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Acórdão 352/2007, de 26 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e 80.º, n.os 1, 2 e 3, e 83.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais

Texto do documento

Acórdão 352/2007

Processo 558/07

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

Relatório. - José Manuel Canela Vaz, arguido no processo 401/04.5JAFAR, por requerimento de 11 de Julho de 2006, veio pedir a realização de instrução.

Este requerimento foi indeferido, por despacho de 21 de Setembro de 2006, com fundamento no facto de o requerente não ter comprovado atempadamente o pagamento da taxa de justiça devida pela abertura da instrução, mesmo após ter sido notificado pela secretaria do Tribunal para efectuar tal prova, em prazo suplementar.

Em 31 de Outubro de 2006, o referido arguido veio requerer novamente a abertura de instrução, tendo este requerimento sido indeferido.

Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, o qual negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, por Acórdão de 10 de Abril de 2007, com os seguintes fundamentos:

"Sendo a instrução uma fase eventual ou facultativa do processo, a mesma ocorre a seguir ao inquérito e visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

A instrução constitui uma fase judicial formada pelo conjunto de actos que o juiz entenda dever levar a cabo, e obrigatoriamente por um debate instrutório, oral e contraditório (artigo 289.º, n.º 1).

A instrução pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente, conforme a natureza do acto que os afecte e que lhes confira o interesse em fazer comprovar judicialmente o acto de encerramento do inquérito: o arguido pode requerer a instrução no caso de ter sido deduzida acusação e o assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

'A estrutura acusatória do processo penal exige, porém, que a intervenção do juiz não seja oficiosa e, além disso, que tenha de ser delimitada pelos termos da comprovação que se lhe requer sobre a decisão de acusar ou, se não tiver sido deduzida acusação, sobre a justificação e a justeza da decisão de arquivamento.

O requerimento de abertura de instrução constitui, pois, o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz de instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução.' - v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2003, processo 2299/03, http://www.dgsi.pt/.

No caso vertente, uma vez notificado da acusação o arguido José Canela Vasquez veio requerer a instrução por requerimento de 11 de Julho de 2006.

Porém, porque não efectuou, atempadamente, o pagamento relativo à taxa de justiça devida pela abertura de instrução, nem o montante devido a título de sanção por tal omissão (pagamento de acréscimo de igual montante), ao abrigo das normas conjugadas dos artigos 80.º, n.os 1, 2 e 3, e 83.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, foi declarado sem efeito o requerimento para abertura de instrução pelo mesmo apresentado.

Ora, a partir desse momento, inquestionavelmente e de forma manifesta, está precluido o direito de o mesmo arguido apresentar novo requerimento de abertura de instrução.

A entender-se de outra forma não teria qualquer sentido as sanções decorrentes da falta de pagamento das taxas de justiça devidas e da omissão do respectivo pagamento."

Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos seguintes termos:

"Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 287.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, e 80.º, n.os 1, 2 e 3, e 83.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida, ou seja, de que a falta de pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução e do montante devido a título de tal sanção por omissão preclude o direito de o arguido renovar o seu requerimento de instrução, quando - por vicissitudes processuais que permitiram uma dilação do início da contagem de tal prazo - ainda está dentro dos limites temporais fixados na lei.

Com efeito, é o requerimento de abertura de instrução que foi rejeitado que é considerado sem efeito, e não o direito à instrução, que ainda está dentro do prazo legal.

A interpretação com que foram aplicadas as normas acima referidas é inconstitucional por limitar de uma forma desproporcional e intolerável os direitos de defesa do arguido, e assim contende com as normas constantes nos artigos 18.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP."

O arguido concluiu do seguinte modo as suas alegações:

"1 - O arguido requereu a abertura de instrução, mas, porque não pagou a respectiva taxa e sanção, foi este requerimento dado sem efeito.

2 - Notificado mais tarde da separação processual de um co-arguido (n.º 5 do artigo 285.º do CPP), e perante o início do prazo a partir deste momento, apresentou novo requerimento de instrução.

3 - Indeferido por despacho da MM JIC.

4 - O acórdão recorrido entendeu que nestas circunstâncias está precludido o direito do arguido a requerer a abertura de instrução.

5 - A fase de instrução é acima de tudo um corolário das garantias de defesa do arguido - n.º 1 do artigo 32.º da CRP.

6 - Pois o arguido tem direito a tudo fazer para não ser julgado e colocar em causa uma acusação infundada e sem consistência probatória para o condenar em julgamento.

7 - O facto de o arguido não ter cumprido com as taxas e sanções pecuniárias, e por isso dado sem efeito esse requerimento, e neste sentido inexistente, não pode aquela circunstância servir para impedir o arguido de aceder à instrução caso todos os requisitos se verifiquem - através de novo requerimento.

8 - Violou-se o n.º 1 do artigo 32.º da CRP porque apesar de ter-se dado sem efeito um anterior requerimento de abertura de instrução, por falta de pagamento da taxa de justiça e do montante devido a título de tal sanção por omissão, precludiu-se o direito de o arguido renovar o seu requerimento de instrução, quando - por vicissitudes processuais que permitiram a dilação do início da contagem de tal prazo - ainda está dentro dos limites temporais fixados na lei e demais requisitos.

9 - Está em causa a liberdade do arguido e os seus direitos de defesa, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da CRP, a violação daqueles princípios e direitos implica que a normas constitucionais que os protegem sejam directamente aplicáveis."

O Ministério Público apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

"1.º Não viola qualquer princípio constitucional o regime normativo segundo o qual o arguido está sujeito a um prazo peremptório de 20 dias contados da notificação da acusação do Ministério Público para requerer a abertura da instrução, ficando tal acto sem efeito se não for paga a taxa de justiça e legais acréscimos, na sequência de notificação para suprimento da originária omissão, que o arguido persiste em não aproveitar.

2.º Termos em que deverá improceder o presente recurso."

Fundamentação. - O objecto deste recurso é o de apurar se está ferida de inconstitucionalidade a interpretação do artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e dos artigos 80.º, n.os 1, 2 e 3, e 83.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, no sentido de que o indeferimento de um requerimento de abertura de instrução, por falta de pagamento da taxa de justiça e do montante devido a título de tal sanção por omissão, preclude o direito de o arguido renovar o seu requerimento de instrução, mesmo quando ainda está dentro dos limites temporais fixados na lei para a requerer.

O artigo 32.º, n.º 4, da CRP, ao consignar que toda a instrução é da competência de um juiz, num sistema como o nosso, em que a fase de investigação está atribuída ao Ministério Público, exige a consagração de uma fase processual posterior de salvaguarda do direito do arguido ao esclarecimento dos factos, com a sua participação, em ordem a ser ponderada por juiz a decisão de o submeter a julgamento.

Daí que o nosso CPP preveja a possibilidade de realização de uma fase de instrução (artigos 286.º e seguintes do CPP), a qual visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286.º, n.º 1, do CPP).

Esta fase é facultativa (artigo 286.º, n.º 2, do CPP), podendo ser requerida pelo arguido [artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP].

Para usufruir deste direito de defesa o arguido deve requerer a realização da instrução num determinado prazo (artigo 287.º, n.º 1, do CPP) e efectuar o pagamento de uma taxa de justiça (artigo 83.º do CCJ).

Esta taxa deve ser autoliquidada, fazendo-se prova desse pagamento até ao prazo máximo de 10 dias a contar da apresentação do respectivo requerimento (artigo 80.º, n.º 1, do CCJ) e, na falta de demonstração desse pagamento no prazo referido, a secretaria notifica o interessado para, em 5 dias, proceder à apresentação da prova de pagamento daquela taxa, acrescida de igual montante (artigo 80.º, n.º 2, do CCJ). A omissão do pagamento destas quantias determina que o requerimento para abertura da instrução seja considerado sem efeito (artigo 80.º, n.º 3, do CCJ).

O direito de defesa do arguido, no segmento do direito em que importa a sua sujeição a julgamento, por força de acusação deduzida pelo Ministério Público, seja objecto de controlo judicial, a seu pedido, sendo um juiz a ter a última palavra sobre essa decisão, encontra-se, pois, garantido, na legislação ordinária, com a possibilidade de o arguido poder requerer a abertura de instrução presidida por um juiz (artigos 287.º e seguintes do CPP).

Entendeu a decisão recorrida, que tendo sido incumprido, no caso sub judicio, um dos ónus que condicionava a admissibilidade do pedido de abertura de instrução (a demonstração do pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução), o que motivou o seu indeferimento, o direito de o arguido requerer a realização dessa fase processual tinha precludido.

Não cumpre neste recurso apurar da correcção desta decisão, mas sim se a interpretação normativa que a fundamenta constitui uma restrição inadmissível ao direito de o arguido obter uma apreciação judicial sobre a necessidade de ser sujeito a julgamento.

Também não cabe no objecto deste recurso um juízo sobre a proporcionalidade ou a necessidade do ónus incumprido, uma vez que a decisão recorrida não é a que declarou sem efeito o pedido do arguido de abertura de instrução, mas sim aquela que indeferiu novo pedido, com fundamento na preclusão do respectivo direito do arguido.

É a aplicação deste juízo de preclusão, nesta situação, que importa aferir face à enunciada exigência constitucional.

O princípio da preclusão, apesar de ter o seu campo de aplicação favorito no processo civil, também tem aplicações em processo penal. Este princípio processual tem o seu fundamento numa ideia da responsabilidade dos sujeitos processuais para consigo mesmos, isto é, de auto-responsabilidade. Segundo este princípio, o incumprimento de certa conduta processual, exigível para obtenção de certo resultado ou vantagem, o qual pode consistir na efectivação de um direito, determina a perda definitiva desse direito no respectivo processo. Daí a sua articulação com os conceitos de ónus e cominação.

Deve a consagração de preclusões revelar-se funcionalmente adequada e proporcionada, numa ponderação da importância do direito perdido e da gravidade e relevância da falta cometida.

Neste caso, entendeu-se que a não demonstração do pagamento da taxa de justiça que condiciona a abertura da instrução, no prazo legalmente fixado, determinou a perda definitiva do direito de o arguido requerer a realização de instrução naquele processo.

Este entendimento não retira ao arguido o direito de requerer a realização de instrução, mas apenas não lhe concede uma segunda oportunidade de o fazer, depois de o pedido inicial ter sido indeferido, por falta de cumprimento pelo arguido de ónus que sobre ele recaía.

Para se ponderar se esta interpretação normativa consubstancia uma restrição inadmissível ao direito de o arguido requerer a realização de instrução, devemos ter presente dois dados de particular relevância:

Em 1.º lugar, o direito do arguido em causa interfere apenas na decisão de o sujeitar a julgamento, não estando ainda em jogo a sua condenação ou absolvição, pelo que a sua protecção não é tão exigente como a que é devida aos direitos que se exercem numa fase processual mais decisiva, como é a do julgamento e decisão final;

Em 2.º lugar, o arguido, após ter incumprido o ónus de demonstração do pagamento da taxa de justiça num determinado prazo, foi alertado pelo tribunal para a possibilidade de, num prazo suplementar, proceder ainda à prática do acto omitido, condicionada ao pagamento de sanção pecuniária, não tendo o arguido aproveitado esta segunda oportunidade para a realização do acto omitido.

Tendo em consideração, por um lado, o grau de protecção ao direito constitucional em causa e, por outro, a existência de um incumprimento voluntário e reiterado do ónus que condicionava o exercício daquele direito, é opinião deste Tribunal que a preclusão estabelecida não se revela de modo algum desadequada, nem excessiva.

O direito constitucional à realização de instrução, presidida por juiz, para que tenha uma consagração infra-constitucional efectiva não exige a admissão da possibilidade de o arguido repetir o respectivo pedido, quando anterior requerimento nesse sentido foi declarado sem efeito, por falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução, mesmo após o arguido ter sido notificado para efectuar essa prova em prazo suplementar.

Não se mostrando violado o direito à realização de instrução presidida por juiz, consagrado no artigo 32.º, n.º 4, da CRP, pela aplicação do disposto nos artigos 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e nos artigos 80.º, n.os 1, 2 e 3, e 83.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, na interpretação de que o indeferimento de um requerimento de abertura de instrução, por falta de pagamento da taxa de justiça e do montante devido a título de tal sanção por omissão, preclude o direito de o arguido renovar o seu requerimento de instrução, mesmo quando ainda está dentro dos limites temporais fixados na lei para a requerer, deve ser negado provimento ao recurso interposto para este Tribunal por José Manuel Canela Vaz.

Decisão. - Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por José Manuel Canela Vaz do Acórdão de 10 de Abril de 2007 do Tribunal da Relação de Évora.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta (artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98).

Lisboa, 12 de Junho de 2007. - João Cura Mariano - Mário José de Araújo Torres - João Cura Mariano - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1590424.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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