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Acórdão 293/2008, de 1 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a), do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, que digam respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do mesmo diploma, sem que antes o arguido deles tenha conhecimento

Texto do documento

Acórdão 293/2008

Processo 304/08

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - No presente processo o Magistrado do Ministério Público promoveu (fls. 57) que se procedesse à destruição das sessões de gravação de conversações telefónicas n.º s 1 a 149 do alvo 1P878IE, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, por ter passado a operar no respectivo IMEI um cartão SIM a que corresponde um número de telemóvel utilizado pela companheira de um dos suspeitos, não se enquadrando aquela em nenhuma das alíneas do n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código.

O Juiz de Instrução Criminal indeferiu o promovido (fls. 63) com a seguinte fundamentação:

"[...]

ainda que se entenda que não se mantêm os pressupostos de validade da escuta, é nosso entendimento, não obstante o teor do n.º 6 do artigo 188.º, não dever ser ordenada a destruição imediata dos suportes técnicos relativos a conversações manifestamente estranhas ao objecto do processo, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância.

A defesa tem o direito constitucional de, findo o período de segredo interno, conhecer a totalidade das escutas telefónicas realizadas no processo, só assim assistindo ao arguido a possibilidade de contrariar a interpretação que o Ministério Público e o juiz fizeram das conversações gravadas, só assim o arguido podendo verdadeiramente contraditar a prova da acusação.

A destruição imediata de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância, viola as garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa - a este propósito, cf. Ac. TC n.º 660/2006, e. já antes, Ac. n.º 426/2005 e Ac. n.º 4/2006."

Deste despacho recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional, a fim de se proceder à apreciação da inconstitucionalidade do n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal (cf. fls. 2 a 5).

Tendo sido admitido o recurso (fls. 7), o recorrente apresentou alegações com o seguinte teor:

"[...]

1 - Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.

1.1 - Foi interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, face à não aplicação por parte da decisão recorrida da norma do artigo 188.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, no segmento em que estabelece que o juiz determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, por as respectivas conversas não se reportarem a pessoas a que alude o n.º 4 do artigo anterior.

1.2 - Entendeu a decisão recorrida que a destruição imediata dos suportes técnicos, conforme tinha sido requerido pelo Ministério Público, com apoio legal na norma recusada, violava as garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.

Referiu expressamente que "A defesa tem o direito constitucional de, findo o período de segredo interno, conhecer a totalidade das escutas telefónicas realizadas no processo, só assim assistindo ao arguido a possibilidade de contrariar a interpretação que o Ministério Público e o juiz fizeram das conversações gravadas, só assim o arguido podendo verdadeiramente contrariar a prova da acusação".

Ora, não está em causa, no caso em apreço, nenhuma interpretação de qualquer autoridade judiciária relativa à relevância para a prova do conteúdo das conversações, mas sim o facto das conversações gravadas dizerem respeito a pessoas que não podem legalmente ser objecto de escuta.

A questão é prévia e situa-se a montante da que foi tida como fundamento da recusa de aplicação da norma do n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal.

Por outro lado, a jurisprudência do Tribunal Constitucional citada, designadamente o Acórdão 600/2006, tem que ser tida por desactualizada, face à recente posição do Plenário do Tribunal Constitucional sobre a matéria, consubstanciada no Acórdão 70/2008, de 31 de Janeiro, que decidiu "não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através das escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa".

A recusa de aplicação da norma em apreço não encontra fundamento no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição ou em qualquer outra das suas normas ou princípios delas extraído.

Face, até, ao que dispõe o n.º 4 do artigo 34.º da lei Fundamental, segundo o qual a ingerência nas telecomunicações e demais meios de comunicação só é excepcionalmente tolerada em matéria de processo criminal e nos estritos casos previstos na Lei, não é a destruição dos suportes técnicos que pode ser objecto de censura constitucional, mas sim, eventualmente, uma interpretação normativa que sustente o contrário, sempre que sejam escutadas pessoas que legalmente o não possam ser.

2 - Conclusão.

Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se:

1 - Não é inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, enquanto estabelece que o juiz determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatório manifestamente estranhos ao processo, que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo anterior.

2 - Termos em que não deverá ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida."

II - Fundamentação. - A decisão recorrida afastou a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por entender que esta norma ao permitir que o juiz determine a destruição imediata dos suportes técnicos relativos a conversações manifestamente estranhas ao objecto do processo, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância, viola as garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

O n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção resultante da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, o qual dispõe sobre as formalidades das operações de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, estabelece o seguinte:

"[...]

6 - Sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo anterior, o juiz determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo:

a) Que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo anterior;

b) Que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado; ou

c) Cuja divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias;

[...]"

Por sua vez, o n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código determina que a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, previstas nos números anteriores do mesmo artigo, só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:

"[...]

a) Suspeito ou arguido;

b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou

c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.

[...]"

Apesar da decisão recorrida recusar a aplicação do n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal por permitir que o juiz determine a destruição imediata dos suportes técnicos relativos a conversações manifestamente estranhas ao objecto do processo, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância, no caso em apreço estava especialmente em causa a destruição dos suportes técnicos manifestamente estranhos ao processo, por dizerem respeito a conversações em que não têm intervenção as pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal (o suspeito ou arguido, a pessoa que sirva de intermediário e a vítima do crime).

Assim, atenta a natureza instrumental do recurso constitucional, apenas se deve fiscalizar, como bem refere o recorrente nas suas alegações, a constitucionalidade da norma do artigo 188.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, no segmento em que estabelece que o juiz determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, por as respectivas conversas não se reportarem a pessoas a que alude o n.º 4 do artigo anterior, ou seja da alínea a) do n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal.

A questão que se coloca é, pois, a de saber se é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a), do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, que digam respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código, sem que antes o arguido deles tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre a sua relevância.

O Tribunal Constitucional, através do acórdão 660/06, de 28 de Novembro - em que o juiz recorrido agora se baseou -, cujo entendimento foi depois confirmado pelos acórdãos n.º s 450/07 e 451/07, de 18 de Setembro (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, da norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (na redacção resultante da Lei 59/98, de 5 de Agosto, e do Decreto-Lei 320-C/2000, de 125 de Dezembro) na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância.

A norma que estava em apreciação, nesses arestos, era, pois, a do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29 de Agosto, sendo essa disposição do seguinte teor:

[...]

3 - Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.

[...]

Interessa, por outro lado, ter em linha de conta que em todos os casos analisados nessa jurisprudência, estavam em causa intercepções de comunicações telefónicas do arguido, cujo registo o juiz de instrução, por aplicação do referido dispositivo legal, então vigente, havia mandado destruir por considerar não ter relevância para a prova.

Para concluir no sentido da inconstitucionalidade da mencionada disposição, o acórdão 660/06 ponderou que a destruição, apenas por decisão do juiz de instrução, sem conhecimento pelo arguido, dos elementos de prova obtidos por intermédio da intercepção de telecomunicações, constitui, só por si, uma compressão inaceitável e desnecessária das garantias de defesa e que é particularmente notória na comparação da sua posição com a da acusação. Isso porque o arguido, que sofreu uma intervenção restritiva nos seus direitos fundamentais ao ser objecto de escutas telefónicas, acaba por ver eliminados os registos dessas comunicações, sem poder tomar conhecimento do seu conteúdo e sobre eles se pronunciar, enquanto que a acusação (rectius, o órgão de polícia criminal e o Ministério Público) tem acesso ao conteúdo integral e completo das comunicações e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar as partes que considera relevantes (artigo 188.º, n.º 1, parte final), tendo uma intervenção substancial anterior à apreciação do juiz e podendo influenciar a sua decisão sobre a relevância dos elementos coligidos.

O acórdão entende, por outro lado, que não é possível contrapor, como justificação para a destruição dos registos tidos como irrelevantes, a ideia de que essa operação visa a própria protecção de direitos fundamentais de terceiros ou do próprio arguido, por se tratar de dados que, resultando da intercepção de comunicações, representam em si uma devassa da intimidade da vida privada. Neste plano de consideração, o tribunal chama a atenção para a circunstância de a destruição dos registos, com fundamento no disposto no artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, ter por base exclusivamente a apreciação da relevância das conversações para efeito de prova, por parte do juiz, e não a ilegalidade das escutas ou a protecção dos direitos de terceiros ou do arguido. E, assim, a invocação da protecção de terceiros contra intromissão na vida privada só poderia colocar-se no plano abstracto, da presunção de que todas e quaisquer escutas podem pôr em causa esses direitos de terceiros.

A estas razões acrescenta o acórdão 450/07 (e, na sua esteira, o acórdão 451/07) outras que se julga apontarem também no sentido da inconstitucionalidade da solução legislativa contida no citado artigo 188.º, n.º 3. Por um lado, a consideração de que o exercício do direito de o arguido examinar o auto de transcrição para se inteirar da conformidade entre o que havia sido transcrito e o que havia sido gravado as transcrições [a que se refere o n.º 5 desse artigo] tem como pressuposto necessário que o arguido possa ter acesso à integralidade das gravações que foram efectuadas. Por outro lado, a ideia de que o direito à palavra, como refracção do direito à reserva de intimidade da vida privada, pressupõe a existência de uma liberdade de comunicação espontânea, que pode gerar inferências de sentido que reduzem a compreensibilidade do que foi dito, quando interceptadas por decisão unilateral e externa de terceiros.

Posteriormente, o Tribunal Constitucional, em Plenário, através do Acórdão 70/2008, de 31 de Janeiro (disponível no mesmo endereço electrónico), inflectiu esta orientação, decidindo «não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa».

Com especial relevância para a presente decisão, pode ler-se na fundamentação deste acórdão:

"[...]

... é de considerar que não existe uma qualquer violação do princípio do contraditório, no âmbito do processo de inquérito, pelo facto de o juiz de instrução, no exercício do poder processual que lhe confere a citada norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, vir a ordenar a eliminação dos conteúdos das comunicações interceptadas ou de uma parte deles sem prévia audição do arguido.

Face à própria natureza essencialmente investigatória do processo de inquérito - como há pouco se deixou explanado -, o arguido não tem de se pronunciar sobre a relevância dos registos das escutas telefónicas, como não tem de tomar posição sobre o modo e o lugar da intercepção ou o circunstancialismo temporal em que ela deve ocorrer, aspectos que naturalmente relevam de critérios de oportunidade que só ao Ministério Público, sob pena de frustrarem os objectivos da investigação, cabe definir. E o arguido não tem de se pronunciar sobre essa matéria como não tem de o fazer relativamente a qualquer outro resultado probatório que tenha sido obtido através de um outro meio de prova. As escutas telefónicas, nesse plano, distinguem-se de qualquer outro método de recolha de elementos de indiciação da prática de crime apenas pelo seu carácter restritivo, quer no que concerne ao âmbito de admissibilidade, quer ao respectivo formalismo procedimental, e que é justificado pela apontada circunstância de representar objectivamente uma forma de violação da intimidade da vida privada.

[...]

Em especial, a destruição de elementos recolhidos por irrelevância probatória não colide com o princípio do contraditório, que, tal como está constitucionalmente consagrado, apenas se torna aplicável nas fases subsequentes do processo penal, com excepção apenas de actos instrutórios que, praticados no âmbito do inquérito, possam pôr em causa directamente direitos do arguido, e cuja amplitude se circunscreve, como ficou dito, aos actos relativos à aplicação de medidas de coacção e às inquirições que devam ser feitas no inquérito para serem tomadas em conta no julgamento.

[...]

Resta agora acrescentar que a Lei 48/2007, de 29 de Agosto, na sequência da Proposta de Lei 140/X, apresentada já na actual legislatura, pretendendo alterar substancialmente o regime do artigo 188.º do CPP, preconiza a preservação dos suportes técnicos que tenham resultado da intercepção de comunicações, permitindo, a partir do encerramento do inquérito, que o assistente e o arguido possam examinar os registos para requerer a abertura da instrução ou apresentar a contestação, e o tribunal possa proceder à audição das gravações para determinar a correcção das transcrições já efectuadas ou a junção aos autos de novas transcrições, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (n.º s 8 e 10). Cominando, por sua vez, a destruição imediata dos registos ou relatórios apenas nos casos em que, sendo manifestamente estranhos ao processo, disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas directamente interessadas (o suspeito ou arguido, a pessoa que sirva de intermediário e a vítima do crime), que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado ou cuja divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias (n.º 6).

Há, portanto, novos elementos que apontam no sentido de uma tendencial manutenção, para efeitos processuais, dos registos efectuados através de intercepção e gravação de comunicações.

Importa em todo o caso notar que a verificação da conveniência de preservar os registos das conversações telefónicas que digam directamente respeito ao intervenientes, para efeito de assegurar o direito de exame e de contradição por parte do arguido ou outros interessados e permitir o controlo das transcrições que tiverem sido efectuadas para uma boa decisão da causa, constitui uma medida de política legislativa que não implica necessariamente o reconhecimento da existência de um direito ao contraditório no âmbito do processo de inquérito.

Na verdade, uma coisa é considerar que há vantagem, em termos processuais, na conservação dos registos (desde que salvaguardado o carácter sigiloso dos conteúdos); outra coisa é dizer que a destruição desses registos, na fase do inquérito, sem prévia audição do arguido, afronta a garantia do princípio do contraditório.

Nem a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nem o direito comparado, nem a recente alteração legislativa relativa ao actual artigo 188.º do CPP, apontam no sentido de assegurar ao arguido o direito de contraditório relativamente às diligências de investigação realizadas no âmbito do inquérito e que envolvam a intercepção e gravação de comunicações telefónicas. O que se reconhece é o interesse em manter intactas e completas as gravações para efeito de ulterior controlo quer pelo tribunal quer pela defesa.

[...]

Já vimos que as garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional, não vão além, na parte que agora mais interessa considerar, da previsão de um processo criminal com estrutura acusatória em que apenas a audiência de julgamento e certos actos instrutórios especialmente previstos na lei é que estão subordinados ao princípio do contraditório.

O princípio acusatório e o reconhecimento do direito de contraditoriedade tem, pois - como já foi amplamente exposto -, um sentido inteiramente diverso, que é o de assegurar ao arguido a possibilidade de, nas fases ulteriores do processo, contrabater as razões e as provas que tenham sido contra ele coligidas e tomar também iniciativas instrutórias e de realização de prova que considerar pertinentes.

No entanto, como é bem de ver, esse direito de contraditório existe em relação às provas em que se funda a acusação, as mesmas que serão ponderadas pelo juiz de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a julgamento, para efeito a condenação do réu.

É só em relação a essas provas - e não a quaisquer outras que os investigadores tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado por considerarem (bem ou mal) imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito -, que o arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar esses resultados.

É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, que permite justamente equilibrar a posição jurídica da defesa em relação à acusação e dar cumprimento ao princípio da igualdade das armas. E é esse - e apenas esse - o sentido do princípio do acusatório que decorre do disposto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição.

É essa também a essência do processo equitativo ou do due process of law, que justamente envolve como um dos seus aspectos fundamentais (para além da independência e imparcialidade do juiz e a lealdade do procedimento) a consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas as possibilidades de contrariar a acusação.

Todavia, o arguido não tem o direito nem interesse processual a contraditar as provas produzidas no inquérito que foram consideradas irrelevantes (e que não servem de fundamento à acusação), como não tem direito nem interesse processual em conhecer todos os expedientes ou diligências de que os órgãos de polícia criminal se serviram, segundo as estratégias de investigação que consideraram em cada momento adequadas ao caso e que podem, entretanto, ter sido abandonadas.

[...]

Como se impõe concluir, ainda que possa considerar-se aconselhável de jure condendo assegurar a integralidade das conversações telefónicas interceptadas, por razões de política legislativa que considerem prevalecentes as vantagens daí advenientes para a justiça do caso concreto (como veio a entender-se com a publicação da Lei 48/2007), tais considerações não justificam um juízo de inconstitucionalidade relativo à norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP (na versão anterior a essa Lei), que, por tudo o que foi dito, não representa uma violação das garantias de defesa do arguido.

Ou seja, tendo em conta o sentido jurídico-constitucional do princípio acusatório e a possibilidade de colisão entre o interesse processual em manter intactas as provas coligidas através de intercepção e gravação de comunicações e o correspondente risco de devassa da reserva de intimidade da vida privada, cabe na liberdade de conformação legislativa adoptar um critério mais ou menos restritivo no que se refere ao momento em que, no decurso do processo penal, deverá efectuar-se a destruição dos elementos de prova considerados irrelevantes.

[...]"

Retomando o caso dos autos, a primeira observação que cabe efectuar é que a anterior orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional, a que o despacho recorrido se arrimou, não é sequer transponível para a presente situação, porquanto o que está agora em causa não é uma interpretação normativa do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29 de Agosto, nem tão pouco a possibilidade de destruição de escutas telefónicas efectuadas ao arguido, mas antes a disposição do artigo 188.º, n.º 6, alínea a), desse diploma, na sua actual redacção, no ponto em que permite a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, que disserem respeito a conversações em que não tenham intervindo qualquer das pessoas a que alude o n.º 4 do artigo anterior, e, portanto, em que não tenham intervindo o suspeito ou arguido, pessoa que sirva de intermediário, ou a vítima do crime.

E, por isso mesmo, as considerações em que se fundou aquela jurisprudência não relevam para justificar um juízo de inconstitucionalidade relativamente a uma outra norma inteiramente distinta e cuja aplicação ao caso concreto não pode pôr em causa o princípio do contraditório por se reportar a elementos instrutórios que não respeitam à situação do arguido nem interessam para a análise do processo.

Mas mesmo que assim não fosse, em aplicação da mais recente orientação do Tribunal Constitucional nesta matéria (firmada no citado Acórdão 70/2008), não é de entender como inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem o prévio conhecimento do arguido ou sem que este possa sobre ele pronunciar-se.

E este princípio é aplicável por maioria de razão, quando as comunicações telefónicas interceptadas não dizem sequer respeito ao arguido ou qualquer intermediário ou interveniente processual, mas a pessoas inteiramente estranhas ao processo e cujas conversações (embora tenham sido objecto de gravação) não têm qualquer relevância para a investigação.

A aplicação da doutrina do acórdão 70/2008 conduz-nos necessariamente à conclusão de que a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, não viola as garantias de defesa do arguido.

Acresce que, a destruição de suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, ao abrigo do disposto no artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal, tem por base a protecção do direito ao sigilo das telecomunicações (n.º 4 do artigo 34.º da Constituição) e da reserva de intimidade da vida privada (n.º 1 do artigo 26.º da Constituição) de terceiros, em relação aos quais a lei de processo criminal não autoriza a intercepção e a gravação de conversações.

Assim, defender a destruição destes suportes técnicos e relatórios apenas depois do arguido deles ter conhecimento e de poder pronunciar-se sobre a sua relevância, comportaria uma desnecessária e inaceitável compressão daqueles direitos constitucionalmente consagrados.

III - Decisão. - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, que digam respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código, sem que antes o arguido deles tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre a sua relevância;

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de não inconstitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 29 de Maio de 2008. - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Gil Galvão.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1689949.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-15 - Decreto-Lei 320-C/2000 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Penal, estabelecendo medidas de simplificação e combate à morosidade processual.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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