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Acórdão 232/2007, de 23 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na medida em que, consagrando uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processo de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não prevê para os que sejam patrocinados por advogado

Texto do documento

Acórdão 232/2007

Processo 1015/06

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Setúbal interpôs, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, recurso para este Tribunal da decisão proferida em 6 de Novembro de 2006 pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, nos autos de processo especial por acidente de trabalho em que figura como sinistrado Luís António Rosado Calhau, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade material, a aplicação da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, "na medida em que, consagrando embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processos de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado", por a entender violadora do "princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição". Pode ler-se nessa decisão:

"Consagra o artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do CCJ, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, uma situação de isenção de custas para os sinistrados em acidente de trabalho, quando representados ou patrocinados pelo Ministério Público.

Solução esta consideravelmente diversa da anterior, porquanto a versão do CCJ aprovada pelo Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro, concedia, no respectivo artigo 2.º, n.º 1, alínea l), tal isenção a todos os sinistrados em acidente de trabalho, fossem eles patrocinados, ou não, pelo Ministério Público.

O preâmbulo do Decreto-Lei 324/2003 afirma a intenção de redução das situações de isenção de custas, consagrando 'o princípio geral de que, salvo ponderosas excepções, todos os sujeitos processuais estão sujeitos ao pagamento de custas, independentemente da sua natureza ou qualificação jurídicas e desde que possuam capacidade económica e financeira para tal, sendo as excepções a esta regra equacionadas, sem qualquer prejuízo para os interessados, em sede de apoio judiciário'.

Sendo esta a justificação para a redução das situações de isenção de custas - sendo que o próprio Estado e demais entidades públicas também se viram privados de tal benesse - dificilmente se compreende a diferenciação consagrada no novo artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do CCJ.

Certo que se pode alegar uma diferente (inferior) capacidade económica dos sinistrados patrocinados pelo MP, aliada à função social da isenção concedida.

No entanto, não se pode presumir, sem mais, a inferior capacidade económica dos representados ou patrocinados pelo MP, tanto mais que o próprio preâmbulo afirma que o local adequado de tratamento dessa questão reside no regime do apoio judiciário. Com efeito, poderemos ter sinistrados com boa ou razoável capacidade económica beneficiando de isenção de custas, simplesmente porque se aperceberam que serão patrocinados, gratuitamente, pelo MP, enquanto que teremos sinistrados com menor capacidade económica que, optando pela constituição de um advogado da sua confiança, se verão confrontados com a obrigação de pagamento de custas.

Por outro lado, a presunção de uma (eventual) situação de maior carência económica por parte dos sinistrados, subjacente à isenção consagrada quando representados pelo Ministério Público, não se compatibiliza com a solução para as demais acções laborais (não infortunísticas) em que o trabalhador, não obstante esse patrocínio, não goza de idêntica isenção.

Esta circunstância leva-nos a concluir que, na verdade, não será essa presumida incapacidade económica a razão justificativa da isenção consagrada no preceito em questão.

A ratio do preceito apenas poderá assentar na natureza dos interesses em discussão nos processos emergentes de acidente de trabalho, de natureza não apenas privada, mas também pública (atente-se que se está perante direitos de natureza indisponível e processos de natureza obrigatória) e na função social dessa isenção, natureza e função essas que se verificam, de igual modo, quer nos sinistrados patrocinados pelo Ministério Público quer nos patrocinados por mandatário judicial.

Note-se que o processo especial emergente de acidente de trabalho visa, também, o restabelecimento do estado de saúde do sinistrado, a sua recuperação para a vida activa e a reparação da perda da sua capacidade de trabalho (e, consequentemente, da sua capacidade económica).

Ou seja, e considerando a ratio da referida isenção, não vemos, na verdade, que a mesma constitua diferente e válida justificação do diferente tratamento legal concedido pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do CCJ. Não se nega que o Estado tem o direito de exigir o pagamento de custas judiciais, restringindo substancialmente as situações de isenção, e relegando todas as situações de insuficiência económica para o regime do apoio judiciário. No entanto, ao conceder isenções de custas, deverá sempre fazê-lo em situação de igualdade, de modo que pessoas na mesma situação jurídica recebam o mesmo tratamento.

Acresce que, atento o interesse não apenas privado ou particular do sinistrado em acidente de trabalho, mas também o de natureza ou ordem pública que lhe subjaz e de onde decorre, designadamente, a indisponibilidade dos respectivos direitos e a obrigatoriedade de acção, mal se compreenderia (nem se compatibilizaria) que, por falta de cumprimento da legislação sobre custas, designadamente no que se reporta à omissão de pagamento de taxas de justiça inicial e subsequente, pudesse ver-se inviabilizado o andamento ou prosseguimento de acção, declarativa ou executiva (cf., quanto a esta, designadamente, o disposto no artigo 90.º, n.º 4, do CPTrabalho), emergente de acidente de trabalho.

O princípio da igualdade constitucionalmente consagrado não impede um diferente tratamento perante situações diferentes; no entanto, impede tal diferença relativamente a situações idênticas ou que assentam em análogos pressupostos.

Afigura-se-nos, pois, que a norma constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do CCJ, na sua redacção actual, na medida em que, consagrando embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processos de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.

Deste modo, recusando o segmento daquela norma, que concede a isenção de custas apenas aos sinistrados 'representados ou patrocinados pelo Ministério Público', concedo a isenção de custas peticionada pelo sinistrado, com dispensa da respectiva taxa de justiça."

Lê-se no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:

"O Ministério Público vem, nos autos acima identificados, ao abrigo do disposto no artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso do despacho proferido em 6 de Novembro de 2006, constante de fl. 13 a fl. 15 dos autos, para o Tribunal Constitucional.

Aquela decisão é recorrível por efeito da aplicação do artigo 70.º, alínea a), da citada Lei 28/82, de 15 de Novembro - pois recusa a aplicação de norma legal com fundamento em inconstitucionalidade.

A norma cuja aplicação se recusa é a do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro."

2 - No Tribunal Constitucional foi determinada a produção de alegações, concluindo o representante do Ministério Público:

"1 - Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada. - O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da decisão, proferida pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, nos autos de processo especial por acidente de trabalho em que figura como sinistrado Luís António Rosado Calhau, que desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade material, decorrente de violação do princípio da igualdade, a norma decorrente do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei 324/2003, enquanto nele se determina a sujeição a custas dos sinistrados em processos de acidente de trabalho, desde que não patrocinados no processo pelo Ministério Público.

Sobre questão análoga à dos autos pendem os processos n.os 602/06, da 2.ª Secção, e 962/06, da 3.ª Secção.

A versão anterior do Código das Custas Judiciais estabelecia que os sinistrados em acidente de trabalho beneficiavam da isenção subjectiva prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea l); porém, a versão actualmente em vigor, aprovada pelo Decreto-Lei 324/2003, reformulou tal regime, apenas prevendo a dita isenção subjectiva para os sinistrados em acidente de trabalho 'quando representados ou patrocinados pelo Ministério Público': não sendo esta, como se referiu, a situação processual dos autos, o decaimento do trabalhador requerente levaria a que devesse suportar as custas da eventual sucumbência na acção para efectivação da responsabilidade emergente de acidente de trabalho.

Afigura-se que, em rigor, podem formular-se duas questões de inconstitucionalidade em torno do regime legal desaplicado na decisão recorrida:

Será violadora de alguma norma ou princípio constitucional - acesso à justiça e direito à assistência e justa reparação dos sinistrados - a eliminação da isenção subjectiva outrora concedida ao trabalhador/sinistrado em termos absolutos, isto é, independentemente da forma como se apresenta a litigar (por si, através de mandatário ou mediante actuação do Ministério Público)?

Violará o princípio da igualdade a disparidade de tratamento, quanto a custas que a lei vigente estabelece, conforme o trabalhador seja ou não representado ou patrocinado pelo Ministério Público?

Começando por este parâmetro, afigura-se que - ao contrário do que se decidiu no despacho recorrido - não pode considerar-se solução arbitrária ou discricionária a que se traduz em isentar de custas o trabalhador/sinistrado nos casos em que o mesmo seja representado ou patrocinado pelo Ministério Público.

Trata-se, afinal, de manter, nesta sede, um regime idêntico ao que há muito vigorava em sede de representação de incapazes e ausentes, estabelecendo a versão anterior à actual do Código das Custas Judiciais uma isenção subjectiva de custas para os incapazes ou pessoas equiparadas, representados pelo Ministério Público [artigo 2.º, n.º 1, alínea i)] - e que o legislador, ao editar o actual Código das Custas Judiciais, tratou de eliminar, ao restringir a isenção subjectiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a)] ao Ministério Público, nas acções 'em que age em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei'.

O fundamento substancial desta isenção - estabelecida a favor de pessoas a que o Estado deve especial protecção - é facilmente explicável, pretendendo o legislador obstar a que tais pessoas - a que o Estado deve particular assistência e protecção - possam ser oneradas em função do eventum litis, do resultado da acção, eventualmente ligado à própria eficácia da actuação processual do Ministério Público. Não sendo naturalmente fácil determinar em que medida é que o eventual decaimento do representado ou patrocinado na causa pelo Ministério Público se pode dever a circunstâncias fortuitas ou a uma actuação processual, porventura deficiente ou menos eficaz, do próprio Ministério Público representante, terá o legislador avisadamente considerado que, nestes casos, se não justificaria onerar o incapaz (ou, no caso dos autos, o trabalhador/sinistrado) com as custas inerentes ao eventual decaimento numa causa iniciada pelo Ministério Público e cuja actividade processual foi suportada plenamente na actuação de um órgão do próprio Estado, o qual iria embolsar as custas correspondentes à improcedência, total ou parcial, da pretensão deduzida.

A circunstância de certa parte ser ou não representada ou patrocinada no processo por um órgão do Estado - que, além de prosseguir directamente o interesse público, deve zelar pelos interesses das pessoas a que o Estado deve (até constitucionalmente) protecção - não pode considerar-se um factor irrelevante no que toca à eventual dispensa de tributação em custas - afigurando-se-nos, nesta perspectiva, perfeitamente conforme aos princípios constitucionais o regime que dispensa o trabalhador/sinistrado do pagamento de custas quando seja o Ministério Público a actuar processualmente no seu interesse (e sendo certo que, a nosso ver, tal actuação processual visa realizar não apenas o interesse subjectivo do trabalhador sinistrado, mas o próprio interesse - objectivo e público - na tutela e assistência adequada às vítimas de acidentes laborais).

Mais duvidosa é a questão de constitucionalidade consubstanciada na eliminação legal da isenção subjectiva que, desde sempre, vigorava para os trabalhadores - vítimas de acidentes laborais, mesmo que não representados judiciariamente pelo Ministério Público.

É certo que - vendo as coisas apenas na óptica do direito de acesso à justiça - nada obstaria a que os sinistrados - que, em regra, estarão em situação de manifesta carência económica, como consequência da privação da capacidade laboral - pudessem requerer o apoio judiciário, nos termos gerais, obtendo por essa via a dispensa do pagamento das custas que fossem devidas: afigura-se, porém, que a oficiosidade e informalidade que sempre caracterizaram o processo por acidente laboral - de natureza 'obrigatória' e versando sobre direitos até certo ponto 'indisponíveis', como nota a decisão recorrida - são dificilmente conciliáveis com o ónus de (sem qualquer prévia advertência) o trabalhador/sinistrado ter de requerer atempadamente à segurança social o reconhecimento da situação de carência económica que o afecta, como condição para alcançar a dispensa do pagamento das custas originadas por um possível decaimento no processo.

Não nos parece que tal solução legal - assente decisivamente na eliminação da isenção subjectiva de que justificadamente beneficiava o trabalhador/sinistrado - seja compatível com o direito fundamental de assistência e justa reparação que o artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa concede aos trabalhadores que sejam vítimas de acidente laboral.

Na verdade, tal direito à assistência e justa reparação - para além do eventual patrocínio oficioso pelo Ministério Público - deve conduzir a que se não faça recair desproporcionadamente sobre o sinistrado o risco de decaimento, decorrente da improcedência do pedido formulado - levando o Estado a cobrar custas, quando está em causa o interesse do sinistrado, a quem é devida uma especial e particular protecção e, por essa via, inibindo-o de exercitar o seu direito à justa reparação.

Tal norma constitucional impõe ao Estado a criação - manutenção - de instrumentos que assegurem uma adequada assistência e justa indemnização aos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho tendo a jurisprudência constitucional extraído consequências relevantes de tal princípio, nomeadamente em sede de admissibilidade ou inadmissibilidade de remição de pensões.

Desde logo, será instrumento relevante deste 'direito à assistência' a possibilidade de ser requerida a actuação processual pertinente ao órgão do Estado encarregado de zelar pelos direitos e interesses das pessoas a quem o Estado deve protecção.

Não podendo, porém, impor-se aos trabalhadores sinistrados o 'monopólio' ou exclusividade da sua representação judiciária através do Ministério Público (cf. Acórdão 190/92), será incompatível com tal direito fundamental à assistência e justa reparação a pretensão de passar a tributar os processos de acidente de trabalho quando o trabalhador opte por exercitar pessoalmente o que supõe ser o seu direito, prescindindo do patrocínio ou representação através do Ministério Público - colocando-o em risco de ter de suportar as custas, sempre que a pretensão deduzida não venha a obter total provimento.

2 - Conclusão. - Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:

1 - É materialmente inconstitucional, por violação do direito à assistência e justa reparação devida aos trabalhadores, vítimas de acidente laboral, o regime normativo, constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais em vigor, segundo o qual não goza da isenção subjectiva o trabalhador sinistrado, não representado ou patrocinado pelo Ministério Público, que - não tendo requerido oportunamente apoio judiciário - venha a decair em processo emergente de acidente de trabalho.

2 - Termos em que deverá, embora por diferente fundamento jurídico-constitucional, confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida."

Por sua vez, conclui o recorrido:

"a) O Código de Custas Judiciais, ao limitar a isenção subjectiva de custas concedida aos sinistrados num acidente de trabalho àqueles que sejam patrocinados pelo Ministério Público, viola o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da Constituição da República.

b) Já que nenhuma razão razoável e lógica se vislumbra, à luz dos princípios constitucionais, para restringir tal benefício apenas a uns sinistrados do trabalho, retirando-o a outros, quando é certo que se encontram todos numa mesma situação de crise pessoal e social e com a mesma indispensabilidade de recurso aos tribunais.

c) Por outro lado, a disposição do Código de Custas Judiciais em causa, ao estabelecer como traço distintivo de atribuição da isenção subjectiva de custas o facto de se estar ou não representado pelo Ministério Público, vem também limitar a liberdade de escolha de patrocínio, pois sobrecarrega com um ónus material, que ao outro isenta, o patrocínio por advogado, condicionando, assim, inequivocamente, o exercício de tal liberdade.

d) Por tal, o segmento da referida disposição legal no segmento em que restringe só aos sinistrados patrocinados pelo Ministério Público o benefício de isenção de custas, para além de violar o princípio da igualdade, violenta ainda o princípio da livre escolha de patrocínio por advogado, inscrito no n.º 2 do artigo 20.º da Constituição da República.

e) Desse modo, a douta decisão recorrida não merece qualquer censura pelo facto de ter desaplicado, por considerá-lo materialmente inconstitucional, o segmento da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código de Custas Judiciais, que limita a isenção subjectiva de custas nela fixadas aos sinistrados laborais que estejam representados pelo Ministério Público.

Termos em que deve ser confirmada a douta decisão recorrida no seu julgamento sobre a inconstitucionalidade material daquele preceito, como é de justiça."

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos

3 - A questão que se discute no presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é a da conformidade constitucional da norma extraída da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, "na medida em que, consagrando embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processo de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado", com o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Ora, sobre questão substancialmente idêntica à ora em apreço já se pronunciou o Tribunal Constitucional. Com efeito, pelo Acórdão 109/2007, tirado em 15 de Fevereiro de 2007, no processo 602/06, da 2.ª Secção, este Tribunal decidiu no sentido da inexistência de inconstitucionalidade naquele artigo 2.º, n.º 1, alínea e), na dimensão em causa [tendo igualmente apreciado a norma extraída dos artigos 8.º, alínea d), e 2.º, n.º 1, alínea e), a contrario, ambos do Código das Custas Judiciais, enquanto estabelece sempre o valor da pensão anteriormente fixada como critério de determinação do valor das custas do incidente de revisão de incapacidade, nos casos em que o trabalhador sinistrado, não patrocinado pelo Ministério Público, não haja formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido agravamento da incapacidade - norma que não vem impugnada no presente recurso]. Esse Acórdão 109/2007 teve, na parte que ora interessa, os seguintes fundamentos:

"[...]

4 - Centremo-nos, para já, no confronto da norma referida [a norma extraída das disposições conjugadas dos artigos 8.º, alínea d), e 2.º, n.º 1, alínea e), a contrario, ambos do Código das Custas Judiciais, na medida em que prevêem a condenação em custas do trabalhador não patrocinado no processo pelo Ministério Público no incidente de revisão de incapacidade e que não haja formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido agravamento da incapacidade, considerando então como valor do incidente o valor da pensão anteriormente fixada] com o princípio da igualdade, que constitui um dos fundamentos do juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida - assente, recorde-se, na violação da 'imposição constitucional da igualdade de tratamento (artigo 13.º, n.º 2, da CRP), além da violação do direito à assistência das vítimas de acidente de trabalho [artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP] e da igualdade de exercício do patrocínio forense enquanto essencial à administração da justiça (artigo 208.º da CRP)'.

Entende-se, porém, que a isenção de custas do trabalhador sinistrado, nos casos em que o mesmo seja representado pelo Ministério Público (não sendo esta, advirta-se, a situação dos autos), não viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, na comparação entre os trabalhadores que beneficiam do patrocínio do Ministério Público em contraste com os que dele não beneficiam.

Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, 'o princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infra-constitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado'; mas 'tal não significa [...] que não exista uma certa margem de liberdade na conformação legislativa das várias soluções concretamente consagradas, e até que não se reconheça a possibilidade de o legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma solução que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos semelhantes', desde que seja 'identificável um outro valor, também ele com ressonância constitucional, que imponha ou, pelo menos, justifique e torne razoável a diferenciação' (cf. Acórdão 113/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 24 de Abril de 2001).

Ora - pode dizer-se -, o patrocínio do Ministério Público tem características que o distinguem do patrocínio por advogado ou da não constituição de advogado, uma vez que o Ministério Público exerce um papel legalmente vinculado, por um lado, à defesa das pessoas a que o Estado deve, por imperativo constitucional, especial protecção e, por outro, aos critérios de legalidade e objectividade que são suporte de toda a sua actividade, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público.

Onde, a propósito do regime de custas nos tribunais, deverão relevar situações diferenciadas, objectiva ou subjectivamente, hão-de ser estabelecidas, por opção do legislador, no exercício da sua liberdade de conformação (e com respeito pelo princípio da igualdade), as excepções ao princípio geral de que os sujeitos processuais estão sujeitos ao pagamento de custas. Correspondendo ou não à melhor solução - aspecto que não cabe ao Tribunal Constitucional avaliar -, a distinção de tratamento do trabalhador, consoante se apresente ou não representado pelo Ministério Público, é, assim, susceptível de encontrar um fundamento razoável, justamente, nos parâmetros que devem guiar a actuação deste último.

5 - Suscita-se, também, a questão da conformidade com outras normas e princípios constitucionais da eliminação da isenção do pagamento de custas por parte do trabalhador sinistrado que, pessoalmente ou através de mandatário, requer incidente de revisão da sua incapacidade, não o fazendo, portanto, representado pelo Ministério Público. Atente-se que, no presente caso, não está em causa tal eliminação, em geral, nas causas emergentes de acidente de trabalho, mas tão-só a tributação nas custas originadas pelo decaimento no incidente de revisão da incapacidade requerido pelo trabalhador sinistrado, não representado pelo Ministério Público.

O Ministério Público sustentou, neste Tribunal, que a norma questionada é inconstitucional, na medida em que o trabalhador não patrocinado pelo Ministério Público no incidente de revisão de incapacidade, e que não haja formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido agravamento da incapacidade, é condenado em custas tendo sempre por base, enquanto valor do incidente, o valor da pensão anteriormente fixada, já que esta norma violaria o direito dos trabalhadores, vítimas de acidente laboral, a 'assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional', consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.

Entende-se, porém, que tal imputação de inconstitucionalidade é improcedente quanto à questão da eliminação da isenção de custas em si mesma, e mesmo não tendo esta questão de ser decidida com base no facto de os representados pelo Ministério Público se encontrarem, ou não, via de regra, em situação de carência económica (para o que, aliás, o instituto mais adequado é o do apoio judiciário).

Na verdade, de entre as características do patrocínio do Ministério Público num processo como aquele que está em causa ressalta a circunstância de esse patrocínio ser subsidiário, significando isso que só é exercido se e enquanto o trabalhador sinistrado não constituir advogado, seja através de mandato seja através do recurso à nomeação de patrono oficioso através do mecanismo do apoio judiciário (cf. Acórdão 190/92, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Agosto de 1992, que julgou inconstitucional a norma do artigo 8.º do Código de Processo do Trabalho, interpretada no sentido de não ser legalmente possível a nomeação de advogado oficioso em processo de trabalho).

Em casos como o dos presentes autos, em que estamos perante um incidente de revisão de incapacidade porque o estado clínico do trabalhador vítima do acidente de trabalho se alterou para pior, a legitimidade activa cabe ao trabalhador sinistrado (neste sentido, v. Cecília Meireles, 'Processo de acidentes de trabalho - os incidentes - ideias para debate', Centro de Estudos Judiciários, Prontuário de Direito do Trabalho, Coimbra Editora, Setembro-Dezembro de 2004, p. 92), pelo que o Ministério Público assume o patrocínio caso este lho solicite.

Ora, tendo o trabalhador, ainda que por omissão (voluntariamente) escolhido não solicitar ao Ministério Público que assuma o patrocínio, a aplicação da regra geral de que as custas devem ser suportadas pela parte que a elas houver dado causa, consagrada no artigo 446.º do Código de Processo Civil, não pode logo, só por si, considerar-se violadora do direito dos trabalhadores, vítimas de acidente laboral, a 'assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional'.

A respeito deste direito fundamental, afirmou-se no Acórdão 599/04 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):

'[...]

A norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, prevendo um direito (com a configuração dos direitos económicos, sociais e culturais), não contém uma garantia de um direito a uma prestação por parte do Estado, em todos os casos de acidentes de trabalho ou doença profissional. Aquele está vinculado a prever, por via legislativa, a obrigação de reparação e a assistência, nestes casos, por parte da entidade patronal (ou de outra entidade que se lhe substitua), podendo, mesmo, admitir-se que a introdução de um sistema de garantia estatal do pagamento das referidas indemnizações por acidentes de trabalho resulta, ainda, da satisfação deste dever de protecção.

Mas o âmbito deste sistema de garantia podia ser determinado pelo Estado, em consonância com a avaliação das respectivas possibilidades e das necessidades [...]. Isto, em consonância com a subordinação da concretização dos direitos sociais em questão a uma apreciação, de natureza fundamentalmente política, dos meios disponíveis e das necessidades existentes (como se exprime na fórmula da sujeição desses direitos a uma reserva do possível).'

Neste sentido, também a não isenção de custas do trabalhador, vítima de acidente de trabalho, que optou por dar origem ao incidente de revisão de incapacidade sem estar representado pelo Ministério Público estaria ainda dentro do âmbito da liberdade de conformação do legislador.

É certo que o preceito da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição impõe ao Estado a criação de instrumentos que assegurem uma adequada assistência e uma justa reparação aos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho - cf. o Acórdão 150/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, em que se ponderou que a existência de um regime excepcional de responsabilidade civil no que aos acidentes de trabalho diz respeito aparece como plenamente justificada, tendo em consideração a dimensão social de que se reveste a regulação jurídica das matérias laborais, à luz da necessidade de estabelecer regimes que assegurem uma adequada protecção dos trabalhadores, designadamente perante as respectivas entidades patronais, e, entre outros, o Acórdão 578/2006, igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte. Mas, devendo tal direito ser perspectivado à luz do direito à segurança social (neste sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, anotação VIII ao artigo 59.º, p. 611), não se concebe como inconciliável com tal preceito constitucional fazer recair sobre o trabalhador sinistrado, na situação específica do incidente de revisão da incapacidade, o pagamento das custas em caso de indeferimento do incidente por ele requerido.

A imposição do pagamento de custas não viola, pois, só por si, o direito dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho a assistência e a uma justa reparação.

Acresce que, no aspecto da não isenção de custas, não se vê também como possa tal norma violar autonomamente o direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental, considerando, por um lado, o que este Tribunal afirmou já no (anteriormente citado) Acórdão 190/92 - concretamente, que a existência, em abstracto, de um regime de patrocínio pelo Ministério Público não impede que os trabalhadores possam socorrer-se do patrocínio oficioso assegurado por advogado, no âmbito do regime geral de apoio judiciário, se reunirem as condições legais para beneficiarem desse regime -, e, por outro lado, as notas que caracterizam o incidente de revisão de incapacidade e que o diferenciam do processo principal por acidente de trabalho.

[...]"

4 - Estas considerações devem ser reiteradas no presente caso, em que está em causa igualmente a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, "na medida em que, consagrando embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processo de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado".

Pelos fundamentos transcritos, há, pois, que conceder provimento ao presente recurso.

III - Decisão

Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, na medida em que, consagrando uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processo de acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não prevê para os que sejam patrocinados por advogado;

b) Consequentemente, conceder provimento ao presente recurso e determinar a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o presente juízo sobre as questões de constitucionalidade.

Lisboa, 28 de Março de 2007. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto aposta ao Acórdão 109/2007) - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1567835.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1996-11-26 - Decreto-Lei 224-A/96 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código das Custas Judiciais, publicado em anexo, e que faz parte integrante do presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 1999-04-30 - Decreto-Lei 143/99 - Ministério das Finanças

    Regulamenta a Lei 100/97, de 13 de Setembro, no que respeita à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 2003-12-27 - Decreto-Lei 324/2003 - Ministério da Justiça

    Altera o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, (republicado no anexo II), o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, bem como o Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro (Regulamento das Custas dos Processos Tributários e tabela dos emolumentos da DGCI), o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (Regime dos procedimentos dest (...)

Ligações para este documento

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