Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos, emergentes de um processo de falência em que era requerida Transportes Leandro & Pacheco, Lda., e requerente o Ministério Público, foi, em 6 de Abril de 2006, proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, que recusou a aplicação das normas dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, na medida em que determinam que, havendo decisão negativa do serviço de segurança social, quanto a pedido de apoio judiciário, o pagamento da taxa de justiça inicial do processo judicial a que se referia esse pedido deve efectuar-se no prazo de 10 dias a contar da notificação dessa decisão, com fundamento na sua inconstitucionalidade. Consequentemente, o referido acórdão concedeu provimento ao recurso interposto pela requerida e revogou o despacho de 2 de Novembro de 2004 do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Almeirim que determinara o pagamento da taxa de justiça inicial antes da decisão do recurso da decisão denegatória de apoio judiciário e condenara a agravante em multa. Pode ler-se nesse aresto:
"[...] A questão central do presente recurso consiste em saber se a agravante procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial fora de prazo e se, consequentemente, está obrigada ao pagamento da multa cominada pelo atraso.
Os factos a atender para o conhecimento e decisão do objecto do recurso são os que se deixaram anteriormente extractados.
Vejamos, então:
A Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, vigente ao tempo da formulação do pedido de apoio judiciário, atribuiu aos serviços de segurança social a competência para proferir decisão administrativa sobre a matéria, impugnável, no caso de indeferimento, para os tribunais judiciais (artigo 29.º).
Assim, no que respeita ao réu ou requerido na acção, se não houver ainda decisão administrativa no momento em que deva ser efectuado o pagamento das custas e encargos do processo, fica suspenso o respectivo prazo, até que a decisão seja comunicada ao requerente - artigo 31.º, n.º 5, alínea b).
No entanto, se já houver decisão negativa do serviço de segurança social, o pagamento é devido desde a data da sua comunicação ao requerente do apoio judiciário, de acordo com o disposto no Código das Custas Judiciais, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência do recurso interposto daquela decisão - artigo 31.º, n.º 5, alínea b).
Também o n.º 2 do artigo 486.º-A do CPC determina que o réu proceda ao pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário.
Na falta de pagamento, é condenado em multa, de acordo com os n.os 3, 4 e 5 do artigo 486.º-A, sendo depois mandada desentranhar a contestação, se persistir na omissão do pagamento (n.º 6).
No caso em apreciação, a agravante não liquidou a taxa de justiça inicial no prazo do n.º 2 do artigo 486.º-A do CPC, nem a multa, procedendo apenas ao pagamento da taxa de justiça inicial após a decisão do Tribunal que lhe concedeu o benefício judiciário na modalidade de dispensa parcial (50%) do pagamento da taxa de justiça e demais encargos.
Por isso, a questão do desentranhamento da oposição, no processo de falência, não chegou a colocar-se.
No entanto, a conjugação do regime do artigo 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, com o regime impositivo do n.º 2 do artigo 486.º-A do CPC, na redacção do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, ao tornar exigível o pagamento da taxa de justiça inicial antes de julgado o recurso judicial do despacho administrativo que indeferiu o pedido de apoio judiciário relativo à dispensa total de taxa de justiça e demais encargos, viola de modo intolerável o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que enuncia o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, impedindo a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
O que obsta a que seja aceitável que a decisão dos serviços da segurança social, não definitiva, obrigue o requerente do apoio judiciário, carenciado economicamente para fazer face às despesas do processo, a despender o montante da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à comunicação do indeferimento da decisão administrativa, impossibilitando ou dificultando em grau intolerável o efectivo acesso ao tribunal.
Por outro lado, o direito ao reembolso das quantias pagas no caso de procedência do recurso interposto da decisão administrativa que denegou o apoio judiciário [artigo 31.º, n.º 5, alínea b), parte final] não constitui solução adequada ou, sequer, satisfatória, pois não pode exigir-se a quem invoca insuficiência económica que pague em momento anterior ao da apreciação definitiva do recurso da decisão administrativa.
Assim, acorda-se em desaplicar, por inconstitucionalidade material, as normas dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, no segmento em que se determina que, havendo decisão negativa do serviço de segurança social, o pagamento da taxa de justiça inicial deve efectuar-se no prazo de 10 dias a contar da notificação dessa decisão.
E, em consequência, conceder provimento ao agravo, embora por razões distintas das alegadas, revogando-se o despacho que determinou o pagamento da taxa de justiça inicial antes da decisão do recurso judicial e condenou a agravante em multa.
Não são devidas custas [artigo 2.º, n.º 1, alínea g), do CCJ]."
Dessa decisão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, para obter a reapreciação da conformidade constitucional daquela norma.
2 - Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações, que o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional encerrou desta forma:
"1 - O direito de acesso à justiça e aos tribunais constitui direito fundamental que não pode ser afectado, na sua plenitude e efectividade, por uma situação de carência económica do interessado, cabendo sempre ao tribunal - e não a uma entidade administrativa - a 'última palavra' sobre a verificação dos pressupostos do apoio judiciário pretendido pelo requerente que se não conforme com a decisão negativa dos serviços de segurança social.
2 - É inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa, extraída dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa da segurança social sobre o pretendido apoio judiciário, mesmo na pendência de impugnação judicial de tal decisão, e sendo a 'mora' da parte sancionada, nos termos do artigo 486.º-A do Código de Processo Civil, nomeadamente, através da imposição ao interessado de uma multa processual, independentemente da procedência (total ou parcial) dessa impugnação judicial."
A recorrida não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos. - 3 - Com efeito, é a seguinte a redacção do artigo 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro:
"Artigo 31.º
[...]
...
5 - Verificando-se que no momento em que deva ser efectuado o pagamento das custas e encargos do processo judicial a que se refere o pedido de apoio judiciário não é ainda conhecida a decisão final quanto a este, proceder-se-á do seguinte modo:
a) ...
b) Tendo havido já decisão negativa do serviço de segurança social, o pagamento é devido desde a data da sua comunicação ao requerente, de acordo com o disposto no Código das Custas Judiciais, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência do recurso interposto daquela decisão."
Por sua vez, o artigo 486.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil dispõe como se segue:
"Artigo 486.º-A
Documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça
1 - ...
2 - No caso previsto na parte final do número anterior, o réu deve juntar ao processo o documento comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário."
A decisão recorrida recusou expressamente, por inconstitucionalidade, a aplicação dos transcritos preceitos quando comportem um sentido interpretativo de acordo com o qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de tal decisão.
Por outro lado, como sublinha o Ministério Público nas suas alegações, na presente aferição da compatibilidade constitucional está igualmente em causa a dimensão normativa tocante ao regime sancionatório estatuído nos n.os 3, 4 e 5 do artigo 486.º-A do Código de Processo Civil, tendo havido recusa implícita de aplicação da imposição do pagamento da multa aí prevista e associada ao atraso no pagamento da taxa de justiça inicial, em consequência da recusa de aplicação normativa do regime previsto nos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, com o sentido interpretativo atrás enunciado.
É o seguinte o teor dos n.os 3, 4 e 5 do artigo 486.º-A do CPC:
"3 - Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
4 - Após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no n.º 2, sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao processo, a secretaria notifica o réu para os efeitos previstos no número anterior.
5 - Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial e da multa por parte do réu, o juiz profere despacho nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 508.º convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 10 UC."
Sendo assim, a dimensão normativa que integra o objecto do presente recurso pode ser precisada como sendo a correspondente à interpretação dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.os 2, 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de tal decisão, sendo o atraso no pagamento cominado com multa.
4 - Segundo a interpretação adoptada pelo Tribunal a quo, a fixação de um efeito não suspensivo para o recurso jurisdicional da decisão administrativa que indeferiu o pedido de apoio judiciário viola o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que enuncia o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, implicando uma denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, decorrente da exigibilidade do pagamento da taxa de justiça inicial desde a data da comunicação daquela decisão ao requerente.
Vejamos se tal conclusão é de acompanhar.
Sobre o direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, disse-se recentemente no Acórdão 602/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
"[...]
Está constitucionalmente consagrado o princípio de que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (cf. artigo 20.º, n.º 1, da lei fundamental).
Variada tem sido a jurisprudência deste Tribunal emitida a respeito de um tal princípio.
Assim, e sempre enfrentando problemas em torno de normas (ou interpretações normativas) de onde resulte uma impossibilidade ou uma acentuada dificuldade de acesso à justiça motivada pela obrigação de pagamento de determinadas quantias condicionadoras do exercício do acesso ao direito e aos tribunais, têm sido múltiplos os juízos formulados a este respeito por este órgão de administração de justiça.
O fio condutor dessa jurisprudência, que não tem deixado de sublinhar que a garantia que decorre do n.º 1 do artigo 20.º do diploma básico não pode ser perspectivada como 'uma mera ou simples afirmação proclamatória', poderá ser condensado nas palavras utilizadas no Acórdão 30/88 (in Diário da República, 1.ª série, de 10 de Fevereiro de 1988), citando o parecer 8/87, da Comissão Constitucional, e segundo as quais a Constituição deveria ter-se 'por violada sempre que, por insuficiência de tais meios, o cidadão pudesse ver frustrado o seu direito à justiça, tendo em conta o sistema jurídico económico em vigor para o acesso aos tribunais na ordem jurídica portuguesa', pois que aquele diploma fundamental, 'indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais', propõe-se 'afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo para denegação da justiça'.
[...]."
Anteriormente, escreveu-se no Acórdão 491/2003 (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
"[...]
Como já tem sido reafirmado por várias vezes por este Tribunal, a nossa lei fundamental não consagra o direito a uma justiça gratuita. Ao legislador ordinário é lícito exigir o pagamento de custas judiciais, podendo optar por um sistema de custas mais barato ou mais caro ou conceder o benefício do apoio judiciário em termos mais ou menos generosos. Ponto é que, no delineamento do sistema de custas judiciais, se não torne impossível ou particularmente oneroso o direito de acesso aos tribunais, sob pena de violação deste direito fundamental consagrado no artigo 20.º da CRP.
Tal baliza funciona como limite à restrição constitucionalmente permitida de tal direito ou garantia fundamental, de acordo com o disposto no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da CRP (cf., entre outros, os acórdãos n.os 352/91, 467/91 e 646/98, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente, de 17 de Dezembro de 1991, 2 de Abril de 1992 e 3 de Março de 1999).
[...]".
Sobre o tema afirmou-se também já no Acórdão 467/91 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de Abril de 1992) que a garantia constitucional do acesso ao direito e aos tribunais possui uma dupla dimensão: uma dimensão de defesa (defesa dos direitos através dos tribunais); e uma dimensão "prestacional" (dever de o Estado assegurar meios tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios económicos). Acrescentou-se de seguida que essa irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos postula soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais, impedindo o legislador de adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça e obrigando-o a assegurar às pessoas economicamente carenciadas formas de apoio que viabilizem a salvaguarda dos seus direitos.
Encarando o problema da conformidade constitucional da previsão do efeito do desentranhamento da alegação apresentada e da impossibilidade de apreciação jurisdicional da impugnação da decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário, uma vez verificada a falta do pagamento da taxa de justiça inicial, o Acórdão 420/2006 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt) veio a julgar inconstitucionais as normas dos artigos 6.º, n.º 1, alínea o), 14.º, n.º 1, alínea a), 23.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, alínea c), 28.º e 29.º do Código das Custas Judiciais, na redacção emergente do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, quando interpretadas no sentido de que a impugnação judicial da decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário não está dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça inicial, calculada com referência ao valor da causa principal, e determinando a omissão do pagamento o desentranhamento da alegação apresentada e a preclusão da apreciação jurisdicional da impugnação deduzida. Para chegar a tal conclusão, ponderou-se o seguinte:
"Na verdade, se a resolução da questão da insuficiência de meios económicos para suportar os custos de um processo estiver, ela própria, condicionada ao pagamento de uma taxa de justiça prévia, imperioso se torna concluir que os requerentes de apoio judiciário que não possuam tais meios - e não pode obviamente excluir-se a hipótese de existirem requerentes nessa situação, a quem a administração indevidamente negou o apoio judiciário - nunca têm acesso aos tribunais, quer para discutir o acerto da decisão administrativa que lhes indeferiu o pedido de apoio judiciário quer para, em última análise, sustentarem em juízo as suas pretensões."
Todavia, como salienta o Ministério Público nas suas alegações:
"No caso ora em apreciação - e face ao teor do acórdão recorrido - não estará em causa a produção de um efeito preclusivo (acentua-se expressamente que está fora de questão o desentranhamento da oposição deduzida em processo de falência) - apenas podendo conduzir a situação de mora no pagamento da taxa de justiça inicial à imposição da multa já oportunamente liquidada nos autos, como decorrência de não ter sido paga atempadamente a taxa de justiça inicial correspondente à dedução de oposição à falência.
Ou seja: estará em causa não propriamente uma preclusão processual - consistente em denegar relevância ao acto processual de oposição praticado, com base no não pagamento da taxa de justiça inicial que seria devida, mesmo na pendência da impugnação judicial inserida no procedimento de apoio judiciário - mas antes o sancionamento ou cominação de ordem tributária, associada a tal situação de mora.
Note-se que, neste circunstancialismo, não se discute apenas a mera exigibilidade antecipada do débito de custas, mas a legitimidade da imposição a quem alega estar em situação de carência económica, questionando fundadamente a decisão administrativa que a não reconheceu, de uma verdadeira sanção pecuniária pelo não pagamento tempestivo da taxa de justiça inicial correspondente à actividade processual desenvolvida pelo interessado."
Esta diferença não altera, porém, para o Ministério Público, o juízo a fazer sobre a conformidade constitucional da norma, que entende ser igualmente de inconstitucionalidade:
"E é precisamente este quadro ou natureza sancionatória da multa processual que nos parece incompatível com a plenitude do direito de acesso aos tribunais, exercido necessariamente sem os constrangimentos decorrentes de uma possível situação de carência económica da parte (aliás, em parte verificada supervenientemente pelo tribunal): o carácter desproporcionado deste sancionamento decorre, desde logo, da circunstância de o mecanismo do direito ao reembolso das quantias pagas, previsto no citado artigo 29.º, n.º 5, alínea b), não se configura como solução plenamente idónea e adequada, não abrangendo possivelmente o valor cominado a título de multa processual e que o interessado normalmente teria de satisfazer, sob pena de acabar por incorrer nas preclusões processuais previstas para o incumprimento da sanção 'tributária' inicialmente imposta: assente que a obrigação de pagar a taxa de justiça inicial vincula legitimamente a parte, devendo ser satisfeita nos 10 dias subsequentes à notificação do indeferimento administrativo, é manifesto que a 'causa' de tal multa sempre seria de imputar a um comportamento voluntário da parte, nada tendo, portanto, a ver com a restituição de quantias adiantadas a título de custas por quem, afinal, por decisão judicial, se veio a verificar estar isento ou dispensado do seu pagamento."
5 - Com efeito, não pode deixar de se concordar com os termos da decisão recorrida, no sentido da inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, da interpretação normativa dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.os 2, 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de tal decisão, sendo o atraso de pagamento sancionado com multa.
A garantia consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição impõe que o acesso aos tribunais não seja vedado em função da condição económica das pessoas (singulares e colectivas). É, porém, isto o que sucede quando a lei constrange a parte em situação de insuficiência económica, e que interpôs recurso da decisão negativa do serviço de segurança social, a pagar uma multa unicamente porque não tem meios económicos para pagar logo a taxa de justiça inicial correspondente à sua actividade processual.
Para a conclusão de que a dimensão normativa assinalada viola o direito de acesso aos tribunais consagrado naquele normativo da lei fundamental não pode deixar, também, de se ter presente o quantitativo concreto da taxa de justiça devida - e em parte já paga, depois da decisão do Tribunal que concedeu o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa parcial (50%) do pagamento da taxa de justiça e demais encargos -, calculada com base no (novo e elevado) valor atribuído à acção (de Euro 256 211,01), bem como da multa exigida, de Euro 890 (fl. 161 dos autos), e de Euro 2136 (fl. 162 dos autos), montantes que podem ter como efeito impedir o recurso ao tribunal por parte de interessado desprovido de condições económicas que lhe permitam efectuar o respectivo pagamento.
Admite-se que o direito a aceder ao tribunal para dele obter a solução jurídica de uma situação de conflitualidade não impõe uma única solução do regime do apoio judiciário, equacionável em termos rígidos. Mas a expectativa inicial do provável "custo" da iniciativa, pela multa em que se pode ser condenado mesmo tendo direito a apoio judiciário, é elemento de dissuasão da parte em situação de insuficiência económica, podendo configurar-se como encargo impeditivo do acesso ao tribunal a exigência de pagamento da taxa de justiça inicial logo nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de tal decisão, e sendo o atraso no pagamento cominado com multa.
Interessa, ademais, considerar que o "direito ao reembolso" das quantias pagas no caso de procedência do recurso interposto da decisão negativa do serviço de segurança social, previsto no artigo 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, não abrangerá, possivelmente, o valor cominado a título de multa, como bem salienta o Ministério Público nas suas alegações. Isto mesmo se afirmou no Acórdão 197/2006 (também disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt):
"[...]
O facto de o interessado beneficiar de apoio judiciário não o dispensa do pagamento das multas processuais que sejam condição de validade dos actos praticados com inobservância dos prazos peremptórios, a que se refere o artigo 145.º do CPC. Efectivamente, como se afirma no Acórdão 17/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 404 (cf. também, além do acórdão citado no despacho reclamado, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1994, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, t. I, p. 167), essa multa não cabe no conceito legal de custas (artigos 1.º e 74.º do Código das Custas Judiciais), nem está abrangida no elenco de benefícios do apoio judiciário (artigo 15.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro). Contra este entendimento não milita o elemento teleológico de interpretação da lei, nem o princípio da interpretação conforme à Constituição, designadamente o direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição). Uma vez obtida a concessão do apoio judiciário, traduzido na dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, a parte com insuficiência económica não pode considerar-se impedida, por causa dessa insuficiência, de defender judicialmente os seus direitos e interesses legalmente protegidos. E fica colocada no mesmo plano de igualdade que o interessado que possa suportar esses pagamentos. Ambas têm de se submeter às regras processuais, nomeadamente quanto a prazos, só podendo praticar o acto fora de prazo em caso de justo impedimento ou com multa. É certo que, no plano fáctico, a multa pesa diferentemente em função da situação económica de quem a suporta. Mas a multa é consequência da inobservância do prazo, pelo que, suposta a razoabilidade deste, a parte se queixará de si própria. Resquício de objecções que possam subsistir - e só poderão emanar de considerações relativas ao direito a um processo equitativo, na vertente do princípio da igualdade - são corrigidas pelo n.º 7 do artigo 145.º do CPC.
[...]".
Estando constitucionalmente consagrado o princípio de que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, é patente que se a parte for considerada - como acabou por acontecer no caso de onde emergiu o vertente recurso - como estando numa situação económica tal que lhe não permita custear (pelo menos a totalidade das) despesas processuais, a dimensão normativa em causa vai, em verdade, actuar como um obstáculo ao acesso ao tribunal, vendo-se o interessado privado de praticar o acto processual por insuficiência de meios económicos.
6 - Pelo que se expôs, é de concluir que a dimensão normativa cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, extraída dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.os 2, 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de tal decisão, e sendo o atraso no pagamento sancionado com multa, não garante o acesso aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos inerentes ao desenvolvimento do processo judicial, designadamente taxa de justiça e multa.
Conclui-se, assim, que é inconstitucional a dimensão normativa cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida, por ofensa da garantia de não denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, prevista no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
III - Decisão. - Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a norma que resulta dos artigos 31.º, n.º 5, alínea b), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 486.º-A, n.os 2, 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual é devido o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão negativa do serviço de segurança social sobre o respectivo pedido de apoio judiciário, mesmo na pendência de recurso interposto de tal decisão, e sendo o atraso no pagamento sancionado com multa processual;
b) Por conseguinte, confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida, negando provimento ao recurso.
Lisboa, 8 de Março de 2007. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Moura Ramos.