Acordam na 2.ª Secção no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O presente recurso de constitucionalidade, em que figuram como recorrentes Hiburbe Prima - Recolha e Tratamento de Resíduos, ACA, e PROCESL - Engenharia Hidráulica e Ambiental, Lda., e como recorrida a Região Autónoma da Madeira, foi interposto, ao abrigo dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, de Acórdão de 24 de Outubro de 2006 do Supremo Tribunal Administrativo.
Tal aresto foi prolatado no âmbito de uma acção em que a ora recorrida, na qualidade de "dona da obra", pretende ser indemnizada pelos prejuízos que as recorrentes alegadamente lhe causaram, por incumprimento de deveres emergentes de um contrato de empreitada. Nesta acção, o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal rejeitou, com fundamento em caducidade do direito de acção, a mencionada acção declarativa ordinária para efectivação de responsabilidade civil.
A Região Autónoma da Madeira interpôs recurso da decisão do juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal para o Supremo Tribunal Administrativo. Este Tribunal concluiu, no acórdão agora impugnado, que não se aplica a caducidade estabelecida no artigo 226.º do Decreto-Lei 405/93, de 10 de Dezembro (e no artigo 255.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março), ao dono da obra, o qual pode accionar a responsabilidade do empreiteiro a todo o tempo, por força do artigo 71.º da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos.
As recorrentes identificaram como norma cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada os artigos 226.º do Decreto-Lei 405/93 e 255.º do Decreto-Lei 59/99, sustentaram que tais normas violam o artigo 13.º da Constituição e referiram que suscitaram a questão no âmbito das contestações e das contra-alegações apresentadas perante o Supremo Tribunal Administrativo.
2 - Nas alegações apresentadas neste Tribunal, as recorrentes reafirmaram que as normas em crise são inconstitucionais por violarem o artigo 13.º da Constituição. Sustentaram, para tanto, que a aplicabilidade dos prazos de caducidade apenas aos empreiteiros - e não ao "dono da obra" - constitui uma discriminação inadmissível, tanto mais que na empreitada de obra pública "a parte forte" (politicamente dominante, economicamente mais poderosa, administrativamente condicionante) é o "dono da obra". Acrescentaram que o ressarcimento dos danos materiais sofridos pelo "dono da obra" não releva do interesse público por ter "a mesma natureza do correlativo interesse do empreiteiro". Reportando-se sempre ao artigo 13.º da Constituição, as recorrentes defenderam que as normas em crise contrariam os princípios do Estado do direito, da igualdade no acesso à justiça e da igualdade de armas.
Por seu turno, a recorrida sublinhou, nas suas contra-alegações, as diferenças entre as figuras do contrato administrativo e do contrato de direito privado, considerando que a prevalência do interesse público explica a diferença de tratamento. Por outro lado, salientou a dificuldade de as entidades públicas proporem acções em prazos curtos devido à dificuldade de formarem decisões válidas. Acrescentou ainda que a diferença de tratamento se justifica por "tudo [...] desembocar num prejuízo económico corrente ressarcível, ou não" quanto ao empreiteiro, ao passo que, no caso do "dono da obra", "está em causa [...] um defeito de uma obra permanente, de interesse público e ao serviço público, não devendo a arguição de defeitos estar dependente de um prazo (deixando a ponte cair, o edifício ruir, a estrada abater)".
Cumpre agora apreciar e decidir.
II - Fundamentação
3 - A questão de constitucionalidade normativa que agora se aprecia resulta de uma desigualdade de tratamento concedido ao dono da obra e ao empreiteiro na empreitada de obras públicas. Nos termos do artigo 226.º do Decreto-Lei 405/93, as acções relativas à execução do contrato devem ser propostas no prazo de 132 dias. Esse prazo deverá contar-se da ocorrência do facto gerador do direito que fundamenta o pedido (assim, Andrade e Silva, Regime Jurídico das Empreitadas e Obras Públicas, 4.ª ed., 2006, p. 637).
Ora, a violação do princípio da igualdade resultaria, precisamente, da diferença de regimes aplicáveis ao dono da obra e ao empreiteiro. As recorrentes entendem que é inconstitucional não se aplicar às acções propostas pelo dono da obra o referido prazo de 132 dias. Não põem em causa, especificamente, uma eventual inconstitucionalidade, resultante da inexistência de qualquer prazo, o que pressuporia já ser admissível uma diferença de regimes.
4 - A diferença de regimes é explicável, no entender da entidade recorrida, pelo concurso de três factores: a natureza do interesse público; a dificuldade de as entidades públicas proporem acções em prazos curtos (atendendo à dificuldade de formarem decisões válidas), e a diferente natureza das violações contratuais imputáveis ao dono da obra e ao empreiteiro.
Alegadamente, o carácter duradouro das obras não se compadece com a existência de prazos como aquele que se prevê nas normas sub judicio. Tal prazo só tem razão de ser quando estiverem em causa prestações pecuniárias como aquelas de que o empreiteiro é, em geral, credor. Este argumento toma como decisiva a (diferente) natureza das prestações e dos danos sofridos pelas partes.
5 - O princípio da igualdade, cuja violação é invocada pelas recorrentes, não proíbe quaisquer diferenciações de tratamento. Implica, isso sim, que haja uma justificação material da desigualdade segundo critérios constitucionalmente atendíveis (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1.º a 107.º, 4.ª ed. revista, e, entre vários outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 149/93, www.tribunalconstitucional.pt).
No caso sub judicio, a diferente natureza das prestações envolvidas no contrato de empreitada, associada à prossecução do interesse público, torna racional uma diversidade de regimes aplicáveis ao dono da obra e ao empreiteiro em matéria de caducidade. Por conseguinte, não há violação do artigo 13.º da Constituição.
Por estas razões, é de indeferir o presente recurso.
III - Decisão
6 - Ante o exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 16 de Maio de 2007. - Rui Pereira - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos.