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Acórdão 389/2000/T, de 13 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 389/2000/T. Const. - Processo 485/2000. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - João Francisco Pinto declarou, no início da audiência de julgamento, perante o Tribunal Colectivo da Comarca de Tavira, não prescindir da documentação em acta dos depoimentos prestados na audiência, tendo o Mmo. Juiz Presidente proferido o seguinte despacho:

"Entende o Tribunal que em julgamento perante o tribunal colectivo ou perante o Tribunal de Júri não existe, com os actuais meios disponíveis, possibilidade de reprodução integral dos depoimentos.

Trata-se, hoje como ontem, de norma programática.

De resto, só a reprodução integral terá sentido como abertura da possibilidade de recurso da matéria de facto perante tais Tribunais.

Pretendendo o contrário, equivaleria ao lançamento da total anarquia na justiça penal, porque é sabido ser imenso o tempo necessário à transcrição de tais gravações, a serem obviamente efectuadas por funcionário judicial, pois não estão em causa direitos livremente disponíveis, caso em que é compreensível que seja dada às partes a possibilidade de efectuar tais transcrições.

Mas, também aí, em coerência com o sistema judiciário português, se dispensou a audiência perante o Tribunal Colectivo, estamos obviamente a falar do Código de Processo Civil.

O direito penal constitui o tronco fundamental das mais elementares regras de convivência social e não pode ser hipotecado às possibilidades ou disponibilidades dos funcionários (como é sabido são poucas), mas muito menos às possibilidades ou disponibilidades dos intervenientes processuais, sejam eles quem sejam.

Termos em que não se procederá à pretendida documentação, sendo certo que também o Tribunal não vê necessidade de se socorrer de tal meio para a apreciação da prova, a qual não apresenta especial complexidade."

O arguido, que não impugnou autonomamente este despacho, foi condenado, por Acórdão de 15 de Novembro de 1999 daquele Tribunal Colectivo, "pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21.º e pela alínea c) do artigo 24.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 9 anos de prisão".

Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, no que ora interessa, após referência ao artigo 363.º do Código de Processo Penal, que "o indeferimento da peticionada documentação da prova viola o princípio da igualdade e do direito de defesa do arguido, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP) e das garantias do processo criminal (artigo 32.º da CRP)".

Defendeu igualmente que a exposição dos fundamentos de facto nos quais o tribunal recorrido baseara a sua convicção é manifestamente insuficiente, violando o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e que:

"A interpretação feita pelo Tribunal a quo sobre a extensão do respectivo dever de motivação inconstitucionaliza todo o sistema chamado da revista alargada, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP."

Por Acórdão de 7 de Junho de 2000, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, fundamentando a decisão da seguinte forma no que toca às duas questões referidas:

"Quanto à invocada violação do princípio da igualdade e do direito de defesa do arguido por indeferimento da documentação da prova produzida em julgamento:

O recorrente apoia a sua tese no disposto no artigo 363.º do Código de Processo Penal.

Mas, cotejando o conteúdo do preceito contido no artigo 363.º com o estatuído no artigo 364.º do mesmo Código, constata-se, sem sombra de dúvida, que a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência, somente deverá ter lugar em audiência que decorrer perante o tribunal singular ou na ausência do arguido, e 'quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daqueles, bem como nos casos em que a lei expressamente o impuser'.

Por seu turno, o n.º 4 do artigo 364.º do Código de Processo Penal estabelece que 'se não estiverem à disposição do tribunal meios idóneos para a reprodução das declarações, o juiz dita para a acta o que resultar das declarações prestadas'.

Ora, dos preceitos legais acabados de referir não resulta, de nenhum modo, que o Tribunal Colectivo seja obrigado, por lei, a proceder à documentação das declarações orais prestadas na audiência que decorram perante ele, nada autorizando a concluir por essa obrigatoriedade, já que tal hipótese teria de estar expressamente prevista para poder englobar-se 'nos casos em que a lei expressamente impuser' - artigo 363.º, in fine, do Código de Processo Penal.

Aliás, tudo o que vem de ser exposto resulta, da própria natureza, do modo de funcionamento, das atribuições e da competência do Tribunal Colectivo em processo penal.

Acresce que, se nos julgamentos do Tribunal Colectivo - grande parte dos quais atingem muita complexidade, com a intervenção possível de muitas dezenas ou centenas de testemunhas -, se a documentação das declarações orais fosse obrigatória, essa obrigatoriedade bloquearia e lançaria o caos na justiça penal, pelas possibilidades de chicana e de reclamações infundadas que ficariam abertas quando o presidente do Tribunal ditasse, por súmula, para acta as declarações prestadas, em face do disposto nos artigos 364.º, n.os 3 e 4, e 100.º, n.os 2 e 3, do Código de Proceso Penal.

Por isso, não cremos que qualquer legislador minimamente responsável enveredasse por tal solução legislativa absolutamente impraticável.

Por outro lado, contrariamente ao que sucede em processo penal, a questão que agora ocupa, em processo civil, encontra-se expressamente regulada no tocante à intervenção do Tribunal Colectivo e gravação da prova no artigo 508.º-A, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, podendo as partes 'requerer a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo', pelo que a gravação da audiência exclui, necessariamente, a intervenção do colectivo.

Isto mesmo resulta também inequivocamente do preâmbulo do Decreto-Lei 375-A/99, de 20 de Setembro, nos seguintes termos: 'estabelece-se agora, como regra, no processo declarativo comum ordinário, a intervenção do juiz singular na fase de julgamento, condicionando a requerimento das partes a intervenção do tribunal colectivo e mantendo o princípio de que esta fica precludida se alguma das partes tiver requerido a gravação da prova'.

Nenhuma disposição legal análoga vigora em processo penal não existindo, assim, a obrigatoriedade de gravação da audiência final com a intervenção do colectivo.

Ainda que, por mera hipótese, se admitisse que o despacho de indeferimento da documentação da prova pudesse configurar uma irregularidade, ela teria de considerar-se sanada, por não haver sido arguida pelo interessado no próprio acto, sendo ainda certo que dela não poderia, agora, conhecer-se oficiosamente por não afectar o valor do acto do julgamento - artigo 123.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Logo, não se vislumbra que houvesse sido ofendido o princípio da igualdade e do direito de defesa do arguido e, bem assim, as garantias do processo criminal, nem se mostra violado o disposto nos artigos 2.º e 32.º da Constituição da República, pelo que, manifestamente, improcede este fundamento do recurso.

[...]

A arguida nulidade do acórdão recorrido por insuficiência da exposição dos fundamentos de facto nos quais o Tribunal baseou a sua convicção, e inexistência do exame crítico das provas:

Sustenta o recorrente que a douta decisão recorrida é nula, por insuficiência na exposição dos fundamentos de facto nos quais o Tribunal baseou a sua convicção e, ainda, por não haver procedido ao exame crítico das provas no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mas sem o menor vislumbre de razão.

Com efeito, o n.º 2 do citado artigo 374.º preceitua: 'Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que serviram para formar a convicção do tribunal.'

Ora, examinando-se, detidamente, o douto acórdão recorrido, com saliência para o que consta de fl. 469 a fl. 471, constata-se, indiscutivelmente, que na decisão da causa concorrem todos os requisitos mencionados no citado n.º 2 do artigo 374.º, pelo que, a todas as luzes, não se verifica a arguida nulidade."

2 - Desta decisão foi interposto pelo arguido, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28 /82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), o presente recurso de inconstitucionalidade, para "ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do preceito do artigo 363.º do Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida".

Nas alegações que produziu no Tribunal Constitucional, o recorrente defendeu a inconstitucionalidade das normas dos artigos 363.º do Código de Processo Penal, na interpretação acolhida na decisão recorrida, por violação dos artigos 2.º e 32.º da Constituição da República, e 374.º, n.º 2, do mesmo Código, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da lei fundamental.

O Ministério Público, por sua vez, após delimitar o objecto do recurso, à luz do respectivo requerimento, à apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 363.º do Código de Processo Penal, concluiu assim as suas contra-alegações:

"1 - Os recursos de fiscalização concreta têm carácter instrumental, só devendo conhecer-se da questão de constitucionalidade suscitada quando a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional puder repercutir-se, de forma útil e efectiva, no sentido e no conteúdo da decisão impugnada.

2 - Considerando explicitamente o acórdão recorrido que a irregularidade - hipoteticamente cometida pelo despacho interlocutório e autónomo que rejeitou o pretendido registo ou documentação da audiência - estava precludida, em consequência de não ter sido tempestiva e adequadamente arguida pelo interessado, carece de utilidade a apreciação da questão de constitucionalidade da norma constante do artigo 363.º do Código de Processo Penal.

3 - Termos em que não deverá conhecer-se do presente recurso."

Notificado para, querendo, se pronunciar sobre a questão prévia assim suscitada, veio o recorrente pugnar pelo conhecimento do recurso, dizendo, quanto à irregularidade processual em causa: "porque se trata de uma irregularidade renovada em cada acto de julgamento, que constitui um vício repristinado a cada um deles, não pode considerar-se sanada, sob pena de assim se configurar um verdadeiro atentado aos direitos, liberdades e garantias".

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 3 - No requerimento de interposição do presente recurso não se faz qualquer referência à norma do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou, sequer, ao problema da exposição dos fundamentos de facto que serviram para formar a convicção do tribunal. Não se curará, pois, da conformidade constitucional desta última norma, restringindo-se o objecto do recurso, em face do teor do respectivo requerimento, à apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 363.º do Código de Processo Penal.

4 - Mesmo delimitando assim o objecto do recurso, a análise do teor da decisão recorrida e do requerimento de recurso conduz, todavia, à conclusão de que dele não pode tomar-se conhecimento.

Na verdade, constituem requisitos específicos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, além da suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo e do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Este último requisito é uma consequência da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, o qual visa obter a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade normativa suscitada incidentalmente num processo concreto, e da qual dependa a decisão deste processo.

Se a referência à norma em questão aparece como mero obiter dictum, ou se se encontrar na decisão recorrida um outro fundamento, por si só suficiente para chegar à mesma decisão, a intervenção do Tribunal Constitucional viria a revelar-se inútil, no caso concreto, por não ser susceptível de vir a alterar o decidido. Encontrando-se na decisão recorrida outro fundamento, para além da aplicação da norma impugnada, só por si suficiente para chegar à tal decisão, não existe, pois, interesse processual que justifique o conhecimento da questão pelo Tribunal Constitucional - seja qual for o sentido da decisão que recaia sobre a questão, manter-se-á inalterado o decidido pelo tribunal recorrido (cf., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.os 454/91, 337/94, 608/95, 577/95, 1015/96, 196/97 e 508/98, publicados os três primeiros no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 24 de Abril de 1992, de 4 de Novembro de 1994 e de 19 de Março de 1996).

5 - Ora, no caso presente, é isso mesmo que se verifica, como salienta o Ministério Público nas suas contra-alegações.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido, depois da análise dos termos em que deve ter lugar a documentação da prova - referindo-se à interpretação do artigo 363.º do Código de Processo Penal e ao despacho de indeferimento da documentação da prova -, pode, na verdade, ler-se que:

"Ainda que, por mera hipótese, se admitisse que o despacho de indeferimento da documentação da prova pudesse configurar uma irregularidade, ela teria de considerar-se sanada, por não haver sido arguida pelo interessado no próprio acto, sendo ainda certo que dela não poderia, agora, conhecer-se oficiosamente por não afectar o valor do acto do julgamento - artigo 123.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal."

Aliás, o recorrente, dizendo embora que, no seu entendimento, a irregularidade processual em causa não pode considerar-se sanada, não impugnou a constitucionalidade do entendimento contrário das normas que regulam as irregularidades - isto é, a constitucionalidade da interpretação do artigo 123.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça. E só por via da apreciação da constitucionalidade de tais normas, se atempadamente suscitada, poderia o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a sanação e a possibilidade de conhecer da irregularidade eventualmente existente, e poderia, dessa forma, a sua decisão vir a projectar-se sobre o outro fundamento expressamente invocado na decisão recorrida para negar provimento ao recurso do arguido.

Mesmo sem curar de apurar se se verificam no presente caso os restantes requisitos do presente recurso de constitucionalidade - designadamente a suscitação, durante o processo, de uma questão de constitucionalidade normativa, isto é, referida a uma norma ou a uma sua dimensão interpretativa devidamente enunciada -, conclui-se, pois, que existe no acórdão recorrido outro fundamento bastante para a decisão proferida - a sanação da irregularidade eventualmente existente, por não haver sido arguida pelo interessado no próprio acto, e a impossibilidade de dela se conhecer oficiosamente, por não afectar o valor do acto do julgamento, nos termos do artigo 123.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal -, para além da interpretação do artigo 363.º do Código de Processo Penal, questionada pelo recorrente.

Tanto basta para, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, impor o não conhecimento do presente recurso, cuja apreciação não poderia reflectir-se utilmente na decisão recorrida.

III - Decisão. - Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso e condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em oito unidades de conta.

Lisboa, 6 de Setembro de 2000. - Paulo Mota Pinto (relator) - Bravo Serra - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1838896.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1913-07-10 - Lei 28 - Ministério da Marinha - Repartição do Gabinete

    Dispensa o major general da armada das funções de primeiro comandante do corpo de marinheiros. (Lei n.º 28)

  • Tem documento Em vigor 1993-01-22 - Decreto-Lei 15/93 - Ministério da Justiça

    Revê a legislação do combate à droga, definindo o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-20 - Decreto-Lei 375-A/99 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Civil, o Código do Registo Predial, o Código do Registo Comercial, o Código do Registo Civil, o Código do Notariado e o Código da Propriedade Industrial.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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