Maria Manuel Jesus Saraiva Esteves intentou, em 4 de Junho de 1999, no Tribunal do Trabalho de Gaia, acção declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, com processo ordinário, contra SOPERTERC - Sociedade de Peritagens Técnicas, Lda., na qual alegando, em síntese, ter sido admitida pela ré, em 8 de Fevereiro de 1991, para exercer as funções de escriturária de 1.ª classe, funções que desempenhou até 3 de Junho de 1998, data em que recebeu da ré a decisão do seu despedimento, na sequência de processo disciplinar que lhe foi instaurado em 8 de Maio de 1998, sem que existisse justa causa e que a ré, nos 90 dias subsequentes ao seu despedimento, não lhe entregou a declaração modelo n.º 346, necessária para requerer a atribuição do subsídio de desemprego pediu, para além da concessão de apoio judiciário - que obteve, a condenação da ré:
a) A reintegrá-la no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e com a antiguidade que lhe caberia ou, caso assim venha a optar, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade que, no momento da propositura da acção ascende a 1440000$00 e que deverá ser actualizada à data da sentença;
b) A pagar-lhe as retribuições que normalmente auferia caso se mantivesse ao serviço, liquidadas desde a data de despedimento e até à data da sentença que o vier a apreciar;
c) A pagar-lhe a indemnização, para reparação dos danos morais que invocou, de 1500000$00;
d) A pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, para reparação dos danos referentes à não concessão do subsídio de desemprego, se tal vier a ser decidido por entrega extemporânea do respectivo requerimento; e e) Em custas de procuradoria.
Contestou a ré, sustentando a existência de justa causa para o despedimento da A. e que procedeu à entrega da declaração modelo n.º 346 logo que a A. lhe fez tal pedido, apenas por carta registada com aviso de recepção, de 10 de Novembro de 1998.
Findos os articulados, saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à A. uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, para reparação dos danos referentes à não concessão do subsídio de desemprego, se esta vier a ser decidida por entrega extemporânea do respectivo requerimento, absolvendo-a quanto ao demais pedido.
A. e ré apelaram para o Tribunal da Relação do Porto.
A ré, no seu recurso, impugnou a matéria de facto e a condenação que lhe foi imposta.
A A., por seu turno, suscitou a questão do não conhecimento da caducidade do procedimento disciplinar, entendendo que, ainda que a caducidade não tivesse sido invocada, sempre seria de conhecimento oficioso.
No acórdão recorrido decidiu-se conceder provimento ao recurso interposto pela ré, absolvendo-a do pedido, depois de entender que nenhuma censura havia a fazer quanto ao apuramento da matéria de facto.
Relativamente ao recurso da A., foi-lhe negado provimento, com fundamento de a questão não ter sido levantada no Tribunal recorrido e não ser de conhecimento oficioso.
Inconformada, a A. recorre de revista, nas suas alegações, concluindo:
«1 - A entidade patronal é obrigada a fazer a entrega da declaração comprovativa da situação de desemprego do trabalhador despedido no prazo de cinco dias úteis a contar da data em que o trabalhador solicite tal entrega;
2 - Tendo a recorrente sido despedida em 3 de Junho de 1998 e solicitado à recorrida a entrega de tal declaração em 17 de Julho de 1998, incumbia à segunda fazê-lo no prazo citado;
3 - Tendo a recorrida, embora preenchendo a declaração com data de 31 de Julho de 1998, enviado a mesma apenas em 11 de Novembro de 1998 e porque instada novamente a fazê-lo em 10 do mesmo mês, violou a obrigação referida no n.º 1;
4 - Devendo o subsídio de desemprego ser requerido no prazo de 90 dias a contar da data da cessação do contrato, acompanhado da declaração em causa, a recorrida obstou a que a recorrente pudesse apresentar tal requerimento em devido tempo, sendo assim responsável pela reparação do dano que vier a provocar à segunda em caso de não concessão do subsídio de desemprego;
5 - Pode o Tribunal atender na condenação em indemnização à reparação de danos futuros desde que os mesmos sejam previsíveis, ficando a fixação da indemnização correspondente, perante a indeterminabilidade daqueles, relegada para decisão ulterior em execução de sentença;
6 - Incumbia à recorrida invocar e demonstrar que a falta de entrega da declaração depois de solicitada pela recorrente não resultara de culpa sua, por força do disposto no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil;
7 - Ao decidir de modo diverso quanto à primeira questão suscitada neste recurso de revista - a absolvição da recorrida quanto ao pedido de indemnização a liquidar em execução de sentença para reparação de danos que vierem a resultar da não concessão do subsídio de desemprego - o douto acórdão recorrido violou o disposto no n.º 3 do artigo 57.º do Decreto-Lei 64-A/89, os n.os 1 e 2 do artigo 37.º e o artigo 41.º do Decreto-Lei 79-A/89, o n.º 2 do artigo 564.º e o n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil;
8 - Tendo os factos que determinaram o despedimento da apelante ocorrido em 27 de Fevereiro de 1998 e nessa mesma data sido do conhecimento da apelada na pessoa de um sócio-gerente da mesma, deveria o respectivo procedimento disciplinar ter sido instaurado no prazo de 60 dias;
9 - Estando demonstrado nos autos que tal procedimento disciplinar apenas foi instaurado em 8 de Maio de 1998, verifica-se a caducidade do direito de proceder disciplinarmente pelos factos em causa contra a apelante;
10 - Ainda que tal caducidade não tivesse sido invocada, a mesma sempre seria de conhecimento oficioso, pelo que deveria o acórdão sob recurso ter julgado a acção procedente no que à declaração de ilicitude do despedimento concerne;
11 - Ao decidir de modo diverso o douto acórdão sob recurso violou o disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei 49408, no n.º 1 do artigo 333.º do Código Civil e na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei 64-A/89.
Nestes termos [...] deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, declarada a ilicitude do despedimento da recorrente e a condenação da recorrida no pagamento àquela da indemnização de antiguidade reclamada e ainda das retribuições que a mesma auferia caso se mantivesse ininterruptamente ao serviço, as quais deverão ser consideradas desde o 30.º dia anterior à propositura da acção até à data da sentença proferida, e ainda condenada a recorrida ao pagamento à recorrente de uma indemnização a liquidar em execução de sentença para ressarcimento do dano que a não concessão do subsídio de desemprego lhe vier a causar [...]» A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, entendendo dever ser concedida parcialmente a revista, relativamente ao dano decorrente da eventual não concessão do subsídio de desemprego. Notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.
Colhidos os vistos, foi elaborado projecto de acórdão e, na sua discussão em sessão de julgamento, perante a divergência de entendimentos quanto à oficiosidade do conhecimento da caducidade do direito de instauração de procedimento disciplinar, foi entendido sugerir ao Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos artigo 732.º-A, n.º 2, do Código do Processo Civil, a uniformização de jurisprudência, o que foi deferido.
Ouvidas as partes, a recorrente pronunciou-se pelo conhecimento oficioso, posição contrária, sendo defendida pela recorrida.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto proferiu douto e fundamentado parecer, propondo, para efeitos de uniformização de jurisprudência, a seguinte formulação:
«O prazo de caducidade previsto no artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969, não é de conhecimento oficioso, conforme disposto nos termos dos normativos conjugados dos artigos 333.º, n.º 2, e 303.º, ambos do Código Civil».
Cumpridas as ulteriores formalidades, cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido, a mesma que já o fora em 1.ª instância:
«1) A ré dedica-se à prestação de serviços de peritagens técnicas;
2) Em 8 de Fevereiro de 1992 a ré admitiu a autora para, sob ordens e direcção, lhe prestar a actividade correspondente à categoria de escriturária de 1.ª classe;
3) A ré caracterizou a autora em consonância com o supra-referido;
4) No desempenho de tal actividade a autora assegurava a execução de toda a actividade administrativa da sociedade ré;
5) A autora veio a ser despedida pela ré mediante comunicação que lhe foi dirigida em 1 de Junho de 1998 e por si recebida em 3 imediato (doc. de fls. 11 a 23);
6) Tal despedimento foi decidido na sequência de processo disciplinar que lhe havia sido instaurado em 8 de Maio de 1998 (doc. de fls. 25 a 33);
7) A autora respondeu à nota de culpa - cf. doc. junto aos autos a fls. 37 e 38;
8) A autora, pelo menos, auferia o vencimento base mensal de 138600$00;
9) A autora, designadamente, assegurava o atendimento do telefone, a abertura dos processos de sinistro e a preparação de relatórios, a preparação e entrega dos documentos contabilísticos à sociedade responsável pela contabilidade da ré;
10) A autora tinha ainda a seu cargo realizar pagamentos a funcionários e colaboradores da sociedade, preenchendo para tal os respectivos cheques, quando necessário, e receber e guardar, respectivos comprovativos, enviando os respectivos registos à contabilidade da empresa;
11) Impendia sobre a ré a obrigação de entregar à autora a declaração modelo n.º 346 por via da cessação do contrato, declaração essa necessária para requerimento e atribuição do subsídio de desemprego;
12) Foi feito o pagamento, no escritório do mandatário da ré, à autora das importâncias devidas pela cessação do contrato de trabalho, mas não a entrega acima referida;
13) A ré enviou em 11 de Novembro de 1998 à autora a declaração em causa, a qual se mostrava datada de 31 de Julho de 1998;
14) A sociedade ré foi constituída por escritura celebrada em 3 de Fevereiro de 1992 no 2.º Cartório Notarial do Porto e matriculada na Conservatória do Registo Comercial em 19 de Março de 1992;
15) Só a partir da sua constituição iniciou a ré a sua actividade;
16) A remuneração base auferida pela autora foi actualizada, à semelhança dos restantes funcionários, em Janeiro de 1988;
17) Com a comunicação do despedimento acima mencionado a ré pôs à disposição da autora as quantias referentes a férias e subsídios vencidos em 1 de Junho de 1998 bem como as férias e subsídio de Natal proporcionais a 1998;
18) Processando em conformidade o respectivo recibo e emitindo o respectivo cheque datado de 1 de Junho de 1998;
19) A autora pediu à ré a entrega da referida declaração modelo n.º 346 por carta registada com aviso de recepção de 10 de Novembro de 1998;
20) Pedido que a ré satisfez de imediato enviando à autora o referido documento modelo n.º 346 por carta registada com aviso de recepção de 11 de Novembro de 1998;
21) A autora, em Janeiro e Fevereiro de 1998, auferiu 160000$00 líquidos mensais;
22) A autora foi informada de que já havia decorrido o prazo para apresentação da declaração em causa para efeito de concessão de subsídio de desemprego;
23) Nos 90 dias seguintes ao despedimento, a ré não procedeu à entrega à autora da declaração modelo n.º 346;
24) A mesma podia ter sido enviada com a decisão do despedimento;
25) A autora recorreu aos serviços do Ministério do Trabalho em Novembro de 1998;
26) Caso a ré não lhe enviasse a declaração em causa, seriam os próprios serviços a produzir uma declaração de substituição;
27) A autora requereu então a concessão do subsídio de desemprego, apresentando então uma exposição explicativa dos motivos determinantes de tal requerimento ter sido formulado fora de prazo;
28) Contudo, até à presente data, a autora ainda não lhe viu concedido o subsídio de desemprego;
29) Ignorando se o mesmo lhe será atribuído por o respectivo requerimento não ter sido ainda concedido;
30) Que após o despedimento a autora deixou de repercutir o salário que recebia ao serviço da ré no seu agregado familiar;
31) O despedimento afectou a autora, designadamente deprimindo-a;
32) Em 17 de Julho de 1998 foi dirigido ao mandatário da ré um fax em que se pedia que a autora obtivesse no seu escritório quer a declaração de cessação do contrato quer as remunerações devidas por força da cessação;
33) No exercício da sua actividade a autora tinha ainda a seu cargo e responsabilidade o 'caixa social';
34) Com o dinheiro do 'caixa' a autora procedia ao pagamento de serviços prestados e fornecimentos feitos à ré, bem como de despesas correntes, contra entrega dos respectivos documentos de despesa;
35) Pela confiança nela depositada, sempre que algum dos sócios da ré se ausentava por período de tempo razoável, confiava à autora um ou mais cheques da conta da ré, por ele assinados e não preenchidos;
36) E que se destinavam a ser utilizados, superiores a 50000$00;
37) Assim, e sempre que era necessário, procedeu a pagamento de montantes superiores a 50000$00, a autora procedia ao preenchimento de um ou mais cheques que tinha confiados, após o que recolhia a assinatura do outro sócio-gerente, para que a sociedade ficasse obrigada;
38) Igualmente, e sempre que a autora considerava necessário o reforço do 'caixa social', eram-lhe confiados um ou mais cheques da conta da ré, não preenchidos, e assinados apenas por um dos sócios;
39) E destinando-se os mesmos ao levantamento de fundos no banco respectivo para reforço do caixa social, a autora procedia ao seu preenchimento, nomeadamente data, local de emissão e montante em numerário e por extenso, e sempre de valor não superior a 50000$00;
40) Tanto quanto constitui o limite estabelecido para levantamentos com a assinatura de apenas um dos sócios gerentes, como a autora bem sabia;
41) A autora encarregava um funcionário da ré de proceder ao levantamento da importância titulada no cheque na instituição bancária onde estava sediada a respectiva conta;
42) E fazia-o devidamente autorizada, e sem necessidade, ou obrigação, de dar conhecimento aos sócios da ré;
43) Sempre que era necessário proceder ao pagamento de fornecimentos ou serviços de valor superior a 50000$00 a autora preenchia integralmente um cheque que tinha em seu poder e previamente assinado por um dos sócios, nomeadamente com o montante a pagar, fazendo-o posteriormente assinar pelo outro sócio gerente, após o que o entregava ou remetia para o respectivo credor;
44) Por altura do Natal de 1997, e com vista a prevenir um período de ausência para férias, o sócio-gerente da ré, Nelson Pereira, confiou à autora vários cheques, por si assinados e não preenchidos, da conta Nova Rede (BCP), dois deles com os n.os 7358660945 e 7359660848;
45) Os referidos cheques destinavam-se apenas a ser utilizados para pagamento de montantes superiores a 50000$00 a efectuar na ausência do referido sócio-gerente Nelson Pereira, se necessário, e após serem assinados pelo outro sócio-gerente da ré, engenheiro António Mata;
46) E como era habitual, o que a autora bem sabia;
47) Os cheques supra-referidos com os n.os 7358660945 e 7359660848, cuja utilização não foi necessária na ausência do sócio-gerente Nelson Pereira, permaneceram, como de costume, em poder e à guarda da autora, após o regresso de férias do mencionado sócio-gerente;
48) No dia 27 de Fevereiro de 1998, o sócio-gerente engenheiro António Mata apercebeu-se que a autora, no seu local de trabalho e em cima da sua secretária, tinha na sua posse várias notas de banco;
49) Por ter suspeitado, inquiriu o funcionário, a quem a autora encarregava de proceder ao desconto dos cheques no banco, de eventuais levantamentos feitos nesse mesmo dia;
50) E o referido funcionário confirmou que, nesse dia e por ordem da autora, tinha levantado três cheques da conta da ré na Nova Rede, cada um deles no montante de 50000$00, todos preenchidos pela autora; dois deles apenas assinados pelo sócio-gerente Nelson Pereira e o terceiro pelo próprio engenheiro António Mata;
51) Os cheques com os n.os 73588660945 e 7358660848 haviam sido confiados à autora pelo sócio gerente Nelson Pereira antes de se ausentar para férias no período de Natal de 1997;
52) E que a autora datou, respectivamente, de 27 e 25 de Fevereiro de 1998;
53) Sendo o terceiro dos mencionados cheques assinados pelo sócio-gerente engenheiro António Mata, a pedido da autora, e destinando-se a reforço de caixa;
54) Tendo ordenado ao funcionário Ricardo Pereira para proceder nesse mesmo dia 27 de Fevereiro ao desconto dos mencionados cheques na Nova Rede;
55) E, instada pelo sócio-gerente engenheiro António Mata, a autora reconheceu ter tentado apoderar-se da quantia de 100000$00, produto do desconto de dois dos referidos cheques;
56) Com a intenção, que declarou, de a restituir posteriormente;
57) A autora, em momento anterior aos factos supra-relatados (n.os 34 e seguintes), tinha procedido ao lançamento no extracto bancário do cheque descontado no banco e assinado pelo sócio-gerente engenheiro António Mata;
58) Apenas depois de terem ocorrido os factos alegados nos n.os 54 e seguintes, a autora deu entrada no 'caixa' da referida quantia de 100000$00;
59) E só então procedeu ao respectivo lançamento no extracto bancário;
60) A autora assinou a declaração junta aos autos a fl. 77;
61) Porém, e face ao descrito comportamento, a ré solicitou, de imediato, à sociedade que se encarrega da sua contabilidade, denominada PRI - Contabilidade Fiscalidade e Consultadoria de Gestão, Lda., de proceder a uma auditoria às contas, restrita ao exercício iniciado em 1 de Janeiro de 1998;
62) No decurso da referida auditoria foi constatado que um documento de venda a dinheiro de 12 de Fevereiro de 1998 feita à ré por um estabelecimento comercial de ferragens, denominado Casa da Boa Amizade, de António Rocha Couto, apresentava sinais de ter sido falsificado quanto ao preço dele constante em numerário;
63) Com efeito, foi acrescentado o n.º 1 à esquerda do montante de 69030$00;
64) Passando, dessa forma, o referido documento a titular uma despesa de 169300$00;
65) Perante esse facto, foi solicitado ao fornecedor, a referida «Casa da Boa Amizade», a entrega de fotocópia do duplicado do documento de venda a dinheiro em questão;
66) E como dele consta, o preço do fornecimento foi de 69000$00, montante efectivamente recebido pela «Casa da Boa Amizade», e não de 169300$00, como constava do original falsificado;
67) Igualmente, e a pedido da ré, a Nova Rede forneceu-lhe fotocópia do cheque emitido para pagamento daquela despesa;
68) E, com efeito, o cheque n.º 6472080411, sacado à ordem da «Casa da Boa Amizade», integralmente preenchido pela autora, nomeadamente quanto ao montante, era de 69030$00;
69) Após detectada a alteração do documento referido, o responsável pela sociedade que elabora a contabilidade da ré, Dr. João Carlos Cruzeiro, procedeu à conferência de outros documentos de despesa da ré, especialmente aqueles que respeitavam a despesas pagas pela 'caixa';
70) Veio a detectar três facturas do restaurante O Taxo, datadas de 9, 16 e 23 de Janeiro de 1998, de, respectivamente, 16450$00, 17300$00 e 17650$00, que apresentavam sinais visíveis de adulteração, com o aditamento do n.º 1 à esquerda do valor expresso em numerário;
71) Obtidas do referido restaurante O Taxo fotocópias dos duplicados das respectivas facturas, constatou-se que a despesa nelas mencionadas era de, respectivamente, 6450$00, 7300$00 e 7650$00;
72) Na auditoria efectuada, conclui-se que o 'caixa' apresentava um saldo de cerca de 30000$00;
73) Todos os documentos supra-referidos encontravam-se em poder da sociedade que faz a contabilidade da ré, previamente entregues pela autora, como era hábito;
74) A autora era a única responsável pela preparação e entrega dos documentos contabilísticos da ré à ré referida sociedade;
75) O marido da autora tem um estabelecimento comercial denominado A Camélia, sito na Rua de de António Santos, na Afurada, onde, por vezes, a autora comparece.» As questões a decidir consistem em saber:
Da indemnizabilidade dos futuros e eventuais danos que a A./recorrente venha a sofrer pelo não requerimento atempado do subsídio de desemprego; e Do conhecimento oficioso da caducidade do procedimento disciplinar.
Quanto à primeira questão, com o respeito que merece o entendimento contrário, não pode a pretensão da A. proceder.
Da matéria de facto provada não resulta que a ré tenha infringido o prazo de cinco dias úteis, constante do artigo 50.º do Decreto-Lei 79-A/89, de 24 de Dezembro (na actual redacção dada pelo Decreto-Lei 418/93, de 24 de Dezembro), para entrega das declarações referidas nos artigos 40.º e 41.º-A do mesmo diploma legal, dado que este prazo se conta a partir da data em que o trabalhador as solicite.
Ora, a A. pediu à ré a entrega da declaração modelo n.º 346 por carta registada com aviso de recepção de 10 de Novembro de 1998 (facto n.º 19) e esta enviou-lhe a declaração, também por carta registada com aviso de recepção.
de 11 de Novembro de 1998 (facto n.º 20). É certo que do facto n.º 32 consta que «Em 17 de Julho de 1998 foi dirigido ao mandatário da ré um fax em que se pedia que a autora obtivesse no seu escritório quer a declaração de cessação do contrato quer as remunerações devidas por força da cessação», mas este facto não prova que a solicitação de entrega da declaração tenha chegado ao conhecimento da ré.
Mas mesmo que se entendesse que este fax constituiu uma solicitação da A. à ré (o que se não perfilha) para efeitos do artigo 50.º do Decreto-Lei 79-A/89 e que a ré não teria entregue a declaração à A. tempestivamente, daí não podia advir o dever de indemnização que a A. dela pretende.
Teria havido ilicitude na conduta da ré, cometendo uma contra-ordenação punível, nos termos do artigo 55.º do mesmo diploma legal, mas inexistiria nexo de causalidade adequada entre a conduta ilícita da ré e a eventual não concessão de subsídio de desemprego à A., por requerimento extemporâneo, mesmo que se desse por provada a culpa da ré. Porque o trabalhador não está dependente da entrega pela entidade patronal da declaração modelo n.º 346 para, munido dele e só se munido dela, poder requerer o subsídio de desemprego.
É que, nos termos do artigo 42.º, n.º 1, do mesmo decreto-lei, se a entidade patronal não entregar ao trabalhador a declaração referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma legal - declaração da entidade empregadora comprovativa da situação de desemprego -, a sua emissão compete ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT) que, a requerimento do interessado, a deve elaborar no prazo máximo de 15 dias. E o prazo de 90 dias para o trabalhador requerer a atribuição da prestação de desemprego - artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 79-A/89 - suspende-se pelo tempo que medeia entre o pedido do beneficiário e a apresentação da declaração emitida pelo IDICT, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Nunca existindo, assim, nexo de causalidade adequada entre a não entrega tempestiva pela entidade patronal da declaração em questão e eventuais e futuros danos decorrentes do não requerimento tempestivo da concessão do subsídio de desemprego, nunca podem tais danos ser imputados a omissão da entidade patronal ou a conduta intempestiva, por inexistência de nexo de causalidade adequada.
Pelo que nem há que apurar da existência dos restantes elementos integradores da ressarcibilidade por acto ou omissão ilícita.
No dizer do Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8.ª ed., a p. 545, «Não há que ressarciar todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade vocacionado, os que possam considerar-se, pelo mesmo, produzidos (artigo 563.º)».
E, recorde-se, no caso concreto, nem provado vem que a ré tenha violado o prazo da entrega da declaração.
Por tudo isto, quanto a esta questão, não pode proceder a revista da A.
Passemos, agora, à segunda questão, relativamente à qual há que uniformizar a jurisprudência e que consiste em saber se a caducidade do direito de proceder disciplinarmente contra o trabalhador é ou não de conhecimento oficioso.
Primeiro que tudo há que referir que, no caso concreto, a A./recorrente não invocou a caducidade do procedimento disciplinar que levou ao seu despedimento na petição inicial, mas apenas na resposta à contestação, pelo que se está perante uma nova causa de pedir, não enquadrável no disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º do Código de Processo de Trabalho de 1981, o aplicável - artigo cuja aplicação a recorrente não equaciona -, pelo que da caducidade só será de conhecer se o dever ser oficiosamente.
Dispõe o artigo 31.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969:
«O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que a entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.» Tendo em conta o disposto no artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, este prazo é manifestamente de caducidade.
Dispondo o artigo 333.º do mesmo Código:
«1 - A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
2 - Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º» Estatuindo o artigo 303.º, também do Código Civil:
«O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.» Não se desconhece que doutrinalmente tem sido defendida a natureza oficiosa de caducidade de proceder disciplinarmente contra o trabalhador, embora não seja tema comummente tratado. Neste sentido, v. o hoje juiz-conselheiro José Mesquita, na Revista do Ministério Público, n.º 8, ano II, a pp. 45 e segs., e o juiz-conselheiro Pedro Macedo, Poder Disciplinar Laboral, 1990, p. 112.
E, na jurisprudência, vários doutos arestos do Supremo Tribunal de Justiça pronunciaram-se no entendimento do conhecimento oficioso de caducidade.
Citam-se, a título exemplificativo, os de 30 de Maio de 1989, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 387, p. 462; de 21 de Abril de 1993 - recurso n.º 3581/91; de 2 de Outubro de 1996 - recurso n.º 23/96; e de 9 de Abril de 1997 - recurso n.º 210/97.
Comum aos entendimentos doutrinais e às decisões judiciais está a consideração da natureza sancionatória do procedimento disciplinar, a indisponibilidade do prazo de caducidade do procedimento disciplinar e a aplicação subsidiária, no direito disciplinar laboral, das normas de direito penal onde quer a caducidade do procedimento quer a prescrição das infracções são de conhecimento oficioso.
Com o respeito devido, não se perfilha este entendimento.
Do prazo de caducidade não estar na disponibilidade das partes, por o não poderem encurtar ou dilatar, e de o processo disciplinar laboral ter natureza sancionatória nada resulta no sentido de ser de conhecimento oficioso a sua caducidade.
É que, da existência de um prazo legal, subtraído à vontade das partes, para o exercício de um direito não resulta, sem mais, a natureza oficiosa do seu conhecimento, porque isso só ocorre se o prazo for estabelecido em matéria excluída de disponibilidade das partes, disponibilidade que se reporta não ao prazo, mas antes ao exercício do direito.
Por outro lado, da natureza sancionatória do procedimento disciplinar laboral - o que se não contesta - também não decorre, por si só, a natureza oficiosa do seu conhecimento.
É certo que assim, pacificamente, se entende em sede do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, deste regime, constando o dever de participação de infracção disciplinar conhecida para os funcionários e agentes - artigo 46.º, n.º 2 - a obrigatoriedade de o dirigente que presenciar ou verificar infracção disciplinar levantar ou mandar levantar auto de noticia - artigo 47.º, n.º 1 - e a obrigatoriedade de instauração de processo disciplinar se entendido que a ele há lugar - artigo 50.º, n.º 2.
Mas no direito disciplinar laboral, parte do direito do trabalho, pacificamente entendido como integrado no direito privado - direito privado especial, constituído por normas jusprivatísticas e normas de direito público, como o entendia o Prof. Mota Pinto, na Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., actualizada, pp. 34 e 55 - nenhum destes deveres existe, o que demonstra a diferença entre estes dois direitos sancionatórios.
Ao que acresce que, contrariamente ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, do citado Estatuto Disciplinar, em que a exoneração não impede a punição, no direito disciplinar laboral, a infracção disciplinar «prescreve» logo que cesse o contrato de trabalho - artigo 27.º, n.º 4, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho - ou, como diz o juiz-conselheiro Pedro Macedo, ob. cit., p. 111, extingue-se o poder disciplinar pela cessação da relação laboral.
Todas estas diferenças vincam, claramente, a diferença entre o direito/dever punitivo na função pública e o direito/poder punitivo na relação laboral, aquele imbuído de deveres protectores do interesse público e este da natureza privada do interesse a proteger.
E, cessada a relação laboral por despedimento, nem o argumento da protecção do trabalhador que, na vigência da relação laboral, se pode coibir de exercer os seus direitos por privilegiar a manutenção da relação, é evidente que o ex-trabalhador se encontra livre de todo e qualquer constrangimento para defender os seus direitos, nomeadamente pleiteando pela decisão da caducidade do procedimento disciplinar, tal como pleiteia pela inexistência de justa causa do despedimento.
E nem colhe a possível argumentação que se tal ocorre no despedimento o mesmo poderá não ocorrer quanto à aplicação de sanção disciplinar não terminante da relação laboral. Porque ou o trabalhador se conforma, privilegiando a manutenção da relação laboral sem a perturbar com acção judicial contra a entidade patronal - e aqui não há lugar ao conhecimento de caducidade do procedimento disciplinar - ou age judicialmente contra a entidade patronal e, se questiona a legalidade da pena disciplinar que lhe foi aplicada, nenhuma razão existe para que não possa e deva submeter ao conhecimento do tribunal a caducidade do procedimento disciplinar.
Pelo que se entende que pese embora a caducidade, melhor dizendo, o prazo de exercício do direito disciplinar laboral ser inderrogavelmente fixado por lei, tal não obsta a que o direito de exercer o poder disciplinar não esteja na disponibilidade das partes - do empregador quanto a exercê-lo ou não e do trabalhador quanto a questionar ou não a tempestividade do seu exercício.
Como ensina o Prof. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, p.
582, a caducidade não é sempre estabelecida no interesse público, de modo a não poderem as partes dispor do direito a que ele se refere; pode ser estabelecida no interesse privado, em matéria sujeita à disponibilidade das partes e, então, deve o conhecimento judicial dela depender de alegação do interessado. Acrescenta o autor - cf. ob. cit., p. 583, n. 1237 - que o motivo de interesse público que justifica a oponibilidade oficiosa de caducidade funda-se na indisponibilidade do direito sujeito à caducidade.
Ora, à acção disciplinar, expressão concreta do poder disciplinar da entidade patronal, corresponde um direito, cujo exercício, no que se refere à instauração do procedimento disciplinar, depende apenas do seu livre entendimento, conhecida a prática do ilícito disciplinar e da sua autoria.
Por isso se entende que a caducidade desse direito está estabelecida em matéria não excluída de disponibilidade das partes. E, por tal, nos termos dos artigos 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Código Civil, não pode ser oficiosamente conhecida a caducidade do procedimento disciplinar.
No sentido do não conhecimento oficioso da caducidade do procedimento disciplinar laboral, ou melhor, tendo este entendimento como subjacente, na medida em que fizeram impender sobre o trabalhador o ónus de alegar e provar a caducidade do direito constante do artigo 31.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, v. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 8 de Fevereiro de 2001 - recurso n.º 43/2000, sumariado nos sumários de Acórdãos - Secção Social, ano de 2001, p. 27; de 29 de Setembro de 1999 - recurso n.º 167/99, na Colectânea de Jurisprudência/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1999, T3, p. 255; de 28 de Janeiro de 1998 - recurso n.º 133/97, na Colectânea de Jurisprudência/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, T1, p. 258; de 21 de Outubro de 1998 - recurso n.º 167/98; e de 26 de Outubro de 1997 - recurso n.º 108/96.
Assim é de fixar a jurisprudência, do modo seguinte:
«A caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969, não é de conhecimento oficioso.» E, consequentemente, no caso concreto, quanto a esta questão não merece censura o acórdão recorrido.
Assim, e decidindo, acorda-se em:
1) Uniformizar a jurisprudência da forma seguinte:
«A caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969, não é de conhecimento oficioso»;
2) Na improcedência da revista da A., confirmar o decidido no acórdão recorrido.
Custas pela A., sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 21 de Maio de 2003. - José Manuel Martins d'Azambuja Fonseca (relator) - Jorge Alberto Aragão Seia - Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita - Albano Soares Dinis Roldão - Manuel Ferreira Neto (vencido quanto à questão da caducidade do procedimento disciplinar.
Entendo, com efeito, que a mesma é de conhecimento oficioso.
Na verdade, o processo disciplinar tem natureza e sentido sancionatório e, por isso, por afinidade e influência do processo penal, emerge o princípio do conhecimento oficioso das causas de extinção da infracção e da pena.
E contra tanto não vale argumentar que o direito laboral, na área do contrato de trabalho, se inscreve no âmbito do direito privado, pois que, mesmo aí, existem matérias que estão subtraídas à disponibilidade das partes.
Uma coisa é a decisão de dar início ao procedimento disciplinar, que é livre, em princípio, para a entidade patronal.
Outra, é a subordinação a que fica sujeita a concretização desse exercício, através de variadíssimas normas de interesse e ordem públicas.
No sentido apontado tem decidido esta 4.ª Secção, praticamente sem discrepância, podendo ver-se, a título de mero exemplo, os arestos citados no presente acórdão.
Na doutrina, e também no sentido propugnado, pronunciaram-se, nomeadamente:
O hoje conselheiro José António Mesquita, Revista do Ministério Público, n.º 8, ano II, pp. 45 e segs.;
Conselheiro Pedro Macedo, Poder Disciplinar Laboral, p. 121; e Parecer do PGR, processo 188/88, livro n.º 62).
José António Mesquita (vencido pelas razões constantes do douto voto do Exmo. Conselheiro Dr. Ferreira Neto) - António Manuel Pereira (vencido pelas mesmas razões).