios previsto nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, atinge directamente o sector específico do património público afecto à prossecução dos objectivos que a concessão dos subsídios e subvenções visa alcançar (ver nota 11), o que assume autonomia ao nível dos interesses que a norma pretende proteger com a incriminação, tanto mais que o quantum do subsídio ou subvenção - montante consideravelmente elevado - constitui agravante modificativa, conduzindo à conclusão de que a efectiva obtenção do subsídio, pelo recebimento ou disponibilidade directa do respectivo montante pelo agente, é elemento constitutivo do crime (ver nota 12).
Conclusão a que se chega, também, a partir da análise histórica do preceito.
Vejamos.
O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, como nos dão conta Figueiredo Dias e Costa Andrade (ver nota 13), teve por fonte o direito penal germânico, concretamente o crime de burla de subvenção (Subventionsbetrug), previsto no § 264, do StGB alemão (ver nota 14).
Do cotejo do texto acabado de transcrever com o texto do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, desde logo resulta que enquanto o crime de burla de subvenção previsto pelo legislador penal alemão configura um crime de perigo abstracto e de mera actividade, posto que se preenche com a realização de uma certa acção ou omissão, não dependendo a sua consumação de qualquer dano, o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto pelo legislador penal português é desenhado como um crime de dano e de resultado ou material, visto que a sua consumação depende do efectivo recebimento do subsídio ou subvenção (ver nota 15) (ver nota 16).
Com efeito, enquanto o tipo de crime do § 264, do StGB, se mostra preenchido logo que o agente se comporte por qualquer das formas previstas no seu n.º 1, independentemente das consequências ou resultado do comportamento assumido - o texto é unívoco ao dispor que «[é] punido com prisão até 5 anos ou com multa quem [1)] fornecer [...]» (ver nota 17) -, o do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84 só se mostra preenchido com a disponibilização ou recebimento do subsídio ou subvenção - o texto legal é claro, não deixando margem para qualquer dúvida, consabido que estabelece: «Quem obtiver subsídio ou subvenção [...] será punido [...]» (ver nota 18).
Aliás, sendo o artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, praticamente decalcado do § 264 do Código Penal alemão, a verdade é que se o legislador nacional tivesse querido manter o facto como de perigo abstracto e de mera actividade, como no ordenamento jurídico-penal alemão se mostra claramente conformado, obviamente que, ao contrário do que fez, teria mantido a redacção inicial do texto do § 264 do StGB, o que significa ter sido sua intenção criar um crime de conformação diferente, ou seja, o legislador português não quis fazer recuar a protecção penal, antecipando a tutela dos bens jurídicos, tal qual fez o legislador alemão, tendo optado por uma maior exigência, fazendo depender a punição da obtenção (disponibilização ou recebimento) do subsídio ou subvenção.
Por outro lado, a própria lei - artigo 21.º do Decreto-Lei 28/84 - considera subsídio ou subvenção «a prestação feita a empresa ou unidade produtiva [...]».
Prestação feita não pode deixar de ser prestação realizada e esta, quando tem natureza pecuniária, só o está quando é entregue.
Finalmente, há que ter atenção o que preceitua, sob a epígrafe «Restituição de quantias», o artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84.
Ali se estabelece:
«Além das penas previstas nos artigos 36.º e 37.º, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas.» Fazendo a interpretação gramatical e sistemática do preceito, dir-se-á que ao determinar-se que o tribunal condene sempre, para além das penas previstas no artigo 36.º, na restituição das quantias ilicitamente obtidas, está necessariamente a pressupor-se que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção implica a entrega ao agente do subsídio ou subvenção (ver nota 19).
Deste modo, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, não se pode deixar de considerar que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção (só) se consuma com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e fixar a jurisprudência seguinte:
«O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.» Custas pelo recorrente, com 20 unidades de conta de taxa de justiça.
(nota 1) Orientaram-se neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 11 de Fevereiro de 1993, Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano I, t. I, p. 194, de 17 de Abril de 1996, processo 48763, de 26 de Junho de 1997, processo 91/97, 3.ª Secção, de 27 de Maio de 1998, processo 1427/98, 3.ª Secção, de 8 de Outubro de 1998, Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano III, p.
187, de 25 de Novembro de 1999, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 491, p.
194, de 23 de Março de 2000, Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano VIII, t. I, p. 229, de 1 de Fevereiro de 2001, processo 368/00, 5.ª Secção, de 7 de Fevereiro de 2002, processo 4468/01, 5.ª Secção, de 30 de Janeiro de 2002, Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano X, t. I, p. 193, e de 19 de Fevereiro de 2003, Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano XIII, t. I, p.
201.
(nota 2) Perfilharam este entendimento, entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Novembro de 1991, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 411, p. 444, de 1 de Março de 1995, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 445, p. 239, de 8 de Novembro de 1995, Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano III, p. 230, de 16 de Janeiro de 1997, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 463, p. 452, de 8 de Outubro de 1997, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 470, p. 162, de 5 de Novembro de 1997, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 471, p. 31, de 28 de Outubro de 1998, processo 282/98, 3.ª Secção, de 2 de Dezembro de 1998, processo 43402, 3.ª Secção, 2 de Novembro de 1999, processo 1178/98, 3.ª Secção, e de 15 de Junho de 2000, processo 1903/02, 5.ª Secção.
(nota 3) Não de todo o montante. Basta o recebimento parcial, nomeadamente da usualmente verificada «primeira tranche», consabido que, em geral, a consumação, no sentido de consumação formal, não exige o acabamento, a perfeição, o exaurimento, no sentido de consumação material do crime pela obtenção da totalidade do resultado, sendo suficiente para a verificação do crime o preenchimento dos requisitos mínimos, ou seja, dos elementos essenciais da incriminação.
(nota 4) A consumação é um conceito formal: equivale à realização formal de um tipo legal de crime.
(nota 5) O nosso legislador optou na definição do momento da prática do facto pela chamada teoria da acção, por contraposição às teorias do evento e mista, segundo a qual é pelo momento em que foi perpetrada a acção delituosa que se afere o tempus delicti commisi.
Assim, é a actividade do agente que decidirá de forma exclusiva do tempo da infracção, sendo inoperante o momento em que o resultado típico, nas infracções materiais, se produz, a menos que haja disposição especial que derrogue a regra geral. É o que sucede precisamente com a prescrição, questão que se encontra subjacente ao acórdão recorrido, cujo respectivo prazo corre desde o dia em que o facto se consuma - artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal.
(nota 6) Cf. H. Jescheck, Tratado de derecho penal - Parte general, 4.ª ed., 1993, p. 468.
(nota 7) É do seguinte teor o texto do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84:
«1 - Quem obtiver subsídio ou subvenção:
a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção;
b) Omitindo, contra o disposto no regime legal da subvenção ou do subsídio, informações sobre factos importantes para a sua concessão;
c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas:
será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias.
2 - Nos casos particularmente graves, a pena será a de prisão de 2 a 8 anos.
3 - Se os factos previstos neste artigo forem praticados em nome e no interesse de uma pessoa colectiva ou sociedade, exclusiva ou predominantemente constituídas para a sua prática, o tribunal, além da pena pecuniária, ordenará a sua dissolução.
4 - A sentença será publicada.
5 - Para efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente:
a) Obtém para si ou para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos;
b) Pratica facto com abuso das suas funções ou poderes;
c) Obtém auxílio do titular de um cargo ou emprego público que abusa das suas funções ou poderes.
6 - Quem praticar os factos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 com negligência será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias.
7 - O agente será isento de pena se:
a) Espontaneamente impedir a concessão da subvenção ou do subsídio;
b) No caso de não serem concedidos sem o seu concurso, ele se tiver esforçado espontânea e seriamente para impedir a sua concessão.
8 - Consideram-se importantes para a concessão de um subsídio ou subvenção os factos:
a) Declarados importantes pela lei ou entidade que concede o subsídio ou subvenção;
b) De que dependa legalmente a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem daí resultante.» (nota 8) Para Figueiredo Dias e Costa Andrade, «Sobre os crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e desvio de subvenção ou subsídio e crédito bonificado», publicado em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 4, 1994, pp. 337-368, republicado em Direito Penal Económico e Europeu Textos Doutrinários, II, 1999, pp. 321-345, os bens jurídicos protegidos no crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, atenta a sua inserção no direito penal secundário, correspondem aos referentes teleológicos da política económica tidos como dignos de tutela penal e dela carecidos - bens de índole supra-individual, com relevância directa para o sistema económico, constituindo elemento decisivo na definição do âmbito da matéria proibida, do concurso, do locus delicti, etc.
(nota 9) Como é sabido, o direito penal económico é a área do direito penal que protege bens jurídicos supra-individuais, que se caracterizam materialmente pela sua relevância directa para o sistema económico cuja sobrevivência, funcionamento e implementação se pretende assegurar - Costa Andrade, «A nova lei dos crimes contra a economia à luz do conceito de bem jurídico», in Direito Penal Económico e Europeu - Textos Doutrinários, I (1985), pp.
387-411.
O principal valor de referência nos crimes económicos é pois a própria economia, com destaque para a ordem económica como um todo - Mireille Delmas-Marty, Droit pénal des affaires - Les infractions, 2.ª ed., 1981, pp. 23 e 24.
(nota 10) Publicado em Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano XI, I, p. 201.
(nota 11) De acordo com o artigo 21.º do Decreto-Lei 28/84:
«Para efeitos deste diploma, considera-se subsídio ou subvenção a prestação feita a empresa ou unidade produtiva, à custa de dinheiros públicos [...]» (nota 12) O (mero) fornecimento de informações inexactas ou incompletas, a omissão de informações e a utilização de documento nos termos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84 não afectam, directa ou indirectamente, o sistema económico, a ordem económica ou o erário público, sendo que só a transferência do subsídio ou subvenção da entidade competente para o agente afecta a economia e causa prejuízo ao Estado, isto é, lesa os bens jurídicos tutelados pelo crime.
(nota 13) Ibidem.
(nota 14) É do seguinte teor o § 264 da codificação penal germânica:
«1 - É punido com prisão até 5 anos ou com multa quem:
1) Fornecer a uma autoridade competente para a concessão de uma subvenção ou a um serviço ou pessoa (dador de subvenção) que intervém no processo de decisão da subvenção informações inexactas ou incompletas sobre factos relevantes para a concessão da subvenção, relativos a si ou a terceiro e vantajosos para si ou para terceiro;
2) Em violação das disposições legais relativas à concessão de uma subvenção, deixar a entidade competente para a decisão no desconhecimento de factos relevantes para a concessão da subvenção; ou 3) Num processo de concessão de subvenção utilizar um certificado justificativo da subvenção relativo a factos relevantes para a concessão da subvenção, obtido através de informações inexactas ou incompletas.
2 - ...........................................................................
3 - ...........................................................................
4 - ...........................................................................
5 - ...........................................................................
6 - Para efeitos deste preceito é subvenção a prestação feita a unidade de produção (Betrieb) ou empresa (Unternehmen) com dinheiros públicos, segundo o direito federal, estadual ou direito das Comunidades Europeias, e que, pelo menos em parte:
1) É concedida sem contraprestações conformes às regras do mercado; e 2) Deve servir o desenvolvimento da economia.» (nota 15) Neste preciso sentido, Figueiredo Dias e Costa Andrade, ibidem.
(nota 16) É usual contrapor aos crimes de perigo os crimes de dano, bem como aos crimes materiais ou de resultado os crimes de mera actividade, categorias que resultam da relação existente entre a conduta do agente e o bem jurídico protegido. Enquanto os crimes de perigo se caracterizam pela não exigência típica de efectiva lesão do bem jurídico tutelado, razão pela qual a consumação se basta com o risco (efectivo ou presumido) de lesão do bem jurídico, risco esse que se consubstancia numa situação de perigo, a qual só por si tutelada está pela norma, constituindo ao fim e ao cabo o resultado que se pretende evitar, indissoluvelmente ligado, evidentemente, ao bem jurídico que aquele visa proteger, os crimes de dano implicam quer a realização de uma certa acção ou omissão quer a produção de um dano ou resultado, razão pela qual só ocorrerá a consumação caso se verifique o evento antijurídico, que normalmente o agente pretende produzir e que a norma pretende evitar.
Por outro lado, os crimes materiais ou de resultado caracterizam-se pelo facto de a consumação só ocorrer caso se verifique o evento antijurídico, que a incriminação pretende evitar, sendo que os crimes de mera actividade são aqueles que se esgotam com a realização de uma certa acção ou omissão.
(nota 17) Segundo referem Figueiredo Dias e Costa Andrade no estudo a que vimos de aludir, citando Schmidt-Hieber, o crime do § 264 do StGB está preenchido logo que são prestadas informações inexactas à autoridade competente para atribuir a subvenção, mesmo que, para além disso, não se alcance qualquer outro resultado, não sendo sequer necessário que se coloque aquela autoridade em estado de erro; o tipo tem-se por preenchido mesmo que quem concede a subvenção conheça a verdade dos factos, ou o engano resulte imediatamente claro.
(nota 18) Segundo a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 19, p. 146, e o Dicionário Universal da Língua Portuguesa Ilustrado, vol. 4, p. 78, obter significa alcançar qualquer coisa que se quer ou que se pretende, chegar a qualquer efeito ou resultado, lograr, levar a cabo.
(nota 19) Note-se que o legislador utiliza aqui a palavra obtidas com o sentido de recebidas.
23 de Novembro de 2005. - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - João Luís Marques Bernardo - Alfredo Rui Francisco do Carmo Gonçalves Pereira - Luís Flores Ribeiro - Florindo Pires Salpico - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira - António Joaquim da Costa Mortágua - Políbio Rosa da Silva Flor - António Artur Rodrigues da Costa - José Vítor Soreto de Barros - Armindo dos Santos Monteiro - João Manuel de Sousa Fonte - Arménio Sottomayor.