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Acórdão 407/2007, de 29 de Agosto

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 180.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, quando interpretado em termos de ele não abranger juízos de valor, mesmo que tais juízos sejam acompanhados da referência aos factos que lhe estão subjacentes

Texto do documento

Acórdão 407/2007

Processo 130/07

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

Relatório. - Joaquim José da Conceição Letria foi condenado no processo 34/02.0TACPV, do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, por sentença proferida em 24 de Janeiro de 2005, no que agora releva, pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 2, e 184.º, com referência aos artigos 132.º, n.º 2, alínea j), e 368.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal e pelo artigo 30.º, n.º 1, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro, na pena de 310 dias de multa, à taxa diária de Euro 15.

O arguido interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto.

Em 28 de Junho de 2006 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que negou provimento ao recurso interposto.

Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado requerimento com o seguinte teor, após ter sido convidado a explicitar as dimensões normativas impugnadas:

"O presente recurso tem como objecto a apreciação da conformidade constitucional dos artigos 13.º, 31.º, n.º 2, alínea b), e 180.º do Código Penal, em duas dimensões interpretativas, que o recorrente considera terem sido perfilhadas pelo Tribunal da Relação do Porto, que constituíram a ratio decidendi do acórdão recorrido

As dimensões interpretativas constantes do acórdão recorrido, e questionadas pelo recorrente, com fundamento em violação dos artigos 2.º, 3.º, 18.º, 37.º e 38.º, n.º 2, alínea a) da CRP, são as seguintes:

a) Inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão da ilicitude no n.º 2 do artigo 180.º do CP, aos casos em que a ofensa à honra e consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses mesmos factos, por impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b)' (do n.º 2 do artigo 180.º do CP);

b) A formulação de juízos valorativos desonrosos, ao contrário da imputação de factos desonrosos, não se encontram justificados ex vi artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP pelos princípios constitucionais da liberdade de expressão e opinião, uma vez que essa formulação de um juízo desonroso, ainda que acompanhado da menção dos factos, não pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas quanto manifestação da liberdade de expressão;

c) Existe sempre conduta dolosa, nos termos do artigo 13.º do Código Penal, não sendo de ponderar a existência ou inexistência de dolo (ainda que não forma de dolo genérico) sempre que a ofensa à honra de terceiros seja feita através de juízos valorativos). Ou de outro modo: a formulação de juízos valorativos desonrosos (ao contrário da imputação de factos) determina sempre a existência de uma conduta dolosa e a inerente verificação desse elemento típico do crime;

d) O direito ao bom-nome e reputação prevalece sobre o direito de opinião e liberdade de expressão sempre que estejam em causa a formulação de juízos valorativos desonrosos feitas a políticos, com ou sem concomitante menção dos respectivos factos.

O recorrente não suscitou a questão da constitucionalidade quanto a estas duas últimas determinações normativas, porquanto não teve oportunidade processual para o fazer (uma vez que a questão apenas foi levantada no acórdão recorrido, e não antes), apenas tendo podido fazê-lo por antecipação, o que é um ónus que o recorrente não tem."

Apresentou alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

"A) A decisão recorrida partiu da consideração de que as afirmações de J. Letria constituem a se um juízo valorativo sobre o assistente, o que constitui um exercício (inconstitucional) de desvalorização e negação do direito do recorrente à prova da verdade dos factos como forma de demonstração de que existiu uma causa de justificação concreta para ter escrito o que escreveu, negando-se ao recorrente o direito processual, e de defesa, de ver a questão da reapreciação da prova (re)apreciada e, por via dela, a matéria de facto provada alterada.

B) É inconstitucional a determinação contida na norma do artigo 180.º do Código Penal aplicada como ratio decidendi no sentido defendido da inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão da ilicitude no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal aos casos em que a ofensa à honra e consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses mesmos factos, por 'impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b)' (do n.º 2 do artigo 180.º do CP).

C) O que o recorrente fez no seu artigo de jornal foi uma apreciação relativa à existência de uma coisa - a mentira do assistente ao Parlamento - constituindo, portanto, uma afirmação sobre uma realidade exterior, sem que se possa dizer que existe apenas um juízo valorativo quando, a par daquilo que o tribunal entendeu ser o juízo valorativo, foi referida factual e circunstanciadamente a mentira em causa - a mentira ao Parlamento.

D) Na verdade, a expressão aldrabão, porque acompanhada da descrição factual - a mentira ao Parlamento - contém-se, em si própria, neste caso, à conduta do assistente enquanto político que, naquele caso concreto. O texto em questão não faz qualquer qualificação de carácter do recorrido, nem dele decorre qualquer leitura valorativa sobre a pessoa do assistente para além do que decorre da própria mentira ao Parlamento por si praticada.

E) Ora, ao contrário do pugnado pelo tribunal recorrido, mesmo que a afirmação do recorrente fosse apenas aquela - um juízo valorativo -, ainda assim impõem os princípios constitucionais da liberdade de expressão e livre crítica uma leitura do regime do artigo 180.º do Código Penal que consinta a prova da verdade material como causa de exclusão da ilicitude.

F) Não faz nenhum sentido constitucional, face à não prevalência ou hierarquia (constitucional) entre o direito à liberdade de expressão e o direito ao bom-nome e reputação, que seja feita uma interpretação restritiva do regime do artigo 180.º do Código Penal, para protecção do direito ao bom-nome, em detrimento da liberdade de expressão, que consente realmente ofensas se, e quando, essas estão justificadas pela verdade das mesmas.

G) Ainda que assim não se entenda, deve considerar-se que a causa de justificação da exceptio veritatis é aplicável aos juízos de valor sempre que, como no caso dos autos, estes juízos valorativos são acompanhados da descrição dos factos em que aqueles juízos valorativos se baseiam (como ademais ficou provado nos autos), permitindo aos destinatários (leitores) descodificar a mensagem (a ofensa) e fazerem eles próprios um juízo valorativo sobre a mesma.

H) Sempre que a expressão ofensiva contém, em si, ou também, a descrição factual que permite ao destinatário a sua descodificação e apreensão factual em que se baseia, não pode ser recusada a admissão da exceptio veritatis como cláusula de exclusão da ilicitude, sob pena de esta leitura da norma penal violar o direito constitucional à liberdade de expressão e liberdade de informação.

I) Em casos como este tem de se considerar aplicável a causa de justificação prevista no artigo 180.º do Código Penal da exceptio veritatis e qualquer interpretação do mesmo que não a admita e a declare inaplicável face a juízos de valor é ilegal e inconstitucional, violando o princípio da legalidade e da unidade do sistema jurídico. E o direito de liberdade de expressão.

J) O artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal não estabelece nenhuma diferença conceptual entre imputação ou juízo de valor. Viola a Constituição afirmar que o direito à liberdade de expressão fica tolhido quando se tenha produzido um juízo de valor (a admitir que assim seja) e que, por essa razão, deixa a lei de admitir a prova da verdade da imputação.

L) Ainda que assim não fosse, sempre teria que se considerado ter o recorrente fundamento sério para reputar tal imputação por verdadeira, quando, como sucedeu in casu, todos os jornais da praça, televisões e (até) deputados que integravam a comissão de inquérito disseram e concluíram o mesmo!

Norma que o Tribunal recorrido também recusou aplicação, em análogo exercício inconstitucional.

M) Existe uma inconstitucionalidade normativa na interpretação feita, e que foi usada como ratio decidendi, da insusceptibilidade da exceptio veritatis constituir causa de exclusão da ilicitude (ex vi o artigo 180.º do Código Penal) quanto a juízos valorativos, simples ou acompanhados da descrição dos factos, feitos sobre terceiros e ofensivos da sua honra e consideração não poderem ser julgados justificados face à prova da sua verdade material, assim como o sentido e alcance da norma do artigo 180.º do Código Penal na parte em que a mesma prevê a não punibilidade da conduta. Os artigos 2.º, 3.º, 18.º, 37.º e 38.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e 10.º da Convenção Europeia para os Direitos do Homem não consentem esta interpretação normativa.

N) A defendida inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão da ilicitude no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal aos casos em que a ofensa à honra e consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses mesmos factos, por 'impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b)' (do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal), é, pois, inconstitucional.

O) A decisão recorrida afirmou e aplicou o princípio de que a formulação de juízos valorativos desonrosos, ao contrário da imputação de factos desonrosos, não se encontram justificados ex vi o artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal pelos princípios constitucionais da liberdade de expressão e opinião, uma vez que essa formulação de um juízo desonroso, ainda que acompanhado da menção dos factos, não pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas quanto manifestação da liberdade de expressão.

P) O que o recorrente afirmou trata-se do exercício do direito à crítica e da liberdade de expressão, garantidos máxime pelos artigos 37.º e 38.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e 10.º da Convenção Europeia para os Direitos do Homem, e dentro dos seus limites, sendo certo que nunca o recorrente pretendeu ofender o bom-nome e consideração do assistente com a publicação do artigo em questão.

Q) A formulação de um juízo desonroso, acompanhado da menção dos factos, pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas quanto manifestação da liberdade de expressão.

Entendimento contrário tem por pressuposto que a Constituição prevê uma hierarquia de valores entre o direito ao bom-nome e a livre crítica, o que não é verdade.

R) No caso em apreço, estão em discussão 'questões de interesse comunitário' e a verdade é que na crónica do recorrente Joaquim Letria não se detectam o uso de expressões 'exclusivamente motivadas pelo propósito de caluniar, rebaixar e humilhar o ofendido', pelo que, no mínimo, deve 'reconhecer-se uma presunção de licitude' à sua acção.

S) Não vemos como se pode concluir que o recorrente não agiu no âmbito da liberdade de expressão e crítica e no exercício destes direitos constitucionalmente consagrados.

O recorrente mais não faz do que exercer um direito que tem (o do exercício livre da sua opinião) e, como tal, deve ser considerado como lícita a sua actuação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP.

T) Nestes termos, a interpretação feita pelo tribunal recorrido do artigo 31.º, n.º 2, do Código Penal é inconstitucional à luz dos artigos 37.º, 38.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e 10.º da Convenção Europeia para os Direitos do Homem.

U) Deveria, outrossim, ter interpretado a norma do artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal de modo que esta se visse conforme aos princípios e normas consagrados na Constituição e vigentes na lei ordinária e, portanto, fosse admissível a justificação do exercício do direito mesmo quando se formula um juízo valorativo feito sobre os actos políticos de um político, e acompanhada da descrição do facto em que assenta o juízo.

E, assim, reputada por lícita e legítima a conduta do recorrente porque no exercício de direitos fundamentais como é inegavelmente a liberdade de expressão.

V) Subjaz à decisão recorrida, como razão de decidir, o entendimento de que não é de ponderar a existência ou inexistência de dolo (ainda que não forma de dolo genérico) como elemento do tipo sempre que a ofensa à honra de terceiros seja feita através de juízos valorativos, acompanhados ou não dos factos.

X) A reapreciação da prova permitiria designadamente ao recorrente demonstrar a inexistência de dolo na sua actuação nos termos do disposto no artigo 13.º do Código Penal.

Z) A prova da verdade material, através da reapreciação da prova da matéria de facto, impõe-se ao tribunal recorrido como obediência aos princípios constitucionais da liberdade de expressão e informação. Princípios que impõem que o tribunal recorrido interprete as normas dos artigos 13.º e 180.º do Código Penal no sentido de que inexiste conduta dolosa sempre que o agente provar a verdade das suas afirmações ainda que as mesmas integrem juízos valorativos acompanhados, ou não, da descrição factual respectiva.

AA) Ora, viola o disposto nos artigos 2.º, 3.º, 18.º, 37.º e 38.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa a definição feita deste princípio interpretativo ao artigo 13.º do Código Penal.

AB) Impõem estas normas constitucionais que o tribunal recorrido considere que a formulação de juízos valorativos desonrosos (ao contrário da imputação de factos) não determina necessariamente a existência de uma conduta dolosa e a inerente verificação desse elemento do tipo. Estando o Tribunal vinculado a apreciar a verificação, ou não, do dolo, para efeitos de aplicação da norma do artigo 180.º do Código Penal.

AC) A decisão recorrida entendeu que o direito ao bom-nome e reputação prevalece sobre o direito de opinião e liberdade de expressão sempre que estejam em causa a formulação de juízos valorativos desonrosos feitas a políticos, com ou sem concomitante menção dos respectivos factos.

AD) Assim não é.

AE) O escrito dos autos é um artigo de opinião, que tem por objecto actos de um político no activo, que sofre de compressão nos seus direitos individuais em virtude da especial posição que ocupam na sociedade. Versando a afirmação sobre actos de natureza pública do político, e não actos da vida privada de um político (por exemplo, fuga às suas obrigações fiscais, relacionamentos extraconjugais) e, outrossim, formula um juízo sobre actos políticos de natureza pública stricto sensu, praticados por alguém no exercício da sua função pública aquela prevalência não se verifica.

AF) O texto em causa move-se naquilo que é o legítimo exercício da liberdade de expressão e do direito à crítica, constitucionalmente garantidos ao recorrente e violados pela decisão recorrida.

A leitura que o tribunal recorrido faz do texto é uma leitura que esquece o âmbito da intervenção cívica legítima e democrática e de polémica pública em que o texto se insere.

AG) O comentário político e a liberdade de crítica dos actos públicos de um político, e a sua leitura, consentem que sobre eles seja feito um juízo de valor negativo como o dos autos, ainda que tal juízo seja forte, incisivo e constitua um desvalor para o visado enquanto político (e este se sinta ofendido ...), porque completamente legítimo numa sociedade democrática onde a crítica e o livre espírito são admissíveis.

AH) O acórdão recorrido nega que o exercício do direito à crítica consente o uso de expressões carregadas, e até violentas e devastadoras, estando até o autor da crítica liberto do dever de demonstrar a sua pertinência, isto é, de carrear argumentos em fundamento da sua afirmação. Isto porque a nossa lei fundamental tem subjacente a representação de que esta expressão da liberdade crítica tem por destinatário cidadãos adultos e conscientes que são chamados a tomar posição no debate de ideias numa sociedade democrática e livre e, portanto, são eles próprios capazes de julgar e avaliar o que seja uma crítica afactual como a dos autos.

AI) Por outro lado, deve reconhecer-se uma presunção de licitude às ofensas típicas que resultem da discussão de questões de interesse comunitário, como acontece nos autos, sendo que o acórdão recorrido parte precisamente da presunção inversa, leitura que a lei não consente.

AJ) O recorrente agiu exclusivamente motivado pelo exercício do direito à crítica e dentro dos limites desta e que, portanto, a decisão recorrida ao fazer uma interpretação que contende com este direito está na prática a violar garantias da Constituição e, como tal, merece ser revogada.

Não é solução constitucionalmente defensável - cremos - que o direito ao bom-nome do recorrido assim exercido possa (deva) precludir os direitos constitucionais do recorrente.

AL) A decisão recorrida infragradua o direito do recorrente à sua liberdade de expressão quando os artigos 2.º, 3.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa não consentem qualquer infragraduação da mesma.

É bem manifesta e evidente a exclusão de ilicitude, traduzida na violação não justificada do direito a exprimir livremente a opinião do recorrente.

AM) O recorrente apenas quer, e pede, que o Tribunal recorrido faça a reapreciação da prova. Feita a mesma, verificar-se-á a mentira ao Parlamento.

E por via dela a legitimidade das afirmações.

E por essa via far-se-á o confronto entre os direitos em colisão.

Negar esse direito ao recorrente é um exercício inconstitucional.

Para mais quando, como resulta supra, decorre dos autos que o recorrido mentiu.

Termos em que, com o douto suprimento de VV. Exmas., deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, designadamente com declaração da inconstitucionalidade normativa do acórdão recorrido e reenvio do processo ao Tribunal da Relação para que aprecie as questões suscitadas pelo recorrente à luz das referidas normas constitucionais."

O Ministério Público apresentou contra-alegações em que concluiu do seguinte modo:

"1 - Não foi levada a cabo pela decisão recorrida quaisquer interpretações das normas dos artigos 13.º, 31.º, n.º 2, alínea b), e 180.º, n.º 2, todos do Código Penal, em desconformidade com a Constituição.

2 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso."

O assistente Antero Gaspar de Paiva Vieira também apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso apresentado.

Notificado para a eventualidade de não poderem ser conhecidas as questões de inconstitucionalidade enunciadas nas alíneas b), c) e d) do requerimento de interposição de recurso, o recorrente defendeu a apreciação do mérito destas questões.

Fundamentação. - 1 - Do objecto do recurso. - No domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas, ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.

Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional - como ocorre no presente caso -, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada "durante o processo", "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer" (n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

Tendo presente estes pressupostos do conhecimento dos recursos pelo Tribunal Constitucional, constatamos que os mesmos não se verificam relativamente às questões enunciadas nas alíneas b), c) e d) do requerimento de interposição de recurso.

1.1 - Da questão enunciada na alínea b) do requerimento de interposição de recurso. - A questão descrita na alínea b) é a seguinte: "a formulação de juízos valorativos desonrosos, ao contrário da imputação de factos desonrosos, não se encontram justificados ex vi o artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal pelos princípios constitucionais da liberdade de expressão e opinião, uma vez que essa formulação de um juízo desonroso, ainda que acompanhado da menção dos factos, não pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas quanto manifestação da liberdade de expressão".

Além de se suscitarem algumas dúvidas sobre se esta questão foi antecipada e adequadamente suscitada perante o tribunal recorrido, da leitura do acórdão proferido por este não resulta que tenha sido perfilhado o critério normativo enunciado nesta alínea.

Lê-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto:

"No caso de formulação de juízos ofensivos, poder-se-ão aplicar, se for caso disso, as regras gerais contidas no artigo 31.º, designadamente a constante da alínea b) do n.º 2, tendo-se em especial atenção o princípio da ponderação de interesses.

É, porém, indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra cometida se revele meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto, e que, no exercício da sua actividade, a imprensa tenha actuado com a intenção, ao menos imanente, de cumprir a sua função pública e, assim, exercer o seu direito-dever de informação.

Embora os termos em que o recorrente estruturou as suas 'conclusões' não convoquem, especificamente, esta questão - porque se centrou na causa de justificação do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal - sempre diremos que a formulação do juízo desonroso não serve a formação da opinião numa sociedade democrática, situando-se no puro plano pessoal, pelo que não pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas tratadas no artigo jornalístico, em causa, enquanto manifestação da liberdade de expressão do jornalista e do direito de informação.

Na ponderação dos interesses em conflito - e ainda que se viesse a provar que o assistente e demandante mentiu no Parlamento ou que o recorrente, em boa fé, estivesse convencido que mentira - o juízo valorativo não se mostra um meio razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade da formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria política que o recorrente pretenderia atingir, no caso concreto."

O acórdão recorrido, ao contrário do invocado pelo recorrente, admite expressamente, como doutrina, que a formulação de juízos valorativos desonrosos em meio de comunicação social, possa ser justificada nos termos do artigo 31, n.º 2, alínea b), do Código Penal, pelos princípios constitucionais da liberdade de expressão e opinião, desde que essa conduta se revele meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretenda atingir no caso concreto, e que, no exercício da sua actividade, a imprensa tenha actuado com a intenção, ao menos imanente, de cumprir a sua função pública e, assim, exercer o seu direito-dever de informação.

E só fazendo a subsunção deste critério normativo ao caso concreto é que entendeu que, neste caso específico, e apenas neste, não se verificavam as condicionantes que possibilitariam a justificação da conduta do arguido.

Não tendo o acórdão recorrido feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional na referida alínea b) do requerimento de interposição de recurso, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso interposto nesta parte.

1.2 - Da questão enunciada na alínea c) do requerimento de interposição de recurso. - A questão descrita na alínea c) é a seguinte:

"Existe sempre conduta dolosa, nos termos do artigo 13.º do Código Penal, não sendo de ponderar a existência ou inexistência de dolo (ainda que não forma de dolo genérico) sempre que a ofensa à honra de terceiros seja feita através de juízos valorativos). Ou de outro modo: a formulação de juízos valorativos desonrosos (ao contrário da imputação de factos) determina sempre a existência de uma conduta dolosa e a inerente verificação desse elemento típico do crime."

Além desta questão não ter sido suscitada antecipadamente perante o tribunal recorrido, como o recorrente reconhece, calcorreando todo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, não se descortina que este tenha enunciado tal critério normativo ou que o tenha implicitamente utilizado como fundamentação da sua decisão.

Assim, não tendo o acórdão recorrido feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional na referida alínea c) do requerimento de interposição de recurso, não pode também o Tribunal Constitucional conhecer do recurso interposto nesta parte.

1.3 - Da questão enunciada na alínea d) do requerimento de interposição de recurso. - A questão descrita na alínea d) é a seguinte:

"O direito ao bom-nome e reputação prevalece sobre o direito de opinião e liberdade de expressão sempre que estejam em causa a formulação de juízos valorativos desonrosos feitas a políticos, com ou sem concomitante menção dos respectivos factos."

Conforme já resulta da análise da questão enunciada na alínea b), o acórdão recorrido não estabeleceu qualquer posição de prevalência geral e abstracta entre os direitos referidos, tendo-se limitado a considerar que no caso concreto não se verificavam as condicionantes que permitiriam que o direito de opinião prevalecesse sobre o direito à honra.

Deste modo, não tendo o acórdão recorrido feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional na referida alínea d) do requerimento de interposição de recurso, não pode também o Tribunal Constitucional conhecer do recurso interposto nesta parte.

1.4 - Conclusão. - Apenas a questão enunciada na alínea a) do requerimento de interposição de recurso - "inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão da ilicitude no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal, aos casos em que a ofensa à honra e consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses mesmos factos, por 'impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b)' do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal" - se reporta a critério normativo utilizado como fundamento da decisão recorrida, pelo que só ela deve integrar o objecto do presente recurso.

2 - Do mérito do recurso. - O arguido Joaquim Letria foi condenado pela prática de um crime de difamação, por ter escrito na edição de 25 de Setembro de 2001 do jornal 24 horas um artigo de opinião, na coluna intitulada "25.ª hora", com o título "Riscos e aldrabões", em que constava o seguinte:

"Quantos (que a gente conhece de ginjeira) não aproveitaram a boleia do terrorismo. Ou culpariam os governos anteriores. Imaginem o aldrabão do governador civil de Aveiro. Olhem o negócio da extracção de areia. Que bem que cá se mente ao Parlamento, com que descaramento se aldraba o País."

Pretendendo o arguido, no recurso interposto desta condenação, a reapreciação da prova da matéria de facto, de modo a considerar-se provado que o assistente (o então governador civil de Aveiro) mentiu no Parlamento ou, pelo menos, que o recorrente tinha fundamentos sérios para, em boa fé, reputar como verdadeira essa imputação, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, negou tal pretensão, por entender que a conduta do arguido nunca poderia ser julgada justificada, com base na específica causa de justificação do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal, "uma vez que o recorrente não se conteve na imputação de factos, mas exerceu o chamado 'direito de opinião' mediante a exteriorização de um juízo de valor".

Dispõe o artigo 180.º, n.os 1 e 2, do Código Penal:

"1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 - A conduta não é punível quando:

a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e

b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira."

Tal como se sustentou no acórdão recorrido, tem sido opinião dominante na doutrina e na jurisprudência (Oliveira Mendes, em O Direito à Honra e Sua Tutela Penal", ed. de 1996, p. 62, da Almedina, e os seguintes Acórdãos dos Tribunais da Relação: do Porto de 27 de Novembro de 2002, no site www.dgsi.pt, relatado por Isabel Pais Martins; de Coimbra de 24 de Setembro de 2003, no site www.dgsi.pt, relatado por Oliveira Mendes; de Guimarães de 11 de Outubro de 2004, no site www.dgsi.pt, relatado por Tomé Branco; de Lisboa de 6 de Abril de 2005, no site www.dgsi.pt, relatado por Carlos Almeida; de Lisboa de 18 de Maio de 2005, na Colectânea de Jurisprudência, ano XXX, t. 3, p. 127, relatado por Clemente Lima; de Coimbra de 22 de Fevereiro de 2006, no site www.dgsi.pt, relatado por Brízida Martins, e do Porto de 21 de Março de 2007, no site www.dgsi.pt, relatado por Guerra Banha) que a causa de exclusão da ilicitude referida no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal não se aplica a juízos de valor, por não ser possível verificar-se a condição tipificada na alínea b) desse número.

Competindo apenas ao Tribunal Constitucional verificar se a interpretação normativa questionada infringe qualquer directriz constitucional, não nos cumpre aquilatar da correcção da qualificação da expressão "o aldrabão do governador civil de Aveiro", como juízo e não como facto, assim como nos é alheia a questão de saber se, neste caso concreto, a emissão daquele juízo se encontrava justificada pelo direito de opinião.

Estas são questões relativas à operação de subsunção do caso concreto às normas, que escapam ao actual quadro legal delimitador das competências do Tribunal Constitucional, devendo apenas verificar-se se a dimensão normativa da alínea b) do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal acima enunciada fere algum princípio ou direito constitucionalmente consagrado.

Dispõe o artigo 37.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa:

"1 - Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

3 - As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei."

E relativamente à forma de veiculação qualificada da liberdade de expressão, que é a liberdade de imprensa, dispôs o artigo 38.º, n.os 1 e 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa:

"1 - É garantida a liberdade de imprensa.

2 - A liberdade de imprensa implica:

a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional."

A liberdade de expressão e informação, incluindo na sua forma qualificada da liberdade de imprensa, não se esgota na narração de factos, antes supõe o direito de exprimir e divulgar o pensamento, estendendo-se também ao "direito de opinião", o qual se exerce mediante a exteriorização de juízos de valor (v., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, p. 572, 4.ª ed., Coimbra Editora, Costa Andrade, A Liberdade de Imprensa e a Inviolabilidade Pessoal. Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, p. 270, ed. de 1996, Almedina, e Oliveira Mendes, Ob. cit., p. 63, n. 94).

O exercício do direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente quando efectuado através da imprensa, tem limites, designadamente quando colide com outros direitos constitucionalmente consagrados, como o direito ao bom-nome e reputação (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

Essa limitação encontra-se especificamente prevista no próprio artigo 37.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, quando admite que as infracções cometidas no exercício desse direito possam ser sancionadas pelo direito penal.

Mas, como o direito à honra (forma comum de denominar o direito ao bom-nome e reputação) também ele está sujeito a limitações que tornam justificáveis certas condutas ofensivas da mesma, nomeadamente quando essas condutas ocorrem no exercício do direito de informação, estamos perante dois direitos constitucionais potencialmente em conflito (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 220, reimp. de 1987, Almedina).

Quando este ocorre "há que proceder a uma ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstracta" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Ob. cit., pp. 466 e 574) com recurso a juízos de proporcionalidade, "exigindo-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda de outros" (Vieira de Andrade, Ob. cit., p. 223).

Esta necessidade de uma ponderação casuística não impede, contudo, a formulação de critérios de valoração, aplicativos dos princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade a que devem obedecer as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (v., nesse sentido, Figueiredo Dias, "Direito de informação e tutela da honra no direito penal de imprensa português", na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115, p. 102, e Costa Andrade, Ob. cit., pp. 284-287).

Um desses critérios, relativos à utilização de juízos ofensivos do bom-nome de uma pessoa no exercício do direito de opinião, como manifestação da liberdade de imprensa, é a de que os mesmos se considerarão justificados caso se revelem um meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública - onde se insere toda a sua actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica e cultural, e em todas as áreas de indiscutível importância para a existência e evolução da comunidade social - pretende atingir no caso concreto (Figueiredo Dias, Ob. cit., pp. 136-137).

Assim, numa situação concreta de conflitualidade entre os referidos direitos constitucionais, em que esteja em causa a formulação de juízos de valor ofensivos da honra de uma pessoa, para apurar o direito prevalecente é obrigatório ponderar, perante as particularidades do caso, se essa formulação foi ou não proporcional (necessária e adequada) ao cumprimento da função pública da imprensa naquela concreta situação.

Esta obrigatoriedade de ponderação foi imposta no direito ordinário, especificamente para os casos de conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra, nos crimes de difamação, através da consagração da causa de justificação do artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal, onde, além do mais, se exige a prova da verdade da imputação ou a existência de fundamento sério para, em boa fé, se reputar essa imputação de verdadeira.

O facto de se recusar a aplicação desta causa de justificação, quando a conduta difamatória se consubstancia num juízo de valor, com o argumento de que não é possível demonstrar a veracidade duma opinião subjectiva, como o fez a decisão recorrida, não viola a obrigação de utilização do acima enunciado critério de ponderação entre os valores em conflito, desde que se considere, como também fez a decisão recorrida, que a emissão de tal juízo pode estar justificada, nos termos gerais previstos no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal.

Dispõe este normativo o seguinte:

"1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.

2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:

...

b) No exercício de um direito."

A consideração desta causa de justificação permitirá efectuar o necessário juízo de ponderação, com respeito pelo princípio da proporcionalidade, na resolução do conflito de direitos verificado, cumprindo-se assim as exigências constitucionais em matéria de resolução de conflitos entre a liberdade de imprensa e o direito à honra.

E nessa ponderação, ao abrigo deste dispositivo, não é de excluir totalmente uma apreciação e valoração por parte do julgador, sobre a verdade dos factos que eventualmente se achem subjacentes à exteriorização daquele juízo de valor, especialmente nos casos em que a par de juízos valorativos se imputam factos que se achem em relação de causa e efeito com aqueles. Para o juiz poderá ser decisivo, no seu "julgamento" sobre a verificação da causa de justificação da alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do Código Penal, a circunstância de os juízos valorativos ofensivos se basearem ou não em factos verídicos (v., neste sentido, os acima citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 18 de Maio de 2005 e da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2006).

Escreveu-se na fundamentação do acórdão recorrido:

"Se a específica causa de justificação sobre que nos debruçámos (a do artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal) é inaplicável à formulação de juízos de valor ofensivos, por impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b), tal não implica que a formulação de juízos de valor seja, em absoluto, insusceptível de justificação.

No caso de formulação de juízos ofensivos, poder-se-ão aplicar, se for caso disso, as regras gerais contidas no artigo 31.º, designadamente a constante da alínea b) do n.º 2, tendo-se em especial atenção o princípio da ponderação de interesses.

É, porém, indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra cometida se revele meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto, e que, no exercício da sua actividade, a imprensa tenha actuado com a intenção, ao menos imanente, de cumprir a sua função pública e, assim, exercer o seu direito-dever de informação.

Embora os termos em que o recorrente estruturou as suas 'conclusões' não convoquem, especificamente, esta questão - porque se centrou na causa de justificação do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal - sempre diremos que a formulação do juízo desonroso não serve a formação da opinião numa sociedade democrática, situando-se no puro plano pessoal, pelo que não pode ser justificado pelo interesse da livre discussão das questões políticas tratadas no artigo jornalístico, em causa, enquanto manifestação da liberdade de expressão do jornalista e do direito de informação.

Na ponderação dos interesses em conflito - e ainda que se viesse a provar que o assistente e demandante mentiu no Parlamento ou que o recorrente, em boa (fé, estivesse convencido que mentira o juízo valorativo não se mostra um meio razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade da formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria política que o recorrente pretenderia atingir, no caso concreto."

A decisão recorrida, apesar de considerar inaplicável à formulação de juízos de valor o tipo justificador previsto no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal, não inviabilizou a necessidade de ponderar se esse juízo não se encontrava justificado pelo cumprimento das finalidades da imprensa, no exercício da sua função pública, no âmbito da aplicação do artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, tendo efectuado tal ponderação. E só entendeu ser desnecessária a prova da verdade dos factos subjacentes à exteriorização do juízo de valor difamatório por ter entendido que mesmo que essa prova se fizesse a utilização de tal juízo nunca estaria justificada pelos fins públicos da imprensa, atendendo às particularidades do caso concreto.

Daqui decorre que a interpretação normativa adoptada pela decisão recorrida não viola a exigência constitucional de que os direitos à liberdade de imprensa e à honra sejam conciliados através duma operação de harmonização proporcional, uma vez que não considera que o artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal seja a única norma, no plano do direito infraconstitucional, convocável para julgar se os juízos de valor ofensivos da honra duma pessoa se possam traduzir no exercício do direito de liberdade de imprensa, tendo-se socorrido do disposto no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, para efectuar essa ponderação.

Assim, tal como também concluiu o Acórdão 201/2004, do Tribunal Constitucional (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 58, p. 965), o artigo 180.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, quando interpretado em termos de ele não abranger juízos de valor, mesmo que tais juízos sejam acompanhados da referência aos factos que lhe estão subjacentes, não viola qualquer princípio ou preceito constitucional, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente nesta parte.

Decisão. - Pelo exposto, acorda-se em:

a) Não conhecer das questões de inconstitucionalidade enunciadas pelo recorrente sob as alíneas b), c) e d) no seu requerimento de interposição de recurso;

b) Negar provimento ao recurso interposto por Joaquim José da Conceição Letria do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Junho de 2006 relativamente à questão de inconstitucionalidade enunciada sob a alínea a) no seu requerimento de interposição de recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta (artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de Outubro).

Lisboa, 11 de Julho de 2007. - João Cura Mariano - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1600179.dre.pdf .

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