Resolução do Conselho de Ministros n.º 198/2005
No âmbito da reforma em curso da administração central do Estado, determinada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 124/2005, de 4 de Agosto, importa proceder à «reforma dos laboratórios do Estado, estabelecendo missões e contratos orientadores, especialmente de apoio à actividade reguladora e fiscalizadora do Estado e à actividade económica, à tomada de decisões e minimização de riscos». De facto, as orientações incluídas no Programa do Governo são claras, nomeadamente no que se refere ao enraizamento de uma cultura exigente de avaliação e de qualidade, que se quer ver generalizada a todos os sectores da vida nacional. Vencer o atraso científico é hoje condição imprescindível para o nosso progresso económico e social, tendo necessariamente de abranger os laboratórios do Estado.
Os laboratórios do Estado são instituições públicas de investigação, criadas e mantidas com o propósito explícito de contribuir, através de actividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico, para a formulação e implementação de políticas públicas, podendo ainda desenvolver actividades relacionadas com o seu objecto, como a prestação de serviços, o apoio ao sector privado e às empresas em particular, a realização de peritagens, procedimentos de normalização, certificação e regulamentação e outras.
Actualmente os laboratórios do Estado, cujas tutelas são exercidas pelo respectivo ministério em articulação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, são a Direcção-Geral de Protecção das Culturas (DGPC), o Instituto Nacional de Investigação Agrária e das Pescas, I. P. (INIAP), o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, I. P. (LNIV), cujas respectivas tutelas cabem ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, o Instituto de Genética Médica Doutor Jacinto de Magalhães (IGM), o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), cujas respectivas tutelas cabem ao Ministério da Saúde, o Instituto Hidrográfico (IH), cuja tutela cabe ao Ministério da Defesa Nacional, o Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI), cuja tutela cabe ao Ministério da Economia e da Inovação, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), cuja tutela cabe ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o Instituto de Investigação Científica Tropical, I. P. (IICT), cuja tutela cabe ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e o Instituto de Meteorologia, I. P. (IM), e o Instituto Tecnológico e Nuclear, I. P. (ITN), cuja tutela cabe ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Em 2003, por mera fusão administrativa, o Instituto das Pescas e do Mar foi integrado no INIAP e o Instituto Geológico e Mineiro no INETI.
Numa perspectiva histórica, note-se que no século XIX europeu o desenvolvimento de laboratórios do Estado em vários países acompanhou o reforço da presença do Estado na área de ciência e tecnologia (C&T). Em Portugal, o desenvolvimento institucional dos laboratórios do Estado só viria a ocorrer durante o Estado Novo e foi marcado por políticas de curta duração, dirigidas a objectivos claros e investimentos modestos em ciência e tecnologia. Na verdade, até meados da década de 80 a política nacional de ciência e tecnologia era caracterizada por uma base científica dispersa e incipiente, onde, todavia, se devem destacar os planos de fomento, que incluíram estímulos escassos às actividades de I&D, contando com alguns laboratórios do Estado como os principais núcleos para actividades científicas.
É apenas durante a segunda metade dos anos 90, com o Programa do Governo do XIII Governo Constitucional, que é assumido o reforço das instituições científicas e valorizada a actividade de investigação científica, nomeadamente reformando «a actual matriz dos laboratórios do Estado [...] em condições de maior eficiência, identificação e ligação aos utilizadores, concentração e actualização das missões de investigação, certificação e difusão científica e tecnológicas, rejuvenescendo os seus quadros onde necessário e dotando esses organismos de órgãos de avaliação e acompanhamento eficazes, de composição internacional».
Consequentemente, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/96, de 16 de Janeiro, o Governo incumbiu o Ministro da Ciência e da Tecnologia de desencadear uma profunda e independente avaliação dos laboratórios do Estado.
Esta avaliação foi levada a cabo por especialistas organizados em grupos internacionais de avaliação, escolhidos por um Comité Internacional de Aconselhamento, e apoiada por comissões portuguesas de acompanhamento constituídas por personalidades de diversos sectores relevantes, tendo sido os próprios laboratórios convidados a pronunciar-se sobre os relatórios de avaliação. Coube ao Comité Internacional de Aconselhamento, que acompanhou todos os passos deste processo, definir a metodologia utilizada e validar a avaliação, elaborando sobre ela uma análise e recomendações próprias, as quais constam do 1.º Relatório da Comissão Internacional de Aconselhamento, intitulado Os Laboratórios do Estado: Um Sistema a Necessitar de Reengenharia - 1997.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 133/97, de 12 de Agosto, tornou público os resultados desta avaliação e adoptou um conjunto de orientações de reforço, valorização e diversificação da actividade de investigação científica de interesse público nestes laboratórios.
Nesta sequência, em 1998 foi criado na Fundação para a Ciência e Tecnologia o Programa de Apoio à Reforma dos Laboratórios do Estado, dirigido para a orientação para missões específicas de interesse público, gestão por objectivos, rejuvenescimento dos recursos humanos de investigação, organização em torno de equipas de projecto lideradas por um investigador responsável e uma autonomia acrescida e flexibilidade de gestão das equipas de projecto sob a responsabilidade do investigador responsável correspondente.
Ainda neste contexto, em Abril de 1999 foram aprovados os novos regimes jurídicos da carreira de investigação científica (Decreto-Lei 124/99, de 20 de Abril) e do Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica (Decreto-Lei 123/99, de 20 de Abril), iniciou-se o processo de alteração das leis orgânicas dos laboratórios do Estado e foram concretizadas algumas medidas de descongelamento progressivo das admissões de pessoal investigador.
Foi também aprovado em 1999 o regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação científica e ao desenvolvimento tecnológico (Decreto-Lei 125/99, de 20 de Abril), que pela primeira vez aborda, de forma integrada, os diversos tipos de instituições, consagrando os princípios gerais aplicáveis à actividade de investigação, o acompanhamento e a avaliação científica das instituições, com tradução na respectiva orgânica interna, à contratação de recursos humanos e um sistema de gestão financeira e patrimonial, de entre outros aspectos. Neste regime é clara a definição da natureza jurídica dos laboratórios do Estado e da sua missão enquanto instituições que, por contraposição às demais instituições de investigação, levam a cabo missões de investigação e desenvolvimento tecnológico que assumem um incontornável interesse público, por exemplo na minimização e gestão de riscos públicos.
Em Março de 2001, o Comité Internacional de Aconselhamento entregou um relatório de acompanhamento do qual emergiram três grandes recomendações para concretizar o reforço do País em C&T: i) prosseguir com o aumento da relevância dos laboratórios do Estado para as políticas públicas e os temas específicos de interesse público para Portugal; ii) aumentar a inserção dos laboratórios do Estado no Espaço Europeu de Investigação; e iii) melhorar a transferência de conhecimento e promover um papel mais amplo em educação e formação.
Neste relatório eram também apontadas certas condições de competitividade, mantendo a especificidade dos laboratórios do Estado, que, a não serem asseguradas, limitariam gravemente a sua utilidade. Desde logo, a remoção do excessivo peso da burocracia e uma não descentralização efectiva de responsabilidades, ligada à ausência de um efectivo controlo a posteriori e de estruturas de aconselhamento adequadas, a introdução de um planeamento financeiro a médio prazo baseado em estratégias explícitas e com um equilíbrio cuidadoso entre fundos de funcionamento e de investimento, e recomendava-se a garantia de uma maior flexibilidade na distribuição de recursos humanos, de modo a favorecer o seu uso mais eficiente para as tarefas mais valiosas e a superar o envelhecimento do pessoal em todos os laboratórios do Estado.
Nesta senda, foi decidido pelo Conselho de Ministros, através da sua Resolução 55/2001, de 25 de Maio, a criação de um grupo de trabalho que apresentasse medidas tendentes ao desenvolvimento do enquadramento da gestão financeira e patrimonial dos laboratórios do Estado.
Não obstante, a partir de 2002 não só estas recomendações e condições não tiveram quaisquer desenvolvimentos significativos como em diversos aspectos se verificou um desacompanhamento e até uma regressão no trabalhado até então desenvolvido.
Exemplos desta regressão foram a fusão administrativa de alguns laboratórios ou a consideração de que a missão dos laboratórios do Estado era, essencialmente, a prestação directa de serviços aos agentes económicos, tal como consta do relatório sobre a reorganização dos laboratórios do Estado elaborado na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 146/2004, de 29 de Outubro, esquecendo a sua contribuição, em algumas áreas bem mais significativas, para a prossecução de políticas públicas, designadamente no contexto da inserção de Portugal na EU.
Outro exemplo da situação de grande precariedade gerada nos últimos anos foi a perda da autonomia administrativa e financeira de alguns laboratórios do Estado com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2003.
Consequências directas desta perda são, por exemplo, a indisponibilidade de receitas próprias e ou a sua rentabilização, a impossibilidade de recurso ao crédito e uma menor capacidade de, autonomamente, realizar despesas, tudo apesar de o Decreto-Lei 125/99, de 20 de Abril, determinar, com toda a clareza, as regras aplicáveis à contabilidade e à gestão destas instituições e a respectiva orgânica de fiscalização, controlo e acompanhamento.
Considerando que o rápido desenvolvimento científico do País é hoje condição absolutamente necessária para o desenvolvimento económico e social, aquelas consequências impunham, desde logo e por si só, a reposição do regime da autonomia financeira dos laboratórios do Estado, concretizada pelo XVII Governo Constitucional através do Decreto-Lei 141/2005, de 17 de Agosto.
A aposta do XVII Governo Constitucional no desenvolvimento científico vai a par com uma exigência acrescida da qualidade do trabalho dos cientistas e das suas instituições, incluindo o reforço científico e das condições das instituições, dos projectos e das carreiras individuais, assim como a relevância dos seus contributos para o sucesso de políticas públicas, incluindo o governo e a gestão de riscos públicos. Assim, de acordo com o Programa do Governo, é considerado que a reposição da autonomia financeira, embora imprescindível, não é suficiente para que os laboratórios do Estado possam, sem mais, continuar a sua renovação, sendo antes necessário, em articulação com a reforma em curso para a Administração Pública, proceder à actualização da execução da avaliação realizada em 1997 e das recomendações do relatório de acompanhamento de 2001, com especial enfoque na capacidade científica e técnica necessária para grandes questões de interesse público, incluindo a prevenção de riscos públicos. O conhecimento científico e a capacidade técnica devem apoiar a modernização do tecido económico e social e a competitividade do País, mas também contribuir para a concepção e execução de políticas públicas, para proteger as pessoas, salvaguardar os recursos naturais, antecipar riscos e catástrofes, salvar vidas e ajudar a tomar decisões certas.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Encarregar o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de, em articulação com os ministros da tutela de cada um dos laboratórios e em concertação com o Ministro de Estado e das Finanças e com o Ministro de Estado e da Administração Interna, preparar uma proposta de reforma do sistema actual dos laboratórios do Estado para apreciação pelo Governo.
2 - Indicar que o âmbito da reforma a empreender deve incluir decisões sobre as seguintes questões:
a) Manutenção, fusão, segmentação ou extinção de cada um dos laboratórios do Estado;
b) Definição das missões e do regime jurídico, administrativo e financeiro de todos os laboratórios;
c) Mecanismos de avaliação e acompanhamento, de criação de emprego científico e técnico e de mobilidade e gestão dos recursos humanos;
d) Localização dos laboratórios do Estado e conversão ou reafectação do património imobiliário actual;
e) Financiamento do programa de reformas e modelo sustentado de financiamento de cada um dos laboratórios;
f) Cooperação e partilha de responsabilidades e de recursos entre laboratórios do Estado, universidades, laboratórios associados e outras instituições, públicas e privadas;
g) Definição, com base na redefinição das respectivas missões, de contratos-programa para a execução de políticas públicas.
3 - Indicar que a proposta de reforma dos laboratórios do Estado acima referida deve ser submetida à apreciação do Governo até Maio de 2006 e as orientações que vierem a ser aprovadas pelo Governo serão objecto de consulta pública.
4 - Indicar que a proposta de reforma do sistema actual dos laboratórios do Estado deve ter por base as recomendações de um grupo internacional de trabalho que ora se cria na dependência do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, com o objectivo de apoiar o Governo nesta reforma.
5 - Encarregar o grupo internacional de trabalho de formular recomendações para a reforma dos laboratórios do Estado após ter procedido à análise da sua situação actual, nomeadamente desde a avaliação intercalar de 2001, a qual deve ter em especial atenção:
a) A evolução do contexto nacional e internacional em termos da actividade desenvolvida em cada um dos laboratórios do Estado;
b) A evolução do desempenho científico dos laboratórios do Estado e da qualificação dos seus recursos humanos, nomeadamente para fazer face aos desafios que emergem para o conhecimento de interesse público;
c) A evolução da actividade dos laboratórios do Estado de apoio ao Governo em matérias de interesse público, designadamente de riscos públicos e valorização dos recursos naturais e do desenvolvimento da sua actividade em face do património por eles detido.
6 - Determinar que, até ao dia 31 de Dezembro de 2005, cada laboratório do Estado deve entregar ao grupo de trabalho um relatório circunstanciado sobre a sua situação actual visando, especialmente, a natureza do seu trabalho, a qualificação técnica e científica dos recursos humanos e a natureza do seu vínculo à instituição e a afectação dos seus recursos económicos, financeiros e patrimoniais, incluindo receitas próprias.
7 - Determinar que o calendário a seguir pelo grupo internacional de trabalho criado na dependência do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é o seguinte:
a) Entre Janeiro e Março de 2006 o grupo internacional de trabalho deve proceder a visitas circunstanciadas aos laboratórios do Estado;
b) No mês de Março de 2006 o grupo de trabalho deve apresentar ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e aos ministros com tutela sobre os laboratórios do Estado um relatório preliminar sobre a situação actual dos laboratórios do Estado e recomendações sobre a sua reforma e convidar os laboratórios do Estado a pronunciarem-se sobre ele;
c) No mês de Abril de 2006 o grupo de trabalho deve apresentar ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e aos ministros com tutela sobre os laboratórios do Estado o relatório conclusivo sobre a situação actual dos laboratórios do Estado e recomendações sobre a sua reforma, tendo em consideração os resultados da audição referida na alínea anterior e os trabalhos desenvolvidos no quadro do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado;
d) Entre Abril e Maio de 2006 o grupo de trabalho deve apoiar o Governo na preparação da proposta de reforma dos laboratórios do Estado, assegurando, designadamente, a articulação entre as suas conclusões e os trabalhos desenvolvidos no quadro do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado;
e) A partir de Maio, e sempre que necessário, o grupo internacional de trabalho deve apoiar o Governo no processo de consulta e discussão pública sobre a proposta de reforma entretanto preparada pelo Governo.
8 - Nomear o professor Jean-Pierre Contzen (presidente do grupo internacional de avaliação de laboratórios do Estado entre 1997 e 2001) presidente do grupo internacional de trabalho e determinar que os restantes membros, até ao máximo de quatro, são nomeados pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, sob proposta do presidente do grupo de trabalho, a apresentar até 15 de Dezembro.
9 - Determinar que os encargos associados ao grupo internacional de trabalho são:
9.1 - Suportados de acordo com os parâmetros em vigor para os avaliadores científicos que constituem os painéis de avaliação dos projectos da responsabilidade da Fundação para a Ciência e Tecnologia;
9.2 - Suportados e têm cabimento no âmbito do projecto «Apoio à reforma de institutos públicos ou de instituições públicas de investigação» inscrito no orçamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
10 - Determinar que o grupo internacional de trabalho tem como período de duração máxima três anos.
11 - Determinar que todo o apoio técnico, logístico e administrativo ao grupo de trabalho é prestado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
12 - Revogar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 146/2004, de 29 de Outubro.
Presidência do Conselho de Ministros, 24 de Novembro de 2005. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.