Acórdão 139/2000/T. Const. - Processo 150/98. Acordam, no plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O Provedor de Justiça veio requerer ao Tribunal Constitucional "a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 4.º do Decreto-Lei 98/96, de 19 de Julho, por entender violarem as mesmas o disposto no artigo 56.º, n.º 2, alínea b) [a)] da Constituição". O seu texto é o seguinte:
"Artigo 4.º
Recrutamento excepcional para inspectores de 2.ª classe
1 - Durante o período transitório de dois anos, o recrutamento para a categoria de inspector de 2.ª classe da carreira de investigação e fiscalização poderá ser feito, mediante concurso, de entre inspectores adjuntos da mesma carreira detentores da licenciatura que for considerada adequada e que constará do aviso de abertura do concurso.
2 - Os métodos de selecção a aplicar no concurso a que se refere o número anterior são:
a) Prova escrita de conhecimentos específicos;
b) Exame psicológico de selecção.
3 - O concurso poderá abranger todos ou alguns dos lugares que à data da sua abertura se encontrem vagos na categoria de inspector de 2.ª classe de acordo com o que for fixado no respectivo aviso de abertura.
4 - O provimento dos candidatos nos lugares postos a concurso nos termos do número anterior será feito segundo a ordem de classificação final.
5 - O tempo de serviço na categoria de inspector de 2.ª classe do pessoal recrutado ao abrigo do presente diploma é contado a partir da data da aceitação da nomeação ou da posse naquela categoria."
Em síntese, o Provedor de Justiça, apoiando-se em diversos acórdãos do Tribunal Constitucional, considera que, versando as normas impugnadas sobre "legislação do trabalho", no sentido previsto na citada alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição, e não tendo sido ouvidos no processo da respectiva elaboração todos os sindicatos representativos dos trabalhadores da função pública, se verifica a respectiva inconstitucionalidade (formal).
Notificado para o efeito, o Primeiro-Ministro veio pronunciar-se no sentido da não inconstitucionalidade. Em seu entender, impondo "o bom funcionamento da Administração Pública [...], a concordância prática entre o direito de participação das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho e a gestão e o funcionamento correntes de sectores administrativos do Estado", seria constitucionalmente suficiente para se considerarem respeitados "a extensão e o alcance do 'conteúdo essencial' ou 'núcleo duro' do direito de participação", previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º, a audição, efectivamente realizada, das associações sindicais representativas dos trabalhadores do sector.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 63.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, foi distribuído e debatido em plenário o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, tendo sido fixada a orientação a seguir.
2 - O artigo 4.º atrás transcrito veio definir um regime transitório, a vigorar por dois anos, destinado a flexibilizar as regras de recrutamento e provimento para a categoria de inspector de 2.ª classe da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, prevista na sua lei orgânica (Decreto-Lei 440/86, de 31 de Dezembro).
Ditado pela "imperiosa necessidade de reforçar o número de inspectores de 2.ª classe da carreira de inspecção e fiscalização" e permitido pela circunstância de existirem "inspectores-adjuntos, licenciados já, que foram admitidos por concurso a estágio de conteúdo idêntico ao efectuado pelos inspectores, aos quais importa permitir, excepcionalmente e durante um período transitório, o ingresso na respectiva categoria, sem que tenham de ser de novo submetidos àquele estágio probatório", como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei 98/96, o citado artigo 4.º veio prever, a título excepcional, que o recrutamento se fizesse, mediante concurso, de entre inspectores-adjuntos da mesma carreira detentores de licenciatura adequada. Afastou, assim, o regime geral previsto no n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei 440/86, nomeadamente dispensando o estágio previsto no artigo 55.º deste último diploma.
3 - Verifica-se, todavia, que, por já ter decorrido totalmente o período de dois anos previsto para a vigência deste regime excepcional, as normas que constituem o objecto deste processo já produziram todos os seus efeitos.
Esta circunstância, por si só, não tornaria necessariamente inútil o conhecimento do pedido, sabido como é que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral tem, por princípio, eficácia "desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional" (n.º 1 do artigo 282.º da Constituição); no caso presente, implicaria, desde logo, a anulação dos concursos que houvessem sido efectuados em sua aplicação.
Sucede, no entanto, que sempre haveria que respeitar a posição jurídica daqueles que concorreram e acederam à categoria de inspector de 2.ª classe do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, seja por se assimilarem os casos resolvidos entretanto formados ao caso julgado ressalvado dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo n.º 3 do mesmo artigo 282.º, seja por tal limitação de efeitos ser exigida por razões de segurança jurídica, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º (ver, para o caso semelhante do conhecimento de pedidos de declaração de inconstitucionalidade de normas revogadas, os acórdãos deste Tribunal n.os 17/83, 639/98 e 671/99, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente, de 31 de Janeiro de 1984, 29 de Dezembro de 1998 e 10 de Fevereiro de 2000).
Assim, considera-se não existir interesse relevante no conhecimento do pedido, por inutilidade superveniente.
Nestes termos, o Tribunal decide não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 14 de Março de 2000. - Maria dos Prazeres Beleza (relatora) - José de Sousa e Brito - Maria Helena Brito - Vítor Nunes de Almeida - Artur Maurício - Bravo Serra Messias Bento - Guilherme da Fonseca - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida - Maria Fernanda Palma - José Manuel Cardoso da Costa.