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Recomendação 1/2001, de 8 de Março

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Texto do documento

Recomendação 1/2001. - Minorias, educação intercultural e cidadania:

Preâmbulo

No uso da competência que lhe é conferida pela sua Lei Orgânica, republicada em anexo ao Decreto-Lei 241/96, de 17 de Dezembro, nos termos regimentais, e por iniciativa própria, após apreciação do projecto de recomendação elaborado pelos conselheiros Fernando de Jesus Regateiro e Cassiano Maria Reimão, o Conselho Nacional de Educação, em sua reunião plenária de 15 de Fevereiro de 2001, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, a sua primeira recomendação no decurso do ano de 2001.

Recomendação

Na génese desta recomendação ao Governo encontra-se, em primeiro lugar, a realidade crescentemente multicultural da sociedade portuguesa a exigir uma reflexão aprofundada e a proposta de intervenções específicas.

Por outro lado, o CNE tem vindo, ao longo dos anos, a reflectir, nas suas iniciativas, as questões que se gerem em torno das minorias étnicas, da multiculturalidade e da cidadania, pelo que há um corpo de pensamento expresso de forma pública e que é oportuno repor sucintamente.

Assim, no parecer 3/91, dedicado ao "Programa de educação cívica para a participação nas instituições democráticas", elaborado pela conselheria relatora Ana Benavente, é salientado, a este propósito, o papel da escola, sobressaindo a ideia de que a escola deverá ser um espaço de cidadania, pelos fins e pelos objectivos a alcançar, pelas capacidades a assegurar e pelas metodologias a promover.

Na recomendação 2/92, sobre a "Dimensão europeia da educação", elaborada pelo conselheiro relator Guilherme d'Oliveira Martins, é dada uma forte ênfase à multiculturalidade, no pressuposto de que a cultura portuguesa só tem a ganhar no seu relacionamento com outras culturas. Neste sentido, é colocada a tónica no facto de a abertura da sociedade e da escola (assumindo como prioritário o ensinar com espírito europeu, pondo em prática o método do diálogo, do intercâmbio e do melhor conhecimento mútuo) dever funcionar como complementariedade dos valores e dos interesses dos povos. Só assim, no seu entendimento, se aprofunda a cidadania, através do assumir das responsabilidades, da tolerância, da abertura e da prática do respeito, num contexto mais vasto de inter-influências e numa dialéctica enriquecedora entre o uno e o múltiplo.

Do parecer 4/94, sobre o "Desenvolvimento pessoal e social - programa do 3.º Ciclo do ensino básico", elaborado pelo conselheiro relator Manuel Ferreira Patrício, retira-se, como elemento central e decisivo, a ideia de que são os comportamentos assumidos pelos homens que expropriam o próprio homem da sua plena dignidade. Daí o seu posicionamento em relação ao racismo, condenando-o como atitude e comportamento errado face à humanidade de todos os homens e cada homem, subsumindo-se, logicamente, a defesa das minorias étnicas. Avança mesmo com a noção de que a diferença não é apenas tolerável, mas merecedora de respeito. Reforça, finalmente, a ideia de que, em todos os aspectos, incluindo este, é a escola, no seu todo, um espaço de formação pessoal que deve preocupar-se com a natureza e o conteúdo do trabalho formativo a desenvolver.

No parecer 1/98, sobre "Desenvolvimento pessoal e social - programa para o ensino secundário", elaborado pelo conselheiro relator Fernando J. Regateiro, é defendido que "o desenvolvimento pessoal e social passa pela reflexão pessoal sobre o 'eu' e inscreve-se numa interacção com o meio ambiente, a comunidade educativa, a tradição, os hábitos, a cultura e a história do povo português com respeito pela diversidade regional e local que determina sistemas valorativos diversos, atitudes e comportamentos diversos". Esta diversidade será "relativa quando se refere a valores como a dignidade humana, que transcedem o indivíduo e as fronteiras e se referem ao homem, independentemente da raça, do sexo ou da nacionalidade. Deverá ainda transceder a Nação e o Estado e facilitar a pertença a espaços alargados física e culturamente como elo da construção da cidadania mundial. [...] A formação pessoal e social deve ser vista como componente essencial da estratégia educativa para servir ao longo da vida como pilar da formação para a cidadania.".

O parecer 3/99, relativo aos "Objectivos e estratégicas das políticas de educação/formação, no âmbito do Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social 2000-2006", elaborado pelos conselheiros relatores Augusto Santos Silva e José Maria Azevedo, dedica um ponto à educação para a cidadania, considerada como eixo fundamental de desenvolvimento da educação, que atravessa diametralmente todos os níveis e subsistemas de ensino e de formação. Na opinião dos responsáveis pelo parecer, existe mesmo uma uniformidade de pensamento do CNE sobre a linha estratégica apresentada no PNDES, para a educação e formação, conceptualizando, em que o esforço para a aquisição de atitudes e de competências facilitadoras do desenvolvimento pessoal, da inserção social e da participação na sociedade democrática, surge como razão para a educação na cidadania.

No parecer 3/2000, sobre a "Proposta de reorganização curricular do ensino básico", elaborado pelos conselheiros relatores Fernando J. Regateiro, José Pacheco e Luís Filipe Santos, o CNE suporta o entendimento da escola como espaço priveligiado de educação para a cidadania que não se esgota nas aprendizagens disciplinares tradicionais.

Do relato do seminário promovido pelo CNE, em 1996, sobre o tema "Educar e formar ao longo da vida", é salientado por Isabel Guerra, no segundo painel subordinado ao tema "A exclusão social e escolar", o papel da escola na promoção da igualdade de oportunidades para maiorias e e minorias e como instituição de coesão social. Márcia Trigo refere-se a uma escola que valorize as diferenças e promova a qualidade da educação para todas as crianças, independentemente da sua origem social, étnica ou religiosa e acentua a importância da criação de uma cultura de residência à desigualdade, protegendo, desta forma, as minorias, quer étnicas quer culturais. Fernando Medina realça o papel da educação como meio para a construção da democracia e salienta que a cidadania se cimenta sempre que construímos ambientes educativos que são, em si mesmos, ambientes de cidadania.

No seminário do CNE, realizado em 1996 sobre "Educação e meios urbanos: problemas e caminhos do desenvolvimento", é afirmado pela presidente do CNE, como um dos objectivos: "reflectir sobre as relações entre a cultura escolar e a cultura das minorias (sociais, étnicas, religiosas, etc.)". E, na abordagem do tema "Educação em meio urbano", o conselheiro Augusto Santos Silva definiu as escolas como espaços de acolhimento de públicos diferenciados e diversificados, como uma organização potenciadora do encontro de diferentes culturas e como um território educativo que permite o exercício da cidadania.

Na conferência promovida sobre "Política educativa, construção da Europa e identidade nacional", que teve lugar em 1997, a educação para o exercício da cidadania foi o tema inicial do encontro, tendo o conselheiro Veiga Simão reforçado a ideia da cidadania através da participação como chave do sucesso do futuro. Advogou ainda a existência de uma nova escola que prepare para uma nova cidadania, em que as grandes finalidades da educação se reorientem para a vida e para a felicidade humana e tenham uma natureza e uma dimensão plural. O conselheiro Adriano Moreira defendeu a necessidade de esbater as fronteiras, de a cidadania ser exercida em função das vizinhanças e de se respeitar o direito de emigrar e de imigrar, aproximando-nos do supranacionalismo e do multiculturalismo. A gestão das incertezas está associada ao pleno exercício da cidadania.

Do estudo realizado pela conselheira Ana Benavente sobre "Literacia em Portugal" (1996), por solicitação do CNE, realça-se o capítulo 6 como um contributo essencial para a compreensão da problemática das minorias étnicas, do multiculturalismo e da cidadania.

O contexto que decorre dos trabalhos referidos e o ambiente de inquietude ainda mais ampla que o CNE reflecte e alimenta sobre as problemáticas associadas às relações entre "minorias, educação intercultural e cidadania", constituem um segundo e, certamente, o mais forte dos motivos para a elaboração desta recomendação.

Um terceiro motivo resultou do envolvimento recente do CNE, como membro da Rede Europeia de Conselhos Nacionais de Educação (EUNEC), em conjunto com o Conselho de Educação de Estado de Espanha, na preparação e no desenvolvimento dos trabalhos de um seminário intitulado "Mobility, intercultural education and citizenship" que teve lugar em Madrid em 22 e 23 de Setembro de 2000. No âmbito nacional, promovido pelo Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas e pelo CNE, realizou-se em Lisboa, em 15 de Setembro de 2000, um seminário subordinado ao tema "Educação intercultural e cidadania".

Para a elaboração desta proposta de recomendação foram ainda tidas em consideração as opiniões expandidas em audição, realizada no CNE, pelo Padre Dr. Miguel Ponces de Carvalho, do Secretariado Entreculturas, pelo Prof. António Mendo Castro Henriques, do Instituto de Defesa Nacional, pelo Prof. Pedro Natal da Luz, da Escola Superior de Educação de Torres Novas, e pelo Prof. Doutor José Manuel Pureza, da Universidade de Coimbra.

1 - A questão das minorias. - Os intensos fluxos migratórios em cada país da Europa, entre os diversos países do espaço europeu e entre estes e as demais regiões do mundo, estão a gerar uma crescente diversidade social e cultural, a par da constituição de grupos sociais minoritários. Tal facto tem vindo a constituir-se numa realidade crescente e em mudança rápida e constante, geradora de complexos cenários multiculturais, multiétnicos, multilinguísticos, multirreligiosos, a exigirem políticas integradas dirigidas para soluções de índole educativa, social e económica.

O conceito de minoria, mais do que um conceito estatístico, diz respeito a membros de uma sociedade que não se incluem no grupo cultural ou étnico dominante. Trata-se, assim, de um conceito sociológico que reflecte subalternidade em relação ao poder e ao prestígio sociais. Em termos localizados, os membros de uma minoria podem, inclusive, ser maioritários (v. g., pela escolha discricionária e uma determinada escola pelos pais).

Por outro lado, as minorias também não se constituem obrigatoriamente a partir de diferenças de nacionalidade ou de etnia. Dentro de um país, entre nacionais, também se podem constituir minorias por razões de identificação em bases geográficas, sócio-económicas, culturais, religiosas, ou mesmo etárias. A diversidade assim constituída faz parte da matriz constitutiva das populações. Por isso, não há que a prevenir ou corrigir, sendo antes necessário o desenvolvimento de processos educacionais que ponham em relevo o que pode unir e conduzir à aceitação de espaços comuns de partilha.

A constituição de grupos minoritários obedece a um processo de auto-identificação e de unificação baseado em contextos familiares e sociais, para além das origens étnicas e da nacionalidade. Os membros destes grupos coexistem lado a lado entre si e entre os cidadãos do país ou do espaço locorregional de acolhimento.

Em relação a esta problemática é necessário e fundamental ter presente que:

a) Nenhuma cultura é independente de outras culturas ou, por si, superior a elas;

b) As questões de identidade são estruturantes e implicam uma dimensão emocional;

c) Os problemas surgidos na área multicultural devem ser lidos em contextos específicos.

Convém recordar que o artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que "todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar" e que "o ensino deve contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre e promover a compreensão mútua e o espírito de solidariedade". Por outro lado, e segundo o artigo 3.º da Lei 46/86(LBSE), "o sistema educativo português organiza-se de forma a [...] Assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais de existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas [...]". Este articulado define, assim, o enquadramento jurídico fundamental para que, entre nós, as diferentes culturas e etnias sejam olhadas na sua hetereogeneidade como uma riqueza, em relação às quais há, objectivamente, necessidade e obrigação, também legal, de fomentar a construção de comunidades educativas solidárias e inclusivas; o encontro de culturas constituirá um factor decisivo de enriquecimento dos indivíduos que as integram.

A questão fundamental da educação dirigida a minorias reside na necessidade de mudança de paradigmas de interacção entre os membros da comunidade educativa, quando estão em causa alunos oriundos de minorias, o que implica mudança nas formas de acolhimento que passam pelo "valor" que lhes é atribuído. Trata-se, assim, de alterar sistemas referenciais de valores em ordem à determinação de novas atitudes e de comportamentos, sociais, tendo em atenção não apenas as necessidades de informação mas também de conhecimento. Exige-se, em consequência, um processo educativo novo, a implementar junto dos cidadões adultos do país ou região de acolhimento e a estender às funções da escola e às acções a desenvolver nas práticas educativas. Ao nível da sociedade alargada, tal mudança levará à anulação de todas as tentativas de segregação em guetos, de assimilação e de inculturação, promovendo uma equilibrada convivência social resultante da aceitação das diversidades e das diferenças. Ao nível da escola, o reconhecimento deste sistemas de valores deverá traduzir-se em acções conscientes e orientadas que contrariem determinadas tendências massificadoras e niveladoras através de padrões sociais unívocos, promovendo, pelas suas formas de actuação, a transformação das diferenças em recurso precioso para o enriquecimento do processo educativo e do desenvolvimento global da sociedade.

Trata-se, em síntese, de promover uma educação intercultural.

2 - A educação intercultural. - A multiculturalidade não é, em si mesma, uma situação perturbadora e problemática. No entanto, constitui um desafio e gera questões que as sociedades tendem a converter em problemas de educação. Nesta perspectiva, a educação intercultural apresenta-se como contribuição relevante e necessárias entre as respostas possíveis a dar, embora, face à amplitude dos problemas, sejam requeridos outros referenciais para além dos que o sistema educativo pode oferecer, já que a gama de questões levantadas se estende pelo âmbito social, económico e político.

A intervenção da escola, no domínio intercultural, é determinante para a instauração de uma nova vivência da multiculturalidade na sociedade actual e, sobretudo, na sociedade do futuro.

Não é claro que haja, actualmente e de forma notória, uma miscigenação cultural na escala; no entanto, o facto de existirem exemplos de participação e de liderança de movimentos associativos de estudantes, por parte de alunos de diferentes etnias, é um sinal do caminho intercultural que está em curso e que há-de conduzir à compreensão e, sobretudo, à consciência de que toda a cultura resulta do cruzamento de culturas, de que a pluralidade de culturas é saudável e que um maior desenvolvimento sócio-económico também está ligado à diversidade de culturas.

A educação intercultural levará à compreensão e à aceitação da natureza multicultural das sociedades actuais, onde cada um respeitará a cultura do "outro". Integra, assim, um duplo objectivo: prevenir e elaborar respostas a eventuais problemas que a diversidade cultural apresenta e, sobretudo, promover a capacidade de convivência construtiva num tecido cultural e social heterogéneo, não para atenuar ou diluir as diferenças, mas para as respeitar. A educação intercultural porá em prática, desta forma o pensamento de Saint-Exupéry quando afirma: "Si je diffère de toi, loin de te léser, je t'augmente."

Para a construção holística de novas formas de cultura, em ambiente de educação intercultural, há que assegurar alguns pressupostos:

a) Todos os homens são portadores de cultura; esta situação de multiculturalidade implica o reconhecimento positivo e a estima de todas as culturas em presença;

b) Este reconhecimento e esta estima concretizam-se não só no respeito e na compreensão mas também na visibilidade explícita da diversidade das referências culturais;

c) A interculturalidade é um processo permanente e dinâmico, gerador de novas formas culturais, como consequência da experienciação e da adopção espontânea das diferenças.

Em educação e, devido às suas particularidades, em educação intercultural, as questões que se prendem com a coesão, a identidade e a interdependência são centrais. Assim, é necessário estabelecer formas concretas de conhecimento das realidades, mesmo sob a forma de bases de dados como um dos instrumentos de análise, que alicercem as propostas de intervenção de modo adequado às circunstâncias, seja em ambiente escolar seja ao nível mais vasto da sociedade em geral. Está em causa a busca de formas de aproximação entre cidadãos diferentes, pelo que é essencial o conhecimento dessas diferenças e da extensão dos grupos minoritários.

O conhecimento também é uma forma de fomentar o respeito pelo "outro". A escola por parte dos pais, com atitudes de evitação de convívio dos filhos com alunos oriundos de grupos minoritários é, a todos os títulos, um serviço negativo prestado à causa da educação e da formação dos próprios filhos. O futuro encarregar-se-á de mostrar que as capacidades e as competências adquiridas em meio multicultural serão vantagens para os cidadãos de amanhã, sob o ponto de vista social, económico e cultural.

Por outro lado, a relacção pedagógica a criar numa educação intercultural de sucesso implica a existência de professores motivados e respeitados, com formação específica naquele domínio. Para fazer face ao desafio da hetereogeneidade na sala de aula, decorrente da multiculturalidade social, os professores terão de ser detentores de conhecimentos que lhes permitam desenhar e desenvolver as estratégias pedagógicas e de relação adequadas. Esta exigência implica formação de longa duração, o que trará custos e incómodos adicionais, ao contrariar a tendência "normalizadora" da formação pedagógica tradicional.

A fim de contrariar o espírito normalizador do processo de aprendizagem, será necessário introduzir modificações curriculares específicas. Contudo, mais do que a alteração dos conteúdos, a educação intercultural requer competência para a gestão intercultural dos currículos.

Assim, em consequência das perspectivas anteriores:

a) É necessário conhecer a realidade multicultural das escolas actualizando periodicamente uma base de dados específica;

b) É necessário que as instâncias de decisão política conheçam e apoiem aquilo que as escolas estão a desenvolver em termos de iniciativas interculturais, dando-lhes os devidos incentivos e apoios;

c) Deverão ser instituídos incentivos e apoios dirigidos às escolas e aos professores que se envolvam em projectos interculturais a fim de estes se poderem multiplicar, de modo a contrariar a tendência para o estabelecimento de guetos monoculturais;

d) O Estado deve estar atento ao eventual aparecimento de assimetrias decorrentes dos contratos de autonomia estabelecidos à base do Decreto-Lei 115/98, promovendo uma discriminação positiva dirigida à implementação da igualdade de oportunidades, quando estejam em causa projectos interculturais;

e) As escolas devem combater a tendência para o isolamento, tornando-se pelo contrário, reflexo das comunidades em que se inserem e centros catalizadores da construção de autênticas comunidades educativas;

f) Os professores devem conhecer as dinâmicas de relacionamento pessoal e grupal para poderem monitorizar e orientar os alunos perante as tensões e os conflitos existentes, devendo, para isso, poder contar com o apoio de especialistas;

g) A formação dos professores deve possibilitar que estes estejam preparados para ajudar a construir identidades, através de caminhos diferentes, em função das culturas;

h) É essencial que a formação dos professores os leve a identificar, em diferentes culturas, formas diferentes de veicular idênticos valores e idênticas representações;

i) A escola deve assumir-se como espaço de mediação e de respeito em relação às diferenças, contrariando posições dicotómicas em termos culturais e não permitindo qualquer forma de violentar ou de forçar rupturas em relação a costumes e a práticas culturais minoritárias;

j) É necessário que a escola se assuma como espaço também vocacionado para a correcção de desvios etnocêntricos ou monoculturais;

k) É necessário desenvolver formas de promover a educação dos pais para a realidade multicultural da sociedade (e da escola enquanto reflexo da sociedade) e a sua cooperação para que não seleccionem a escola em função de populações homogéneas de alunos.

3 - A cidadania. - Há, actualmente, espaços e dimensões culturais que determinam pertenças múltiplas. Associados a esta alteração profunda surgem riscos de que se salientam a abstracção (podendo conduzir ausência de identificação com a cultura, com a língua ou com a história próprias), a diluição da responsabilidade em termos de educação para a cidadania e isolamento do processo educativo ao considerá-lo como um dever exclusivo da escola e não da sociedade em geral. Tais riscos devem acentuar a chamada de atenção no sentido da promoção de iniciativas de formação que realcem a importância da educação para a cidadania, com recurso alargado aos grandes meios de comunicação social.

Por outro lado, a educação para a cidadania, ao centrar-se no aluno/cidadão enquanto pessoa, encontra, frequentemente, como primeiras dificuldades, as dificuldades de acesso e a falta de integração. A sua não concretização representa, para o cidadão, dificuldades ou mesmo afastamento de relações interpessoais plenas, de participação e de responsabilização na vida cultural, social, política e económica, geralmente acrescidas em contexto de minorias.

As competências para a vivência da cidadania têm de ser desenvolvidas em função das pessoas em causa e não de forma abstracta. A educação para a cidadania será, assim, uma educação para a cidadania democrática, que permita inclusive, a cada cidadão, ir além das práticas estabelecidas, desde que desenvolvidas no respeito pelo "outro".

Como corolário, registe-se, ainda, que a educação para a cidadania, na perspectiva anterior, apenas se concretiza se se inserir num processo desenvolvido ao longo da vida, não massificador, que prepare para organizar e questionar as normas e que, por isso, será informal e contrário à endoutrinação.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) vem ao encontro destas exigências da educação para a cidadania ao estipular que o sistema educativo português visa "contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos". A educação para a cidadania, em meio escolar, concretizará, assim, um dos objectivos gerais da escola, se esta constituir a educação para a cidadania em objectivo transversal, sem se assumir como entidade exclusiva com esta função.

Na educação para a cidadania, dirigida à consolidação do respeito pelas minorias, deve também ser salientada a sua natureza de educação em valores e para valores. Num mundo de incertezas acentuadas pela intensidade da mobilidade humana contemporânea, "é à participação activa nessa dinâmica de incertezas que hoje chamamos cidadania" (A. Moreira, 1997).

Caberá, por isso a este propósito, sintetizar as dimensões a atender num programa orientado para um novo paradigma da educação, segundo o Grupo de Reflexão para a Educação e a Formação da Comissão Europeia (Reiffers et al., 1997):

a) Reconhecimento da dignidade e da centralidade da pessoa humana;

b) A cidadania social, os direitos e os deveres sociais, e o combate contra a exclusão;

c) A cidadania em paridade ou seja, a rejeição de preconceitos discriminatórios devidos a sexo ou raça, e a compreensão do valor da diferença;

d) A cidadania intercultural, isto é, o valor da diversidade e da abertura a um mundo plural;

e) A cidadania através da ecologia.

Parece ainda oportuno, ao falar-se em educação para a cidadania, referir as vertentes que, actualmente, são entendidas como pilares da educação - aprender a fazer, aprender a conhecer (aprender a aprender), aprender a viver em comum e aprender a ser -, sem esquecer a necessidade da educação ao longo da vida, como contributo decisivo para o exercício de uma cidadania activa, ao permitir a cada indivíduo a condução do seu destino, num mundo onde a rapidez e a incomodidade das mudanças se conjugam com o fenómeno da globalização, em ordem a modificar a relação que homens e mulheres mantêm com o espaço e o tempo.

Na sociedade portuguesa, há instituições cujo papel, enquanto instâncias de educação para a cidadania, tem vindo a alterar-se como sejam a família, a igreja e o serviço militar obrigatório. Por outro lado, o papel de instâncias promotoras de informação, onde sobressaem os mass media, tem vindo a reforçar-se.

Numa perspectiva mais ampla de educação para a cidadania (em que se engloba a cidadania europeia), o alargamento dos espaços de pertença não invalida, mas antes recomenda, um processo educativo localizado (territorializado), atinente à identificação pessoal e ao respeito pelas minorias. No entanto, a promoção da equidade e a defesa da coesão social impõem que a educação favoreça "o crescimento da capacidade de racionalização, de espiritualização, de universalização, de superação dos limites vários que confinam o indivíduo numa prática ou grupo, numa localidade ou época", como refere António Sérgio.

De uma forma mais abrangente, sob o ponto de vista geográfico, a assunção das diferenças e das identidades será um meio de despertar "uma alma para a Europa", por que Schuman clamava, e de fomentar as ordens intelectual, estrutural, tecnológica e espiritual no contexto de uma cidadania europeia. Passa também por uma consciencialização mais clara do valor das dimensões intercultural, interlinguística e inter-religiosa em que terão de se desenvolver e aprofundar as relações entre os povos, as nações e os Estados da Europa. O reconhecimento da relevância do papel da educação na construção da Europa como espaço da cidadania levou Jean Monet a referir, já no fim da sua vida e a propósito das bases para a construção de uma Europa unida: "Si s'était à refaire, je recommencerais par l'éducation (ou por la culture)."

4 - Recomendações. - Face ao exposto, recomenda-se que:

a) Seja dada a maior atenção e o necessário apoio às iniciativas que tenham como objectivo promover a escola como factor de inclusão social;

b) A realidade multicultural orginada pela mobilidade dos migrantes seja motivo de debate, quer numa perspectiva nacional quer numa perspectiva europeia, de acordo com as orientações legais existentes e com as instituições já criadas (Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, Secretariado Entreculturas), de forma que sejam geradas decisões respeitantes à educação ao longo da vida, à mobilidade, à aprendizagem das tecnologias da informação e da comunicação, bem como à identificação das competências básicas fundamentais ao nível europeu;

c) A educação intercultural tenha como objectivo não só a promoção do conhecimento mas também a adopção de atitudes e de comportamentos dirigidos para a aceitação e o respeito da diversidade cultural e social;

d) A formação dos docentes para a educação intercultural seja orientada no sentido de uma formação especializada contínua;

e) Face às situações resultantes dos conflitos interétnicos na Europa, sejam salientados e promovidos os valores democráticos e a coesão social, através da promoção activa de programas sociais e económicos, para além das intervenções educativas;

f) Sejam promovidas e apoiadas iniciativas de educação intercultural que preservem a identidade e a coesão dos grupos culturais, fomentado a tolerância, o respeito e a integração;

g) Tendo em conta os objectivos anteriores, sejam implementados programas adequados e produzidos materiais pedagógicos específicos que incluam referências culturais e ou históricas consideradas essenciais para o desenvolvimento de sentimentos de pertença, a valorização da identidade e a abertura ao diálogo intercultural;

h) Sejam desenvolvidas políticas educativas e de formação para professores, pais e demais agentes educativos, nomeadamente mediadores sócio-culturais, que melhorem a relação entre a escola, a família, a comunidade e o ambiente;

i) Seja promovida a educação interlinguística, de modo a facilitar o desenvolvimento da aprendizagem das línguas maternas, devendo também ser disponibilizados meios para o ensino do português como língua não materna, tendo sempre em conta que a língua é um instrumento de comunicação e não um recurso para sustentar ou promover o domínio cultural e económico;

j) A formação inicial e contínua dos professores deve contemplar a metodologia de projecto de modo a permitir a identificação de estratégicas e de formas de intervenção mais adequadas às realidades, tendo como objectivo a preparação daqueles mediadores educativos para lidarem com a diversidade social e cultural em presença;

k) Os professores desenvolvam competências para usarem a diversidade existente como um recurso educativo e, através de metodologias de cooperação, apoiarem os alunos na sua aprendizagem de vida harmoniosa, cooperativa e solidária;

l) Seja fomentado e valorizado o trabalho em equipas multidisciplinares, com recurso a técnicos especialistas.

15 de Fevereiro de 2001. - A Presidente, Maria Teresa Ambrósio.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1876875.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1986-10-14 - Lei 46/86 - Assembleia da República

    Aprova a lei de bases do sistema educativo.

  • Tem documento Em vigor 1996-12-17 - Decreto-Lei 241/96 - Ministério da Educação

    Altera o regime que regula a composição, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Educação. Republicado integralmente em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1998-05-04 - Decreto-Lei 115/98 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Aprova a lei orgânica do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (MTS), que é o departamento governamental responsável pela definição, condução e execução das politicas de emprego, de formação profissional, de relações laborais, de inserção e segurança social. Define as atribuições do MTS e enumera os organismos e serviços dele dependentes. Insere normas relativas ao regime de pessoal dos extintos Ministérios da Qualificação e Emprego e da Solidariedade e Segurança Social, designadamente sobre a sua trans (...)

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