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Acórdão 575/2000/T, de 1 de Fevereiro

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Texto do documento

Acórdão 575/2000/T. Const. - Processo 759/99. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - O presidente do conselho de administração das Águas de Gaia - Empresa Municipal (EM) vem interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com fundamento na inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 39.º da Lei 58/98, de 18 de Agosto (Lei Quadro das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais), e com a interpretação dada em acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo - interpretação que passa pela "consideração da presente situação fáctica como sujeitável à jurisdição administrativa" - por violação do n.º 3 do artigo 212.º da Constituição (Acórdão de 11 de Novembro de 1999 que confirmou a sentença da 1.ª instância, que havia intimado o ora recorrente "para, no prazo de 10 dias, emitir a certidão em causa, ex vi do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA").

2 - Nas suas alegações concluiu o recorrente pela procedência do recurso, com a seguinte afirmação essencial: "[...] o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo interpreta e aplica o artigo 39.º da Lei 58/98 de modo frontalmente violador do n.º 3 do artigo 212.º da lei fundamental.

Com efeito, a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais comuns ou judiciais tem por base a noção de relação jurídica administrativa. Ora, no caso em apreço tal relação não existe porque a matéria que relaciona a Águas de Gaia, EM, com os requerentes não se reporta directamente a uma relação jurídica de emprego público, como, aliás, ficou demonstrado.

Além de que a interpretação do artigo 39.º da Lei 58/98 nem sequer reclama uma análise da natureza jurídica das empresas municipais. Com efeito, o n.º 1 deste preceito é uma norma de competência perfeitamente clara, como o é o seu n.º 2, aliás, em decorrência do n.º 3 do artigo 212.º da CRP.

Assim, o artigo 39.º da Lei 58/98 não pode deixar de ter-se por inconstitucional, face ao n.º 3 do artigo 212.º da CRP, na interpretação que lhe foi dada pelo, aliás, douto acórdão recorrido."

3 - Também apresentaram alegações os ora recorridos Maria da Conceição Morais Mendes, Leonardo Fernando Gonçalves de Oliveira e Avelino António Tavares de Sousa, com os sinais identificadores dos autos, sustentando que "não deve ser dada procedência ao recurso, não devendo ser declarada a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 39.º da Lei 58/98, na interpretação que lhe foi dada pelo douto acórdão".

4 - Vistos os autos, cumpre decidir.

Convém ter presente, antes do mais, os factos que deram origem ao presente recurso.

4.1 - Por escritura de 12 de Abril de 1999, lavrada no notariado privativo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, procedeu-se à transformação dos então Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento de Gaia na empresa pública municipal denominada Águas de Gaia - EM.

Nos termos do artigo 25.º dos seus estatutos (alvo de alterações posteriores, mas que para o caso não interessam) e de acordo com o n.º 6 do artigo 37.º da referida Lei 58/98, o pessoal do quadro dos Serviços Municipalizados de Vila Nova de Gaia poderia optar pela integração no quadro daquele município, em termos a estabelecer por protocolo a celebrar entre ambas as entidades, não podendo ocorrer em qualquer caso perda de remuneração ou de qualquer outro direito ou regalia, de acordo, aliás, com o disposto no n.º 4 do artigo 25.º dos Estatutos e no n.º 6 do artigo 37.º da Lei 58/98, no caso de transitarem para a nova empresa.

Segundo a cláusula 2.ª do referido protocolo, todos os funcionários e agentes dos Serviços Municipais de Gaia foram integrados no quadro do município, passando a exercer funções na empresa Águas de Gaia - EM, em regime de requisição.

De entre esses funcionários encontram-se Maria da Conceição Morais Mendes, Leonardo Fernando Gonçalves de Oliveira e Avelino António Tavares de Sousa, ora recorridos, que, por comunicação de 10 de Maio de 1999, emitida pelo conselho de administração de Águas de Gaia - EM, foram informados de que "segundo consultas jurídicas efectuadas, a comissão de trabalhadores do SMG [...] não subsiste juridicamente na nova Empresa", pelo que as faltas dadas ao serviço pelos referidos funcionários, na qualidade de membros daquela comissão, não poderiam vir a ser consideradas justificadas.

4.2 - Em face desta comunicação, requereram os três funcionários, ao abrigo do estabelecido no artigo 68.º do Código do Procedimento Administrativo, a passagem de certidão "contendo todos os requisitos que essa norma prevê, designadamente a integral fundamentação do acto em causa", dado que na referida comunicação não lhe foram facultadas ou indicadas quais as referidas consultas de forma a permitir aos requerentes conhecer a fundamentação de tal decisão.

4.3 - Perante o silêncio do conselho de administração, requereram, então, no prazo legal, os ditos funcionários ao Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) do Porto, a intimação do presidente daquele conselho para passagem de certidão, "nos termos e para os efeitos dos artigos 82.º e seguintes da LPTA".

Respondeu esta entidade, dizendo que, em virtude da transformação dos Serviços Municipalizados de Gaia em empresa municipal e sua consequente desintegração da orgânica da Câmara Municipal de Gaia, aquela comissão de trabalhadores deixou de ter existência jurídica, porque foram extintos aqueles Serviços.

Sendo essa a conclusão das consultas jurídicas efectuadas, ela não teve, porém, correspondência em qualquer acto decisório por parte do conselho de administração, muito menos actuando no âmbito do direito público.

Por isso, os documentos de que os requerentes pretendiam obter certidão não eram documentos atinentes a uma questão de direito público, em que a empresa municipal actue com poderes públicos ou de autoridade.

Sendo assim, a extinção daquela comissão não se integra em nenhum dos casos de competência dos tribunais administrativos previstos para as empresas municipais, nos termos do n.º 2 do artigo 39.º da Lei 58/98, sendo antes matéria da competência dos tribunais comuns, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.

Insistiu o presidente do conselho de administração em que a extinção da referida comissão é uma constatação jurídica e não uma decisão daquele órgão e que não foi encetado qualquer procedimento administrativo tendente a decidir nesse sentido, pelo que tal comunicação nem sequer era obrigatória.

Não existiu, da parte daquela entidade e ainda segundo a mesma, qualquer procedimento administrativo, porque não houve lugar a um encadeamento de actos tendentes à manifestação de vontade por parte do conselho de administração, apenas se constatou, através das tais consultas jurídicas, a cessação da existência da comissão de trabalhadores.

Assim, não podem ser chamadas à colação as normas do CPA.

O regime legal a seguir e adequado à pretensão dos requerentes era o do n.º 2 do artigo 65.º deste Código (Lei 65/93, de 26 de Agosto, alterada pela Lei 8/95, de 29 de Março) que define o regime de acesso dos cidadãos aos documentos administrativos.

E, assim sendo, nada comunicando à administração, decorridos que sejam 10 dias após o pedido de passagem de certidão (artigo 15.º, n.º 1, daquela lei), o pedido considera-se indeferido tacitamente, pelo que então cabe reclamação para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, passo este que não foi observado.

E, assim, conclui estarmos em presença de um meio contencioso cuja espécie é a do recurso e não da intimação.

Utilizaram, pois, os requerentes um meio processual inadequado.

Ora, o uso inadequado desse meio processual constitui uma excepção dilatória inominada, obstando ao conhecimento do mérito da causa (artigos 493.º e 494.º do CPC e artigo 1.º da LPTA), ou caso assim não se entenda, dada a inadequação da utilização do meio processual acessório de intimação para a passagem de certidão, e, ainda assim, face à carência de objecto e incumprimento do percurso legal necessário, nos termos das supra-citadas disposições da Lei 65/93, requer a absolvição da instância.

4.4 - Por sentença de 13 de Agosto de 1999, o Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, considerando que os funcionários do quadro dos Serviços Municipalizados do município de Vila Nova de Gaia foram integrados no quadro do Município de Gaia, trabalhando na nova empresa em regime de requisição, entendeu que, enquanto funcionários de um e de outro quadro, mantinham o estatuto de funcionários públicos ou equiparados, antes e depois da transformação operada pela escritura da constituição da empresa municipal Águas de Gaia.

Assim, atenta a qualidade funcional, quer dos requerentes, quer do requerido, considerou-se competente para a apreciação do pedido formulado.

Em função desta decisão, entendeu depois não haver inadequação do meio processual utilizado, porquanto os requerentes, na qualidade de membros da comissão de trabalhadores dos Serviços Municipalizados de Gaia, foram notificados da extinção daquela comissão na sequência da transformação dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamentos de Gaia, na empresa Águas de Gaia - EM, mediante comunicação do conselho de administração desta empresa.

Como tal comunicação não se encontra fundamentada, já que não refere o teor dos pareceres obtidos nas consultas jurídicas efectuadas, os requerentes solicitaram à entidade requerida a passagem de certidão que a contivesse, ao abrigo do disposto no artigo 31.º da LPTA.

Ora, estando em causa, por um lado, direitos e interesses que os particulares pretendem acautelar e, por outro, não se tratando de matérias secretas ou confidenciais e mostrando-se preenchidos os vários requisitos do processo de intimação para consulta de documentos, passagem de certidões ou prestação de informações, considerou o TAC do Porto ser de deferir a pretensão dos requerentes, de acordo com o disposto no artigo 82.º da LPTA e, assim, intimar o presidente do conselho de administração das Águas de Gaia - EM para, no prazo de 10 dias, emitir a certidão em causa.

4.5 - Não se conformando com a transcrita decisão, interpôs, então, o presidente do conselho de administração das Águas de Gaia - EM recurso jurisdicional para o TCA, reiterando nas alegações, e com base na competência de que o juiz do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto se arrogara para conhecer da questão, que o artigo 39.º da Lei 58/98, com a interpretação que lhe foi dada na sentença recorrida, é inconstitucional à luz do estabelecido no n.º 3 do artigo 212.º da Constituição.

Com efeito, reafirma que o "tribunal a quo é absolutamente incompetente para a apreciação do pedido de intimação para passagem de certidão, já que sempre seria absolutamente incompetente para a apreciação do recurso contencioso sequente, devendo o ora recorrente ser absolvido da instância, dado que se trata de uma excepção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa".

"Mais, entender de outro modo consubstanciaria uma clara violação do n.º 3 do artigo 212.º da lei fundamental", pois, segundo este preceito, "claro fica que a competência dos tribunais administrativos se restringe a relações jurídico-administrativas (ou fiscais), o que não acontece no caso presente" - acrescenta ainda o recorrente.

O Tribunal Central Administrativo confirmou a decisão da 1.ª instância, afirmando, designadamente, no acórdão recorrido:

"2.2 - Subsunção dos factos ao direito:

2.2.1 - Da alegada incompetência dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para decidir a questão sub judice.

Dispõe o artigo 39.º da Lei 58/98, de 18 de Agosto (Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais), sob a epígrafe 'Tribunais competentes', que:

'1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, compete aos tribunais, judiciais o julgamento de todos os litígios em que seja parte uma empresa.

2 - É da competência dos tribunais administrativos o julgamento do contencioso de anulação dos actos praticados pelos órgãos das empresas públicas quando actuem no âmbito do direito público, bem como o julgamento das acções emergentes dos contratos administrativos que celebrem e das que se refiram à responsabilidade civil que a sua gestão pública provoque.' (O itálico é nosso.)

Dispõem os n.os 1 e 2 do artigo 82.º da LPTA, sob a epígrafe 'Intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões', que:

'1 - A fim de permitir o uso dos meios administrativos ou contenciosos, devem as autoridades públicas facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a requerimento do interessado ou ao Ministério Público, no prazo de 10 dias, salvo em matérias secretas ou confidenciais.

2 - Decorrido esse prazo sem que os documentos ou processos sejam facultados ou as certidões passadas, pode o requerente, dentro de um mês, pedir ao tribunal administrativo de círculo a intimação da autoridade para satisfazer o pedido.' (O itálico é nosso.)

O meio processual do artigo 82.º, n.º 1, da LPTA, ao abrigo do qual os requerentes vieram requerer que o tribunal mandasse intimar o requerido, é, hoje, face ao disposto nos artigos 61.º a 64.º do CPA, uma providência autónoma destinada a assegurar o direito à informação dos administrados, e visa permitir aos interessados a obtenção de informação necessária para que consciente e eficazmente possam decidir sobre a vantagem ou desvantagem de se socorrerem de qualquer dos meios de defesa no âmbito da jurisdição administrativa, ou para qualquer outro fim (v. Acórdão, do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Janeiro de 1996, processo 39 071, em Acórdãos Doutrinais, n.º 412, p. 436). Dito de outro modo, face à nova extensão e tutela do direito de informação procedimental, constitucionalmente consagrado no n.º 1 ao artigo 268.º da Constituição e concretizado nos artigos 6l.º a 64.º do CPA, deverá entender-se que o segmento normativo do n.º 1 do artigo 82.º da LPTA, corresponde à expressão 'a fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos' está implicitamente revogado (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Janeiro de 1996, processo 39 071, em Acórdãos Doutrinais, n.º 412, p. 436). Na mesma linha poder-se-á dizer que, estando o direito à informação sujeito ao princípio geral e que a todo o direito corresponde uma acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo coactivamente, e que o único procedimento previsto para o exercício da tutela jurisdicional do direito à informação é o constante dos artigos 82.º a 84.º do CPA, terá que se considerar implicitamente revogado o segmento normativo do n.º 1 do artigo 82.º da LPTA, supra referido (neste sentido ver Acórdão de 24 de Abril de 1996, in Acórdãos Doutrinais, n.º 423, p. 297, e Vieira de Andrade, in Direito Administrativo e Fiscal, n.º 2, pp. 145 e 146).

No mesmo sentido, diz Carlos A. Fernandes Cadilha, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16, pp. 62 a 66, '[...] o direito à informação tomou-se independente de qualquer pretensão impugnatória ou judiciária do administrado, perspectivando-se antes como um verdadeiro direito subjectivo'.

Do que ficou dito, podemos afirmar, contrariamente ao alegado pelo recorrente, que:

a) Sendo o direito à informação independente de qualquer pretensão impugnatória ou judiciária do administrado, perspectivando-se como um verdadeiro direito subjectivo, é irrelevante saber se para a apreciação do hipotético recurso contencioso sequente são, ou não, competentes os tribunais administrativos;

b) Um dos elementos essenciais para efeitos de se aferir da competência dos tribunais administrativos é o de saber se a entidade a quem se solicitou a consulta de documentos ou processos ou a passagem de certidões é uma autoridade pública (v. artigo 82.º, n.os 1 e 2 da LPTA);

c) A empresa Águas de Gaia - EM é uma pessoa colectiva pública, constituída como empresa municipal, dotada de personalidade administrativa, financeira e patrimonial, estando sujeita à superintendência da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (artigo 1.º, n.º 2, dos respectivos Estatutos, publicados no Diário da República, 3.ª série, n.º 151, de 1 de Julho de 1999). A referida empresa tem como objecto: i) por delegação do município de Vila Nova de Gaia e nos termos do n.º 2 do artigo 6.º da Lei 58/98, de 18 de Agosto, a gestão e exploração dos sistemas públicos de captação e distribuição de água [...] na área do município; ii) acessoriamente outras actividades relacionadas, iii) para efeitos do disposto em ii) o pessoal de Águas de Gaia EM fica investido de poderes de autoridade administrativa, nomeadamente os constantes do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (artigo 3.º dos Estatutos);

d) E sendo a empresa Águas de Gaia - EM uma pessoa colectiva pública, o presidente do seu conselho de administração é necessariamente uma autoridade pública, asserção que, de resto, também resulta do seu objecto (artigo 3.º dos Estatutos);

e) Acresce que, face ao disposto no artigo 39.º, n.º 9, da Lei 58/98, de 18 de Agosto, os tribunais administrativos sempre seriam os tribunais competentes, em razão da matéria, para apreciação do pedido de intimação formulado, uma vez que o acto que lhe subjaz (acto que não terá necessariamente que ser um acto administrativo, podendo, por exemplo, ser um mero acto de gestão pública) é um acto praticado por uma pessoa colectiva pública susceptível de afectar o interesse público, sendo certo que este abrange também os interesses particulares relevantes e, portanto, os interesses dos requerentes (v. Vieira de Andrade, in Direito Administrativo e Fiscal, 1996-1997, vol. I, p. 25, e artigo 266.º da Constituição). Para tanto, basta atentarmos que o acto comunicado aos requerentes - membros da comissão de trabalhadores dos extintos Serviços Municipalizados de Gaia e funcionários dessa mesma edilidade - informou-os de que, 'segundo consultas jurídicas efectuadas', a comissão de trabalhadores de que aqueles faziam parte já não subsistia juridicamente na empresa pública municipal Águas de Gaia - EM, e que, por essa via, 'as faltas dadas ao serviço, seja da referida comissão de trabalhadores, seja das outras organizações de que esta fazia parte, como é o caso da comissão coordenadora das comissões de trabalhadores do Porto, não poderiam ser justificadas'.

Improcede, em consequência a invocada excepção dilatória.

[...]

2.2.3 - Da invocada inconstitucionalidade do artigo 39.º da Lei 58/98, de 18 de Agosto, na interpretação que lhe foi dada pela sentença recorrida, por a mesma violar o disposto no n.º 3 do artigo 212.º da Constituição.

As razões que sustentam a decisão recorrida, no que se reporta à improcedência da excepção da incompetência dos tribunais administrativos, em nada contraria o já, aqui, afirmado, sendo que dos ponto 2.2.2 deste Acórdão e dos que lhe se seguem resulta que o julgamento da presente providência tem por objecto dirimir um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa, tal como a mesma vem configurada pelo requerente e resulta dos documentos referentes à notificação e dos requerimentos que estes formularam à autoridade requerida.

Improcede, por isso a invocada excepção."

4.6 - É desta decisão que o presidente do conselho de administração das Águas de Gaia - EM, mais uma vez inconformado, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da referida alínea b), pretendendo, ver apreciada a questão da (in)constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 39.º da aludida Lei 58/98, por entender, entre o mais, que, tendo a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os judiciais ou comuns por base a noção de relação jurídico-administrativa, no caso em apreço tal relação não existe porque a matéria que relaciona a empresa Águas de Gaia - EM, com os requerentes não se reporta directamente a uma relação jurídica de emprego público.

Por outro lado, no seu entender, a interpretação do artigo 39.º da Lei 58/98 nem sequer reclama uma análise da natureza jurídica das empresas municipais.

Assim, o referido preceito legal não pode deixar de ter-se por inconstitucional face ao n.º 3 do artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido.

"A procedência do presente recurso é manifesta, uma vez que a competência para apreciar litígios em que seja parte uma empresa municipal pertence aos tribunais judiciais, só assim não sendo quando tais litígios decorram do exercício de poderes públicos por parte daquelas empresas - que, manifestamente, não foi o caso" - é a afirmação que se extrai das alegações do recorrente.

5 - Como resulta do teor da norma contida no n.º 2 do artigo 39.º da já referida Lei 58/98, ora questionada, na parte que nos interessa, constitui condição para que seja da competência dos tribunais administrativos o julgamento do contencioso de anulação dos actos praticados pelos órgãos das empresas públicas, que estes actuem "no âmbito do direito público". É justamente o segmento daquela norma, quando nela se inclui o comportamento em causa da parte recorrente - o presidente do conselho de administração das Águas de Gaia - EM - entre os "actos praticados pelos órgãos das empresas públicas quando actuem no âmbito do direito público", determinando a competência em razão da matéria dos tribunais administrativos, que é objecto do presente recurso.

Convém, de novo, transcrever, também, o que diz o artigo 212.º, n.º 3 da Constituição:

"Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico-administrativas e fiscais."

Ora, como se sabe, um preceito só é inconstitucional quando viola directamente a Constituição ou é interpretado em violação da lei fundamental.

Afirmando, por um lado, aquele preceito constitucional que os tribunais administrativos dirimem litígios emergentes de relação jurídico-administrativa, portanto, conflitos enquadrados na actividade dos órgãos da Administração Pública, lato sensu, e, tendo em conta, por outro lado, que a actuação no âmbito do direito público é condição, nos termos do aludido n.º 2 do artigo 39.º, para atribuir competência aos tribunais administrativos, não se vê como este preceito pode directamente ou num determinado sentido interpretativo colidir com a referida disposição constitucional.

O acórdão recorrido, com base nos preceitos estatutários por que se rege a empresa Águas de Gaia - EM, e para aferir da sua natureza de autoridade pública ou não, chegou à conclusão de que se trata de uma entidade com essa natureza para daí retirar a conclusão de que a pretensão dos requerentes se enquadrava no disposto no artigo 82.º, n.os 1 e 2 da LPTA.

E refere ainda o acórdão que, face ao disposto no artigo 39.º, n.º 2, da Lei 58/98, sempre seriam os tribunais administrativos os competentes em razão da matéria para apreciação do pedido de intimação formulado, "uma vez que o acto que lhe subjaz (acto que não terá necessariamente que ser um acto administrativo, podendo, por exemplo, ser um mero acto de gestão pública) é um acto praticado por uma pessoa colectiva pública susceptível de afectar o interesse público, sendo certo que este abrange também os interesses particulares relevantes e, portanto, os interesses dos requerentes".

Quer dizer: para a decisão recorrida, mesmo em razão da matéria, a prática daquele acto traduz um exercício de autoridade pública porque teleologicamente vinculado à prossecução e satisfação do interesse público, na perspectiva do direito à informação "como um verdadeiro direito subjectivo", independente de qualquer "pretensão impugnatória ou judiciária" do interessado.

Ou seja, ainda, na opinião do acórdão recorrido, é a influência do quadro orgânico, estrutural e finalístico em que se inserem os trabalhadores que confere à empresa Águas de Gaia - EM, a qualidade de pessoa colectiva pública, sendo que os ora recorridos são funcionários integrados no quadro do município de Vila Nova de Gaia, exercendo funções na empresa municipal em regime de requisição.

Em tal quadro, não repugna aceitar, contrariamente ao que sustenta o recorrente, que haja in casu, como se decidiu no acórdão recorrido, uma relação jurídico-administrativa, decorrendo esta constatação do que está regulado no artigo 37.º, n.º 6, da Lei 58/98, segundo o qual o pessoal em causa "pode optar entre a integração no quadro da empresa ou no quadro do município respectivo" - e aqui a opção fez-se neste último quadro, em regime de requisição na empresa - e da previsão constante do protocolo a que se refere o mesmo n.º 6, cuja cláusula 2.ª estabeleceu que "todos os funcionários e agentes dos Serviços Municipais de Gaia foram integrados no quadro do município, passando a exercer junções na empresa Águas de Gaia - EM, em regime de requisição". E mais: de modo incisivo o mesmo n.º 6 do artigo 37.º estabelece que não pode ocorrer, "em qualquer caso, perda de remuneração ou de qualquer outro direito ou regalia". (Itálico nosso.)

O tribunal recorrido não fez, pois, qualquer interpretação errada do n.º 2 do artigo 39.º, na óptica que aqui importa, tendo em conta o parâmetro constitucional do artigo 212.º, n.º 3.

Com o que não se revela violação da Constituição, designadamente do artigo 212.º, n.º 3.

6 - Termos em que, decidindo, nega-se provimento ao recurso.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2000. - Guilherme da Fonseca (relator) - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1864974.dre.pdf .

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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