Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Relatório. - José Manuel da Silva foi condenado, por Acórdão de 18 de Julho de 2000, como autor de três crimes continuados de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 172.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, nas penas de 1 ano e 9 meses de prisão por cada um, e de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa por três anos. Na sequência de recurso criminal apenas por ele interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que pedia a anulação do julgamento ("por violação dos princípios da continuidade da audiência e da defesa do arguido") e, subsidiariamente, a sua absolvição das indemnizações em que foi condenado (ou a redução dos respectivos montantes), foi, por Acórdão de 5 de Abril de 2001 do STJ, anulada a sentença, "por não ter apreciado questões que devia ter conhecido: (in)capacidade judiciária civil das demandantes e (ir)regularidade das queixas criminais", e, bem assim, a audiência de produção de prova que a antecedeu, "por não repetição da prova volvida ineficaz por excessiva descontinuidade da audiência".
Na sequência da anulação assim decretada e do novo julgamento realizado, foi, por Acórdão de 3 de Abril de 2002 do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Loulé, o arguido condenado, pela prática de três crimes de abuso sexual de menor na forma continuada, previstos e punidos pelos artigos 172.º, n.º 1, 30.º e 79.º do Código Penal, nas penas de 3 anos de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, tendo-lhe sido declarado perdoado 1 ano da pena de prisão nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei 29/99, de 12 de Maio, ficando tal pena reduzida a 3 anos e 6 meses de prisão, e tendo sido absolvido do último crime por que fora condenado no anterior acórdão.
Do novo acórdão condenatório interpôs o arguido recurso para o STJ, tendo na respectiva motivação, além de outra questão (ilegitimidade do Ministério Público e prescrição dos procedimentos criminais por as queixas apenas terem sido apresentadas, no prazo legal, pelas mães das vítimas, desacompanhadas dos pais destas), suscitado a questão da violação da proibição da reformatio in pejus, em termos assim sintetizados nas correspondentes conclusões:
"10.ª Tendo somente o arguido recorrido da decisão que o condenou e se na sequência desse recurso a audiência de prova vier a ser anulada, na nova audiência a que se proceda o arguido não poderá ser condenado em pena mais grave do que aquela que anteriormente lhe havia sido aplicada, sob pena de violação dos direitos e garantias fundamentais do arguido, consagrados nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República e 61.º, n.º 1, alínea h), do Código de Processo Penal, e ofensa do princípio da reformatio in pejus.
11.ª O princípio da reformatio in pejus constitui uma excepção ao regime dos efeitos das nulidades; isto é, em caso algum a sua declaração poderá conduzir a um agravamento da pena que haja sido aplicada ao arguido em julgamento anterior anulado.
12.ª A não se entender que não são procedentes a invocada ilegitimidade do Ministério Público e consequente prescrição do procedimento criminal e a invocada inconstitucionalidade por violação dos direitos e garantias do arguido e ofensa do princípio da reformatio in pejus, é entendimento do arguido que a pena que ora lhe foi aplicada é exagerada, uma vez que nesta 2.ª audiência de produção de prova provaram-se menos factos e menos crimes do que naquela que foi anulada, sendo certo que nesta o arguido havia sido condenado em 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, pelo que, a haver punição do arguido, a pena deve manter-se naqueles limites.
13.ª O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República, 178.º, n.os 1 e 2, e 113.º, n.os 3, 5 e 6, do Código Penal e 49.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP.
14.ª [...] O tribunal recorrido interpretou ainda o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República e 61.º, n.º 1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP no sentido de que tais disposições não serão violadas quando em novo julgamento na sequência de anterior anulado, o arguido é punido em pena mais grave do que no primeiro, quando, na verdade, a proceder-se deste modo estar-se-á a violar o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República e 61.º, n.º 1, alínea h), do CPP."
Por Acórdão do STJ de 9 de Abril de 2003, foi negado provimento ao recurso, tendo, quanto à questão da violação da proibição da reformatio in pejus, sido consignado o seguinte:
"E tendo-se na devida atenção que somente o arguido interpôs recurso do 1.º acórdão, como aliás ocorreu também em relação a este último, que agora se aprecia, não deixa de apresentar-se como de todo em todo significativamente relevante interrogarmo-nos sobre se, face ao disposto no artigo 409.º, n.º 1, do CPP, poderá ele ver a sua situação penalizada e agravada face à 1.ª decisão, não obstante a anulação do primeiro julgamento e a realização de um novo julgamento.
Ora é inquestionável, e de todo incontornável, que foi o próprio arguido quem 'quis' e 'provocou' a referida anulação, ao impugnar a 1.ª decisão, e sem dúvida que o fez no seu exclusivo interesse, na expectativa de poder vir a ser beneficiado com um novo julgamento.
Uma expectativa legítima, refira-se, mas que não passava disso mesmo, de uma mera expectativa, porquanto de modo nenhum podia ele ignorar, nem minimizar, os possíveis contornos e as eventuais sequelas do novo julgamento por si provocado e peticionado, natural e consequentemente não podendo deixar de equacionar e de ficcionar como possível, aceitando e admitindo uma outra produção de prova, uma outra qualificação dos factos, um outro juízo e uma outra decisão, punitiva ou absolutória.
Como, aliás, ocorreu no caso em apreço, com a sua absolvição do crime atinente à menor [...], e uma outra punição no que concerne às demais ofendidas.
E isto porquanto, no contexto concreto, lógico, natural e mesmo literal de toda e qualquer anulação, porque indexada a um apagamento e vinculada a um nada, face à inexistência de um qualquer referencial (condenação, absolvição, quantum da pena, etc.) que, subsistindo, preexistisse a esse novo julgamento e o condicionasse, não lhe era legítimo esperar que o tribunal não fosse livre na nova apreciação da prova e no emitir de um juízo, naturalmente novo e de modo nenhum predeterminado ou limitado pelo decidido no julgamento anterior, aliás anulado, sendo que a decisão então proferida efectiva e realmente desapareceu, inexistindo de todo em todo em si mesma, nos seus contornos e nos seus efeitos.
Até porque, havendo anulação, nada subsiste do anulado que se possa projectar no futuro, limitando ou condicionando.
Pelo que, o que se exara, é de todo incontornável que na situação em análise não vinga nem pode vingar o disposto no artigo 409.º, n.º 1, do CPP, não assistindo pois qualquer razão ao recorrente, sendo ainda de se acrescentar, sublinhando-se, que o princípio da proibição da reformatio in pejus, tal como lógica e naturalmente flúi do próprio preceito, economia do mesmo e sua expressão literal, e ainda de todo em todo resulta do seu próprio enquadramento sistemático (na parte dos recursos) e dos termos utilizados no todo da sua própria compreensão e extensão (' ... o tribunal superior não pode modificar ... '), não tem aplicação aquando da realização de um novo julgamento devido a anulação do anterior em recurso interposto só pelo arguido e no seu próprio interesse, mormente quando as razões que determinam tal anulação abarquem a decisão na sua globalidade e não apenas um qualquer quantum de pena ou uma parte limitada ou circunscrita da própria decisão.
Como no caso em apreço, diga-se, face ao Acórdão deste STJ de 5 de Abril de 2001 acima referenciado.
Pelo que, e concluindo, não nos merece qualquer censura ou reparo o acórdão ora em análise, onde, aliás, não se vislumbra ter existido violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da CRP, 178.º, n.os 1 e 2, 113.º, n.os 3, 5 e 6, do Código Penal e 49.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP, considerando-se, por outro lado, ajustadas, correctas, legais e equilibradas as penas parcelares aplicadas ao recorrente no quadro espácio-temporal e concreto da factualidade dada como apurada e já fixada, e relativa à autoria de três crimes continuados previstos e punidos pelos artigos 172.º, n.º 1, 30.º e 79.º do Código Penal, nos termos consignados no mesmo acórdão, bem como a pena única alcançada, que de todo em todo se mantêm."
Este acórdão tem aposto um voto de vencido (do conselheiro António Henriques Gaspar), quanto à questão ora em causa, do seguinte teor:
"2 - Não acompanho o decidido na parte em que se pronunciou, rejeitando-a, sobre a pretensão relativa à aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus.
Na compreensão que faço sobre este princípio e sobre o seu âmbito de intervenção, natureza e alcance, tal como acolhido no actual sistema de processo penal, encontro uma conformação do instituto com um conteúdo material de garantia, no sentido de maior intensidade e autonomia, assim se integrando na lógica estruturante do processo penal moderno e sob a inspiração dos princípios fundamentais do processo penal hoje geralmente aceites (cf., sobre a evolução do instituto da proibição da reformatio in pejus no século passado, sempre no sentido de maior intensidade de garantia, o parecer da Câmara Corporativa, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 180, pp. 103 e segs., e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I vol., 1974, pp. 259 e segs.
O princípio da proibição da reformatio in pejus é actualmente considerado como relevante constituto do processo justo (due process; fair trial), do processo equitativo, em que se integram também os recursos, e marcadamente conformado, na compreensão e dimensão, pela estrutura acusatória do processo (estrutura acusatória que é mesmo constitucionalmente imposta como garantia fundamental do processo criminal inscrita no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição).
E inteiramente ligado ao direito ao recurso, também com matriz constitucional como uma das garantias de defesa ('O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso' - artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, na redacção da revisão de 1997).
Na verdade, o princípio da acusação (subjacente à estrutura acusatória do processo), que comanda todo o processo, impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido (ou no interesse exclusivo deste) fiquem necessariamente limitados os parâmetros da decisão, estabelecendo-se com o recurso, em tais casos, uma vinculação intraprocessual, no sentido em que o poder de decisão está doravante intraprocessualmente condicionado à não alteração em desfavor do arguido.
A decisão, quando impugnada (unicamente) pelo arguido, constitui o limite do conhecimento ou da jurisdição do tribunal ad quem, e também por isso mesmo, para obviar à reformatio indirecta, limite à acusação, conformação, rectius, à jurisdição do tribunal de reenvio, nos casos de anulação ou de reenvio.
O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente (cf., v. g., José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, 2002, pp. 240 e segs., 436 e 658 e segs.).
O princípio do processo equitativo (enunciado nos artigos 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, e particularmente densificado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) também impõe que a proibição da reformatio in pejus seja avaliada e confrontada neste âmbito de compreensão: a lisura, o equilíbrio, a lealdade tanto da acusação como da defesa, que constituem, ao lado do contraditório, da igualdade de armas e da imparcialidade do tribunal, momentos de referência da noção de processo equitativo, impõem que o arguido, no caso de único recorrente e que usa o recurso como uma das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas, não possa ser, em nenhuma circunstância, surpreendido no processo com a decorrência de uma situação desequilibrante; o recurso, inscrito como meio de defesa, não pode, quando a acusação o não requerer, produzir, sem desconformidade constitucional, um resultado de gravame (neste sentido interpreto a doutrina subjacente à decisão do Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.os 499/97 e 498/98).
O princípio valerá, pois nenhuma razão material há para distinguir, tanto para a reformatio directa como para a indirecta, sendo, por isso, indiferente que o arguido tenha (ou também tenha) pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal.
3 - A inclusão sistemática na norma do artigo 409.º do CPP no regime dos recursos significa apenas que é aí o seu lugar de adequada inserção, porque a questão apenas se suscita no caso de interposição de recurso. Mas não significa que o princípio apenas constitua um princípio do recurso e não um princípio do processo (cf. Damião da Cunha, cit., pp. 654-658).
A interpretação que fez vencimento levou restritivamente ao pé da letra o artigo 409.º, n.º 1, do CPP, não atendendo aos princípios que conformam o instituto e necessariamente a interpretação sobre o âmbito da proibição, acabando por permitir, contra a equidade do processo e a estrutura acusatória (com o tribunal a substituir-se, porventura, à omissão ou à plena conformação da acusação), uma reformatio in pejus indirecta que a modelação substancial do instituto não permite.
E leva também a uma incoerência sistémica: permitir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento) o que não é permitido ao tribunal de recurso.
4 - Esta posição, exclusivamente centrada na interpretação dos princípios estruturantes do processo penal, e na consequente conformação do instituto da proibição da reformatio in pejus, não significa, como é manifesto, qualquer compromisso com a pena aplicada, que nesta interpretação não poderia ter sido modificada in pejus."
É contra este acórdão do STJ que vem interposto, pelo arguido, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), o presente recurso, pretendendo ver apreciada a questão da inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma do artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretada no sentido de não garantir ao arguido que a pena em que foi condenado não será agravada em novo julgamento a que se proceda por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido.
O recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
"1.ª O estatuído no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa de que '[o] processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso', significa que é o próprio processo que é garantia de defesa do arguido, pelo que até ao trânsito em julgado tudo é processo.
E sendo assim, quando uma decisão do tribunal superior anula uma audiência de julgamento, tal decisão não anula todo o processo mas apenas um seu acto, mantendo-se, assim, a dimensão fundamentalmente unitária dos direitos de defesa do arguido.
2.ª Consubstanciando o princípio da proibição da reformatio in pejus um direito e uma garantia de defesa do arguido, consagrado constitucionalmente, então ao arguido cabe exercitar todos esses direitos por forma livre e isenta de coacções ou temores, em ordem a fazer valer a sua liberdade posta em jogo por uma acusação do Ministério Público.
3.ª Por outro lado, sendo um direito de defesa válido para todo o processo, o princípio da proibição da reformatio in pejus jamais poderá ser prejudicado pela anulação de um primeiro julgamento.
4.ª E isto porque a pena anteriormente aplicada ao arguido (num primeiro julgamento) vincula o tribunal e constitui caso julgado parcial quanto à pena.
5.ª Sendo assim, em segundo julgamento a que se proceda por anulação do primeiro na sequência de recurso somente interposto pelo arguido, o tribunal não poderá condenar em pena mais grave que aquela que inicialmente lhe foi aplicada.
6.ª Ao proceder desta forma, como aconteceu nos presentes autos, o tribunal ofendeu de forma flagrante os direitos de defesa do arguido, violando o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
7.ª A interpretação que fez vencimento no acórdão do STJ recorrido levou estritamente ao pé da letra o artigo 409.º do CPP, não atendendo aos princípios que conformam o instituto da proibição da reformatio in pejus, conduzindo a uma incoerência sistémica que é a de permitir ao tribunal de reenvio (o do novo julgamento) o que não é permitido ao tribunal superior: agravar pena aplicada ao arguido quando só este recorre.
8.ª Tendo o Ministério Público se conformado com a pena que foi aplicada ao arguido no primeiro julgamento (que viria a ser anulado), o tribunal, ao aplicar ao arguido, em segundo julgamento, uma pena mais grave, está, também, a violar o princípio da acusação e a estrutura acusatória do processo penal, consagrada no mesmo artigo 32.º, n.º 5, da CRP.
9.ª Na verdade, quando seja necessária uma audiência de reenvio (na sequência de recurso interposto pelo arguido), o que se espera é que o Ministério Público faça valer os concretos pontos de vista, presentes na decisão judicial, que lhe mereceram concordância (pois caso contrário teria recorrido) e, por isso, sustente - enquanto o seu dever de objectividade lho permitir - aquela concreta decisão (e a pena nela estabelecida), que é o limite da sua actuação (da acusação em reenvio) e, do mesmo modo, do tribunal (Damião da Cunha, op. cit., p. 659).
10.ª O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 32.º, n.os 1 e 5, da CRP, pelo que tal decisão é materialmente inconstitucional."
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:
"1 - O disposto no artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal impede que, havendo recurso da decisão final apenas interposto pela defesa, possa o arguido ver a sua situação agravada pelo tribunal superior.
2 - Tendo apenas o arguido recorrido de uma decisão final proferida em primeira instância, sustentando e defendendo a anulação do julgamento, que viria a ser decretada, não subsiste qualquer vinculação, para o tribunal do novo julgamento, de não exceder, em caso de condenação, o limite da sanção que havia sido aplicada no julgamento anulado.
3 - A anulação decretada, por iniciativa exclusiva do arguido recorrente e a seu benefício, torna inexistente para todos os efeitos a decisão condenatória produzida, incluindo o quantum da pena que lhe havia sido aplicada.
4 - O âmbito da proibição da reformatio in pejus deve ser delimitado na conexão entre as garantias de defesa e a realização da justiça, não tendo havido lugar a qualquer interpretação da norma do n.º 1 do artigo 409.º do Código de Processo Penal que a inconstitucionalize face, designadamente, ao disposto no artigo 32.º, n.os 1 e 5, da lei fundamental.
5 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso."
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2 - Fundamentação. - 2.1 - O princípio da proibição da reformatio in pejus, apesar de não especificamente referido, de forma expressa, no texto da CRP, encontra óbvio suporte constitucional, como este Tribunal reconheceu no Acórdão 499/97, ao referir:
"A proibição da reformatio in pejus justifica-se fundamentalmente pela protecção das garantias de defesa (cf. parecer da Câmara Corporativa, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 180, 1968, pp. 103 e seguintes, no qual se discutem as várias posições doutrinárias sobre o fundamento jurídico da reformatio in pejus (cf. ainda Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, p. 259; Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967-1968, p. 36, e Bettiol, Instituições de Processo Penal, 1974, pp. 304-313). Na realidade, a proibição da reformatio in pejus foi referida no pensamento jurídico a fundamentações de natureza diversa, desde as que são baseadas na estrutura do processo penal (princípio do dispositivo para uns, estrutura do acusatório para outros) até às que assentam em razões valorativas substanciais (iniquidade) ou, até, em razões político-criminais (favor rei). A esse tipo de razões, que pretendiam justificar uma ampla proibição da reformatio, sempre que apenas houvesse recurso de defesa ou no seu interesse, contrapôs Delitala os valores de justiça limitativos da proibição da reformatio quando não estivesse apenas em causa impedir uma modificação dos critérios do já decidido, mas corrigir erros na aplicação do direito (cf. parecer citado, loc. cit., e ainda Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1994, p. 321).
Mas a conformação da proibição da reformatio in pejus, numa perspectiva jurídica que pondere globalmente todos os fins do sistema, não deve, na realidade, considerar apenas uma perspectiva de interesse do arguido, devendo, por isso, o âmbito da proibição ser delimitado na conexão entre as garantias de defesa e a realização da justiça.
Não decorre, obviamente, da Constituição uma proibição absoluta da reformatio in pejus, pois isso seria conflituante com o direito ao recurso da acusação e com a realização da justiça. Mas tem de ser garantida, num certo grau, a estabilidade das sentenças judiciais. A sua revogabilidade não pode ser referida a um plano de justiça absoluta, mas apenas ao plano do recurso e da recorribilidade (cf. Bettiol, ob. cit., p. 307). O próprio direito ao recurso pressupõe a verificação de requisitos determinados, os quais justificam uma reapreciação dos factos provados ou do direito aplicado dentro da matéria recorrida, sendo o recurso a emanação de um poder não ilimitado de controlo pelos tribunais superiores das decisões proferidas em 1.ª instância.
Ora, a proibição da reformatio in pejus é reclamada pela plenitude das garantias de defesa, quer porque a reformatio in pejus poderia surgir inesperadamente ou de modo insusceptível a ser contraditada pela defesa, quer porque restringiria gravemente as condições de exercício do direito ao recurso.
São, assim, princípios constitucionais, na sua concretização no sistema jurídico, que exigem a configuração de uma certa medida de proibição de reformatio in pejus."
Confrontado, quer no processo em que proferiu o citado Acórdão 499/97 quer naquele em que emitiu o Acórdão 498/98, com a questão de saber se a interpretação da norma do artigo 409.º, n.º 1, do CPP que admite a revogação pelo tribunal de recurso do perdão de pena concedido em 1.ª instância contraria as razões constitucionais para a proibição da reformatio in pejus, o Tribunal Constitucional, em ambos ao arestos, respondeu positivamente. Desde logo, entendeu não existir fundamento para subtrair a aplicação e a revogação de perdões e amnistias, como benefícios não invocáveis pelo arguido, ao contraditório e à estrutura acusatória do processo penal, como acontece quando se admite a revogação oficiosa de um perdão aplicado na 1.ª instância sem que essa aplicação tenha sido impugnada. E, além disso, considerou, decisivamente, que essa aplicação não devia ser subtraída aos mecanismos de recurso e, para o que importava no caso, às limitações dos poderes do tribunal de recurso, em causa na proibição da reformatio in pejus. Na verdade, as razões que militam a favor da proibição da reformatio in pejus - designadamente a tutela do direito ao recurso - valem, com igual força, quer a agravação das sanções resulte de um aumento das penas parcelares ou da pena unitária aplicada quer decorra da eliminação de uma atenuante ou da revogação de um perdão, não se vislumbrando qualquer razão para, sob o ponto de vista da protecção da possibilidade de recurso pelo arguido, tratar diversamente esta última hipótese de alteração em sentido desfavorável ao arguido (reformatio in pejus) das sanções constantes da decisão recorrida, admitindo a intervenção oficiosa do tribunal com o resultado objectivo de agravação das "sanções constantes da decisão recorrida" (na fórmula do artigo 409.º, n.º 1, do CPP) apenas por ela ter como fundamento a aplicação ilegal de um perdão de pena pelo tribunal recorrido - mas já não, por exemplo, a consideração, em violação da lei, de uma circunstância atenuante por aquele tribunal. Isto, desde que, obviamente, não exista recurso por parte da acusação ou que esse recurso haja sido interposto no exclusivo interesse do arguido.
Como se referiu no Acórdão 499/97, e o Acórdão 498/98 reiterou:
"[...] seria afectada a estrutura acusatória do processo se se desligasse a revogação da medida de graça do recurso da acusação e se atribuísse ao tribunal ad quem uma intervenção oficiosa com graves efeitos para a situação do arguido (cf. Castanheira Neves, ob. cit., p. 36).
Por outro lado, e decisivamente, o ponto de vista segundo o qual a aplicação das leis de amnistia estaria subtraída à proibição da reformatio in pejus afecta, claramente, o direito ao recurso, ainda que se admita o exercício do contraditório por meio diferente da via do recurso.
Com efeito, a possibilidade de uma revogação oficiosa de aplicação de uma amnistia ou um perdão no âmbito de um recurso accionado pela defesa [ou, dir-se-á, no exclusivo interesse da defesa] condiciona a interposição desse recurso pelo arguido de modo intolerável pois torna o profundamente arriscado, afectando, consequentemente, a possibilidade de realização da justiça no caso [...].
Não sendo concebível, no caso concreto, uma intervenção do tribunal superior sem que houvesse sido interposto recurso pela defesa [ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa, que se deve para efeito da reformatio in pejus equiparar ao recurso interposto pela defesa], a aceitação da revogação oficiosa da reformatio in pejus perverteria a função de tal recurso. Deste modo, o direito ao recurso, concebido como garantia de defesa consagrada no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, torna inviável, por si só, a reformatio in pejus oficiosa de uma decisão penal que aplicou um perdão. Mesmo que o contraditório fosse garantido, estaríamos perante uma inconstitucionalidade material por violação da referida garantia de defesa."
Concluiu, assim, o Tribunal Constitucional que a norma do artigo 409.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual a proibição da reformatio in pejus aí prevista não abrange a agravação das sanções constantes da decisão recorrida resultante da revogação do perdão de pena concedido pela 1.ª instância, é inconstitucional, por violação do princípios da plenitude das garantias de defesa, da garantia da estrutura acusatória do processo e do direito ao recurso consagrados no artigo 32.º, n.os 1 e 5, da CRP.
Posteriormente, no Acórdão 291/2000, que, em generalização dos juízos de inconstitucionalidade constantes dos Acórdãos n.os 135/99, 324/99 e 522/99, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, da norma do artigo 440.º, n.º 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, na parte em que afasta a proibição da reformatio in pejus, prevista no n.º 1, quando o promotor de justiça junto do tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo, pela agravação da pena aplicada ao arguido recorrente, o Tribunal Constitucional considerou como parâmetros constitucionais violados quer especificamente o direito ao recurso, hoje formalmente previsto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, mas que decorria já da consagração do princípio da plenitude das garantias de defesa, quer, mais genericamente, estas mesmas garantias de defesa. Quanto ao primeiro fundamento, reconheceu que "a faculdade de recorrer das decisões condenatórias é claramente condicionada num sistema em que a opção do arguido pelo recurso implica um sério risco de prejuízo para a sua situação jurídico-penal"; na verdade, "um arguido que sabe que a sua pena pode vir a ser agravada se interpuser recurso tenderá a evitar o exercício do direito que lhe cabe", o que constitui "razão bastante [...] para que se aceite que a norma impugnada viola nitidamente o direito ao recurso, ao admitir a reformatio in pejus perante um recurso interposto apenas pelo arguido". Mas acrescentou-se que "também pelo directo apelo à consagração constitucional destas garantias de defesa, mesmo sem autonomização do direito ao recurso, se poderia chegar à mesma conclusão" [citando-se, neste sentido, os Acórdãos n.os 55/85, 61/88, 499/97, 498/88 e 135/99, e a posição crítica de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, pp. 260-262) em relação ao artigo 667.º, § 1.º, n.º 2, do Código de Processo Penal de 1929, na redacção resultante da Lei 2139, de 14 de Março de 1969], fazendo, assim, decorrer a proibição da reformatio in pejus do n.º 1 do artigo 32.º da CRP - "fonte autónoma de garantias de defesa" -, uma vez que tais "garantias constitucionalmente estabelecidas impõem, nesta matéria, uma limitação à efectivação do poder punitivo do Estado (para o dizer como no Acórdão 324/99)".
2.2 - Recordada a jurisprudência mais relevante do Tribunal Constitucional sobre os fundamentos constitucionais do princípio da proibição da reformatio in pejus, que, como se acabou de assinalar, não se cingem à consideração do direito de recurso, mas se baseiam, mais amplamente, na plenitude das garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar, cumpre agora assinalar que a jurisprudência mais recente do STJ tem adoptado orientação contrária à seguida no acórdão ora recorrido, aderindo antes à posição sustentada no voto de vencido aposto a este acórdão, acima transcrito.
Nesta linha se inserem os Acórdãos de 8 de Julho de 2003, processo 2616/03, de 27 de Novembro, processo 3393/03, e de 17 de Fevereiro de 2005, processo 4324/04 (todos com texto integral disponível em www.dgsi.pt/jstj), cuja doutrina foi assim sumariada:
"1 - Decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente.
2 - Tal compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
3 - O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso."
No referido Acórdão de 8 de Julho de 2003, tal entendimento foi fundamentado com base nas seguintes considerações:
"Considera-se que integra hoje o processo justo, o processo equitativo, marcadamente conformado, na compreensão e dimensão, pela estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente - artigo 32.º, n.º 5 -, em que se integram também os recursos, igualmente com matriz constitucional como uma das garantias de defesa - artigo 32.º, n.º 1.
O princípio da acusação, subjacente à estrutura acusatória do processo, impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem necessariamente limitados os parâmetros da decisão, estabelecendo-se com o recurso, em tais casos, uma vinculação intraprocessual, no sentido de que fica futuramente condicionado intraprocessualmente o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
Nesse caso, a decisão constitui o limite do conhecimento ou da jurisdição do tribunal ad quem, e também por isso mesmo, para obviar à reformatio indirecta, limite à acusação, conformação, rectius, à jurisdição do tribunal de reenvio, nos casos de anulação ou de reenvio.
O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente (cf., v. g., José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial - Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, 2002, pp. 240 e segs., 436 e 658 e segs.).
Como se escreve no referido voto de vencido [do conselheiro Henriques Gaspar no acórdão ora recorrido], 'o princípio do processo equitativo (enunciado nos artigos 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e particularmente densificado pela jurisprudência da Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) também impõe que a proibição da reformatio in pejus seja avaliada e confrontada neste âmbito de compreensão: a lisura, o equilíbrio, a lealdade tanto da acusação como da defesa, que constituem, ao lado do contraditório, da igualdade de armas e da imparcialidade do tribunal, momentos de referência da noção de processo equitativo, impõem que o arguido, no caso de único recorrente e que usa o recurso como uma das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas, não possa ser, em nenhuma circunstância, surpreendido no processo com a decorrência de uma situação desequilibrante; o recurso, inscrito como meio de defesa, não pode, quando a acusação o não requerer, produzir, sem desconformidade constitucional, um resultado de gravame (neste sentido interpreto a doutrina subjacente à decisão do Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.os 499/97 e 498/98)'.
A esta compreensão do princípio é indiferente que o arguido tenha (ou também tenha) pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso.
A circunstância de a norma que contém a proibição da reformatio in pejus se situar no domínio dos recursos só significa que, como se viu, esse problema só surge no âmbito dos recursos, o que lhe não retira o carácter de princípio processual (cf. Damião da Cunha, ob. cit., pp. 654-658)."
A problemática subjacente a esta orientação jurisprudencial foi desenvolvida no estudo de Jorge Dias Duarte, "Proibição de reformatio in pejus, Consequências processuais" (Maia Jurídica - Revista de Direito, ano I, n.º 2, Julho-Dezembro de 2003, pp. 205-221), em que se concluiu que: "a actual compreensão do processo penal como um processo equitativo, em que está constitucionalmente consagrada a estrutura acusatória do processo, com pleno relevo do princípio da acusação, implica o entendimento da proibição de reformatio não, apenas, como um princípio dos recursos mas como um princípio de todo o processo; de tal compreensão resulta nítida a conclusão de que, interposto recurso apenas pelo arguido (ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido), tal recurso estabelece um limite à actividade jurisdicional do tribunal ad quem, que, assim, não poderá alterar a decisão em desfavor do arguido (repete-se, único) recorrente; tal limite será plenamente operante mesmo para os casos em que o arguido tenho suscitado uma questão que implique a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, que não poderá(ão) condenar em pena mais grave do que aquele que é posta em causa no recurso, pois esta é, aliás, a única forma a obviar à possibilidade da reformatio indirecta, isto é, consiste na única forma de impedir que o tribunal do novo julgamento ou de reenvio tenho mais poderes que o tribunal de recurso não tinha".
2.3 - Entende-se, com efeito, que as razões que têm estado subjacentes à jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente à proibição da reformatio in pejus, referenciada no n.º 2.1, implicam que, também no presente caso, se emita um juízo de inconstitucionalidade, quer com base em específica violação do direito de recurso quer fundada numa mais abrangente consideração da plenitude das garantias de defesa.
Na verdade, é igualmente inibidora do exercício do direito de recurso a possibilidade de, embora por via indirecta (na sequência de anulação do primeiro julgamento), o arguido, em situações em que é o único recorrente (ou na situação equiparada de o Ministério Público interpor recurso no exclusivo interesse da defesa), ver, a final, a sua posição agravada com uma condenação mais pesada do que a inicialmente infligida, apesar de o Ministério Público se haver conformado com esta.
O entendimento da proibição da reformatio in pejus não apenas como dirigida ao tribunal de recurso, mas antes como um princípio geral do processo criminal, encontra a sua base constitucional na conjugação da plenitude das garantias de defesa, do princípio do acusatório e das exigências do processo equitativo.
Nem se diga - como o fez o acórdão recorrido - que não se justificaria esta especial protecção do arguido em casos, como o presente, em que foi ele próprio que, no recurso interposto da decisão condenatória, sugeriu a anulação do julgamento, pelo que "foi o próprio arguido quem 'quis' e 'provocou' a referida anulação", e que "de modo nenhum podia ele ignorar, nem minimizar, os possíveis contornos e as eventuais sequelas do novo julgamento por si provocado e peticionado, natural e consequentemente não podendo deixar de equacionar e de ficcionar como possível, aceitando e admitindo, uma outra produção de prova, uma outra qualificação dos factos, um outro juízo e uma outra decisão, punitiva ou absolutória". É que a extensão da proibição da reformatio in pejus a casos de anulação do julgamento justifica-se justamente para possibilitar um exercício do direito de recurso pelo arguido, em situações em que o Ministério Público se conformou com a primeira condenação, sem as inibições e os constrangimentos que resultariam do risco de o arguido ver a sua posição agravada, sendo, para este efeito, indiferente que tal agravamento resulte directamente da exasperação da condenação operada pelo tribunal de recurso, quer, indirectamente, da prolação de condenação mais pesada em novo julgamento determinado pela anulação do primeiro.
3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido; e, consequentemente,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Março de 2007. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Rui Manuel Moura Ramos.