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Acórdão 184/2007, de 11 de Maio

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Sumário

Não conhece do recurso, por inutilidade superveniente

Texto do documento

Acórdão 184/2007

Processo 699/06

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Laurindo Rosa Carneiro, mais bem identificado nos autos, requereu, junto do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, o seguinte:

"Laurindo Rosa Carneiro, arguido, condenado por decisão transitada em julgado em 6 de Fevereiro de 2006 na pena efectiva de 4 anos de prisão, vem requerer a aplicação de liberdade condicional, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1 - O arguido foi detido à ordem dos presentes autos no dia 27 de Março de 2003.

2 - Esteve preso preventivamente até 7 de Maio de 2003, data em que aquela medida foi substituída por obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

3 - O arguido atingiu metade da pena precisamente há um ano, tendo já ultrapassado dois terços da pena em 28 de Novembro de 2005.

4 - Laurindo Rosa Carneiro trabalha como motorista na Câmara Municipal de Oeiras (cf. documentos já juntos aos autos).

5 - Estuda na Escola Secundária de Oeiras, de acordo com a autorização que lhe foi concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo obtido excelente aproveitamento.

6 - Durante o tempo em que esteve sujeito a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, o arguido cumpriu escrupulosamente todas as injunções que lhe foram impostas.

7 - Laurindo Rosa Carneiro está perfeitamente inserido familiar, social e profissionalmente.

8 - A liberdade condicional revela-se perfeitamente compatível com a defesa da ordem e da paz social.

9 - Caso o arguido não seja colocado de imediato em liberdade condicional, corre sérios riscos de reprovar o ano escolar, sendo certo que ficará sem emprego, já que se encontra a fazer testes para entrar para os quadros, por ser contratado ao abrigo de um vínculo precário a termo certo.

Termos em que se requer a aplicação da liberdade condicional."

Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:

"Laurindo Rosa Carneiro está condenado, por decisão judicial, transitada em julgado, no processo 560/02 do 1.º Juízo Criminal de Oeiras na pena de 4 anos de prisão.

Encontra-se preso desde 6 de Abril de 2006, tendo a descontar 3 anos e 8 dias de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação.

Os 6 meses de cumprimento da pena são em 6 de Outubro de 2006 (artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal).

O termo desse cumprimento está previsto para 20 de Março de 2007.

Como a condenação imposta é superior à pena de prisão por 6 meses, poderá beneficiar, eventualmente, de liberdade condicional, cumpridos 6 meses da pena (artigo 61, n.º 2, do Código Penal).

Se o parecer e relatórios legais não forem recebidos até 6 de Agosto de 2006, solicite-os nessa altura ao Estabelecimento Prisional e ao IRS, requisitando-se, também, o CRC e a ficha biográfica do recluso - artigo 484.º do Código de Processo Penal."

O recluso veio então requerer o seguinte:

"Laurindo Rosa Carneiro, arguido, notificado do teor do douto despacho de fls. ..., que, face ao anteriormente requerido, decidiu que apenas poderá beneficiar de liberdade condicional depois de cumpridos 6 meses de pena, vem dizer e requerer o que segue, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1 - O arguido foi detido à ordem dos presentes autos no dia 27 de Março de 2003.

2 - Esteve preso preventivamente até 7 de Maio de 2003, data em que aquela medida foi substituída por obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica - OPHVE.

3 - Foi condenado por decisão transitada em julgado em 6 de Fevereiro de 2006 na pena efectiva de 4 anos de prisão.

4 - O arguido atingiu metade da pena em 27 de Março de 2005.

5 - Ultrapassou os dois terços da pena em 28 de Novembro de 2005.

6 - Laurindo Rosa Carneiro trabalha como motorista na Câmara Municipal de Oeiras (cf. documentos já juntos aos autos).

7 - Estuda na Escola Secundária de Oeiras, de acordo com a autorização que lhe foi concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo obtido excelente aproveitamento.

8 - Durante o tempo em que esteve sujeito a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, o arguido cumpriu escrupulosamente todas as injunções que lhe foram impostas.

9 - Laurindo Rosa Carneiro está perfeitamente inserido familiar, social e profissionalmente.

10 - A liberdade condicional revela-se perfeitamente compatível com a defesa da ordem e da paz social.

11 - Caso o arguido não seja colocado de imediato em liberdade condicional, corre sérios riscos de reprovar o ano escolar, sendo certo que ficará sem emprego, já que se encontra a fazer testes para entrar para os quadros, por ser contratado ao abrigo de um vínculo precário a termo certo.

12 - Ao exigir que o arguido aguarde pelo dia 6 de Outubro de 2006, o Tribunal está a violar o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal (CP).

13 - De facto, equiparando a lei, para efeitos de cumprimento da pena, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, o arguido, ora requerente, não necessita de entrar num estabelecimento prisional para que lhe seja aplicada a liberdade condicional, já que, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do CP, atingiu há muito os 6 meses de cumprimento de pena.

14 - O artigo 61.º, n.º 2, do CP diz que o Tribunal coloca o condenado em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena, no mínimo de 6 meses.

15 - O artigo 80.º, n.º 1, do CP diz que o tempo de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação são descontados no cumprimento.

16 - Ora, o referido prazo de 6 meses de cumprimento (na redacção do identificado preceito) está há muito ultrapassado.

17 - Ao exigir que o arguido cumpra mais 6 meses em estabelecimento prisional (para além do tempo já cumprido até 6 de Abril de 2006 de 3 anos e 8 dias de prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação), sem razão fundamentada o Tribunal está a discriminar os arguidos que estiveram em obrigação de permanência na habitação, comparativamente com os que não estiveram privados de liberdade até ao trânsito em julgado, o que é manifestamente injusto.

18 - Ao exigir que o arguido cumpra mais 6 meses de prisão, o Tribunal está a interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP em violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, fazendo-se uma correcta interpretação das normas legais invocadas (artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP) em consonância com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e a melhor interpretação dos elementos dos autos, deve o despacho de fls. ... (conclusão em 19 de Maio de 2006) ser revogado e substituído por outro que considere cumpridos os 6 meses (a que se refere o artigo 61.º, n.º 2, do CP) no dia 29 de Setembro de 2003 (de acordo com o artigo 80.º, n.º 1, do CP), colocando-se o arguido em liberdade condicional."

Este requerimento foi indeferido por despacho com o seguinte teor:

"Por se entender que o princípio da legalidade, expresso no artigo 1.º do Código Penal, impede a aplicação do disposto no artigo 80.º do Código Penal ao regime de apreciação de liberdade condicional, indefere-se o requerimento a fl. 325 e decide-se manter na integra o despacho a fl. 315."

2 - O recluso interpôs então recurso de constitucionalidade mediante um requerimento com o seguinte teor:

"Laurindo Rosa Carneiro, arguido, recorrente nos autos à margem identificados (com apoio judiciário concedido em primeira instância - artigo 18.º, n.º 7, da Lei 34/2004, de 20 de Julho), notificado do teor do douto despacho a fl. 328 que indeferiu as invalidades invocadas a fl. 325, mantendo na íntegra o despacho a fl. 315, não se conformando com a decisão proferida, vem dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes:

"O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Lei 28/82, de 15 de Novembro).

Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de exigir (para aplicar a liberdade condicional a um arguido que já cumpriu dois terços de uma pena inferior a 6 anos) que ele cumpra mais 6 meses de prisão em estabelecimento prisional (quando já cumpriu 3 anos e 8 dias de prisão preventiva, num total de 4 anos de prisão).

Ao exigir que o arguido cumpra mais 6 meses de prisão, o Tribunal está a interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal, em violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, discriminando os arguidos que estiveram em prisão preventiva e em obrigação de permanência na habitação, comparativamente com aqueles que cumprirem integralmente a pena, apenas depois do trânsito em julgado.

Tais normas (dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal) assim interpretadas violam o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

As questões de inconstitucionalidade foram expressamente suscitadas, em requerimento a fl. 325 apresentado no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa.

O presente recurso subirá imediatamente, nos próprios autos. A entender-se o contrário, requer que o recurso suba com certidão de todo o processado, gratuitamente ao abrigo do apoio judiciário de que beneficia o recorrente.

Invoca-se o apoio judiciário concedido no Tribunal de Oeiras.

Termos em que requer a V. Ex.ª se digne admiti-lo, seguindo-se os demais legais, até final."

Determinada a produção de alegações no Tribunal Constitucional, o recorrente concluiu as suas dizendo o seguinte:

"1 - O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Lei 28/82, de 15 de Novembro).

2 - Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de exigir (para apreciar da aplicar da liberdade condicional a um arguido que já cumpriu dois terços de uma pena inferior a 6 anos) que ele cumpra mais 6 meses de prisão em estabelecimento prisional (quando já cumpriu 3 anos e 8 dias de prisão preventiva).

3 - Por decisão já transitada, foi o arguido condenado a 4 anos de prisão. O arguido atingiu metade da pena em 27 de Março de 2005. Ultrapassou os dois terços da pena em 28 de Novembro de 2005. Em 6 de Abril, o arguido voltou a ser detido, desta vez para cumprimento de pena, quando é certo que já estavam reunidos todos os pressupostos para a concessão de liberdade condicional. O Tribunal de Execução de Penas exigiu que o arguido aguardasse pelo dia 6 de Outubro de 2006 (cumprindo 6 meses de prisão efectiva, após trânsito em julgado), para apreciar da concessão da liberdade condicional, pelo facto de o arguido ter estado até à data em obrigação de permanência na habitação e não em estabelecimento prisional.

4 - Equiparando a lei, para efeitos de cumprimento da pena, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, o arguido ora requerente, não necessita de entrar num estabelecimento prisional, para que lhe seja aplicada a liberdade condicional, já que, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do CP, atingiu há muito os 6 meses de cumprimento de pena. O artigo 61.º, n.º 2, do CP diz que o Tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional, quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo de 6 meses. O artigo 80.º, n.º 1, do CP diz que o tempo de detenção, prisão preventiva e OPHVE, são descontados no cumprimento. O referido prazo de seis meses de cumprimento (na redacção do identificado preceito) foi há muito ultrapassado.

5 - Ao exigir que o arguido cumpra mais 6 meses em estabelecimento prisional (para além do tempo já cumprido até 6 de Abril de 2006, de 3 anos e 8 dias de prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação) sem razão fundamentada, o Tribunal de Execução de Penas está a discriminar os arguidos que estiveram em obrigação de permanência na habitação, comparativamente com os que não estiveram privados de liberdade até ao trânsito em julgado, o que é manifestamente injusto.

6 - Ao exigir que o arguido cumpra mais 6 meses de prisão, o Tribunal está a interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP, em violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

7 - Se o mesmo arguido não tivesse estado em obrigação de permanência na habitação durante os mesmos 3 anos e 8 dias, o Tribunal de Execução de Penas consideraria que os tais 6 meses a que se refere o artigo 80.º, n.º 1, estariam cumpridos.

8 - Não há qualquer razão objectiva para discriminar os arguidos que tendo estado em obrigação de permanência na habitação, não estivem em estabelecimento prisional, comparativamente com aqueles que passaram todo o tempo em estabelecimento prisional.

9 - Termos em que, fazendo-se uma correcta interpretação das normas legais invocadas (artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP) em consonância com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e a melhor interpretação dos elementos dos autos, deve declarar-se a inconstitucionalidade das normas dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP, quando interpretadas no sentido de exigir (para apreciar da concessão de liberdade condicional a um arguido - condenado a 4 anos de prisão - que já cumpriu dois terços de uma pena inferior a 6 anos) que ele cumpra mais 6 meses de prisão em estabelecimento prisional, após trânsito em julgado (quando já cumpriu 3 anos e 8 dias de obrigação de permanência na habitação).

10 - Ao exigir que o arguido cumpra mais 6 meses de prisão após trânsito em julgado, o Tribunal está a interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP, em violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, discriminando os arguidos que estiveram em obrigação de permanência na habitação, comparativamente com aqueles que cumprirem integralmente a pena, apenas depois do trânsito em julgado (ou estiveram em prisão preventiva).

11 - Tais normas (dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal) assim interpretadas violam o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, devem as normas dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP ser julgadas inconstitucionais (por violação do disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) quando interpretadas no sentido de exigir (para apreciar da concessão de liberdade condicional a um arguido - condenado a 4 anos de prisão, que já cumpriu - em obrigação de permanência na habitação - dois terços de uma pena inferior a 6 anos) que ele cumpra mais 6 meses de prisão efectiva em estabelecimento prisional, após trânsito em julgado (quando já cumpriu 3 anos e 8 dias de prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação)."

Por sua vez, nas suas contra-alegações o Ministério Público veio suscitar a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso, por inutilidade (pois "independentemente da decisão sobre a questão de constitucionalidade suscitada e por facto supervenientemente entretanto ocorrido - decurso de tempo -, ela já não poderá influenciar utilmente a decisão de mérito sobre a verificação do período de 6 meses, a que se reporta o recurso"), e, subsidiariamente, defendeu a inexistência de inconstitucionalidade da norma em apreciação.

Notificado para tanto, o recorrente não respondeu à questão prévia suscitada pelo Ministério Público.

3 - Após inscrição do processo em tabela e discussão, perante a dúvida sobre a relevância que no processo tinha sido, ou não, efectivamente já concedida ao decurso do prazo de seis meses a que se reportava a dimensão normativa identificada pelo recorrente, foi, após mudança de relator por vencimento, proferido o Acórdão 113/2007, no qual, "para apreciação da questão prévia relativa ao não conhecimento do recurso, suscitada pelo Ministério Público", se acordou em "determinar que seja solicitada ao tribunal recorrido informação sobre a situação prisional do recorrente e sobre eventuais decisões relativas à sua liberdade condicional, proferidas posteriormente a 6 de Outubro de 2006".

Em resposta a esta diligência, o Tribunal Constitucional foi informado de que ao recluso, ora recorrente, fora concedida liberdade condicional por decisão de 15 de Novembro de 2006, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 4 - Há que começar por tratar pela questão prévia suscitada pelo Ministério Público, que pode impedir que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do recurso, por inutilidade superveniente.

Entende o Ministério Público que não deverá conhecer-se do recurso porque, independentemente da decisão sobre a questão de constitucionalidade suscitada e por facto supervenientemente entretanto ocorrido - decurso de tempo -, ela já não poderá influenciar utilmente a decisão de mérito sobre a verificação do período de 6 meses, a que se reporta o recurso. Por outro lado, perante a dúvida sobre a relevância que efectivamente teria sido concedida no processo ao decurso do prazo de 6 meses de cumprimento de pena - cf. as alegações produzidas pelo recorrente no Tribunal Constitucional, onde se pode ler, a fl. 360 dos autos, que o "Tribunal de Execução de Penas exigiu que o arguido aguardasse pelo dia 6 de Outubro de 2006 (cumprindo 6 meses de prisão efectiva, após trânsito em julgado). Certo é que o dia 6 de Outubro de 2006 já passou e o arguido continua preso [...]" -, apurou-se, pela diligência determinada pelo Acórdão 113/2007, que o recorrente se encontra já em situação de liberdade condicional, ordenada por decisão de 15 de Novembro de 2006.

É sabido que o recurso de constitucionalidade visa a apreciação de uma questão de constitucionalidade instrumental da decisão recorrida, tomada no processo em que a apreciação de constitucionalidade ocorre, de modo incidental. Tal instrumentalidade, que caracteriza o recurso de constitucionalidade, implica que, se a decisão deste já não puder produzir qualquer efeito útil no processo, não podendo reflectir-se utilmente sobre a decisão recorrida, o Tribunal Constitucional não poderá tomar dele conhecimento. É isto mesmo o que resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, também, aliás, quando foram objecto de recurso decisões das quais havia resultado a privação da liberdade do recorrente. Assim, o Tribunal Constitucional decidiu, por exemplo, que não subsistia a utilidade do recurso em casos em que estava em causa a impugnação do despacho que ordenara a prisão preventiva do recorrente, o qual entretanto fora substituído por outro que a manteve (cf. o Acórdão 119/2004, e os aí referidos Acórdãos n.os 296/2003 e 722/97, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Com efeito, nesses casos o "interesse na libertação do recorrente não subsistia, pois a prisão preventiva não decorria já do despacho recorrido, mas de outro, posterior, não impugnado", e - afirmou-se - "um hipotético interesse no eventual exercício de qualquer direito de indemnização" não impedia uma decisão de inutilidade do recurso (decisão que, no caso do Acórdão 119/2004, fora tomada pelo tribunal recorrido), não sendo bastante tal "interesse residual do recorrente, considerando a eventualidade de o arguido poder vir a intentar a acção de indemnização contra o Estado" (na expressão do citado Acórdão 296/2003), quando o recorrente não interpôs o recurso na referida acção de indemnização nem forneceu qualquer indicação sobre a eventualidade de vir a exercer, em acção própria e perante o tribunal competente, um tal direito de indemnização.

Ora, no presente caso não só decorreram já os 6 meses de prisão a que se refere a norma impugnada pelo recorrente, e que o tribunal recorrido entendeu serem exigidos por lei para lhe poder ser concedida liberdade condicional, como o recorrente se encontra mesmo já nessa situação de liberdade condicional.

Não se vê, pois, como poderia uma decisão que fosse agora tomada pelo Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade da norma que exige o decurso dos referidos 6 meses, para a concessão de liberdade condicional, produzir qualquer efeito útil no processo, sendo certo, por outro lado, que o recorrente também não forneceu, no requerimento de recurso ou nas alegações, qualquer indicação no sentido de que não estava em causa neste recurso apenas o seu interesse na obtenção da liberdade condicional. Isto, sem que fique, aliás, excluído que, se assim o entender, o recorrente venha a promover, por exemplo em acção de indemnização, a apreciação da legalidade e constitucionalidade do tempo de cumprimento de pena que lhe foi imposto (e das normas que o fundamentaram).

No presente caso, porém, os 6 meses de cumprimento de pena já decorreram, a liberdade condicional já foi concedida por decisão do Tribunal de Execução das Penas, e qualquer que fosse a decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão de constitucionalidade, ela não poderia já influenciar essa decisão ou a decisão recorrida, que havia anteriormente negado a concessão da liberdade condicional.

O presente recurso de constitucionalidade tornou-se, assim, supervenientemente inútil, pelo que não pode dele tomar-se conhecimento.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do presente recurso.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Março de 2007. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Tendo sido a primitiva relatora nestes autos, votei vencida o presente acórdão por entender que a utilidade da apreciação da questão de constitucionalidade subsiste. Com efeito, podendo depender do juízo a formular a legalidade da prisão efectivamente cumprida, é ainda útil a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada, já que o recorrente sempre poderá formular uma pretensão indemnizatória para cuja procedência será essencial o juízo de inconstitucionalidade.

Nessa medida, teria apreciado o objecto do presente recurso. E fá-lo-ia, nos seguintes termos:

1 - A decisão recorrida considerou que a referência aos 6 meses de prisão como pressuposto da concessão da liberdade condicional que consta do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, exclui a possibilidade de computar o período de tempo relativo à detenção, à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação sofridas durante o processo.

O recorrente considerou que tal interpretação é inconstitucional por violação do princípio da igualdade.

2 - No sistema penal português, as medidas processuais privativas da liberdade aplicadas durante o processo são descontadas na pena privativa da liberdade que efectivamente vier a ser aplicada no processo (cf. artigos 80.º e 82.º do Código Penal).

Por outro lado, uma vez esgotado o prazo máximo da prisão preventiva durante o processo, não pode ser aplicado ao arguido a medida de coacção obrigação de permanência na habitação (cf. artigo 217.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).

E os prazos legais máximos de duração das medidas de coacção obrigação de permanência na habitação e prisão preventiva são os mesmos (cf. artigo 218.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

Esta equiparação, em aspectos essenciais dos respectivos regimes, das medidas processuais privativas da liberdade e a relevância destas para efeito do desconto na pena decorrem do direito à liberdade (artigos 27.º e 28.º da Constituição) articulado com os princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13.º e 18.º da Constituição).

Com efeito, a liberdade pessoal, valor fundamental inerente à dignidade da pessoa humana, só pode ser restringida quando outros valores com ressonância constitucional o exijam. E tal restrição só pode ocorrer na medida do estritamente necessário e adequado para a prossecução desses outros valores em confronto.

A prisão preventiva e a obrigação de permanência em habitação restringem ambas de modo essencial a liberdade pessoal do arguido.

A privação da liberdade inerente à obrigação de permanência na habitação é equiparável, no grau de lesividade da possibilidade da organização da vida pessoal, à prisão preventiva. Não se ignorando diferenças relevantes, que se repercutem em alguns aspectos do regime (veja-se, por exemplo, a possibilidade de interposição da providência do habeas corpus ou no regime de revisibilidiade trimestral da prisão preventiva - artigos 213.º, 220.º e 222.º do Código de Processo Penal), em ambos os casos está em causa a afectação de uma esfera da liberdade de tal modo relevante que justifica por si só, e não obstante as diferenças, a conclusão de que ambas as medidas afectam o núcleo do direito, estando sujeitas a idênticos crivos de proporcionalidade, de necessidade e de adequação. O facto de a obrigação de permanência em habitação poder ser um sucedâneo menos gravoso da prisão preventiva não afasta a sua subordinação àqueles princípios.

Por outro lado, em ambos os casos se coloca um problema de significado e repercussão destas medidas numa fase ulterior de cumprimento de prisão efectiva. Adquirida esta compreensão, notar-se-á, agora, que impende sobre o juiz o dever de interpretar o regime da execução de penas à luz dos princípios do mínimo de intervenção e da proporcionalidade, o que, no caso dos autos, convoca os fins do próprio sistema penal.

A referência legal aos 6 meses de prisão efectiva como mínimo para o efeito da concessão da liberdade condicional decorre de um equilíbrio entre as finalidades inerentes à execução efectiva da pena de prisão, tais como a prevenção geral - positiva e negativa - e as finalidades de prevenção especial, surgindo, então, a reinserção social e os mecanismos adequados a essa finalidade, dos quais se destaca a liberdade condicional (cf., quanto à compreensão do instituto da liberdade condicional como instrumento de ressocialização do delinquente, Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, a pp. 527 e segs.).

O problema do cômputo das medidas processuais privativas da liberdade no período de seis meses deve ser analisado à luz destas finalidades de punição. Na verdade, a privação de liberdade pela aplicação das medidas de coacção não deixa de surtir um efeito preventivo geral e especial e até retributivo, embora não sejam estas finalidades a sua justificação. Há, assim, uma problemática penal inserida no próprio Processo Penal, que, embora não justificando as soluções do Processo Penal, reflectir-se-á, inevitavelmente, em efeitos sobre o arguido que deverão, depois, ser considerados nas soluções penais, pelo menos aproveitados, quando, não sendo essa - repete-se - a sua função se concretizaram no caso (cf. Maria Fernanda Palma, "O problema penal do processo penal", em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, 2004, a pp. 41 e segs.). Durante todo o tempo em que a privação de liberdade do arguido decorreu de aplicação das medidas de coacção, este veio a retomar os estudos e a desenvolver uma actividade laboral. Verificou-se, assim, um continuum entre a fase de privação de liberdade anterior à condenação e a posterior no que respeita à prevenção e à retribuição. Apesar de se dever rejeitar que as medidas de coacção sejam pré-punitivas, o certo é que tendo elas tido um tal reflexo não poderá ignorar se o efeito produzido e considerá-lo na execução das penas, em atenção aos direitos do arguido e aos princípios constitucionais da punição.

Impor o cumprimento de 6 meses de prisão efectiva a quem sofreu a privação da liberdade à ordem do mesmo processo durante vários anos, para que possa ser concedida a liberdade condicional, por não se descontar o tempo da restrição de liberdade sofrida devido às medidas de coacção, excede o que a proporcionalidade, a necessidade e a adequação, na execução das penas impõe, tendo em vista as finalidades da punição.

Concederia, portanto, provimento ao recurso. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1565731.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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