Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 646/2006, de 8 de Janeiro

Partilhar:

Sumário

Julga inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 1, ambos da Lei Fundamental, a norma constante da parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do Código de Processo e Procedimento Tributário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, quando aplicável por força do disposto no n.º 8 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, na medida em que exclui em absoluto a produção de prova testemunhal, nos casos em que esta é, em geral, admissível

Texto do documento

Acórdão 646/2006

Processo 748/2006

1 - Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra intentou Maria Teresa da Silva Santos Viegas meio processual acessório visando serem alterados os rendimentos líquidos de Euro 54 867,77, Euro 54 867,77 e Euro 54 867,77 que, por métodos indirectos, lhe foram fixados, para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, para os anos de 2002, 2003 e 2004.

No petitório daquele meio processual, a impugnante fez indicação de diversas testemunhas, com vista a, caso tal se tornasse necessário, prestarem depoimento sobre a matéria de facto que alegou naquele petitório.

Após ter sido deduzida oposição pelo director-geral dos Impostos, a juíza daquele Tribunal, em 8 de Agosto de 2006, proferiu o seguinte despacho:

"No presente recurso, interposto ao abrigo do artigo 146.º-B do CPPT, a contribuinte Maria Teresa Viegas veio alegar factos que carecem não só de prova documental mas também de prova diversa desta.

São estes: o dinheiro emprestado pelos filhos e a sua utilização do negócio em causa e que deu origem à presunção de rendimentos superiores.

Acontece, porém, que a norma que regula este tipo de recurso não admite prova para além da documental (artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT).

Contudo, afigura-se-nos que tal norma à luz da Constituição da República Portuguesa poderá ser inconstitucional, em concreto violando o artigo 20.º da Lei Fundamental.

Com efeito tem-se entendido que a efectiva garantia de acesso ao direito e aos Tribunais importa a consagração de um verdadeiro 'direito de prova' e 'a eliminação de disposições especiais que [...] limitassem o tipo de meios probatórios admissíveis'.

Não se pretende, como é claro, que o princípio seja interpretado como a consagração constitucional da livre admissibilidade dos meios de prova. A lei ordinária consagrava várias limitações ao exercício do direito de defesa no acesso aos meios probatórios umas [de] índole material (como as dos artigos 364.º e 393.º do Código Civil) e outras adjectivas, com finalidades como a eficácia e celeridade processuais.

No presente caso a lei determina que a decisão seja proferida no prazo de 90 dias por conseguinte a produção da prova testemunhal não é incompatível com tal prazo, e, também, não se vê que a eficácia da actuação da administração fiscal saia prejudicada.

Diga-se por fim que inúmeros processos urgentes (recurso da decisão do órgão de execução fiscal, arrolamentos e arresto) comportam prova testemunhal sem qualquer prejuízo para a celeridade processual.

A oportunidade da admissão deste meio de prova é, no direito tributário, concretamente ponderada pelo juiz, que poderá dispensar ou não as provas através de um juízo de prognose sobre a necessidade da mesma.

Por outro lado, a própria administração fiscal não está no procedimento de derrogação do sigilo bancário condicionada por tais limites já que o seu instrutor poderá utilizar todos os meios de prova legalmente previstos e que sejam necessários à decisão, tal como ouvir o contribuinte ou outras pessoas envolvidas e juntar as respectivas declarações reduzidas a escrito ao processo instrutor fundamentando assim a decisão a proferir a final (artigos 72.º da LGT, 50.º do CPPT e 55.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária).

Não há dúvida que uma tutela efectiva tem de passar também pela consagração efectiva de um processo equitativo que assegure a igualdade de armas na tramitação processual, como decorre do n.º 4 do artigo 20.º da Lei Fundamental.

Não será difícil descortinar que a prova testemunhal nestes processos, em que está em causa o recurso à tributação indirecta, se apresente como a mais adequada e até a única capaz de esclarecer alguns dos factos controvertidos.

Desta feita, julgando-se materialmente inconstitucional, à luz do artigo 20.º da Constituição, a norma do artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, na parte em que estatui que os meios de prova: 'devem revestir natureza exclusivamente documental', impede o recurso à prova testemunhal, admito a inquirição da prova arrolada.

Notifique.

Face à obrigatoriedade de interposição de recurso para o Ministério Público notifique o(a) Exm.º Procurador(a).

Oportunamente conclua para designar data para inquirição."

Do transcrito despacho recorreu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a representante do Ministério Público junta do indicado Tribunal, visando a apreciação da "disposição do artigo 146.º-B, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário na parte em que, prescrevendo que os meios de prova 'devem revestir natureza exclusivamente documental', impede o recurso à prova testemunhal".

O recurso foi admitido por despacho lavrado em 10 de Agosto de 2006 pela referida juíza.

2 - Determinada a feitura de alegações, concluiu a entidade recorrente a por si produzida, formulando as seguintes "conclusões":

"1 - O segmento final da norma constante do artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, ao restringir à prova documental o tipo de meios probatórios ao dispor do contribuinte que pretenda recorrer da decisão da administração tributária que determina a avaliação indirecta da matéria colectável - precludindo qualquer apreciação ou valoração judicial, susceptível de permitir adequar os meios probatórios requeridos à natureza dos factos controvertidos e à previsível utilidade para a justa composição do litígio - viola o direito de acesso aos tribunais, na dimensão do 'direito à prova' por parte do litigante onerado com o 'ónus da prova'.

2 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida."

Não houve qualquer resposta à alegação.

Cumpre decidir.

3 - A norma sub iudicio, inserida no artigo 146.º-B do Código de Processo e de Procedimento Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, e alterado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, apresenta a seguinte redacção (apõe-se, em itálico, o preceito que a contém):

"Artigo 146.º-B

Tramitação do recurso interposto pelo contribuinte

1 - O contribuinte que pretenda recorrer da decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária que lhe diga respeito deve justificar sumariamente as razões da sua discordância em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do seu domicílio fiscal.

2 - A petição referida no número anterior deve ser apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão, independentemente de a lei atribuir à mesma efeito suspensivo ou devolutivo.

3 - A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova, que devem revestir natureza exclusivamente documental.

4 - O director-geral dos Impostos ou o director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo não notificados para, querendo, deduzirem oposição no prazo de 10 dias, a qual deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova.

5 - As regas dos números precedentes aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao recurso previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária."

Anote-se que, de harmonia com os n.os 1 e 2 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária aprovada pela Lei 41/98, de 4 de Agosto (e que sofreu já algumas alterações - cf., citada Lei 15/2001, Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e Lei 50/2005, de 30 de Agosto), há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 (anexa àquela lei) ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela, para cuja aplicação se tomam em consideração os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo.

E, de acordo com o n.º 3, também do dito artigo 89.º-A, verificadas as situações que conduzam à avaliação indirecta da matéria colectável, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, sendo que (n.º 4 desse artigo), se não efectuar essa prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º (que cura da determinação da matéria tributável por métodos indirectos), que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

Manifestações de fortuna ... Rendimento padrão

1 - Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a 50 000 contos ... 20% do valor de aquisição.

2 - Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 10 000 contos e motociclos de valor igual ou superior a 2000 contos ... 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 10% por cada um dos anos seguintes.

3 - Barcos de recreio de valor igual ou superior a 5000 contos ... Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.

4 - Aeronaves de turismo ... Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.

Perante o que se consagra no n.º 6, ainda do mesmo artigo 89.º-A, da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes (que tratam dos pedidos de revisão da matéria tributável e do procedimento de revisão dessa matéria).

Destas citadas disposições resulta, pois, não olvidando o que se dispõe no n.º 8 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, que ao recurso da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto previsto no seu artigo 89.º-A é aplicável o que se prescreve na parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, que não é possível ao contribuinte apresentar prova testemunhal destinada à comprovação de factos que invoque e que, na sua perspectiva, são susceptíveis de infirmar os dados que conduziram à avaliação indirecta, sendo que é sobre o mesmo contribuinte que recai o ónus de demonstrar que a declaração de rendimentos que apresentou corresponde à realidade ou que outra foi a fonte das "manifestações de fortuna" evidenciadas.

A questão que, assim, se coloca, reside em saber se a limitação decorrente daquela parte final é de considerar como conflituante com a Lei Fundamental, enquanto se reporta à exclusão da prova testemunhal nos casos em que esta é admissível como meio de prova (e isto atendendo a que foi nessa dimensão que o despacho recorrido operou a desaplicação normativa em causa).

3.1 - Recaindo sobre o contribuinte, como se disse acima, o ónus de demonstração da realidade das declarações tributárias, não obstante as "manifestações de fortuna" indiciarem a percepção de rendimentos superiores aos constantes daquelas declarações, entendeu o legislador, com a norma em apreço, que os elementos de prova a carrear pelo contribuinte no sentido de infirmar a "presunção" decorrente de tais "manifestações" somente poderiam ser apresentados desde que revestissem a natureza documental.

Certamente que o fez com base na consideração, em primeiro lugar, que esses meios se apresentavam como detendo maior eficácia e fiabilidade do que os restantes; em segundo, que, como as declarações tributárias apresentadas são, em regra, demonstradas por documentos, igualmente por estes haveria de ser provado que as "manifestações de fortuna" indiciadoras de uma percepção de superiores rendimentos não corresponderiam à indiciação; em terceiro, que, como o processo é, por sua natureza, urgente, a utilização de outros meios de prova, designadamente testemunhal, não se compadeceria com a desejada celeridade adjectiva.

Justamente por isso, é de aceitar que - nas situações em que a prova de que as "manifestações de fortuna" não correspondem a um auferir de rendimentos superiores ao declarado possa, com suficiência, ser alcançada por meio documental - o intento do legislador precipitado no normativo em causa não se anteveja como desrazoável.

Na verdade, como tem este Tribunal assinalado por mais de uma vez (cf., verbi gratia, o seu Acórdão 489/2002, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º vol., pp. 861 e seguintes), goza o legislador, nomeadamente o legislador fiscal, de um grau de discricionariedade no estabelecimento, quer dos pressupostos que condicionam a invocabilidade de determinados factos sujeitos a tributação ou das causas de abatimento ou dedução à matéria colectável quer dos meios de prova, ainda que "tarifada", das circunstâncias que atestem a seriedade e plausibilidade das declarações.

Neste particular, como refere Miguel Teixeira de Sousa (As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, 228) "o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova". E, ainda segundo esse mesmo autor, tal "não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte). Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa". "Em muitos casos, a inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova testemunhal tem como fundamento o juízo do legislador sobre as graves consequências de um testemunho inverídico, dada a especial fiabilidade desse meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação racional" (cf., ainda, sobre o que se insere no direito de acesso aos tribunais, o Acórdão deste Tribunal n.º 86/88, in Diário da República. 2.ª série, de 22 de Agosto de 1988).

3.2 - Simplesmente, mesmo aceitando o que se expôs no antecedente ponto, e partindo agora da premissa que o direito de acesso à justiça integra, inter alia, o direito de o interessado produzir demonstração dos factos que, na sua óptica, suportam o "direito" ou o "interesse" que visa defender pelo recurso aos tribunais, o problema que se põe há-de residir na formulação de um juízo que pondere se o legislador, ao editar a norma em análise, respeitou, proporcionada e racionalmente, aquele direito na vertente em questão, em termos de conduzir a que, para a generalidade de situações, o interessado se não veja constrito à impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.

Este Tribunal, no seu Acórdão 187/2001 (in Diário da República 2.ª série, de 26 de Junho de 2001) teve ocasião de referir:

"[...] enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a determinada finalidade

[...]

Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador - diversamente da administração -, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma 'prerrogativa de avaliação', como que um crédito de confiança, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida.

[...]

Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação - ou não existe - e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia existir uma 'resposta certa' do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria verificação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e os seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.

[...]"

Ora, são cogitáveis situações em que, no que ora importa, a demonstração de que as "manifestações de fortuna" não produziram rendimentos diversos daqueles que foram trazidos às declarações se não alcança unicamente (ou, mais propriamente, não se pode alguma vez atingir) através de meios documentais, carecendo-se de prova testemunhal e, obviamente, nos casos em que esta seja admissível nos termos gerais de direito.

Nessas situações, perante a determinação ínsita na norma em causa, o interessado, perante uma, então, manifesta e, quiçá, insuperável, dificuldade em alcançar o objecto probandi, ver-se-ia postado numa impossibilidade de demonstrar os factos que suportavam os seus direitos ou interesses.

Essa limitação, que, em tais situações, redunda numa absoluta constrição de quanto à utilização desse específico meio de prova, não se revela ponderada e adequada em face do direito fundamental que deflui do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.

O direito à tutela judicial efectiva, como vincam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., 163) "sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância [...] de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu alegar [e, acrescentar-se-á agora, de provar], daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses".

Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 190) referem que, muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus processuais às "partes", o que é certo é que o direito ao processo inculca que "os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.os 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva".

Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao normativamente consagrado, a demonstração dos factos - que, no entendimento da "parte", conduzam à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido - não é possível, de todo, deixar de fazer-se através de prova testemunhal, desde que, repete-se, essa seja, nos termos gerais legalmente admissível, claramente que vai ficar afectada aquela defesa, porventura tornando inviável ou inexequível o direito de acesso aos tribunais.

E, nesse contexto, a solução legislativa que isso consagre não pode deixar de considerar-se como desproporcionada e afectadora do direito consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e valoração dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo.

4 - Em face do que deixa dito o Tribunal decide:

a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 1, ambos da Lei Fundamental, a norma constante da parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do Código de Processo e Procedimento Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, quando aplicável por força do disposto no n.º 8 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, na medida em que exclui em absoluto a produção de prova testemunhal, nos casos em que esta é, em geral, admissível;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso na medida do julgamento de inconstitucionalidade ora formulado.

Lisboa, 28 de Novembro de 2006. - Bravo Serra (relator) - Gil Galvão - Vítor Gomes - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1536780.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-04 - Lei 41/98 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a publicar uma lei geral tributátia donde constem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português e uma definição mais precisa dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes.

  • Tem documento Em vigor 1999-10-26 - Decreto-Lei 433/99 - Ministério das Finanças

    Aprova o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)

  • Tem documento Em vigor 2001-06-05 - Lei 15/2001 - Assembleia da República

    Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), publicado em anexo. Republicados em anexo a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 2004-12-30 - Lei 55-B/2004 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2005.

  • Tem documento Em vigor 2005-08-30 - Lei 50/2005 - Assembleia da República

    Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a lei geral tributária e o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, e procede à republicação deste último na íntegra, com a redacção resultante das alterações introduzidas.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda