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Acórdão 405/2000/T, de 5 de Dezembro

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Texto do documento

Acórdão 405/2000/T. Const. - Processo 58/00. - Acordam no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - José Luís Neumann Guedes de Carvalho propôs contra Artur Jorge Nujent Claro da Fonseca e mulher, Raquel Iglésias Claro da Fonseca, uma acção de denúncia do arrendamento, na forma sumária, com fundamento na necessidade do locado para sua habitação.

Por decisão de 30 de Abril de 1999, o Tribunal Cível da Comarca do Porto julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Inconformados com tal decisão, o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 14 de Dezembro de 1999, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Ainda inconformado, o autor e recorrente interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo que se apure se a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) na interpretação de que a necessidade constitui requisito autónoma, para além dos requisitos do artigo 71.º, n.º 1, do RAU, viola o artigo 44.º, n.º 1, da Constituição (direito de deslocação e de fixação de residência).

2 - Neste Tribunal, quer o recorrente quer os recorridos apresentaram alegações, tendo o primeiro concluído as suas pela forma seguinte:

"1.ª O preceito da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do RAU, na interpretação dada pelo tribunal a quo, no sentido de constituir um requisito autónomo da denúncia do arrendamento para habitação do senhorio, em acumulação com os requisitos do n.º 1 do artigo 71.º do RAU, viola, entre outros, o artigo 44.º, n.º 1, da Constituição da República (e o seu artigo 18.º, n.º 1), ao conferir aos tribunais a apreciação das razões da decisão dos senhorios de fixarem residência no local do arrendado ou de se deslocarem para o local do arrendado.

2.ª Se se entender que o referido preceito é susceptível de interpretação no sentido de se entender que o senhorio só precisa de invocar a necessidade do arrendado e provar os requisitos do n.º 1 do artigo 71.º do RAU, para obter a denúncia do arrendamento, deve fixar-se esse sentido como sendo aquele que está conforme à Constituição."

Pelo seu lado, os recorridos não formularam conclusões, mas defenderam a decisão recorrida e invocaram ainda a manutenção do decidido pelo facto de o arrendamento já durar há mais de 20 anos.

Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 3 - A questão que vem suscitada nos presentes autos consiste em saber se a norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do RAU, que prevê a possibilidade de denúncia pelo senhorio do contrato de arrendamento para o termo do prazo ou da sua renovação, quando necessite do prédio para sua habitação, interpretada no sentido de que esta necessidade constitui um requisito autónomo a acrescer aos previstos no n.º 1 do artigo 71.º do mesmo RAU, viola o direito de deslocação e de fixação de residência previsto no n.º 1 do artigo 44.º da Constituição.

Importa apurar se a norma foi aplicada nos autos com a interpretação que o recorrente considera inconstitucional.

A este respeito, escreveu-se na decisão recorrida:

"Sustenta o apelante que face à facticidade apurada a acção devia ter sido julgada procedente. E, na sua longa e douta alegação, defende, citando doutrina vária, que a 'necessidade do prédio' referida no artigo 69.º do RAU não é um requisito autónomo da denúncia do arrendamento, a colocar a par dos requisitos referidos no artigo 71.º, n.º 1, do mesmo diploma, mas, sim, uma consequência que flui do mero facto de se provarem esses requisitos do artigo 71.º

A questão não é nova, tendo sido já muito debatida. Mas ocorre que é hoje doutrina predominante e jurisprudência - que temos por uniforme - no sentido de que a necessidade do prédio (que deve ser real, séria, actual ou futura, não eventual, mas iminente, traduzidas em razões ponderosas) é, efectivamente, um requisito da denúncia que depende da alegação de factos concretos dos quais se possa concluir que o senhorio precisa da casa para a sua habitação, requisito esse que se cumula com os referidos nas alíneas a) e b) do artigo 71.º do RAU. Diríamos mesmo que a prova da necessidade da casa é a condição primeira para justificar o exercício do direito de denúncia do arrendamento, ou, como se escreve no Acórdão da Relação de Évora de 23 de Abril de 1998, a necessidade da habitação é 'o macrorrequisito ou requisito prévio dos demais, a causa de pedir da denúncia, sendo os demais meras condições de exercício do direito.'"

Este simples trecho é suficiente para ficar claro que a decisão recorrida adoptou, com efeito, a interpretação normativa que o recorrente considera violadora da Constituição e que constitui o objecto do presente recurso.

Como o recorrente suscitou nas alegações da apelação para a Relação a questão da constitucionalidade de tal interpretação normativa, estão reunidos os requisitos necessários ao conhecimento do recurso de constitucionalidade.

A este respeito, escreveu-se na decisão recorrida:

"Ao decidir pela improcedência, não teve a M.mª Juíza em conta o direito constitucional do apelante de deslocação e escolha da sua residência?

A sentença recorrida não negou procedência à denúncia do arrendamento com o fundamento de que o autor, vivendo nos Açores, não necessita de regressar ao continente. Se o tivesse feito, não teríamos dúvida de que o julgado violava o direito constitucional - consagrado no n.º 1 do artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa - de livre deslocação e fixação do cidadão em qualquer parte do território nacional. Mas não foi esse o fundamento da improcedência da acção, ainda que a parte final da motivação pudesse fazer crer que também pesou no espírito da Exma. Juíza, para negar a verificação do requisito da necessidade do arrendado, a circunstância de o autor já residir nos Açores há 20 anos, sem que isso perturbe a sua actividade profissional e as suas relações familiares. Poderia, então, contrapor-se que, não obstante o referido, o autor é livre de, querendo, abandonar os Açores e vir fixar residência na cidade do Porto.

Sem dúvida que lhe assiste esse direito. E a sentença recorrida, manifestamente, não lho coarcta. Uma coisa é o direito de livre deslocação e fixação do autor no território nacional e outra, bem diferente, a exigência, que o mesmo faz, de que o tribunal decrete a denúncia de um contrato de arrendamento relativo a um prédio sito na cidade do Porto. Ali, bastaria munir-se de 'armas e bagagens' e deslocar-se para onde melhor entendesse; aqui, cumpria-lhe provar os requisitos legais de que depende a denúncia do arrendamento, sendo um deles, como se referiu, a 'necessidade do prédio', implicando a alegação e prova de que o impetrante pretende, efectivamente, a curto prazo, regressar ao Porto, para aqui fixar a sua residência. Podia o regresso ao Porto obedecer a um mero capricho seu, mas a procedência da pretensão da denúncia tinha necessariamente que passar pela prova de que o autor pretende vir fixar residência no Porto.

Assim, não se vê que a sentença recorrida tenha violado o direito constitucional do autor previsto no artigo 44.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa."

4 - Importa, portanto, analisar o teor da norma cuja constitucionalidade vem questionada e, bem assim, fazer uma síntese do entendimento doutrinal e jurisprudencial que prevalentemente era adoptado, uma vez que não existia uniformidade quanto a tal entendimento.

O artigo 69.º, n.º 1, do RAU (aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro) tem a seguinte redacção:

"Artigo 69.º

Casos de denúncia pelo senhorio

1 - Sem prejuízo dos casos previstos no artigo 89.º-A, o senhorio pode denunciar o contrato para o termo do prazo ou da sua renovação nos casos seguintes:

a) Quando necessite do prédio para sua habitação [...]"

O preceito corresponde parcialmente ao artigo 1096.º do Código Civil, sendo a sua actual redacção a decorrente do Decreto-Lei 278/93, de 10 de Agosto.

O contrato de arrendamento para habiltação era, no regime do Código Civil (CC), obrigatória e automaticamente renovado no final do respectivo prazo e das sucessivas renovações, a menos que o inquilino o denunciasse. A renovação automática e obrigatória mantém-se, salvo quanto aos contratos de arrendamento em que se fixar um prazo de duração efectiva, prazo este que não pode ser inferior a cinco anos (artigo 1054.º do CC; artigos 10.º, 68.º a 73.º e 98.º, n.º 1, do RAU).

O senhorio só pode denunciar o contrato de arrendamento em casos excepcionais: o artigo 69.º concretiza uma das excepções previstas e, na parte com relevo para os autos, o preceito estabelece a possibilidade de denúncia do arrendamento pelo senhorio quando ele necessitar do prédio para sua habitação.

De acordo com o preceituado no artigo 71.º do RAU - que estabelece os requisitos do direito da denúncia -, este direito depende do senhorio ser proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de cinco anos, a menos que o tenha adquirido por sucessão (caso em que não há prazo) e de não ter na área das comarcas de Lisboa ou Porto e limítrofes ou na respectiva localidade casa própria ou arrendada que satisfaça as suas necessidades de habitação própria.

A denúncia do contrato pelo senhorio deve ser feita em acção judicial com um mínimo de antecedência de seis meses em relação ao fim do contrato, só obrigando ao despejo três meses após a decisão definitiva (artigo 70.º do RAU).

A denúncia para habitação do senhorio dependia da verificação cumulativa dos requisitos do artigo 71.º do RAU e da prova da necessidade da casa para sua habitação. Mas mesmo que todos estes elementos estivessem adquiridos, o certo é que mesmo assim o despejo podia não ser decretado: com efeito, o artigo 106.º do RAU estabelece limitações ao direito de denúncia do senhorio que paralisam esse direito.

Não interessa agora explanar todo o regime do direito de denúncia do senhorio. Importa, sim, referir - como aliás é salientado na decisão recorrida - que a questão de considerar a necessidade de habitação do senhorio como um requisito autónomo foi uma questão muito debatida na doutrina e na jurisprudência. No Acórdão 174/92 (in Diário da República, 2.ª série, de 18 de Setembro de 1992), apreciando o problema de modo exaustivo e completo, referiu-se também que "já no domínio da Lei 2030, de 22 de Junho de 1948 - que reintroduziu no nosso ordenamento jurídico o direito de o senhorio denunciar o contrato de arrendamento quando necessitasse da casa para habitação, deste modo ressuscitando um velho preceito das ordenações - se entendia dominantemente que o senhorio tinha de fazer prova, antes de mais, do requisito da necessidade da casa [...]". No referido acórdão se dá também conta dos defensores da tese oposta que entendiam que, uma vez verificados, a um tempo, os três requisitos apontados (n.º 1 do artigo 1098.º do CC), "a lei considera feita a prova de necessidade da casa" (cf. Sá Carneiro, Revista dos Tribunais, anos 66 e 69, respectivamente pp. 374 e 253), citando também jurisprudência neste sentido.

Pode, portanto, concluir-se que a doutrina e jurisprudência dominantes apontam no sentido de os requisitos do n.º 1 do artigo 71.º do RAU não bastarem, por si só, para assegurar a situação de facto de necessidade do prédio para habitação tutelada pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma.

Tal como acima se referiu, é a interpretação da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do RAU que impõe ao senhorio que pretende denunciar o contrato de arrendamento para o termo do prazo ou da sua renovação a prova da necessidade do prédio para sua habitação, para além das provas dos requisitos do n.º 1 do artigo 71.º do RAU, que o recorrente considera violadora do artigo 44.º, n.º 1, da Constituição da República.

Sobre esta específica questão se debruçou já o Acórdão deste Tribunal n.º 174/92 (já acima citado), tendo-o feito em termos que são perfeitamente transponíveis para o caso dos autos, com a simples ressalva de que não está, agora, em causa a norma do Código Civil, mas antes uma norma similar do RAU e, na parte relevante, de conteúdo praticamente idêntico.

Escreveu-se no Acórdão 174/92:

"O artigo 44.º, n.º 1, preceitua como segue:

I - A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.

Consagra-se aqui o chamado 'direito de deslocação', que é um direito bifronte, pois que, de um lado, compreende o direito de deslocação propriamente dito, ou seja, o direito de cada um se movimentar livremente dentro do território nacional, sem necessidade de qualquer licença, autorização, salvo-conduto, visto ou passaporte. É a chamada 'liberté d'aller et de venir'. E compreende, por outro lado, o direito de residência, isto é, o direito de escolher livremente o local para viver.

Ninguém pode, pois, ser impedido de se deslocar seja para que região ou local for nem de aí fixar residência. E, do mesmo passo, ninguém pode ser obrigado a residir numa certa região ou num determinado local nem a confinar as suas deslocações ao âmbito dessa região ou desse local.

Pois bem: que a norma em causa, com o sentido com que foi aplicada pelo acórdão recorrido, não violava o direito de deslocação no seu sentido mais estrito - ou seja, no sentido de 'liberté d'aller et de venir' - é coisa que, por tão óbvia, não carece de qualquer demonstração.

A norma sub judice também não violava o preceito constitucional aqui considerado, no ponto em que ele consagra o direito que cada um tem de estabelecer ou mudar de residência dentro do território da comunidade política nacional.

De facto, fazendo a prova de que tinha necessidade real da casa arrendada para nela habitar - ou seja, de que pretendia realmente, aí instalar a sua habitação, por não dispor, na localidade, de outra para o efeito -, que o mesmo é dizer que não queria despejar o arrendatário apenas para ter a casa devoluta para arrendar a outro locatário ou para a manter desocupada, o senhorio obteria o despejo pretendido, desde que, claro é, simultaneamente, tivesse feito prova dos requisitos do n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil, que - repete-se - eram 'requisitos adicionais, reforçativos ou complementares' daquela necessidade, e não requisitos substitutivos ou exoneratórios desse elemento básico fundamental (este modo de dizer é de Antunes Varela, Revista citada, p. 115).

Sendo assim, então, não seria por falta de casa para habitar que o senhorio deixaria de poder mudar a sua residência de um ponto para o outro do território nacional.

Vale isto por dizer que o facto de a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil ser interpretada no sentido de - a mais do que a prova dos requisitos do n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil - exigir a alegação e prova da necessidade da casa para habitação do senhorio, não impedia a mudança de residência de um local para outro do território nacional, nem tornava o exercício do correspondente direito particularmente oneroso.

De facto, exigir a prova da necessidade da casa não era fazer uma exigência excessiva ou desproporcionada; tratava-se, antes, de exigir a prova de um facto, com vista a evitar fraudes e abusos - o que era uma exigência a todos os títulos razoável."

A simples substituição da referência aos artigos 1096.º e 1098.º do CC pelos artigos 69.º e 71.º do RAU permite transpor o entendimento constante do trecho transcrito para o caso dos autos.

Resulta, assim, manifesto que a norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do RAU, que prevê a possibilidade de denúncia pelo senhorio do contrato de arrendamento para o termo do prazo ou da sua renovação, quando necessite do prédio para sua habitação, interpretada no sentido de que esta necessidade constitui um requisito autónomo a acrescer aos previstos no n.º 1 do artigo 71.º do mesmo RAU, não viola o direito de deslocação e de fixação de residência previsto no n.º 1 do artigo 44.º da Constituição.

Tem, portanto, de improceder o presente recurso.

III - Decisão. - Nos termos que ficam expostos, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do RAU, no segmento relativo à necessidade do prédio para habitação do senhorio, e, em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.

Lisboa, 27 de Setembro de 2000. - Vítor Nunes de Almeida - Artur Maurício - Luís Nunes de Almeida - Maria Helena Brito - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1847378.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1948-06-22 - Lei 2030 - Ministério da Justiça

    Promulga disposições sobre questões conexas com o problema da habitação, nomeadamente expropriação por causa de utilidade pública prevista na lei, sublocação, direito de preferência e acção de despejo.

  • Tem documento Em vigor 1990-10-15 - Decreto-Lei 321-B/90 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Aprova o regime do arrendamento urbano.

  • Tem documento Em vigor 1993-08-10 - Decreto-Lei 278/93 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    ALTERA O REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO, APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO, NOMEADAMENTE NO QUE SE REFERE A ACTUALIZAÇÃO DE RENDAS E TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO POR MORTE DO ARRENDATÁRIO.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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