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Acórdão 111/2007, de 20 de Março

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma derivada dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que pode ser efectuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura de sentença

Texto do documento

Acórdão 111/2007

Processo 761/2006

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1 - Relatório

Em 26 de Novembro de 2001, Zeferino Sanches Gomes foi constituído arguido em processo de inquérito contra ele e outros instaurado, tendo prestado termo de identidade e residência, no qual indicou como residência a Rua de Maria Lamas, 4 (ex-lote 94), 2.º, direito, Damaia, sendo-lhe, no acto, dado expresso conhecimento da obrigação, entre outras, de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou lugar onde possa ser encontrado, e de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicou, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrassem a correr termos nesse momento (fl. 519).

Findo o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra SERVIFRAGENS, Serviços de Cofragens, Lda., Domingos Gomes Sanches, Roque Sanches Gomes e Zeferino Sanches Gomes, imputando a este último arguido, como co-autor, e na qualidade de gerente efectivo e representante legal da sociedade arguida, a prática de dois crimes continuados de abuso de confiança fiscal (fl. 783 a fl. 799).

Por despacho de 15 de Abril de 2004 do juiz do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, foi a acusação recebida e designado o dia 6 de Abril de 2005 para a realização da audiência de julgamento, logo se consignando que, em caso de adiamento, a audiência se realizaria em 8 de Junho de 2005 (fl. 813).

Na audiência realizada naquela primeira data, o arguido Zeferino Sanches Gomes faltou por motivo de doença, pelo que foi determinado, nos termos do artigo 333.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), que os autos aguardassem a segunda data já designada para julgamento (fls. 929-930).

Em 20 de Abril de 2005, o referido arguido apresentou requerimento do seguinte teor (fl. 972):

"Zeferino Sanches Gomes, arguido nos autos à margem referenciados, tendo solicitado o adiamento da audiência de julgamento para a segunda data, a realizar no dia 8 de Junho de 2005, vem pela presente requerer respeitosamente, nos termos do artigo 334.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a audiência se realize na sua ausência, em virtude de o arguido possuir residência no estrangeiro.

Na verdade, o arguido reside actualmente em Espanha, possuindo apenas a morada em Portugal, quer para os efeitos do presente processo, quer quando cá se desloca, onde mantém pessoa habilitada a receber todas as notificações na sua ausência.

Mais declara que aceita que as audiências se realizem na sua ausência."

Por despacho judicial de 22 de Abril de 2005 (fl. 978), foi deferido o precedente requerimento, determinando-se o julgamento do referido arguido na sua ausência, nos termos do disposto no artigo 334.º, n.º 2, do CPP.

Em 8 de Junho de 2005, procedeu-se à audiência de julgamento, à qual faltou o mandatário dos arguidos singulares, tendo-lhes sido nomeada defensora a advogada que já havia sido nomeada defensora da sociedade arguida (fls. 1001-1003), tendo, em audiência realizada em 20 de Junho de 2005 (acta a fl. 1041), com a presença da referida defensora, sido lida a sentença, que condenou o arguido Zeferino Sanches Gomes, como co-autor de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), e 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, condicionada ao pagamento ao Estado das quantias de imposto em causa (fls. 1013-1039).

Esta sentença foi notificada no próprio acto à defensora dos arguidos (fl. 1041), depositada na secretaria na mesma data (20 de Junho de 2005 - fl. 1040), e notificada, por via postal simples com prova de depósito, aos quatro arguidos, através de cartas expedidas em 24 de Junho de 2005 (fl. 1042 a fl. 1045).

Em 23 de Dezembro de 2005, o mandatário do arguido Zeferino Sanches Gomes apresentou requerimento (fl. 1083), em que, aduzindo ter sido notificado da conta de custas, "de onde deduz com relativa certeza que terá já sido realizado julgamento e proferida sentença", requer, "uma vez que foi o arguido julgado na sua ausência, nem tendo estado sequer representado pelo seu advogado constituído nos autos", que "lhe seja notificada pessoalmente, ou extraída cópia que lhe seja entregue, da sentença proferida nos presentes autos".

Este requerimento foi indeferido por despacho judicial de 4 de Janeiro de 2006 (fl. 1086), do seguinte teor:

"O arguido Zeferino Sanches Gomes foi julgado na ausência, a requerimento seu, nos termos do artigo 334.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. requerimento a fl. 972 e despacho a fl. 978).

A sentença proferida nos autos, e já transitada em julgado, foi devidamente notificada ao ilustre defensor oficioso nomeado para o efeito, dada a ausência do ilustre advogado constituído, advogado este regularmente notificado (cf. fls. 929 e 930), e foi regularmente notificada ao arguido (cf. fl. 1050).

Assim sendo, nada mais há que notificar relativamente à sentença proferida, que, como se disse, transitou em julgado."

Notificado deste despacho, o referido arguido veio requerer a sua "aclaração", nos seguintes termos:

"1 - Resulta do douto despacho de V. Ex.ª produzido a fl. 1086 que a sentença já transitou em julgado e que foi devidamente notificada ao ilustre defensor oficioso nomeado para o efeito, bem como regularmente notificada ao arguido (cf. fl. 1050).

2 - Compulsados os autos, verifica-se que a fl. 1050 se encontra uma prova de depósito postal.

3 - Não se encontrando em qualquer parte do processo prova da notificação pessoal ao arguido, e não decorre do artigo 334.º do CPP que o mesmo seja dispensável, nem no caso em que o mesmo é julgado na ausência a seu pedido.

4 - Por outro lado, consta do artigo 113.º, n.º 9, do CPP que 'as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença'.

5 - Mais consta do disposto no artigo 113.º, n.º 1, alínea a), que as notificações se fazem por contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado e na alínea c) por via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos.

6 - Não é, nem podia ser, o caso de notificação da sentença um caso especial, em que se permita a notificação por carta depositada na caixa postal, pois lembre-se que está em causa uma decisão que determina a privação de liberdade.

7 - Requer-se assim que V. Ex.ª esclareça se, quando refere por duas vezes no despacho em crise que a sentença transitou em julgado e que foi regularmente notificada ao arguido, o tribunal tem conhecimento da forma utilizada para essa notificação e se a considera válida.

8 - Caso entenda o Tribunal que se encontra praticada com regularidade a notificação ao arguido, então pela presente se arguiu a inconstitucionalidade do despacho em crise, bem como a inconstitucionalidade do acto de notificação da sentença ao arguido, por ofensa da lei fundamental, na sua norma contida no artigo 32.º, n.os 1, 3 e 7, da CRP, sem prejuízo de outro enquadramento que se vier a apurar aplicável."

Esta pretensão foi indeferida por despacho judicial de 16 de Janeiro de 2006 (fl. 1090), onde se consignou:

"O arguido Zeferino Sanches Gomes prestou termo de identidade e residência, a fl. 519, onde ficou advertido de que 'as posteriores notificações serão feitas por via postal simples'.

A sentença dos autos foi notificada ao referido arguido por via postal simples com prova de depósito (cf. fls. 1045 e 1050).

Como decorre do despacho a fl. 1086, o tribunal considerou e considera que a sentença foi regularmente notificada ao arguido, pelo meio acima aludido.

Nestes termos, e face ao requerido a fls. 1088 e 1089, se aclara o despacho a fl. 1086.

Dos despachos e das sentenças podem ser interpostos recursos, e nestes podem suscitar-se questões de inconstitucionalidade. O que não tem cabimento processual é arguir a inconstitucionalidade nos termos em que é feita na parte final a fl. 1089.

Assim, e nessa parte, nada há a decidir ou ordenar."

Do despacho que indeferiu a pretensão de notificação pessoal da sentença interpôs o dito arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando na respectiva motivação (fls. 1097-1109), além do mais, a questão da inconstitucionalidade, "por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 6, da CRP, [d]os artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP, quando interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento, nem na audiência de leitura de sentença, pudesse ser notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a notificação pessoal" (conclusão XIX), pelo que "o acto de notificação da sentença ao recorrente, por carta depositada na caixa postal, está ferido de inconstitucionalidade, por ofensa da lei fundamental, na sua norma contida no artigo 32.º, n.os 1 e 6, da CRP" (conclusão XXIII).

Pelo Acórdão de 11 de Julho de 2006 (fl. 1192 a fl. 1217), o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, por fundamentos assim sintetizados:

"6.5 - Em conclusão:

Nos autos, o arguido estava ciente de que o julgamento ia ser realizado em determinada data.

Foi o arguido que, exercendo um direito que a lei lhe concede, consentiu que a audiência fosse realizada na sua ausência.

E fê-lo cerca de dois meses antes dessa data.

Sujeitou-se assim à disciplina processual penal nessa matéria expressamente regulada no artigo 334.º

Nem nessa norma nem do cotejo das demais normas processuais penais resulta a obrigação de se proceder à notificação pessoal da sentença ao recorrente, quando consentiu que o julgamento se realizasse na sua ausência.

Essa obrigação não está prevista, desde logo porque se torna manifesto que o arguido está bem ciente da fase processual em que o processo se encontra, e afinal mantém todos os direitos de defesa que a lei lhe confere.

Ao arguido, nessas circunstâncias, mostra-se óbvio que o processo correrá os termos normais.

Sabe o arguido que a seguir à realização do julgamento é proferida sentença.

O arguido tem defensor constituído ou nomeado pelo Tribunal.

O arguido prestou termo de identidade e residência, e sabe que qualquer notificação a si dirigida relativa ao processo segue por carta simples para a morada por ele indicada.

No requerimento por si apresentado a consentir que a audiência fosse realizada na sua ausência, explicitou bem que mantinha essa morada em Portugal, além do mais, em função do termo de identidade e residência.

Sabia assim que as notificações aí lhe eram dirigidas, não obstante estar a residir no estrangeiro (cuja morada nunca indicou nos autos).

Essa é, aliás, uma das consequências da prestação do termo de identidade e residência por si assinado, tal como preceitua o artigo 196.º

Afinal, através do defensor (que esteve presente no julgamento e na leitura da sentença, logo dela notificado) e ou por si próprio, o arguido tem ao seu alcance todos os meios legais que lhe permitem conhecer o teor da sentença que se segue à realização do julgamento.

Por isso, a notificação operada nos termos contestados não diminui, por qualquer forma, as garantias de defesa que a lei acautela.

Em nosso entender, essas considerações são aplicáveis ao caso em que um arguido - o recorrente -, está ciente da data designada para julgamento e consente a sua realização na sua ausência, pelo que em nada se mostram beliscados os seus direitos constitucionais e processuais, não se considerando inconstitucionais as normas por ele invocadas, uma vez que foram feitas as diligências que a isso obstaram, e pelo recorrente consentidas."

É contra este acórdão que vem interposto, pelo mesmo arguido, o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, face ao artigo 32.º, n.os 1 e 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do CPP (por manifesto lapso, no requerimento de interposição de recurso, mencionou "CPC"), interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento, nem na audiência de leitura da sentença, pudesse considerar-se da mesma notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer meio que não seja a notificação pessoal.

Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações (fls. 1231-1245), no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"I - O douto acórdão de que ora se recorre pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP [por lapso, referiu CPC], quando interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento, nem na audiência de leitura de sentença pudesse considerar-se da mesma notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer meio que não seja a notificação pessoal.

II - Somente, baseando-se na convicção de que, com a prestação de termo de identidade e residência, o arguido estabelece um acordo com o tribunal no sentido de que, a partir dessa data 'qualquer notificação a si dirigida relativa ao processo, segue por carta simples para a morada por ele indicada'.

III - 'Por isso a notificação operada nos termos contestados, não diminui, por qualquer forma, as garantias de defesa que a lei acautela.'

IV - O artigo 373.º, n.º 3, do CPP importa um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do recorrente, incluindo o recurso, na medida em que não se assegura, de modo efectivo, a possibilidade daquele organizar a sua defesa.

V - Não decorre do artigo 334.º do CPP que a notificação pessoal da sentença seja dispensável no caso em que o arguido, ora recorrente, é julgado na ausência com base no n.º 2 desse mesmo dispositivo legal.

VI - O artigo 113.º, n.º 9, do mesmo diploma legal dispõe que as sentenças deverão ser notificadas na pessoa do arguido, sem no entanto fazer referência à modalidade em que essa notificação deverá ser realizada.

VII - Mais consta do artigo 113.º, n.º 1, alíneas a) e c), do mesmo diploma legal que as notificações se fazem por contacto pessoal com o notificado ou por via postal simples, apenas nos casos expressamente previstos.

VIII - A notificação da sentença não é uma situação especial em que se permita a notificação por carta depositada na caixa postal, pois está em causa uma decisão que determina a privação da liberdade.

IX - Ora, o facto de o recorrente ter prestado termo de identidade e residência tal não significa por si só que o mesmo não tenha de ser notificado pessoalmente da sentença, uma vez que foi julgado na ausência, ao abrigo do artigo 334.º, n.º 2, do CPP.

X - A exigência da notificação pessoal, nestes casos, justifica-se por razões de segurança e celeridade processuais na comunicação da sentença condenatória e de protecção constitucional do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.os 1 e 6, da CRP.

XI - Assim, são inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 6, da CRP, os artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP, quando interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento, nem na audiência de leitura de sentença pudesse considerar-se da mesma notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer meio que não seja a notificação pessoal.

XII - Devendo as mencionadas disposições ser interpretadas no sentido de consagrarem a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto esta notificação não for efectuada, contar o prazo para ser interposto recurso.

XIII - Pelo que, tem-se como necessária a notificação pessoal do recorrente, bem como é impossível a notificação da sentença por via postal, em virtude da ausência deste.

XIV - Face ao exposto, deverá ser declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 113.º, n.º 6, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP, nos termos supra mencionados."

O representante do Ministério Público neste Tribunal contra-alegou, concluindo:

"1 - Não são inconstitucionais as normas dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, ao serem interpretadas no sentido de bastar a notificação ao arguido da sentença condenatória, por via postal simples, para a morada que conste do termo de identidade e residência, validamente prestado, quando não esteve presente na audiência de julgamento, sabendo da sua realização, que previamente solicitara que se realizasse na sua ausência, não tendo igualmente estado presente na leitura da sentença, a qual foi devidamente notificado ao seu defensor presente no acto.

2 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação

Como este Tribunal recordou no Acórdão 545/2006, desta 2.ª Secção, onde se procedeu a desenvolvida menção da jurisprudência precedente, tendo por objecto a questão da constitucionalidade de normas relativas ao início do prazo para interposição de recurso em processo penal, "o critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), actuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, actuando diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método de registo utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação magnetofónica ou audio-visual)".

Aplicando este critério ao caso ora em apreço, constata-se que o arguido - que, através da prestação de termo de identidade e residência, assumira a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou lugar onde pudesse ser encontrado, e ficara ciente de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrassem a correr termos nesse momento - teve conhecimento da segunda data designada para a audiência de julgamento (tornada operativa por ele ter faltado, por motivo de doença, à data primeiramente fixada) e tomou a iniciativa de requerer que a mesma se processasse na sua ausência, invocando estar a residir no estrangeiro, expressamente referindo no respectivo requerimento que mantinha a residência indicada no termo de identidade e residência, onde "mant[inha]pessoa habilitada a receber todas as notificações na sua ausência". Neste contexto, o arguido, sabendo, como sabia, da data marcada para a realização do seu julgamento, devia, actuando com a devida diligência, procurar inteirar-se do que nele ocorrera, o que lhe possibilitaria conhecer a data designada para a leitura da sentença. Por outro lado, o arguido não questiona a efectiva realização da notificação por via postal simples nem invoca que a carta não haja chegado ao destino correcto, onde, como se viu, deixara pessoa habilitada a receber todas as notificações na sua ausência. Isto é: o arguido não questiona que o meio de comunicação utilizado pelo tribunal (via postal simples, com prova de depósito) foi apto a colocar a sentença no campo da sua cognoscibilidade pelo destinatário. O que o arguido sustenta é que, nesta hipótese, seria sempre exigível a notificação pessoal da sentença. Mas não é esse o regime legal considerado aplicável nem, pelas razões expostas, o mesmo se mostra, no caso, capaz de afectar, de modo intolerável, as garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas.

Assinale-se que o presente caso é distinto daqueles sobre que recaíram os Acórdãos n.os 87/2003, 312/2005 e 422/2005:

O Acórdão 87/2003 julgou inconstitucional a norma do artigo 411.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual o prazo para interpor recurso de acórdão de Tribunal da Relação, proferido em conferência, nos termos do artigo 419.º, n.º 4, do CPP, e não em audiência (com prévia convocação, para além de outros intervenientes, do defensor, de acordo com o artigo 421.º, n.º 2, do mesmo Código), se conta a partir do depósito do acórdão na secretaria, e não da respectiva notificação, tendo o Tribunal Constitucional sublinhado que, uma vez que "nem o recorrente nem o seu defensor tinham sequer conhecimento da data de realização da conferência, que não lhes foi comunicada", não lhes era exigível uma diligência que se traduziria no "controlo cego do hipotético dia da tomada de decisão por parte do Tribunal da Relação"; diferentemente, no presente caso, o arguido e respectivo mandatário tinham conhecimento da data marcada para a realização da audiência de julgamento e, actuando com a devida diligência, facilmente teriam conhecimento da data marcada para a leitura da sentença;

O Acórdão 312/2005 interpretou as normas dos artigos 411.º, n.º 1, e 333.º, n.º 5, do CPP no sentido de que o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória de arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal, e não a partir do depósito na secretaria, mas fê-lo num caso de ausência a que eram aplicáveis os n.os 2, 3 e 5 do artigo 333.º, que é hipótese distinta da situação ora apreço, que se encontra regulada no n.º 2 do artigo 334.º (audiência na ausência do arguido a requerimento ou com o consentimento deste, por residir no estrangeiro), a que, por expressa exclusão legal ("fora dos casos previstos nos n.os 1 e 2"), não é aplicável o regime do n.º 6 do artigo 334.º, correspondente ao n.º 5 do artigo 333.º, todos do CPP);

O Acórdão 422/2005 julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do CPP, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretados no sentido de que o prazo de interposição de recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se conta da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão por via postal simples, mas fê-lo atribuindo decisiva relevância às circunstâncias de, no caso, já não subsistir o termo de identidade e residência e obrigações conexas e de, tendo a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sido tomada sem prévia audição do condenado, este não dispor de qualquer indicação da data em que iria ser proferida tal decisão, enquanto, no presente caso, o termo de identidade e residência permanecia válido e era facilmente conhecível, pelo arguido, a data da leitura da sentença.

O presente caso regista, antes, similitude com a situação versada no Acórdão 378/2003, em que o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3, conjugado como o artigo 113.º, n.º 7 (correspondente ao actual n.º 9), do CPP, ambos na redacção dada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, interpretados no sentido de que o arguido, que estivera presente na audiência de julgamento e fora notificado da data da leitura da sentença, mas faltara a esta sessão de leitura, se considera notificado com a leitura da sentença feita perante o primitivo defensor nomeado ou perante advogado constituído. Como então se salientou, há que ter em conta, por um lado, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, e, por outro lado, a indiferença revelada pelo arguido, que, ciente da imputação de um facto punível e da data da leitura da sentença, se desinteressou de obter o seu oportuno conhecimento. Tal como nesse caso, também no presente o arguido dispôs de plena oportunidade para ter acesso à decisão condenatória contra si proferida, bastando que diligenciasse contactar, logo de seguida à data em que bem sabia que iria realizar-se o seu julgamento, quer o seu defensor, quer a própria secretaria judicial, ao que acresce - na situação ora em apreço - que nenhuma dúvida foi por ele suscitada quanto à efectiva recepção, no endereço postal por ele indicado no termo de identidade e residência, da carta de notificação da sentença.

Neste contexto, não se pode afirmar que do regime legal aplicado na decisão recorrida tenha resultado efectivo encurtamento das garantias de defesa do arguido, em especial do seu direito de recurso.

3 - Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma derivada dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que pode ser efectuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura da sentença; e, consequentemente,

b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Silva Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1554830.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2001-06-05 - Lei 15/2001 - Assembleia da República

    Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), publicado em anexo. Republicados em anexo a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26 de Outubro.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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