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Acórdão 278/2007, de 20 de Junho

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Sumário

Não julga inconstitucionais as normas constantes do n.º 5 do artigo 174.º e da parte final do n.º 2 do artigo 177.º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, efectuada busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem precedência de autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta e haver indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, é de quarenta e oito horas o prazo para a comunicação ao juiz de instrução da efectivação da busca e a decisão judicial da sua validação pode resultar, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão de validação da detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão preventiva

Texto do documento

Acórdão 278/2007

Processo 397/07

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - Na decisão instrutória proferida, em 15 de Setembro de 2006, no Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, que culminou com a pronúncia dos arguidos Alan Patrick O'Sullivan, Brian Thomas Murphy, Kevin Lawrence McMullen, David Pestana Figueira e Brad Curtis como co-autores materiais, em concurso real, de um crime de sequestro, um crime de homicídio qualificado, um crime de profanação (ocultação) de cadáver e um crime de detenção ilegal de arma de defesa, foi inicialmente apreciada a arguição de nulidade (deduzida no debate instrutório pela defesa dos dois primeiros arguidos e posteriormente subscrita pela defesa dos terceiro e quarto arguidos) da busca realizada na residência do arguido David Pestana Figueira, sita no apartamento C002 dos Apartamentos Turísticos da Orada, marina de Albufeira, pela Polícia Judiciária, com base na existência de fortes indícios de se encontrar um indivíduo sequestrado e ou agredido nesse apartamento, mas sem que tenha tido lugar a comunicação imediata da realização da busca ao juiz, nem a sua avaliação e validação. Essa arguição foi indeferida com base na seguinte fundamentação:

"Desde logo, refira-se, afigura-se falecer legitimidade aos arguidos não residentes, à data, naquele apartamento, para arguir a nulidade decorrente de uma busca efectuada num domicílio que, afinal de contas, não era o seu.

Todavia, o certo é que também o arguido David Figueira subscreveu o respectivo requerimento, pelo que de todo o modo haverá que apreciar de fundo a questão suscitada.

A regra da inviolabilidade do domicílio tem, desde logo, consagração constitucional (artigo 34.º, n.os 1, 2 e 3, da Constituição), cominando ainda a lei fundamental com nulidade as provas obtidas mediante abusiva intromissão no domicílio (artigo 32.º, n.º 8, da Constituição).

No que concerne às buscas domiciliárias, por regra só podem ser autorizadas ou ordenadas pelo juiz (artigo 177.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Porém, segundo dispõe o artigo 177.º, n.º 2, do mesmo diploma, 'Nos casos referidos no artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b), as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 174.º, n.º 5.'

Assim, face ao que estabelece o artigo 174.º do Código de Processo Penal, as buscas domiciliárias podem ser efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:

'a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado;' [alíneas a) e b) do n.º 4 do referido artigo].

Todavia:

'5 - Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.' (n.º 5 do artigo 174.º do Código de Processo Penal).

No caso, resulta dos autos que, no dia 15 de Setembro de 2005, na sequência da detenção de alguns dos arguidos, elementos da PJ entraram no apartamento em causa, o apartamento C002, sito nos Apartamentos da Orada, em Albufeira, onde encontraram o cadáver da vítima Michael Ahern no interior de uma arca congeladora e procederam à apreensão dos objectos melhor descritos nos autos.

A diligência ficou, nomeadamente, documentada de fl. 23 a fl. 25, tendo ali sido invocado pela PJ que, na sequência, encontrando-se aberta a porta daquele apartamento, por julgar existirem fortes indícios de se encontrar um indivíduo sequestrado e ou agredido naquele apartamento, verificou que numa arca frigorífica colocada de forma pouco estética junto à porta de entrada se encontrava um cadáver que apresentava indícios ao nível do hábito externo de ter sofrido violentas agressões. A PJ efectuou ainda inspecção judiciária ao referido apartamento, removeu o corpo, que lá se encontrava, e procedeu à apreensão dos objectos melhor descritos nos autos e que lá se encontravam (cf. ainda de fl. 50 a fl. 55).

Tais diligências tiveram lugar após as 18 horas e 30 minutos do dia 15 de Setembro de 2005.

No dia 17 de Setembro de 2005, os autos foram presentes ao juiz de instrução, juntamente com os arguidos, então detidos, para o seu primeiro interrogatório judicial, o qual teve lugar pelas 12 horas e 10 minutos do mesmo dia.

Nesse mesmo dia, o juiz de instrução, apreciando, não só julgou válidas as detenções de todos os arguidos, sustentando-se em que foram efectuadas na sequência de crime cometido em situação de quase flagrante delito, tal como este se mostra definido no artigo 256.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como entendeu que resultava já fortemente indiciada nos autos a prática por todos os arguidos, em co-autoria, dos crimes de homicídio qualificado, previsto e punido nos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, de ocultação de cadáver, previsto e punido no artigo 254.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e, bem assim, do crime de posse e detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 275.º do Código Penal, tendo-se decidido pela aplicação a cada um deles da medida de coacção prisão preventiva.

Os arguidos suscitam duas questões, a ausência de comunicação imediata da realização da busca ao juiz de instrução e a ausência de apreciação dessa mesma busca.

Desde logo, compulsando os autos, deles resulta manifesto que a entrada naquele apartamento se sustentou em fundados indícios da prática iminente de crime que pusesse em grave risco a vida ou integridade física daquele que, todavia, veio a ser encontrado no interior do apartamento em causa já sem vida, a vítima Michael Ahern.

Ora, detidos os arguidos, e realizada a busca, os elementos que documentavam a entrada naquele apartamento, juntamente com os arguidos, vieram a ser apresentados ao juiz de instrução ainda antes de decorrido o prazo de quarenta e oito horas que a lei estabelece para a apresentação dos detidos a primeiro interrogatório judicial.

Não se poderá pois deixar de concluir pela comunicação tempestiva da entrada do órgão de polícia criminal no apartamento C002 sito nos Apartamentos da Orada, na marina de Albufeira, não se vislumbrando que o legislador, ao impor a comunicação imediata ao juiz de instrução, pretendesse estabelecer um prazo mais curto do que aquele que consagra para a apresentação dos detidos, privados da liberdade, a primeiro interrogatório judicial. Por outro lado, a nosso ver, a cominação de nulidade, a que alude o n.º 5 do artigo 174.º do Código de Processo Penal, respeita apenas à falta da imediata comunicação, não assim à falta de apreciação.

Todavia, mesmo que assim não se entenda, a verdade é que o teor do despacho proferido pelo juiz de instrução aquando do primeiro interrogatório judicial dos arguidos revela que a busca em causa e os resultados obtidos com a mesma foram apreciados e tidos em consideração nessa decisão.

Apesar de o juiz de instrução não ter feito uma referência expressa à validação dessa busca, é manifesto que a teve validamente em conta no seu despacho, quer quanto aos fundamentos da validação da detenção dos arguidos, quer quanto aos fortes indícios dos crimes que sustentaram a aplicação da medida de prisão preventiva.

Isto, quando é certo que o cadáver da vítima fora precisamente encontrado naquele apartamento.

Do que se conclui que, efectivamente, a busca em causa foi não apenas comunicada imediatamente ao juiz de instrução, e por isso mesmo tempestivamente, como também por ele apreciada e tacitamente validada, não se verificando a nulidade que foi arguida.

Por todo o exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade da busca realizada na residência do arguido David Figueira, sita no apartamento C002 dos Apartamentos Turísticos da Orada, marina de Albufeira."

Contra esta decisão interpôs o arguido David Pestana Figueira recurso para o Tribunal da Relação de Évora, terminando a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:

"1.º A pertença [sic] busca efectuada ao apartamento C002 dos Apartamentos Turísticos da Orada, marina de Albufeira, é nula.

2.º O artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do CPP não se basta com a mera existência de indícios ou com a investigação de crimes de catálogo.

3.º É também necessário que se verifiquem fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer cidadão.

4.º Ora, pese ter sido invocado tal circunstancialismo, após a descoberta do corpo, não se entende que o OPC entre as 13 horas e 30 minutos e as 18 horas e 30 minutos, estando no local, não tenha agido no sentido de pôr cobro ao grave risco à vida ou à integridade física de um cidadão.

5.º Decorre daqui ser pouco credível o invocado a posteriori pelo OPC, tudo inculcando que visa branquear a sua actuação.

6.º Tudo sugere não ter agido o OPC por força de quaisquer fortes indícios.

7.º Aliás, a existência de um perigo [i]minente enquadrar-se-ia num estado de necessidade desculpante, não removível de outro modo, o que não era o caso.

8.º Na verdade, este estado de necessidade parece ter podido aguardar pelo menos por cinco horas.

9.º Manifestamente a PJ poderia ter solicitado a emissão de manda[d]os de buscas em tempo útil.

10.º Assim, no entender da defesa, houve falta do pressuposto exigido pelo artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do CPP.

11.º Pelo que a interpretação dada ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CPP, no douto despacho recorrido é inconstitucional por violação do estatuído nos artigos 18.º, 32.º, n.os 1, 4 e 8, e 34.º, n.os 2 e 3, da CRP.

12.º Quando assim não se entenda, também não foi cumprida a exigência prevista no n.º 5 do artigo 174.º do CPP.

13.º É transparente do auto de primeiro interrogatório, onde ocorreu a primeira intervenção do JIC, que a busca não lhe foi comunicada para efeitos do n.º 5 do artigo 174.º do CPP.

14.º Consequentemente, o M.mo Juiz não se pronunciou quanto à validação da referida busca, como lhe seria indispensável atento o disposto no artigo 174.º, n.º 4, alínea a), e n.º 5, do CPP.

15.º Estamos assim perante um problema de omissão de despacho quanto à validação da busca (?), e o facto de se ter decretado a prisão preventiva dos arguidos não branqueia tal lapso.

16.º Esta é, sem dúvida, a mais curial interpretação a dar ao artigo 174.º, n.º 4, alínea a), e 174.º, n.º 5, do CPP, pois a dar-se outra então far-se-á interpretação inconstitucional das mesmas por violação do estatuído nos artigos 18.º, 32.º, n.os 1, 4 e 8, e 34.º, n.os 2 e 3, da CRP.

1[7].º O despacho sindicado violou os artigos 18.º, 32.º e 34.º da CRP e o artigo 174.º do CPP.

1[8].º Não há validações de buscas tácitas e expressas, pois caso contrário o legislador disso daria notícia, sendo que as contempladas na lei são as expressamente validadas."

A esse recurso foi negado provimento pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19 de Dezembro de 2006, com a seguinte fundamentação:

"Perante as conclusões da motivação, a questão a decidir consiste em saber se a busca efectuada na residência de David Figueira é nula:

Por não haver indícios da prática iminente de crime que punha em grave risco a vida ou a integridade física de Michael Ahern;

Por virtude da busca não ter sido comunicada de imediato ao M.mo JIC;

Por não ter sido validada a busca pelo M.mo JIC.

É ordenada busca quando houver indícios de que quaisquer objectos relacionados com o crime ou que possam servir de provas, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida se encontram em lugar reservado ou que não seja de livre acesso ao público (artigo 174.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).

Constitui regra geral as buscas serem autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.

Esta regra também tem excepções e, por isso, as buscas domiciliárias, em determinadas situações, podem ser feitas sem prévio despacho do juiz, mas ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgãos de polícia criminal, como resulta do artigo 177.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 174.º, [n.º 4], alínea a), do mesmo diploma, e que são as seguintes:

a) Nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando se verifiquem indícios fundados da prática iminente de crime que ponha em risco a vida ou integridade física de qualquer pessoa [artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do CPP];

b) Quando haja consentimento dos visados, desde que o consentimento fique por qualquer forma documentado.

No caso que nos ocupa, a autoridade policial efectuou a busca na residência do arguido David Figueira sem prévia autorização judicial e não houve consentimento dos visados, logo importa apurar se tal busca obedeceu ao requisito previsto na alínea a) do n.º 4.

O recorrente entende que não, porque o preenchimento de tal requisito não se basta com a mera existência de indícios ou com a investigação de crimes de catálogo; é também necessário que se verifiquem indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer cidadão e não se entende que o órgão de polícia criminal, estando no local, entre as 13 horas e 30 minutos e as 18 horas e 30 minutos, só tenha agido no sentido de pôr cobro ao grave risco de vida ou à integridade física de um cidadão cinco horas após a sua chegada ao local.

Dos autos resulta que a Polícia Judiciária recolheu, antes de proceder à busca domiciliária, os seguintes indícios com interesse para a investigação:

No dia 14 de Setembro de 2005, pouco antes das 23 horas e 30 minutos, três indivíduos que se encontravam num terreno baldio, que serve de parque de estacionamento de viaturas, nas imediações do lote 6 da Rua D. Manuel I, em Lagos, desferiram com objectos de características não concretamente apuradas, mas também com os punhos e os pés, diversos golpes no corpo de Michael Joseph Ahern;

No local, num percurso de 25 m/30 m, encontravam-se vestígios hemáticos espalhados pelo chão, um dente humano arrancado pela raiz, bem como vestígios supostamente capilares;

A vítima foi arrastada para uma viatura de marca BMW com a matrícula W 147 VKE e foi introduzida na bagageira da mesma, após o que a viatura arrancou a grande velocidade;

A Polícia Judiciária foi informada pelo oficial de ligação britânico que a viatura mencionada era utilizada por indivíduos que se encontravam a residir nos apartamentos da Orada C002, H117 e H125, sitos na marina de Albufeira;

A Polícia Judiciária, após ter conhecimento dos caracteres físicos dos suspeitos, deslocou-se, no dia 15 de Setembro de 2005, cerca das 13 horas e 30 minutos, para os apartamentos da Orada e verificou que por debaixo do veículo BMW, de matrícula W 147 VKE havia abundantes rastos de pingos de sangue.

Na sequência de vigilâncias levadas a efeito, a PJ constatou:

Cerca das 16 horas chegaram três indivíduos numa viatura Lexus, com os caracteres físicos coincidentes com os dos suspeitos;

Poucos minutos depois dois daqueles indivíduos vêm do apartamento C002 e aparentam estar abalados: um deles pára e vomita para o chão;

Às 17 horas os dois indivíduos vão à viatura Lexus buscar roupa;

Às 17 horas e 55 minutos, os três indivíduos encontravam-se no apartamento H125 a conversar;

Às 18 horas e 30 minutos, Kevin, ao volante da viatura Peugeot 307, verde, dirigia-se para o portão de saída do condomínio de apartamentos e atrás vinha o suspeito Brad, ao volante do veículo BMW, de matrícula W 147 VKE, também em direcção à saída, altura em que foram interceptados;

David e Brian encontravam-se à porta do apartamento C002, que dista cerca de 20 m do portão de saída referido, e, ao verem a intercepção feita pela Polícia, puseram-se em fuga para o interior do imóvel e saíram por uma janela/porta sita nas traseiras. Foram perseguidos e detidos.

Perante estes factos, a Polícia Judiciária ficou convicta de que no apartamento C002 se encontrava o indivíduo que havia sido agredido em Lagos e que a sua integridade física ou mesmo a vida corriam grave risco; por isso, entrou no referido apartamento, onde encontrou a vítima numa arca frigorífica e os demais objectos relacionados com o homicídio.

Se a Polícia Judiciária só entrou no apartamento C002 às 18 horas e 30 minutos, tal ocorreu porque, face às acções de vigilância e diligências que fez durante a tarde de 15 de Setembro de 2005, no sentido de confirmar as suspeitas que pendiam sobre os arguidos, só naquele momento ficou ciente dos fundados indícios de que lá se encontrava a vítima e que corria grave risco para a sua integridade física face à forma como foi agredida, ou até para a sua vida; por isso, não se justificava tal entrada em momento anterior.

Assim, não assiste razão ao recorrente ao considerar que a Polícia Judiciária deveria ter sido mais eficaz, nomeadamente não esperando tanto tempo para intervir no apartamento.

Verifica-se, pois, o requisito previsto no artigo 174.º, n.º 4, alínea a), em conjugação com o artigo 177.º, n.º 2, do CPP, uma vez que estamos perante um caso de criminalidade violenta, em que há fundados indícios da prática iminente de crime que punha em perigo a integridade física ou a vida de um cidadão.

Alega ainda o recorrente que não foram cumpridas as exigências previstas no n.º 5 do artigo 174.º do Código de Processo Penal, isto é, a busca domiciliária não foi comunicada ao juiz de instrução e, se o foi, tal não ocorreu imediatamente, nem foi expressamente validada.

Estabelece o preceito mencionado que 'nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação'.

Importa antes de mais esclarecer que deste preceito resulta que só constitui nulidade a falta de comunicação imediata da busca e não também a falta de apreciação ou validação pelo juiz.

Do relato de diligência externa de fl. 61 a fl. 63 e de fl. 64 a fl. 69, que faz parte do processo que foi apresentado ao juiz de instrução juntamente com os detidos, consta do primeiro que "na sequência dos factos e por julgarmos existirem fortes indícios de se encontrar um indivíduo sequestrado e ou agredido naquele apartamento, verificámos que numa arca frigorífica colocada de forma pouco estética junto à porta de entrada se encontrava um cadáver".

E do relato de fl. 64 a fl. 69 refere-se que foi feita uma inspecção judiciária ao apartamento C002, onde residia David Figueira, e descrevem-se de forma pormenorizada os bens que lá foram encontrados relacionados com o homicídio.

Assim, foi feita a comunicação da busca ao M.mo Juiz na altura em que os arguidos foram apresentados para primeiro interrogatório.

Terá tal comunicação sido feita imediatamente, como exige o artigo 174.º, n.º 5, do CPP?

A lei não nos dá uma noção da expressão imediatamente comunicada, por isso a mesma terá de ser interpretada de acordo com o sentido que lhe é dado na linguagem comum e com os objectivos visados com tal comunicação imediata.

Imediatamente significa 'no mais curto espaço de tempo', 'de forma rápida', 'sem qualquer demora'. Com tal comunicação visa-se o controlo da legalidade da diligência por parte do juiz no sentido de aferir se a busca se revelava necessária e proporcionada aos fins visados, mas há que ter também em conta as circunstâncias em que a mesma se realiza, nomeadamente quando estão em causa diligências de investigação, que não se podem interromper para se fazer tal comunicação, sob pena de se pôr em causa a investigação.

Portanto, há que ponderar todos estes elementos de acordo com critérios de razoabilidade e bom senso a fim de se aferir se a busca foi, ou não, comunicada de forma imediata.

No caso concreto, a busca foi realizada no dia 15 de Setembro de 2005, pelas 18 horas e 30 minutos, hora em que o tribunal está encerrado, e, face à complexidade e gravidade do caso, em que estão em causa crimes muito graves, a elaboração do processo, face aos elementos de prova recolhidos, era demorada; por isso, consideramos que a comunicação da busca, que foi feita no dia 17 de Setembro de 2005, pelas 12 horas, juntamente com a apresentação dos detidos ao M.mo Juiz para interrogatório, foi efectuada, de acordo com critérios de razoabilidade e bom senso, o mais breve possível, de imediato.

Por outro lado, se os arguidos têm de ser apresentados ao juiz de instrução no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, como impõe o artigo 28.º, n.º 1, da Constituição, não se nos afigura que o legislador pretendesse estabelecer um prazo mais curto para a comunicação da busca do que para a apresentação dos detidos para primeiro interrogatório judicial, uma vez que a privação da liberdade constitui uma restrição mais grave dos direitos dos cidadãos do que a restrição de quaisquer outros direitos.

Por tais motivos, consideramos que a comunicação da busca foi feita de forma imediata.

Por fim, refere o arguido que o M.mo Juiz de Instrução não se pronunciou sobre a validação da busca, como exige o artigo 174.º, n.os 4, alínea a), e 5, do Código de Processo Penal, e que esta tem de ser expressamente validada, e não tacitamente, como se defende no despacho impugnado.

A não validação da busca não constitui a nulidade a que se refere o artigo 174.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, mas sim a falta de comunicação da busca ao juiz, como já referimos.

A busca não foi validada expressamente, como se infere do despacho que determinou a detenção dos arguidos, mas foi apreciada e validada tacitamente.

Na verdade, após o interrogatório dos arguidos e perante os elementos que já haviam sido carreados para o processo, o M.mo Juiz de Instrução considerou que havia fortes indícios da prática por todos os arguidos, em co-autoria, do crime de homicídio qualificado, previsto e punido nos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, do crime de ocultação de cadáver, previsto e punido no artigo 254.º, n.º 1, alínea a), e do crime de posse e detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 275.º, todos do Código Penal.

Os elementos de prova constantes dos autos, que são essenciais para se chegar à conclusão que havia fortes indícios dos crimes mencionados, são os que resultaram da busca domiciliária efectuada na residência de David Figueira.

Assim, se havia fortes indícios da prática dos crimes referidos e se os elementos de prova resultantes da busca são essenciais para se extrair tal ilação, então estes foram apreciados e tidos em conta para a prolação do despacho que determinou a prisão preventiva dos arguidos, pelo que foram apreciados e validados implicitamente, que é quanto basta para que a busca seja validada.

Não nos merece, pois, qualquer reparo o despacho recorrido, nem se vislumbra que tenha sido violado o disposto nos artigos 18.º e 32.º, n.os 1, 4 e 8, da Constituição.

Neste sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 1998, Colectânea de Jurisprudência, ano VI, t. 1, p. 158, o qual refere: 'A validação judicial da realização da busca pode ser implícita, desde que se revele inequivocamente', e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998, in www.dgsi.pt, do qual consta que '[q]uanto à validação da busca, banidas que estão da prática forense as fórmulas sacramentais, ela resulta inequivocamente do despacho do M.mo Juiz de Instrução Criminal, proferido no dia imediato ao da realização da busca e que validou a detenção do arguido recorrente e lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva'.

III - Termos em que acordam os juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo o despacho recorrido."

O arguido David Pestana Figueira requereu a aclaração do precedente acórdão, o que foi indeferido por Acórdão de 6 de Fevereiro de 2007.

Veio então o mesmo arguido interpor recurso do Acórdão de 19 de Dezembro de 2006 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver "apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 174.º, n.os 2, 4, alíneas a) e b), e 5, do CPP na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida", aduzindo que "a interpretação da norma, dada pelo tribunal de 1.ª instância, viola os artigos 18.º, 32.º, n.os 1, 4 e 8, e 34.º, n.os 2 e 3, da CRP, porquanto foi interpretada no sentido de aceitar a ausência de comunicação imediata da realização da busca ao juiz e de entender não ser necessária a validação da mesma, aceitando que a mesma pode ocorrer tacitamente".

Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, que terminam com a formulação das seguintes conclusões:

"1.º Nem a polícia nem o Ministério Público comunicaram a realização da busca ao tribunal a fim de este apreciar e validar, como decorre desde logo da circunstância de apenas se promover a realização de primeiro interrogatório de arguido detido.

2.º De qualquer maneira, admitindo, sem conceder, aceitar-se que houve comunicação da busca ao juiz, esta sempre seria intempestiva, atento a que mediaram mais de quarenta horas entre a realização da busca e a apresentação dos autos em tribunal, tendo em linha de conta que no dia 16 de Setembro o tribunal funcionou normalmente.

3.º A expressão imediatamente, no contexto da busca realizada ao abrigo do disposto no artigo 177.º, n.º 2, em conjugação com o disposto no artigo 174.º, n.º 4, alínea a), ambos do CPP, quer dizer no momento, na sequência, de seguida, sendo esta melhor interpretação do preceito.

4.º Não se compagina, como se pretende na interpretação dada na decisão recorrida, com o sentido de que imediatamente abrange o prazo em que o detido deve ser apresentado ao juiz de instrução, ou seja, quarenta e oito horas.

5.º A busca supra-referida não foi validada pelo juiz, não podendo, sob pena de se inverterem as regras processuais, defender-se, como se defendeu na interpretação dada na decisão recorrida, que a mesma foi tacitamente validada.

6.º De resto, a não validação pelo juiz pode ter ocorrido por várias razões, como seja, o desconhecimento ou a não comunicação da busca, pelo que, a ser como o tribunal a interpreta, não era necessário pronunciar-se nunca sobre tal validação, pois esta era sempre tácita.

7.º De resto, nem se percebe a interpretação no sentido de que existe validação tácita, só porque os arguidos ficaram em prisão preventiva.

8.º Uma interpretação, como a que foi feita [pela] decisão recorrida, não impondo a comunicação ao juiz da realização de uma busca de forma clara e inequívoca, designadamente com um pedido do OPC ou promoção do Ministério Público no sentido de o primeiro validar a busca, ofende as garantias de defesa do arguido e deixa desprotegido o seu direito à privacidade.

9.º De igual maneira, como já se escreveu, defender, como foi feito na decisão recorrida, a interpretação de [que] é legal apresentar os autos ao juiz para efeitos de apreciação e validação de uma busca, realizada ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 174.º, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 177.º do CPP, mais de quarenta horas após a mesma, pese o tribunal ter estado em funcionamento, ofende as garantias de defesa do arguido e o seu direito à privacidade.

10.º Também a interpretação feita na decisão recorrida, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, segundo a qual o juiz, fazendo exarar no despacho que validou a detenção e apreciou e ou validou a busca, daí resulta uma validação tácita, ofende o direito de defesa do arguido, bem como o seu direito à privacidade.

11.º As referidas interpretações da norma constante do artigo 174.º, n.º 2, conjugada com o artigo 177.º, n.º 2, do CPP, contendem com o estatuído nos artigos 32.º e 34.º da CRP, inquinando-a de inconstitucionalidade material.

12.º Como recentemente foi decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, sobre este ponto concreto atrás referido: "Aduzem também estes recorrentes que, mesmo a considerar-se incluída a busca efectuada na previsão da alínea a) do n.º 4 do artigo 174.º do CPP, mesmo assim ela seria nula, porque não observando in casu o disposto no n.º 5 do artigo 174.º, que estabelece que 'nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação'. Ora, compulsados os autos, não se descortina que a busca lhe tenha sido comunicada nem que tenha havido despacho de validação da mesma. Daí que, face ao normativo apontado, haja que considerar nula a busca efectuada. De resto, refira-se, não se revela curial a tese defendida pelo Ministério Público no sentido de que sempre o despacho da M.ma JIC que decretou a prisão preventiva dos arguidos abrange e contempla a apreciação e validação da busca efectuada."

13.º Esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 174.º, n.º 5, do CPP, conjugada com o disposto no artigo 177.º, n.º 2, ambos do CPP.

14.º É exactamente o que se pretende ver apreciado, a constitucionalidade da norma do artigo 174.º, n.os 2, 4, alíneas a) e b), e 5, conjugada com o artigo 177.º, n.º 2, todos do CPP, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, e se tal interpretação viola ou não os artigos 18.º, 32.º, n.os 1, 4 e 8, e 34.º, n.os 2 e 3, da CRP."

O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:

"1.º Não constitui restrição desproporcionada à tutela constitucional do domicílio o entendimento segundo o qual é tempestiva a comunicação ao juiz da realização de uma busca domiciliária dentro do prazo de quarenta e oito horas, procedendo-se à apresentação conjunta do expediente que a corporiza e do próprio arguido detido.

2.º Não viola qualquer princípio constitucional o entendimento segundo o qual é passível de interpretação o despacho judicial subsequente a tal comunicação, tendo-se a busca domiciliária por validada quando o juízo de validação, embora não expresso, constitua antecedente lógico indispensável, implícito no acto que considerou inquestionavelmente válida a aquisição processual dos meios probatórios facultados por tal diligência."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação:

2.1 - Cumpre, antes de mais, delimitar com precisão o objecto do recurso.

Resulta da conjugação do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e das subsequentes alegações que o recorrente abandonou as questões de inconstitucionalidade reportadas à admissibilidade da efectivação da busca sem precedência de autorização judicial (a que aludira nas conclusões 1.ª a 11.ª da motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Évora) e à própria existência da comunicação ao juiz da efectivação da busca para efeitos da sua validação (aludida nas conclusões 12.ª e 13.ª da mesma motivação). A primeira questão é, de todo, omitida nas alegações do presente recurso, e, quanto à segunda, o recorrente acaba por aceitar que houve comunicação da busca ao juiz (cf. conclusão 2.ª dessas alegações), questionando apenas o respeito pela exigência de essa comunicação ser feita "imediatamente".

Aliás, quanto à primeira questão, o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva de diversas normas do Código de Processo Penal de 1987, já teve oportunidade de considerar não inconstitucional, no Acórdão 7/87 (n.º 2.7), a norma do n.º 2 do artigo 177.º, na parte em que, por remissão para a alínea a) do n.º 4 do artigo 174.º, permite que as buscas domiciliárias sejam ordenadas pelo Ministério Público ou efectuadas por órgãos de polícia criminal (mesmo sem autorização do Ministério Público) nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa. Esse juízo de não inconstitucionalidade baseou-se na consideração de que "o direito à inviolabilidade do domicílio, enunciado nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 34.º da Constituição, dever compatibilizar-se com o direito à vida e com o direito à integridade pessoal, consignados respectivamente nos artigos 24.º e 25.º da lei fundamental e que aquela alínea a) procura defender, direitos que hão-de entender-se como limites imanentes do direito em causa".

As duas questões de inconstitucionalidade normativa que o recorrente coloca ao Tribunal Constitucional prendem-se, a primeira, com o critério normativo que teria sido acolhido no acórdão recorrido quanto à tempestividade da comunicação, pelo órgão de polícia criminal ao juiz, da efectivação da busca, considerando admissível que essa comunicação ocorra no prazo de quarenta e oito horas após a efectivação da busca (à semelhança do prazo de quarenta e oito horas, a partir da detenção do arguido, para a sua submissão a apreciação judicial, previsto no artigo 28.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa - CRP); e, a segunda, com o critério normativo segundo o qual é admissível a validação judicial tácita da busca resultante do despacho que validou a detenção do arguido e lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva. Quanto a esta segunda questão, importa, desde já, precisar que o acórdão recorrido seguiu, neste domínio, orientação já definida no Supremo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 8 de Janeiro e de 15 de Dezembro de 1998, citados nessa decisão, a que se pode acrescentar, no mesmo sentido, o recente Acórdão de 20 de Setembro de 2006, processo 2321/06, disponível em www.dgsi.pt/jstj), no sentido de que, uma vez que estão abolidas da prática forense as fórmulas sacramentais, a validação judicial da realização da busca "pode ser implícita, desde que se revele inequivocamente" [itálico acrescentado], designadamente no despacho que valide a detenção e aplique a medida de coacção de prisão preventiva. Os preceitos legais pertinentes para suportar as interpretações normativas impugnadas são, assim, o n.º 5 do artigo 174.º [que - relativamente a buscas não domiciliárias efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos referidos na alínea a) do precedente n.º 4, isto é, realizadas sem precedência de autorização judicial, por se tratar de caso, entre outros, de criminalidade violenta e haver indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa - determina que a realização da diligência deve ser, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação] e a parte final do n.º 2 do artigo 177.º (que manda aplicar o disposto no artigo 174.º, n.º 5, às buscas domiciliárias efectuadas por órgão de polícia criminal na descrita situação), ambos do Código de Processo Penal (CPP), surgindo como irrelevantes, como suportes das interpretações normativas questionadas, os preceitos do n.º 2 e da alínea b) do n.º 4 do referido artigo 174.º

2.2 - Justifica-se ainda uma segunda nota prévia, no sentido de consignar que, como tem sido repetidamente afirmado, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção da interpretação do direito infraconstitucional operada pelos tribunais recorridos, mas tão-só averiguar se a interpretação normativa adoptada na decisão impugnada - interpretação que é tida como um dado da questão de constitucionalidade que o Tribunal Constitucional tem de decidir se mostra, ou não, conforme com as normas e os princípios constitucionais.

Isto é, não cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a correcção da interpretação dada no acórdão ora recorrido ao disposto no n.º 5 do artigo 174.º, aplicável por força da parte final do n.º 2 do artigo 177.º, ambos do CPP, que determina que - sendo a busca domiciliária realizada, em inquérito, por órgão de polícia criminal, sem prévia autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta, havendo fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa - a realização da diligência deve ser imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.

Dito de outra forma, a questão que o Tribunal Constitucional tem de decidir é se a Constituição é violada por normas (sendo irrelevante, para este efeito, que elas resultem da directa estatuição de preceitos legais ou que derivem de interpretações normativas feitas pelos tribunais) que fixem em quarenta e oito horas, a contar da efectivação da busca, o prazo para a mesma ser comunicada ao juiz de instrução e que permitam que a decisão judicial de validação da busca resulte, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão de validação da detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão preventiva.

Por outro lado, importa salientar que a circunstância de o legislador ordinário ter regulado de certa forma o regime das buscas, domiciliárias e não domiciliárias, procurando naturalmente não desrespeitar a Constituição, não transforma essa regulação legal em padrão de constitucionalidade, no sentido de que não seria constitucionalmente admissível qualquer outra regulação ou qualquer interpretação da regulação existente diferente da que o recorrente considera a correcta. Do que se trata é, pois, de apurar se a interpretação do regime legal existente feita pela decisão recorrida respeita as exigências constitucionais pertinentes.

2.3 - Como este Tribunal Constitucional referiu no Acórdão 452/89, "a inviolabilidade do domicílio a que se refere o artigo 34.º da CRP exprime, numa área muito particular, a garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, genericamente afirmado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP", prosseguindo: "por isso mesmo, tal garantia se não limita a proteger o domicílio, entendido este em sentido estrito, no sentido civilístico de residência habitual; antes, e de acordo com a interpretação que dela tradicionalmente é feita, tem uma dimensão mais ampla, isto é, e mais especificamente, tem por objecto a habitação humana, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatada e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar" [cf., ainda, o Acórdão 507/94, que julgou inconstitucionais as normas dos artigos 174.º, n.º 4, alínea b), 177.º, n.º 2, e 178.º, n.º 3, do CPP, na interpretação "de que a busca domiciliária em casa habitada e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligência podem ser realizadas por órgão de polícia criminal, desde que se verifique o consentimento de quem, não sendo visado por tais diligências, tiver a disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada", por entender não se poder prescindir "do consentimento de quem é visado pela medida de busca domiciliária", e que a decisão recorrida desconsiderara "a reserva de intimidade privada do arguido" e repudiara "uma concepção de inviolabilidade de domicílio que faz radicar tal direito ou garantia fundamental na personalidade do ser humano visado por uma medida probatória"].

Atenta a relevância do valor em causa e a correspondente gravidade da sua ofensa, considera-se constitucionalmente imposto que a verificação da legitimidade desta ofensa, para salvaguarda de outros valores ou interesses constitucionalmente tutelados, seja sujeita a controlo judicial. Como se referiu no Acórdão 114/95: "a intervenção do juiz é exigida pela preocupação de controlar a legalidade da diligência e, bem assim, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, no caso, o direito à inviolabilidade do domicílio, o que, por outras palavras, vale dizer ser a intervenção do juiz, in casu, de dimensão exclusivamente garantística e não de valoração de provas" (cf., ainda, o Acórdão 16/97, que não julgou inconstitucionais as normas dos n.os 1 e 2 do artigo 176.º do CPP, e o Acórdão 297/2003, que reiterou a concepção da autorização judicial da busca domiciliária como tendo "uma função, exclusiva ou dominantemente, garantística, visando assegurar a tutela dos direitos constitucionais dos arguidos").

2.4 - Porém, como já se referiu - e não vem questionado no presente recurso -, se a regra é que a efectivação de buscas domiciliárias deva ser precedida de autorização ou de ordem judiciais, situações existem em que é constitucionalmente legítima a efectivação da busca domiciliária por órgãos de polícia criminal sem prévia autorização judicial, designadamente nos casos de criminalidade violenta, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, como ocorreu no presente caso.

Na hipótese de efectivação de busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem prévia autorização judicial, é sustentável que resulta do sistema de valores constitucionais, embora não exista norma constitucional que explicitamente o imponha, a exigência de um controlo judicial a posteriori, de natureza oficiosa. Isto é, não será suficiente deixar à iniciativa do arguido (ou da pessoa visada com tal busca) provocar a intervenção de um juiz para apurar o preenchimento das condições que, no caso, determinaram a realização da busca sem se obter prévia autorização judicial.

Assim sendo, a resposta à questão de constitucionalidade suscitada no presente recurso depende do juízo de suficiência que, face à razão de ser da exigência de controlo judicial a posteriori, mereçam, ou não, as interpretações normativas questionadas. O que cumpre apurar é, assim, se o entendimento de que a comunicação da efectivação da busca pode ser feita no prazo de quarenta e oito horas e de que a sua validação judicial pode decorrer de forma implícita, desde que inequívoca, satisfazem os objectivos constitucionais que se entendem impor o controlo judicial a posteriori de buscas não previamente autorizada [No sentido de que a exigência de comunicação e validação judicial posterior à diligência só vale para os casos da alínea a) do n.º 4 do artigo 174.º do CPP, e já não para os da alínea b) - que pressupõem o consentimento do visado - cf. Ana Luísa Pinto, "Aspectos problemáticos da reserva do regime das buscas domiciliárias", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15, n.º 3, Julho-Setembro 2005, pp. 415-456, em especial pp. 443-445].

A resposta a ambas as questões é claramente afirmativa.

2.4.1 - O prazo de quarenta e oito horas não se afigura excessivo, desde logo por comparação com o prazo de apresentação de arguidos detidos sem ordem judicial, em que está em causa a violação de um bem - a liberdade das pessoas - seguramente não inferior ao da inviolabilidade do domicílio.

No Acórdão 192/2001, em recurso de decisão que, após reconhecer verificar-se uma nulidade por falta de apreciação/validação imediata das buscas (no caso, não domiciliárias), considerou sanável a referida nulidade, decidindo que ao abrigo do artigo 122.º do CPP deveria "agora ser praticado o acto omitido", o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 251.º, 174.º, n.º 5, e 122.º do CPP, interpretadas no sentido de permitir a sanação da nulidade por falta de validação imediata da busca efectuada com a validação a posteriori da mesma busca. O Tribunal considerou que "a sanação a posteriori da nulidade não se configura com uma solução arbitrária e desrazoável, ou seja, como um meio legal restritivo desproporcionado ou excessivo em relação aos fins prosseguidos". Reconhecendo que "até à validação da busca e podendo, entretanto, prosseguir a investigação com base nos resultados dessa diligência, existe um momento de incerteza sobre a verificação dos pressupostos legais da mesma diligência, com o aparente risco de vir a ser proferida uma decisão de não validação quando aqueles resultados já proporcionaram a obtenção de outras provas", entendeu-se, porém, que "mesmo neste caso - de hipotética não validação o [...] regime estabelecido no artigo 122.º do CPP assegura que os actos subsequentes sejam declarados inválidos se dependerem do acto que não obtém a necessária validação", e sendo certo que a outra hipótese - a da validação em acto ulterior - "nunca porá em causa as garantias de defesa do arguido".

A comunicação da efectivação da busca dentro do prazo de quarenta e oito horas (no presente caso, foi feita quarenta e uma horas e trinta minutos após a busca) não afecta a substancialidade do controlo judicial a posteriori que se teve por constitucionalmente devido, sendo certo que, como se referiu no Acórdão 192/2001, o risco de se terem entretanto colhido provas só possíveis por causa de uma busca que venha a ser considerada inválida é satisfatoriamente neutralizado graças ao regime do artigo 122.º do CPP, que estende a invalidade da busca aos actos dela dependentes.

2.4.2 - E, por outro lado, embora se possa considerar que seria "melhor direito" a exigência de uma pronúncia judicial autónoma e expressa sobre a validação da busca, entende-se que a validação implícita, desde que inequívoca, satisfaz capazmente os objectivos constitucionais: confirmar que estavam preenchidos os requisitos que permitiam a busca sem dependência de prévia autorização judicial.

No presente caso, resulta patentemente do despacho que validou a detenção do recorrente e lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva que foram considerados validamente obtidos e processualmente atendíveis os meios de prova obtidos na própria busca e na actuação investigatória subsequente do órgão de polícia criminal, pelo que constitui um pressuposto necessário destes juízos o entendimento de que a busca foi validamente efectuada. O controlo judicial a posteriori da validade da busca, constitucionalmente imposto, foi assim efectivamente efectuado, sendo destituída de fundamento a pretensão de, pela circunstância de não terem sido usadas fórmulas expressas, se considerar inexistente esse controlo. Ao que acresce que o juízo sobre a validade da busca, implícita mas inequivocamente manifestado no referido despacho, veio posteriormente a ser reafirmado, agora de forma explícita, quer no despacho que indeferiu a arguição de nulidade, quer no acórdão (ora recorrido) que negou provimento ao recurso interposto deste último despacho.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acorda-se em:

a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do n.º 5 do artigo 174.º e da parte final do n.º 2 do artigo 177.º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, efectuada busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem precedência de autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta e haver indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, é de quarenta e oito horas o prazo para a comunicação ao juiz de instrução da efectivação da busca e a decisão judicial da sua validação pode resultar, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão de validação da detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão preventiva; e, consequentemente b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 2 de Maio de 2007. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Rui Carlos Pereira - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1575213.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-09 - Acórdão 7/87 - Tribunal Constitucional

    Declara não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 108.º, n.º 2, alínea b); 135.º, n.os 2 e 3; 174.º, n.os 3 e 4; 177.º, n.º 2, com referência ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b); 178.º, n.º 3; 187.º, n.º 1; 190.º; 200.º; 250.º, n.º 3; 251.º, n.º 1; 252.º, n.º 3; 263.º; 270.º, n.º 1; 281.º, n.os 3 e 5, salvo, quanto a este último número, consequencialmente, na parte em que ele remete para o n.º 4; 286.º, e 337.º n.os 1, alínea a), e 3, e pronunciar-se pela inconstitucionalidade dos artigos (...)

  • Tem documento Em vigor 1989-07-22 - Acórdão 452/89 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade parcial, com força obrigatória geral, da norma do n.º 2 do artigo 81.º da parte III do Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana. Não declara a inconstitucionalidade das normas dos n.os 1, 2 (segmento sobrante) e 3 do artigo 81.º do mesmo Regulamento.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

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