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Acórdão 518/2000/T, de 24 de Janeiro

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Texto do documento

Acórdão 518/2000/T. Const. - Processo 362/2000. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - O município de Braga interpõe recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, do despacho do juiz da Vara de Competência Mista de Braga que, em acção intentada contra o recorrente por António Sá Serino a mulher, indeferiu a arguição de nulidade do acto de secretaria que o notificou para pagamento de multa nos termos do artigo 145.º do Código de Processo Civil por apresentação da contestação no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo para o efeito, sem que tivesse sido logo paga a multa devida.

Nos termos do requerimento de interposição de recurso, pretende o recorrente que o Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma contida no artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, "na interpretação de que a dilação de cinco dias aí aludida apenas se aplica ao caso de citação de pessoas singulares, quando a carta é entregue a pessoa diversa do demandado, já não no caso de citação de pessoas colectivas, quando a carta é entregue a pessoa diversa do seu legal representante".

Segundo o mesmo requerimento, a norma em causa violaria os artigos 2.º a 13.º da Constituição da República Portuguesa, tendo sido suscitada a questão de constitucionalidade no requerimento em que o recorrente arguiu a aludida nulidade.

Nas suas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:

"1.ª Quando uma pessoa colectiva seja demandada num processo de natureza cível e é um dos seus funcionários que recebe a carta registada para citação enviada pelo Tribunal, assinando o aviso de recepção que a acompanha, deve entender-se que, ao prazo normal para aquela contestar, acresce a dilação de cinco dias a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 252.º-A do Código de Processo Civil;

2.ª Tendo o M.mº Juiz a quo sufragado inverso entendimento no douto despacho recorrido, acabou dessa forma por dar cobertura legal a uma clamorosa e injustificada desigualdade entre partes processuais em idêntica situação, cuja única diferença radica na circunstância de se tratar de pessoas singulares ou de entes colectivos.

3.ª Não se vê, com efeito, porque é que há-de haver lugar à dilação de cinco dias quando a carta para citação de uma pessoa singular é, por exemplo, entregue ao porteiro do prédio onde a mesma vive ou à sua empregada doméstica, e já não haja lugar a essa mesma dilação quando a carta é entregue ao porteiro que se encontra na sede da pessoa colectiva ou a um qualquer empregado ou funcionário desta última.

4.ª Aliás, tendo em atenção o número de funcionários, de serviços e de departamentos do aqui recorrente, justifica-se muito mais a observância de tal dilação numa demanda do município de Braga (em que a carta é recepcionada e registada no livro de entrada pelo funcionário competente; depois é encaminhada para os serviços jurídicos para análise e informação prévia; em seguida, são recolhidos os antecedentes ou é-lhe junto o processo administrativo existente; finalmente vai tudo a despacho do presidente da Câmara) do que numa demanda de um qualquer cidadão que, por estar a trabalhar durante o dia, só recebe a carta à noite, quando regressa a casa.

5.ª Uma vez que, tanto na citação de pessoas singulares como na de pessoas colectivas, a lei equipara ou considera (o que significa o mesmo) como citação pessoal a que é feita em pessoa diversa ou em pessoa diversa dos seus legais representantes, ambas essas situações deverão merecer igual tratamento à face da lei, por ser bem patente a similitude de uma e outra.

6.ª Enferma, pois, de manifesta inconstitucionalidade a norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 252.º-A do Código de Processo Civil, na interpretação de que a dilação de cinco dias aí aludida apenas se aplica no caso de citação via postal de pessoas singulares, quando a carta é entregue a pessoa diversa do citando, e já não no caso de citação de pessoas colectivas, quando a carta é entregue a pessoa diversa do seu legal representante."

Em contra-alegações, concluiu o Ministério Público:

"1 - Não é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma constante do artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, interpretada em termos de não outorgar à pessoa colectiva, citada pessoalmente num seu empregado, encontrado na respectiva sede ou local onde funciona normalmente a administração, o prazo de dilação aí previsto, para os casos de citação em terceiro (ou mediante mera afixação de nota de citação) de pessoa singular.

2 - Na verdade, a relação funcional entre o empregado e a pessoa colectiva, a sua subordinação hierárquica e funcional à administração e a necessária existência de uma estrutura organizatória de tal ente colectivo justificam materialmente a especialidade da solução consignada na lei de processo, relativamente à citação, feita em terceiro, de pessoa singular.

3 - Termos em que deverá improceder o recurso."

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - A questão de constitucionalidade que o recorrente suscita reporta-se à norma contida no artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil que se expressa nos seguintes termos:

"1 - Ao prazo da defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando:

a) A citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do artigo 236.º e dos n.os 2 e 3 do artigo 240.º;

..."

No que ao caso interessa (os n.os 2 e 3 do artigo 240.º referem-se à citação com hora certa que aqui não está em causa), o artigo 236.º, n.º 2, do Código de Processo Civil estabelece:

"No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando."

Ora, o despacho recorrido, ao indeferir a já aludida arguição de nulidade, entendeu que o artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a), conjugado com o disposto no artigo 236.º n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, como todos os que se vierem a referir, se não aplicava à citação postal de pessoas colectivas, não beneficiando estas do acréscimo de cinco dias (prazo de dilação) ao prazo de defesa, em contrário do que sucederia com a citação de pessoas singulares nas condições expressas no segundo preceito citado.

Tendo, no caso, ocorrido a citação por via postal e sido assinado o aviso de recepção por um funcionário da pessoa colectiva (município), é naquela diferença de tratamento que a recorrente assenta a alegação de inconstitucionalidade face ao disposto nos artigos 2.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, considerando que a doutrina do despacho impugnado dá cobertura legal "a uma clamorosa e injustificada desigualdade entre partes processuais em idêntica situação".

Mas não tem qualquer razão.

Muito embora o legislador, na definição de regras processuais, goze de uma larga margem de liberdade de conformação, não deixa ele de estar sujeito à observância de princípios que, em termos constitucionais, se devem considerar como estruturantes de qualquer processo contencioso; é este o caso do princípio da igualdade de armas, inquestionável imperativo do direito a um processo equitativo e justo que a Constituição da República Portuguesa garante (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa).

Não há, com efeito, processo equitativo, sem a parificação das partes nos poderes de exposição e demonstração dos factos e razões em que elas, na controvérsia que dirimem, entendem alicerçar as suas respectivas posições.

Mas decorre dessa própria parificação, da igualdade de tratamento das partes, a necessidade das diferenças, ali onde a igualdade formal possa redundar em desigualdade substancial ou, pelo menos, onde elas se legitimem por um fundamento racional, não arbitrário.

E é isto o que sucede quando, no caso, o prazo de contestação de pessoa singular citada, por via postal, em terceiro que assina o aviso de recepção é acrescido de dilação, o que se não verifica quando, na citação de pessoa colectiva a usada a mesma forma de citação (postal), o aviso de recepção é assinado por qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funcione normalmente a administração.

Como bem salienta o Exmo. Magistrado do Ministério Público nas suas alegações, a própria citação das pessoas colectivas tem merecido no nosso ordenamento jurídico um tratamento particular que se justifica pela especificidade dos entes colectivos, em termos organizatórios a humanos, especificidade essa que torna mais fácil o recebimento das citações e, consequentemente, a menor necessidade (face às pessoas singulares) de um complexo de garantias que assegurem o efectivo conhecimento do que, contra elas, se peticiona em juízo.

E, de facto, por exemplo, era dominante o entendimento, depois da reforma do Código de Processo Civil, operada pelo Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho, que apenas relativamente às pessoas colectivas a lei facultava a citação postal. Na verdade, a pessoalidade (na pessoa dos legais representantes) da citação não era posta em causa pela circunstância de a carta, remetida para a sede social da pessoa colectiva, ser recebida por um qualquer empregado dessa pessoa. A dependência funcional do empregado, no âmbito de uma organização devidamente estruturada, garantiria que a carta chegasse, prontamente, ao conhecimento do legal representante do ente colectivo.

Deste modo, o artigo 238.º-A, na redacção dada pelo citado Decreto-Lei 242/85, estabelecia que a citação de pessoas colectivas por via postal tinha o valor de citação pessoal (n.º 1), considerando-se como efectuada na própria pessoa do citando (n.º 5); por outro lado, o artigo 234.º, também na redacção do mesmo decreto-lei, previa, em termos gerais, que a citação pudesse ser feita na pessoa de qualquer empregado que se encontrasse na sede da pessoa colectiva, tendo o mesmo valor que a citação feita na própria pessoa do representante (n.os 3 e 4).

No regime actual, a citação por via postal está igualmente prevista para as pessoas singulares, estabelecendo-se ainda que a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando, ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (artigo 236.º, n.º 2); esta citação, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (artigo 238.º).

De todo o modo e apesar de a citação postal ser agora igualmente aplicável a entes singulares e colectivos, a lei não deixou de rodear de particulares cuidados a citação dos primeiros. E assim é que a entrega da carta deve ser feita a quem "declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando", cabendo ainda ao distribuidor do serviço postal "adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando" (artigo 236.º, n.os 2 e 4); acresce também que, nos termos do artigo 241.º e em tais condições, "será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada".

É precisamente o que justifica este cuidado que confere um fundamento material e razoável à previsão de uma dilação de cinco dias que acresce ao prazo de defesa do citando, nos termos do artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a).

Na verdade, visando a dilação, entre o mais, obviar ao efeito, lesivo dos direitos do citado, de um eventual atraso no conhecimento da citação, compreende-se e aceita-se que os termos em que a citação em terceiro é efectuada - e apesar de ela valer como citação no demandado e de o terceiro ficar obrigado a uma comunicação pronta - justifiquem a concessão daquela dilação.

Já a situação é diversa no caso da citação de ente colectivo na pessoa de um seu empregado que, como bem refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público, "está integrado na estrutura organizatória do ente colectivo a citar, sendo legítimo presumir [...] que ocorrerá pronta comunicação do acto ao legal representante, de quem o dito empregado depende, em termos hierárquicos e funcionais". Compete, aliás, à pessoa colectiva estruturar-se de modo a que, na cadeia dos seus serviços, se estabeleçam canais de comunicação eficientes que permitam aquela comunicação expedita, sendo, para o caso, irrelevante a eventual ocorrência, num ou noutro caso, de retardamentos de ordem burocrática que o recorrente dá conta, alguns deles, aliás, já integrados numa fase preparatória da defesa do citado.

Em suma, a norma contida no artigo 252.º-A, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, entendida como não aplicável às pessoas colectivas citadas por via postal na pessoa de um empregado ou funcionário, não ofende o princípio da igualdade nem o direito a um processo justo e equitativo, pois o benefício concedido aos entes singulares tem um fundamento racional, não arbitrário, assente na situação materialmente distinta que regula. Não se mostram, pois violados os preceitos constitucionais invocados pelo recorrente.

3 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, nega-se provimento ao recurso.

Sem custas, por não serem devidas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de Novembro de 2000. - Artur Maurício (relator) - Maria Helena Brito - Vítor Nunes de Almeida - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1862617.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-09 - Decreto-Lei 242/85 - Ministério da Justiça

    Altera vários artigos do Código de Processo Civil.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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