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Acórdão 64/2006/T, de 19 de Maio

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Texto do documento

Acórdão 64/2006/T. Const. - Processo 707/2005. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

1 - Por Acórdão da 2.ª Vara Criminal de Lisboa de 20 de Abril de 2004, Luís Filipe Antunes Soares foi condenado, como autor material, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa.

Inconformado, interpôs recurso, mas a condenação foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Junho de 2005.

Recorreu, então, para o Supremo Tribunal de Justiça.

O recurso não foi, porém, admitido. Por despacho de 22 de Julho de 2005, o relator entendeu que, tendo a Relação confirmado o acórdão de 1.ª instância, e tendo o arguido sido condenado na pena de 6 anos de prisão, não podia recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, como resultaria da regra do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, conjugada com a proibição de reformatio in pejus (artigo 409.º do mesmo Código).

O arguido reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas a reclamação foi indeferida, nestes termos:

"Ao recorrente Luís Soares foi aplicada pena de prisão inferior a 8 anos, tal como já explicou a Relação de Lisboa (fl. 162 v.º).

O recurso não é admissível com fundamento no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP - o que traduz jurisprudência dominante no Supremo."

2 - Veio então o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação do "artigo 400.º, alínea f), do CPP, se interpretado, como o faz a decisão recorrida, no sentido de recusar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão da veneranda Relação de Lisboa, confirmativo de acórdão anterior da instância, em que se julga um crime de tráfico de droga, a que corresponde, em termos de moldura penal tipicizadora da infracção, a pena de prisão de 4 a 12 anos (artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro). Este artigo [o artigo 400.º, alínea f), do CPP], se interpretado no sentido e com a dimensão interpretativa de que não é possível o recurso para o STJ de acórdão da veneranda Relação de Lisboa que confirmou a pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido, encontra-se por tal motivo ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material [...]" e seria inconstitucional, por violação do "texto constitucional, máxime o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, da CRP".

Pelo Acórdão 628/2005 deste Tribunal, foi concedido provimento ao recurso e proferida decisão julgando "inconstitucional, por violação do direito ao recurso conjugado com o princípio da igualdade (artigos 32.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, da Constituição), a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a pena de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a 8 anos, mas a pena concretamente aplicada ao arguido - insusceptível de agravação por força da proibição da reformatio in pejus - tenha sido inferior a 8 anos".

3 - Invocando contradição com o Acórdão 640/2004, que julgara não ser desconforme com a Constituição a mesma norma, o Ministério Público recorreu para o plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-D da Lei 28/82, de 15 de Novembro.

O recurso foi admitido.

Apenas apresentou alegações o Ministério Público, sustentando o juízo de não inconstitucionalidade e formulando as seguintes conclusões:

"1 - A interpretação normativa da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal segundo a qual, no caso de dupla conforme, o arguido condenado em pena concreta inferior a 8 anos de prisão não tem interesse legítimo em aceder ao Supremo para obter uma atenuação de tal pena, - estando irremediavelmente precludido, por via do princípio da proibição da reformatio in pejus, que, nesse recurso, possa ocorrer uma agravação da pena concreta de prisão efectivamente aplicada - tendo, pelo contrário, o Ministério Público interesse legítimo em aceder ao Supremo para, como representante da acusação, pugnar pelo agravamento de tal pena concreta, aproximando-a ou fazendo-a coincidir com aquele máximo legal, tido por relevante para delimitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, não viola o princípio constitucional da igualdade, conexionado com o direito ao recurso.

2 - Na verdade, a diferenciação de posições daqueles sujeitos processuais, no que se refere ao acesso ao Supremo, assenta na própria diversidade que - em termos de lógica jurídica intrínseca - subjaz, pela natureza das coisas, aos recursos interpostos pela defesa e pela acusação, visando objectivos diferentes e antagónicos - e permitindo, por isso, que o interesse em agir dos respectivos sujeitos processuais seja aferido autonomamente.

3 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de não inconstitucionalidade, formulado no citado Acórdão 640/2004."

O recorrido não alegou.

4 - Feita a discussão do memorando apresentado e apurado o vencimento, foi deliberado, por maioria, conceder provimento ao recurso. Houve, portanto, mudança de relatora.

Para o efeito, e salientando que apenas lhe cabe apreciar a norma que constitui o objecto do recurso do ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, não lhe competindo julgar a interpretação do direito ordinário de que resultou, o Tribunal entendeu reafirmar o juízo de não inconstitucionalidade constante do Acórdão 640/2004, nos termos e pelos fundamentos dele constantes.

Escreveu-se no Acórdão 640/2004:

"[...] não cabe na competência deste Tribunal aferir do bem ou mal fundado desta interpretação, designadamente do seu decisivo pressuposto interpretativo que consiste em a gravidade da 'pena aplicável' que o legislador tomou como referente ser a pena (máxima) que, nas circunstâncias concretas da limitação ao poder cognitivo do tribunal ad quem inerente à proibição da reformatio in pejus, possa ser judicialmente aplicada e não aquela que corresponda ao limite máximo da moldura penal abstracta fixada no correspondente tipo legal.

[...]

4 - Qualquer destas normas [as das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal] foi já sujeita ao escrutínio de constitucionalidade, quanto à perspectiva da violação do direito ao recurso, questão que se reconduz ao problema de saber se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um triplo grau de jurisdição. Sempre sem sucesso, como pode ver-se nos Acórdãos n.os 49/2003 e 377/2003 [no que toca à norma da alínea e)] e nos Acórdãos n.os 189/2001, 336/2001, 369/2001, 495/2003 e 102/2004 [no que respeita à alínea f)], todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt.

Lembrando esta jurisprudência, disse-se no Acórdão 495/2003 (que pode consultar-se em http://www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:

"Ora é exacto que o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou que 'no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição consagra-se o direito ao recurso em processo penal, como uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas a Constituição já não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso, ou a um triplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional teve já a oportunidade para o afirmar, a propósito dos recursos penais em matéria de facto: não decorre obviamente da Constituição um direito ao triplo grau de jurisdição, ou ao duplo recurso (Acórdão 215/2001, não publicado)'.

Esta afirmação, feita no Acórdão 435/2001 (disponível, tal como o Acórdão 215/2001, em http://www.tribunalconstitucional.pt), foi proferida justamente a propósito da apreciação da alegada inconstitucionalidade da 'norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP', tendo o Tribunal Constitucional concluído, tal como, aliás, já fizera nos Acórdãos n.os 189/2001 e 369/2001 (também disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt), que 'não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição'.

A verdade, todavia, é que a apreciação então realizada tomou sempre como objecto tal norma interpretada no sentido de que a mesma se 'refere [...] claramente à moldura geral abstracta do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções que define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de acórdão condenatórios das Relações que confirmem a decisão de 1.ª instância' (citado Acórdão 189/2001).

Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade que o ora reclamante pretende que seja apreciada no recurso que interpôs, no Acórdão 451/2003 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt), nos seguintes termos:

'É certo que a interpretação normativa agora em causa não coincide com a que foi apreciada no Acórdão 189/2001 - neste a questão tinha directamente a ver com a pena aplicável em caso de concurso de infracções.

A verdade, porém, é que, no confronto com o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a questão da conformidade constitucional da interpretação normativa adoptada no acórdão recorrido se coloca nos mesmos termos.

Com efeito, a resolução da questão de constitucionalidade passa por saber quais os limites de conformação que o artigo 32.º, n.º 1, da CRP impõe ao legislador ordinário, em matéria de recurso penal.

E a resposta é dada no Acórdão 189/2001 no sentido de não haver vinculação a um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada.

Ora, não podendo o Tribunal Constitucional censurar as interpretações normativas que, no estrito plano do direito infraconstitucional, são feitas nas decisões recorridas, a inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão proferida em 2.º grau de jurisdição que confirma a condenação decretada em 1.ª instância - quando esse recurso é apenas interposto pelo arguido e, por força da proibição da reformatio in pejus, o STJ nunca poderá impor pena superior a 7 anos de prisão -, afigura-se racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o STJ com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação.

Tanto basta para entender que a questionada interpretação normativa não incorre em violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

[...]

No caso, o que sucedeu foi que o tribunal a quo integrou no conceito de pena aplicável constante da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, também, as situações em que, confirmada pela Relação a decisão condenatória proferida em 1.ª instância e sendo o recurso apenas interposto pelo arguido, nunca o STJ pudesse aplicar pena superior a 8 anos de prisão.'

Estas razões, mais directamente dirigidas à alínea f) mas que valem para o domínio de previsão comum (e, no caso, concorrente) das duas normas [...] - neste passo, o problema de constitucionalidade é sempre o do 3.º grau de jurisdição ou do duplo grau de recurso -, são suficientes para concluir que o sentido normativo questionado não viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, na vertente do direito ao recurso em processo penal."

5 - Sucede que o recorrente pretende o contraste das normas em causa também com o "princípio da igualdade de armas".

A propósito do denominado princípio da igualdade de armas em processo penal, embora fiscalizando norma de sentido inverso àquelas cuja validade constitucional agora apreciamos - questionava-se aí o artigo 646.º, n.º 6, do Código de Processo Penal de 1929, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 402/82, de 23 de Setembro, com a interpretação do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 1987, que vedava ao assistente e ao Ministério Público uma via de recurso que o sistema facultava ao arguido - disse este Tribunal, no Acórdão 132/92, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 24 de Julho de 1992, o seguinte:

"[...] No estrito âmbito do direito de defesa, o princípio da igualdade em matéria de recursos só pode conceber-se em benefício da defesa, isto é, tem de ser uma igualdade ao serviço do acusado; caso contrário, já estaremos fora do direito de defesa, já estaremos no âmbito do direito de acesso à justiça.

Com efeito, enquanto instrumento do direito de defesa, o direito ao recurso só pode operar no sentido de evitar que o arguido seja colocado em situação de desfavor face à acusação, no âmbito dos meios processuais que podem ser validamente utilizados na formação da convicção do tribunal, isto é, das bases argumentativas da decisão.

É certo que este Tribunal já postulou a necessidade de uma igualdade entre a acusação e a defesa, e justamente em matéria de recursos, no Acórdão 17/86 e no Acórdão 8/87, suplemento ao Diário da República, 1.ª série, de 9 de Fevereiro de 1987.

Mas tal posição foi depois abandonada nos Acórdãos n.os 398/89 e 496/89 (Diário da República, 2.ª série, de 14 de Setembro de 1989 e de 1 de Fevereiro de 1990, respectivamente), que aderiram expressamente a uma observação feita por Figueiredo Dias a propósito do principio da 'igualdade de armas' ('Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal', in O Novo Código de Processo Penal - Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra, Almedina, 1988, pp. 30-31):

Este princípio - que, de um ponto de vista jurídico-positivo, a doutrina e a jurisprudência dos países do Conselho da Europa retiram do disposto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - não pode, sob pena de erro crasso, ser entendido como obrigando ao estabelecimento de uma igualdade matemática ou sequer lógica. Fosse assim e teriam de ser fustigadas pela crítica numerosas normas com bom fundamento - e, na verdade, ainda maior número delas referentes a faculdades concedidas ao arguido do que ao Ministério Público! Desde logo feririam aquela 'igualdade' princípios - até jurídico-constitucionais - como os da inviolabilidade do direito de defesa, da presunção de inocência do arguido ou do in dubio pro reo. Mas feri-la-iam também faculdades especificamente conferidas ao arguido no julgamento e que não têm qualquer correspondência quanto à acusação [...] E sobretudo - se ali se tratasse de uma igualdade puramente formal - tornar-se-ia necessário ou desligar o Ministério Público do seu dever (estrito) de objectividade ou pôr um dever correspondente a cargo do arguido!

Torna-se assim evidente que a reclamada 'igualdade' de armas processuais - uma ideia em si prezável e que merece ser mantida e aprofundada - só pode ser entendida com um mínimo aceitável de correcção quando lançada no contexto mais amplo da estrutura lógico-material da acusação e da defesa e da sua dialéctica. Com a consequência de que uma concreta conformação processual só poderá ser recusada como violadora daquele princípio de igualdade quando dever considerar-se infundamentada, desrazoável ou arbitrária; como ainda quando possa reputar-se substancialmente discriminatória à luz das finalidades do processo penal, do programa político-criminal que àquele está assinado, ou dos referentes axiológicos que o comandam.

[...]"

Depois de recordar que o processo penal português não é um processo de partes e de realçar jurisprudência e doutrina no sentido de que, em processo penal, o princípio da igualdade de armas tem sido chamado a 'opera[r] essencialmente no âmbito do direito de defesa, no âmbito da preocupação de não colocar o arguido em desvantagem relativamente aos meios processuais de que dispõe a acusação com vista à formação da convicção do tribunal', o Acórdão 132/92 conclui que 'o princípio da igualdade de armas não é um princípio absoluto em processo penal e, portanto, só tem de ser aplicado, em toda a sua plenitude, para nivelar a posição dos sujeitos processuais dentro do âmbito do direito de defesa, e em favor da mesma defesa'.

Na linha deste entendimento, importa saber se, não sendo o processo penal português concebido como um processo de partes, sem prejuízo da tendencial igualdade de armas que, dentro do processo, se procurou estabelecer entre a acusação e a defesa (Figueiredo Dias, 'Os princípios estruturantes do processo e a revisão de 1998 do Código de Processo Penal', Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fasc. 2.º, p. 205), ainda satisfaz as exigências constitucionais de um processo equitativo a norma que, perante decisão proferida em 2.º grau de jurisdição, permite à acusação interpor recurso com o objectivo de agravamento da pena e veda à defesa a interposição de recurso (autónomo) em ordem a obter a redução da mesma pena ou a absolvição.

Efectivamente, para concluir pela violação do referido princípio não basta que, na interpretação adoptada pelo acórdão recorrido, as normas em causa coloquem o arguido e o Ministério Público (ou o assistente) numa posição assimétrica. Igualdade de armas significa a atribuição à acusação e à defesa de meios jurídicos igualmente eficazes para tornar efectivos os direitos estabelecidos a favor da acusação e da defesa. O que, como diz Cunha Rodrigues, 'Sobre o princípio da igualdade de armas', in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 1, fasc. 1, p. 91, 'tendo em conta o lastro histórico relativo à evolução da opinião jurídica sobre o problema, conduzirá a que o princípio funcione como sensor do maior ou menor grau com que, na prática, se efectivam os direitos da defesa'. Retomando a expressão de Figueiredo Dias transcrita no Acórdão 132/92, 'uma concreta conformação processual só poderá ser recusada como violadora daquele princípio de igualdade quando dever considerar-se infundamentada, desrazoável ou arbitrária; como ainda quando possa reputar-se substancialmente discriminatória à luz das finalidades do processo penal, do programa político-criminal que àquele está assinado, ou dos referentes axiológicos que o comandam'.

Ora, já vimos que tem fundamentação material reservar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça aos casos considerados pelo legislador como mais importantes e que não é desrazoável ou arbitrário um critério que arranque da gravidade da pena que possa ser imposta (critério da 'determinação concreta da competência' estendido à fase de recurso). Nesta perspectiva, a defesa e a acusação estão em posição substancialmente diferente. A pretensão processual (lato sensu) da acusação é que o Supremo imponha uma pena que se situa nesse patamar de gravidade sancionatória eleito como critério de relevância da sua intervenção, enquanto a da defesa quando recorre da aplicação de uma pena que não atingiu esse patamar é a inversa (obter uma pena inferior e, portanto, mais afastada do indicador de relevância do caso que foi escolhido pelo legislador como critério de acesso ao Supremo). Pelo que, por este ângulo, não estando constitucionalmente assegurado o 3.º grau de jurisdição e cabendo o referido critério na margem de discricionariedade legislativa na conformação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em matéria de processo penal (cf., supra, n.º 4), a diferenciação de tratamento entre a acusação e a defesa não é arbitrária ou desrazoável, antes corresponde ao objectivo, que não é constitucionalmente ilegítimo, de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para os casos mais importantes, aferida esta importância directamente pela potencialidade de inflicção de uma pena que ultrapasse um estipulado grau de gravidade e não pelo desvalor social daquele tipo de ilícito, indiciado pela moldura penal abstracta.

Finalmente, ainda dentro deste parâmetro, importa averiguar se essa diferenciação passa o teste de constitucionalidade 'à luz das finalidades do processo penal, do programa político criminal que àquele está assinalado e dos referentes axiológicos que o comandam', para utilizarmos a formulação acima transcrita.

Num primeiro exame, poder-se-ia dizer que, a um programa constitucional do processo penal 'orientado para a defesa' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição ..., 3.ª ed., p. 202) e comandado pela fundamental opção de que é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente, quadra mal numa norma que abre à acusação uma via de recurso com vista ao agravamento da condenação, do mesmo passo que a fecha à defesa - ao mesmo arguido, perante a mesma sentença - para obter a diminuição da pena ou, até, a absolvição. E seria tentador reclamar a intervenção do 'princípio da igualdade de armas' para 'nivelar a posição dos sujeitos processuais dentro do âmbito do direito de defesa, e em favor da mesma defesa', domínio em que a jurisprudência deste Tribunal já afirmou que o referido princípio 'tem de ser aplicado em toda a sua plenitude' (cf. o citado Acórdão 132/92).

Todavia, daqui não decorre que essa solução seja constitucionalmente imposta ou, dito de outro modo, que a norma sob escrutínio de constitucionalidade viole a dimensão de igualdade das partes (lato sensu) perante o juiz, que integra o direito a um processo equitativo.

Efectivamente, o princípio da igualdade de armas assume inquestionável especificidade no âmbito do processo penal, aparecendo estreitamente conexionado com a matéria das garantias de defesa, consagradas no artigo 32.º da Constituição (cf., além dos acórdãos anteriormente referidos, Carlos Lopes do Rego, 'Acesso ao direito e aos tribunais', in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, pp. 69, 70 e 76, máxime). Assim, desde que ficou admitido que, pelo ângulo do artigo 32.º da Constituição, não é constitucionalmente vedado fazer depender o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça da gravidade da pena aplicável, i. e., que o arguido condenado em pena menos grave que um certo limiar estabelecido não tem constitucionalmente garantido o direito a fazer examinar a sua causa pelo Supremo Tribunal de Justiça, só constituiria violação desta dimensão do processo equitativo que se expressa pelo 'princípio da igualdade de armas' não serem reconhecidos à defesa todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação na nova fase processual desencadeada por iniciativa do Ministério Público ou do assistente. Afinal, a nivelação dos sujeitos processuais (ainda que, porventura, dando 'uma espada mais comprida a quem tem o braço mais curto') só tem de existir 'dentro do âmbito do direito de defesa' e é pacífico que a garantia de 2.º grau de recurso não está compreendida no âmbito constitucional do direito de defesa.

Ora, a norma em causa veda ao arguido a iniciativa perante o Supremo Tribunal porque a sua pretensão se não situa no patamar que justifica a intervenção deste de acordo com um pressuposto objectivo: a gravidade da pena aplicada ou que se quer ver aplicada. Mas não afecta o seu estatuto processual uma vez desencadeada a nova fase processual, podendo não só contrariar a pretensão do agravamento da condenação como pugnar pela sua atenuação ou, até, pela absolvição.

Consequentemente, a norma em causa também não viola o princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa em processo penal.

[...]"

5 - O Acórdão 628/2005 afastou-se da conclusão então alcançada nos seguintes termos:

"[...] 7 - Convocando esta jurisprudência [o acórdão está a referir-se aos Acórdãos n.os 451/2003, 102/2004 e 640/2004 e aos que neles aparecem citados], o Tribunal Constitucional reconhece que o recorrente já dispôs de um grau de recurso. Assim, não se verifica qualquer violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso.

Todavia, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota nesta dimensão. Na verdade, tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adopte soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer - mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, v. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 1229/96 e 462/2003, consultáveis em www.tribunalconstitucional.pt).

A questão de constitucionalidade objecto do presente recurso coloca, na verdade, um problema de violação do princípio da igualdade articulado com o direito ao recurso. E isso sucede na medida em que da interpretação normativa em causa apenas resulta um condicionamento da recorribilidade para o arguido e não já para o Ministério Público. Com efeito, o Ministério Público ao recorrer no sentido do agravamento da responsabilidade do arguido impede o funcionamento do artigo 409.º do Código de Processo Penal. E o mesmo se passa, de acordo com tal dimensão normativa, com o assistente.

O Tribunal Constitucional, no citado Acórdão 640/2004, também apreciou a conformidade à Constituição da norma impugnada, tendo por parâmetro o princípio da igualdade de armas. No aresto referido, depois de sublinhar que o processo penal não é um 'processo de partes', explicitou que o fundamento da inadmissibilidade do recurso nesta constelação de casos é a pouca relevância da questão a decidir aferida em função da pena que pode ser aplicada em concreto.

O Tribunal realçou também que, no âmbito de um recurso a interpor pelo Ministério Público, a defesa poderá ainda pugnar pela atenuação da pena ou até pela absolvição.

No entanto, cabe evidenciar de novo que a interpretação normativa que veda a possibilidade de recurso depende, no seu teor, da proibição da reformatio in pejus. Por outro lado, o Tribunal Constitucional, no Acórdão 499/97 (Diário da República, 2.ª série, de 21 de Outubro de 1997), referiu que o fundamento constitucional da proibição da reformatio in pejus é a protecção do direito de recorrer, removendo a lei, por via de tal proibição, uma inibição natural que poderia limitar a iniciativa de interpor recurso por parte da defesa. Mas, na questão de constitucionalidade de que agora se trata, o funcionamento da proibição da reformatio in pejus, instituto que, como se viu, encontra a sua justificação na tutela constitucional do direito de recurso, tem um efeito 'periférico' ou 'colateral' que se traduz numa limitação do direito de recorrer. Assim, trata-se de uma decorrência lateral da proibição da reformatio in pejus que ultrapassa a essência do seu sentido constitucional.

8 - Por força do funcionamento da proibição da reformatio in pejus incorporada na citada dimensão normativa é, pois, negada a universalidade de uma regra de irrecorribilidade (no sentido de abranger todos os sujeitos processuais), já que a proibição de reforma da decisão em desfavor do arguido não funciona na perspectiva da acusação.

Na verdade, mesmo que fosse aceitável constitucionalmente uma limitação do recurso apenas quanto ao arguido, não se justificaria que o Ministério Público também ficasse limitado quando pretendesse interpor o recurso no exclusivo interesse da defesa. Uma tal hipótese levaria à consagração de uma regra em que a recorribilidade seria limitada para tudo o que implicasse o interesse da defesa e já não quando estivesse em causa o agravamento da posição do arguido.

O argumento segundo o qual a igualdade não estaria em causa com esta interpretação normativa por força do estatuto do Ministério Público não é procedente, pois a função do Ministério Público não se circunscreve à representação do interesse da acusação.

Não é, por conseguinte, o estatuto do Ministério Público que se reflecte na presente interpretação normativa, mas apenas um funcionamento anómalo da proibição da reformatio in pejus.

Por outro lado, a argumentação a partir do estatuto do Ministério Público não abrange sequer o assistente.

Verifica-se, portanto, uma arbitrária e desproporcionada desigualdade entre a posição do arguido e a posição da acusação quanto ao direito ao recurso.

Ante estas razões, conclui-se pelo desrespeito da igualdade na regulamentação do direito ao recurso.

9 - Por fim, a garantia constitucional do direito ao recurso pressupõe uma determinação prévia desse direito e das condições do respectivo exercício, que o torne susceptível de reconhecimento pelo respectivo titular no momento relevante para o seu exercício - o da notificação do acórdão - e que não o condicione ao comportamento de outros sujeitos processuais. Ora, também neste plano se divisa um enfraquecimento da garantia constitucional do direito ao recurso na interpretação normativa em crise."

6 - Ora, como repetidamente o Tribunal tem afirmado, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em processo penal. Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na perspectiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.

A norma que constitui o objecto do presente recurso, e que define, nos termos expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador.

Como se afirmou no Acórdão 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada.

A norma em apreciação não viola, pois, qualquer direito constitucional ao recurso ou qualquer regra de proporcionalidade.

7 - Também não ocorre uma eventual violação do princípio da igualdade, considerado isolada ou conjugadamente com o direito ao recurso.

Com efeito, e para além do que se disse já, o critério utilizado para definir a admissibilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça - a possibilidade de ser aplicada uma pena mais grave do que um determinado limite - torna irrelevante saber quem pode ou não tomar a iniciativa de a provocar (o arguido, o Ministério Público ou o assistente).

Acresce que, interposto recurso com o objectivo do agravamento da pena aplicada em 2.ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o recorrente.

8 - Finalmente, e também pelas razões já apontadas, também não procede o argumento de que seria constitucionalmente imposto que o arguido soubesse, no momento em que é notificado do acórdão da 2.ª instância, se tem ou não direito de recorrer e em que condições o pode exercer. Note-se, aliás, que se não vê como a norma em apreciação o impeça.

O mesmo se diga, aliás, da hipótese de se considerar constitucionalmente exigido esse conhecimento em momento ainda anterior.

9 - Assim, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a 8 anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite;

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2006. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Bravo Serra - Gil Galvão - Vítor Gomes - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junta) - Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de voto anexa) - Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração junta) - Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Artur Maurício.

Declaração de voto. - Votei no sentido da inconstitucionalidade pelas razões que passo a expor:

1 - A norma em questão é o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretado, nos dizeres da fórmula decisória, "no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a 8 anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite". A referida alínea f) prevê uma excepção à regra da recorribilidade, dizendo que não é admissível recurso de "acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções" (itálicos aditados). Logo, a contradição entre este texto do Código de Processo Penal, ao excluir apenas acórdãos condenatórios "por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos", e a norma apreciada, que elimina o recurso mesmo de acórdãos de condenação "pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite", deveria ter levado o Tribunal a apreciar a existência de uma limitação infundada e arbitrária ao direito (legalmente reconhecido) ao recurso, que o Supremo Tribunal de Justiça (em jurisprudência que, aliás, abandonou) procurara fundar numa utilização do instituto da reformatio in pejus contrária ao seu sentido protector do arguido recorrente.

Como fundamentação, a decisão de que discordei transcreve dois acórdãos do Tribunal Constitucional (um dos quais é o acórdão recorrido, em sentido contrário, e o outro o Acórdão 495/2003, que não tratou da questão da manifesta violação das garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, resultante da intervenção perversa da proibição da reformatio in pejus, mas apenas da chamada "igualdade de armas") e alinha considerações que, a meu ver, passam abertamente ao lado do problema levantado também no acórdão recorrido - a ponto de nem sequer o tocarem, isto é, de nem sequer referirem (ainda que para contrariar) que o acórdão recorrido assentara na retorsão do instituto da reformatio in pejus, que existe para proteger o direito ao recurso do arguido, com o fim de lho retirar, e na configuração de uma situação em que ao recorrente não é possível saber, no momento em que a decisão lhe é notificada, se pode ou não interpor recurso, ficando tal informação dependente da opção que a esse respeito vier a ser tomada pela acusação.

Como é evidente, o que estava em causa não era a imposição constitucional de qualquer "triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso", ou qualquer carácter "manifestamente infundado" de uma reserva da competência do Supremo Tribunal de Justiça "aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada". Antes o que esteve em questão no acórdão recorrido foi, justamente, o entendimento (nem sequer abordado na presente decisão) de que a garantia constitucional do direito ao recurso tem uma sua importante dimensão mesmo quando a previsão legislativa de um recurso não era constitucionalmente imposta, e a consideração das consequências sobre a situação processual do arguido da invocação contra ele - a qual, se não estivesse em causa uma decisão judicial e a liberdade do arguido, quase se diria irónica ou mesmo cínica - de um instituto que foi criado e existe para o proteger.

2 - No que toca ao referido conhecimento pelo arguido, "no momento em que é notificado do acórdão da 2.ª instância, se tem ou não direito de recorrer e em que condições o pode exercer", o que se não consegue vislumbrar é, aliás, como "se não vê que a norma em apreciação o impeça" - pois que, nas situações a que, no dizer da própria decisão, se reporta a norma em causa, tal conhecimento depende de circunstância que só posteriormente vem a ocorrer (isto é, o recurso ser "interposto apenas pelo arguido"). A não ser que pretendesse antes aceitar, implicitamente (pois se não assumiu explicitamente), que o arguido também não poderá interpor recurso mesmo que a acusação recorra para que seja aplicada pena superior a 8 anos.

Este último entendimento é patentemente contra legem, pelo que deveria dispensar maiores considerações. Lamento verificar que elas se impõem, já que à conclusão, tirada a latere do fundamento do acórdão recorrido, no sentido da inexistência de qualquer regime "arbitrário", "manifestamente infundado" ou violador de "qualquer regra de proporcionalidade" (qualificações utilizadas aparentemente em paralelo e indistintamente), se junta agora um "argumento" verdadeiramente inaceitável para o sentido do direito (mesmo apenas legal) ao recurso - segundo o qual, "interposto recurso com o objectivo do agravamento da pena aplicada em 2.ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o recorrente". Cabe perguntar se, nesta lógica que "acresce", não haveria antes que abolir toda a possibilidade de recurso pelo arguido, pois que, interposto recurso pela acusação, "o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o recorrente".

A utilização de tal fundamentação, ao mesmo tempo que se passa ostensivamente ao lado de argumentos baseados em garantias fundamentais em processo criminal, resultantes (mais ou menos claramente) do acórdão recorrido e em que este Tribunal firmou conhecida jurisprudência, seria, objectivamente, compatível com a censura (que, porém, reputo infundada) de que o Tribunal teria aceite, ainda que por omissão, que, consoante a atitude que a acusação adopte, também aquelas garantias e direitos existem para uns, mas não para outros. - Paulo Mota Pinto.

Declaração de voto. - 1 - Votei vencido pelas razões constantes do Acórdão 628/2005 e cuja bondade não vejo suficientemente rebatida na presente decisão.

2 - Na verdade, não descortino como não possa considerar-se afectar, de forma constitucionalmente relevante, as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) uma solução interpretativa nos termos da qual o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) acaba por ficar dependente não, simplesmente, da gravidade da pena prevista (ou aplicada) para o crime mas da circunstância aleatória de o Ministério Público vir a entender, após o exercício da acção penal (acusação), que a pena concretamente aplicada, que acabe por situar-se dentro do nível objectivo de gravidade subtraído à possibilidade de intervenção do STJ, satisfaz, segundo apenas o seu ponto de vista, as exigências de reparação da ordem jurídico-penal tida como violada.

3 - Na minha perspectiva, uma tal solução só seria constitucionalmente tolerável - e aqui porque o patamar de gravidade em função do qual o acesso ao escrutínio do STJ ser sempre o mesmo (pena aplicada ou aplicável, em abstracto, superior a 8 anos) para todos os sujeitos processuais - se a interpretação impugnada assumisse, igualmente, que o Ministério Público estaria impedido de recorrer para o STJ quando a pena se situasse dentro desse patamar, não obstante o mesmo poder ter ficado vencido nos recursos interpostos após a dedução da acusação. (Em tal caso, poder-se-ia sustentar valerem aqui as razões aduzidas para defender a constitucionalidade do artigo 16.º, n.º 3, do CPP.) Ora, uma tal limitação não a assume a norma sindicada.

4 - Finalmente, não pode deixar de considerar-se constitucionalmente aberrante que "a diminuição das garantias de defesa" do arguido, consubstanciadas na possibilidade de recurso para o STJ, acabe por resultar, na lógica da interpretação constitucionalmente impugnada, apenas da operacionalidade de uma limitação, cujo sentido é apenas o de limitar os poderes do tribunal de recurso no que toca à definição da medida da pena que pode ser aplicada ao arguido, pondo-o a coberto de qualquer agravação, quando só ele recorra ou o Ministério Público o faça no único interesse daquele - a proibição de reformatio in pejus -, extraindo, assim, desta garantia um efeito que lhe é estranho e perverso, porque desfavorável ao arguido, e totalmente externo à garantia do direito ao recurso dentro dos graus abstractamente admissíveis. - Benjamim Rodrigues.

Declaração de voto. - Votei vencida por entender que a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a 8 anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite, é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Na medida em que o direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, não impõe o direito a um triplo grau de jurisdição (ou o direito a um duplo grau de recurso), é constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso, desde que não seja desrazoável, arbitrária ou desproporcionada (cf., entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional referidos no Acórdão deste Tribunal n.º 640/2004). Neste sentido, não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada, assim se justificando o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

Porém, já não respeita aquele critério - é constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso, desde que não seja desrazoável, arbitrária ou desproporcionada - não admitir a intervenção daquele Supremo Tribunal quando a pena de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a 8 anos mas a pena concretamente aplicada ao arguido insusceptível de agravação por força da proibição da reformatio in pejus - tenha sido inferior a 8 anos.

Para além de a norma em causa frustrar completamente a razão de ser de uma proibição que encontra a sua justificação na tutela constitucional do direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), traduz-se numa restrição inadmissível deste direito, na medida em que se insere num ordenamento jurídico-processual penal que admite o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, ao mesmo tempo que permite o recurso directo para este Tribunal [cf. artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, alínea b), do Código de Processo Penal].

Admitindo-se o duplo grau de recurso relativamente a crimes puníveis com pena de prisão superior a 8 anos e a recorribilidade directa para a última instância de recurso, é constitucionalmente inadmissível que não haja recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quando esta instância já não possa aplicar pena de prisão superior a 8 anos de prisão, por se tratar de recurso interposto somente pelo arguido. Esta restrição contende com a estratégia de defesa do arguido, a qual pressupõe uma determinação prévia do direito ao recurso e das condições do respectivo exercício, que o torne susceptível de reconhecimento pelo respectivo titular no momento relevante para o seu exercício - o da notificação do acórdão condenatório em 1.ª instância - e que não o condicione ao comportamento de outros sujeitos processuais, nomeadamente ao comportamento do Ministério Público. - Maria João Antunes.

Declaração de voto. - Votei no sentido da confirmação do juízo de inconstitucionalidade constante do Acórdão 628/2005, da 2.ª Secção, que subscrevi.

1 - A norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP) - "1 - Não é admissível recurso: f) [d]e acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções" - tem sido objecto de recursos de constitucionalidade reportados a três dimensões normativas:

1) Enquanto estatui que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) dos acórdãos das Relações que confirmem condenações por crimes a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos (casos em que nem as penas abstractamente aplicáveis aos crimes singulares nem a pena máxima aplicável ao cúmulo ultrapassa os 8 anos de prisão): esta dimensão não foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.os 435/2001 e 104/2005;

2) Na interpretação, adoptada pelo STJ, de que, no caso de concurso de infracções, não cabe recurso para o STJ quando as penas parcelares de prisão abstractamente aplicáveis a cada um dos crimes singulares não são superiores a 8 anos, mesmo que a pena única abstractamente aplicável ao cúmulo seja superior a 8 anos de prisão: esta dimensão não foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.os 189/2001 e 490/2003 [os Acórdãos n.os 336/2001 e 369/2001 não julgarem inconstitucional a norma em causa remetendo para a fundamentação do Acórdão 189/2001, mas do teor desses acórdãos não resulta claro se, nos casos apreciados, a situação era a primeira (isto é, não havia concurso ou, havendo-o, a pena única abstractamente aplicável não era superior a 8 anos de prisão) ou a segunda (isto é, as penas parcelares aplicáveis eram inferiores a 8 anos de prisão, mas a pena aplicável ao cúmulo ultrapassava esse limite)]; e

3) Na interpretação que entende não caber recurso para o STJ de acórdãos condenatórios da Relação por crimes abstractamente puníveis com pena superior a 8 anos de prisão, se o recurso tiver sido interposto pelo arguido (ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa) e a condenação na Relação tiver sido igual ou inferior a 8 anos de prisão, por se entender que, nessa hipótese, por força da proibição da reformatio in pejus consagrada no artigo 409.º, n.º 1, do CPP, o STJ não poderá aplicar pena superior a 8 anos de prisão e, neste sentido, esta pena não seria de considerar como aplicável (equipara-se pena aplicável a pena aplicada não agravável): esta dimensão não foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.os 541/2003, 495/2003, 102/2004 e 640/2004.

O caso do presente recurso respeita a esta última situação, uma vez que o recorrente foi condenado pela autoria (para além de um crime de detenção ilegal de arma de defesa e de um crime previsto no artigo 275.º, n.º 4, do Código Penal) de um único crime de tráfico de estupefacientes, que é punível, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão de 4 a 12 anos, tendo a Relação confirmado a condenação nas penas parcelares de 6 anos, de 1 ano e de 7 meses de prisão e na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada na 1.ª instância e sendo o recurso para o STJ interposto apenas pelo arguido.

Os Acórdãos n.os 541/2003, 495/2003 e 102/2004 apreciaram a questão de inconstitucionalidade apenas na perspectiva da não consagração constitucional de um 3.º grau de jurisdição.

Já o Acórdão 640/2004 a apreciou também na perspectiva da violação do princípio da igualdade, face à admissibilidade de, perante a mesma decisão da Relação, ser admissível recurso do Ministério Público em desfavor da defesa. (Salvo o devido respeito, não se me afigura correcto o entendimento do Acórdão 102/2004 de que o Tribunal Constitucional não podia conhecer dessa questão por não constituir objecto do recurso a norma que admite o recurso do Ministério Público; sem ultrapassar o objecto do recurso, cingido à norma que veda o recurso do arguido, nada impede o Tribunal Constitucional de, para dar por verificada a violação do princípio da igualdade, tomar em consideração o regime legal que, face ao mesmo acórdão da Relação, permite o recurso do Ministério Público em desfavor da defesa.)

Foi a tese defendida nesse Acórdão 640/2004, da 3.ª Secção, que o precedente acórdão do plenário subscreveu, em detrimento da tese que fez vencimento no Acórdão 628/2005, da 2.ª Secção, ora recorrido.

Antes de enunciar as razões da minha adesão à tese do Acórdão 628/2005, importará fazer uma breve referência à evolução que a questão ora em causa tem tido na jurisprudência do STJ.

2 - A interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP questionada no presente recurso corresponde, ao que tudo indica, a uma corrente jurisprudencial transitória do STJ, que se verificou em 2003 e 2004, que nunca foi pacífica e que actualmente está abandonada a nível das secções criminais (ao que parece, só continua a ser seguida pelo presidente do STJ, nas reclamações que lhe são endereçadas contra despachos de não admissão de recursos): não foi apurada em 2005 nenhuma decisão das secções nesse sentido, mas apenas no sentido tradicionalmente tido como correcto de que "pena aplicável" é a pena abstractamente prevista para sancionar o crime por que o arguido foi condenado: cf., por último, os Acórdãos de 10 de Fevereiro de 2005, processo 3781/2004, e de 24 de Fevereiro de 2005, processo 63/2005.

A consideração de que "pena aplicável" é a pena (abstractamente) aplicável e não a pena (concretamente) aplicada corresponde ao entendimento generalizado da doutrina (cf. Manuel da Costa Andrade, Maria João Antunes e Susana Aires de Sousa, "Tempestividade e admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13.º, n.º 3, Julho-Setembro de 2003, pp. 419-432, em especial p. 424 e nota 7, e autores aí citados) e sempre foi assumida pelo Tribunal Constitucional como a que claramente decorria do texto do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP; lê-se no Acórdão 189/2001, a propósito dessa norma:

"A norma que vem questionada refere-se claramente à moldura geral abstracta do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções, que define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de acórdãos condenatórios das Relações que confirmem a decisão de 1.ª instância."

A corrente jurisprudencial em que a decisão recorrida no presente recurso se insere foi inaugurada pelo Acórdão do STJ de 8 de Maio de 2003, processo 1224/2003-5, assim sumariado:

"1 - Sendo permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

2 - Se foi aplicada uma única pena de 5 anos e 8 meses de prisão, inferior a 8 anos de prisão, se bem que a moldura penal abstracta fosse de 4 a 12 anos de prisão, e a Relação rejeitou o respectivo recurso, a sua decisão deve ser havida por confirmativa da condenação.

3 - Nesse caso, não pode o arguido recorrer para o STJ, pois que então a pena nunca poderá ser agravada (artigo 409.º do CPP) e, por essa via, aumentada, para além de 8 anos de prisão. Essa é a pena máxima aplicável, que coincide, por força da proibição da reformatio in pejus, com a pena aplicada, estando presente o limite da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.

4 - Já seria obviamente diferente em caso de recurso do assistente ou do Ministério Público, sem ser no interesse exclusivo da defesa, em que pena aplicada e aplicável não coincidiriam."

No mesmo sentido e com a mesma fundamentação decidiram os Acórdãos do STJ de 15 de Maio de 2003, processo 1109/2003-5, de 22 de Maio de 2003, processo 1798/2003-5, de 12 de Junho de 2003, processo 2130/2003-5, de 26 de Junho de 2003, processos n.os 1797/2003-5 e 1526/2003-5, e de 16 de Outubro de 2003, processo 3263/2003-5, entre outros.

A tese oposta foi inicialmente desenvolvida no voto de vencido do conselheiro Pereira Madeira aposto ao citado Acórdão de 26 de Junho de 2003, processo 1797/2003-5, e foi retomada e desenvolvida na fundamentação dos Acórdãos de 2 de Outubro de 2003, processos n.os 2720/2003-5, 2401/2003-5 e 2406/2003-5, de 9 de Outubro de 2003, processo 2851/2003-5, de 16 de Outubro de 2003, processo 2604/2003-5, e de 13 de Fevereiro de 2004, processo 444/2004-5, entre outros.

A fundamentação desta última corrente, actualmente dominante no STJ, assenta em considerações que assumem relevo do ponto de vista da apreciação da questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso.

Partindo do princípio geral, vigente nesta matéria, da ampla admissibilidade dos recursos (artigo 399.º do CPP), que só consente excepções nos casos expressamente previstos na lei, entre estes o da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, esta última previsão, justamente por força da sua excepcionalidade, não consente a interpretação, dificilmente compatível com a sua literalidade, que equipara "pena aplicável" a "pena aplicada" (mas insusceptível de agravamento em recurso), operando, por via da ampliação da excepção, uma restrição do direito de recurso do arguido (ou do recurso do Ministério Público no interesse da defesa).

Acresce que a interpretação em causa se revela, a diversos títulos, desrazoável, o que, acarretando ofensa ao princípio da proporcionalidade, é susceptível de fundar um juízo de inconstitucionalidade. Desrazoabilidade que se revela, essencialmente, a três níveis: i) pela falta de previsibilidade do direito ao recurso; ii) pela violação do princípio da igualdade de armas, e iii) pela perversa subversão da razão de ser da proibição da reformatio in pejus, que desvirtua o critério da pena abstractamente aplicável adoptado pelo legislador para a identificação das situações de maior gravidade criminal.

Quanto ao primeiro aspecto, salientou-se na referida declaração de voto aposta ao Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2003: "os critérios de recorribilidade e ou irrecorribilidade expressos no Código de Processo Penal, para assegurarem a necessária previsibilidade do direito em causa, são, em geral, pelas razões expostas, tributários de fixação apriorística, por isso ligados, como penhor dessa desejável previsibilidade, às penas abstractas aplicáveis e não, como é pretendido, de alguma forma dependentes das penas aplicadas pelas instâncias, portanto de verificação a posteriori e, assim, de aplicação mais ou menos empírica ou casuística, tornando-se, por essa via, num direito em larga medida imprevisível e incerto, já que dependente do resultado do julgamento de cada caso concreto, o que para uma previsão de tão largo espectro como o direito ao recurso não parece consagrar a melhor opção legislativa". E mais adiante:

"Não parece razoável, com efeito, até do ponto de vista constitucional do eficaz direito ao recurso, condicionar a sua existência, afinal, ao concreto entendimento das instâncias, que, para o bem e para o mal, teriam ao seu alcance o poder imenso de decidir, em última instância (!), da recorribilidade ou não da decisão por elas proferida. E muito menos, deixá-lo na dependência de avaliação alheia, na certeza de que o Código de Processo Penal só admite a figura do recurso subordinado 'em caso de recurso interposto por uma das partes civis' - artigo 401.º, n.º 1.

Daí que, nomeadamente, por razões de previsibilidade e segurança jurídica, o critério da recorribilidade ou irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça não possa, e não deva, ser ligado, casuisticamente, a posteriori, às penas concretas aplicadas, antes devendo ser aferido, em abstracto e a priori, pelas molduras legais abstractas aplicáveis."

Ou, como se expressou o Acórdão de 2 de Julho de 2003, processo 1882/2003-3:

"Sendo o recurso uma garantia constitucional, o Tribunal de recurso, como qualquer outro Tribunal competente em matéria penal, deve também ser predeterminado por lei. E predeterminado por lei tem de significar que, no momento relevante para o exercício do direito de recurso, o Tribunal tem de estar determinado e prefixado por derivação directa, pura e simples, da lei, e não com a determinação condicionada por meras contingências do processo, como seria o caso de ser ou não admissível recurso conforme o Ministério Público recorresse ou não. O momento relevante do ponto de vista do titular do direito de recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer: é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a decisão que o interessado toma sobre o exercício do direito. O Tribunal de recurso e as condições de exercício do direito têm de estar determinados nesse momento, não podendo, salvo afectação dos princípios do recurso e da predeterminação do Tribunal, estar dependentes de condições subsequentes, não domináveis pelo titular do direito e inteiramente contingentes, como seja, no caso, a circunstância de o Ministério Público interpor ou não recurso. A predeterminação do Tribunal e as condições do exercício do direito têm, pois, de estar fixadas no momento relevante: seja, por exemplo, na acusação, nos casos em que o Ministério Público usa da faculdade conferida pelo artigo 16.º, n.º 3, do CPP, seja também no recurso, quando o titular do direito está em condições de o exercer. A determinação ex post, contingente e ocasional, do tribunal de recurso, ou mesmo sobre a existência do direito ao recurso, contraria, de modo marcado, os referidos princípios, não podendo valer uma interpretação que seja simultaneamente contra a letra e os princípios."

Quanto à segunda perspectiva - violação do princípio da igualdade de armas -, consignou-se na citada declaração de voto que, na interpretação criticada, "verificando-se dupla conforme, isto é, convergência de posições entre as instâncias quanto à condenação, só à acusação fica reservado o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, direito que, assim, é incompreensivelmente negado ao condenado, o que, privilegiando sem razão aparente a 'parte acusadora', coloca a defesa numa injustificada situação de inferioridade e incomportável desigualdade processual". Acrescentando:

"Nem se argumente, ex adverso, que, se o Ministério Público decidir recorrer, então já o arguido o poderá fazer também em igualdade de armas ... e que, enfim, a existir aqui alguma ofensa a tal princípio, ela compensaria de algum modo a que - pendendo a favor do arguido - já resulta da irrecorribilidade em caso de dupla conforme absolutória contemplada na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo 400.º

É que, por um lado, não se vê onde possa residir a reclamada igualdade de posições processuais ou de armas, quando o direito ao recurso do arguido é subtraído à sua própria avaliação e fica dependente de ponderação e avaliação alheias e, por outro, tratando-se, ali - na dupla conforme absolutória - de preservar a absolvição, dá-se, por essa via, corpo visível à regra da liberdade consagrada, nomeadamente, no artigo 27.º, n.º 1, da lei fundamental - e, sobretudo, a garantia constitucional de processo criminal, decorrente da 'dignidade da pessoa humana' (artigo 1.º), de que 'todo o arguido se presume inocente' (artigo 32.º, n.º 2) - o que não sucede no caso vertente, em que a violação favorece a parte acusadora (na decorrência de uma qualquer presunção de culpabilidade do arguido) em detrimento precisamente da parte constitucionalmente presumida inocente.

Além de que, e salvo o devido respeito, a haver, ali, violação de tal princípio, não seria digno da melhor solução jurídica remediar um mal, contrapondo-lhe outro igual [...] Finalmente, a dupla conforme absolutória - ao contrário também do que sucede na situação ora em apreço - aporta consigo a reposição definitiva da paz social de algum modo afectada pelo caso, o que, só por si, justificaria a discriminação positiva que a lei lhe confere."

Por último, a interpretação criticada implica uma utilização perversa do instituto da proibição da reformatio in pejus. Na verdade, segundo a opção do legislador, "a gravidade do crime (que justifica a intervenção do STJ no recurso) resulta não da pena efectivamente aplicada mas da moldura penal abstractamente aplicável, pois ao longo do processo é esta moldura que acarreta para o arguido determinadas sujeições processuais muito penosas, respeitantes, por exemplo, à aplicação e duração da prisão preventiva. Daí que violaria o princípio da lealdade processual considerar-se o crime como 'muito grave' (face à pena abstractamente aplicável) para impor deveres ao arguido, mas 'pouco grave' (face à pena efectivamente aplicada) para lhe retirar o direito de recorrer", consequência esta última que implica volver a proibição da reformatio in pejus (que visa justamente fomentar o uso do recurso, afastando a inibição que poderia resultar do receio de o arguido ver a sua condenação agravada) em prejuízo do próprio condenado, negando-lhe o direito ao recurso.

3 - Recenseada a jurisprudência relevante, para a questão em análise, do Tribunal Constitucional (supra, n.º 1) e do STJ (supra, n.º 2), é tempo de, sinteticamente, enunciar os fundamentos deste voto dissidente.

Não se questiona a afirmação de que a Constituição não impõe ao legislador ordinário a instituição de um triplo grau de jurisdição, ou de um duplo grau de recurso, em processo criminal.

Mas entende-se - como o Tribunal Constitucional sempre tem entendido - que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, esse triplo grau ou duplo recurso, na respectiva regulamentação não lhe é consentido adoptar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias.

E, a meu ver, essa desproporcionalidade, face ao critério normativo objecto do presente recurso, é patente a vários níveis, atingindo um grau de intolerabilidade que justifica a emissão de juízo de inconstitucionalidade.

É, desde logo, flagrante a desigualdade de tratamento entre a defesa e a acusação, quando, face a uma mesma decisão condenatória (por crime punível com pena de prisão superior a 8 anos, mas concretamente fixada em medida inferior a 8 anos), não se admite, à partida, o recurso do arguido (ou do Ministério Público no exclusivo interesse da defesa) e se consente sempre o recurso do Ministério Público (em desfavor da defesa) e do assistente. Nem se diga, como se faz no n.º 7 do precedente acórdão, que "interposto recurso com o objectivo do agravamento da pena aplicada em 2.ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o recorrente". A questão não é essa e seria, aliás, dificilmente imaginável que alguém ousasse defender que, interposto recurso pela acusação (pública ou particular), a intervenção do arguido, como recorrido, só pudesse consistir em pugnar contra o agravamento da condenação, ficando tolhido de defender a redução da pena ou a sua absolvição. A questão está antes em que a interpretação em causa retira ao arguido o direito de autonomamente interpor recurso, ficando a sua capacidade impugnatória inteiramente dependente da estratégia dos seus adversários processuais.

Em segundo lugar, a mesma interpretação não assegura a devida predeterminação dos direitos de defesa e do tribunal competente. No momento relevante para o efeito (quando é notificado do acórdão condenatório da Relação), o arguido não sabe se pode interpor recurso para o STJ ou não. Tudo vai depender da conduta processual futura de terceiros: do assistente e do Ministério Público. Se estes interpuserem recurso (e se, analisado o interposto pelo Ministério Público, se concluir que o mesmo é desfavorável ao arguido - caso contrário nem sequer o recurso do Ministério Público é admissível, salvo se também o assistente tiver recorrido), surge para o arguido o direito de recurso. Se o não fizerem, essa faculdade impugnatória fica-lhe vedada. Neste contexto, não vejo como não seja bem visível que a interpretação em apreço impede o arguido de, no momento em que é notificado do acórdão da Relação, saber se pode recorrer para o STJ. Viola os princípios do recurso e da predeterminação do tribunal a colocação do direito de o arguido recorrer para o STJ na dependência "de condições subsequentes, não domináveis pelo titular do direito e inteiramente contingentes, como seja, no caso, a circunstância de, no caso, o Ministério Público [ou o assistente] interpor ou não recurso", como se expressou o citado acórdão do STJ de 2 de Julho de 2003, sublinhando que quer a existência de recurso criminal, como garantia constitucional, quer a determinação do tribunal de recurso, como qualquer outro tribunal competente em matéria penal, têm de estar, no momento relevante para o exercício do direito de recurso, prefixadas por derivação directa, pura e simples, da lei. A determinação ex post, contingente e ocasional, inteiramente dependente de condutas processuais de terceiros, quer do tribunal de recurso quer da própria existência de recurso, afronta flagrantemente aqueles princípios constitucionais.

Finalmente, é desrazoável utilizar perversamente o instituto da proibição da reformatio in pejus - que, ao afastar o risco (potencialmente inibidor da interposição de recurso) de o arguido, apelando para tribunal superior, ver agravada a sua condenação, visa justamente fomentar o exercício da faculdade de recorrer - para tolher ou limitar o direito de recurso. Ao que acresce a adopção de uma dualidade de interpretação do critério da "pena aplicável", como indiciador da gravidade criminal, sempre em desfavor do arguido. O legislador associou aos casos mais graves, equilibradamente, maiores ónus e maiores garantias para o arguido: para os crimes mais graves, consente-se o recurso a meios de prova potencialmente mais lesivos de direitos do arguido (por exemplo, intercepções telefónicas) e a imposição de medidas de coacção mais graves e duradouras, mas simultaneamente reforçam-se as garantias impugnatórias. Neste contexto, surge como desrespeitador desse equilíbrio, por exemplo, considerar como relevante para exasperar os prazos de duração máxima de prisão preventiva o critério da pena abstractamente aplicável e simultaneamente abandoná-lo, substituindo-o pelo critério da pena concretamente aplicada não agravável por força do funcionamento anómalo da proibição da reformatio in pejus, para negar o direito de recurso do arguido. Um arguido que viu confirmada pela Relação a sua condenação em pena de prisão inferior a 8 anos por crime abstractamente punível com pena superior a esse limite continua a estar sujeito ao alargamento do prazo máximo de prisão preventiva de 2 anos para 30 meses, por "se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos" (artigo 215.º, n.º 2, do CPP), mas, se pretender recorrer para o STJ, essa faculdade é-lhe negada por se entender que não lhe é "aplicável" pena superior a 8 anos de prisão.

Em suma: a interpretação normativa questionada, pela intolerável desrazoabilidade, indeterminação e discriminação entre acusação e defesa que encerra, viola o princípio da proporcionalidade, a que o legislador ordinário está constitucionalmente vinculado na regulação dos recursos que preveja, mesmo que não se trate de recursos constitucionalmente impostos. - Mário José de Araújo Torres.

Declaração de voto. - Votei vencida no presente acórdão, essencialmente pelas razões que constituem a fundamentação do Acórdão 628/2005, da qual fui relatora.

1 - Essas razões não foram, desde logo, superadas pela argumentação do Ministério Público, recorrente, nos presentes autos.

Contra a fundamentação do Acórdão 628/2005, o Ministério Público invocou a situação em que o arguido é condenado numa pena concreta de 2 anos de prisão pela prática de um crime ao qual corresponde a pena cujo limite máximo ultrapassa os 8 anos de prisão, para a comparar com um arguido ao qual é aplicada a pena de 6 anos pela prática de um crime cujo limite máximo da pena seja também de 6 anos de prisão. Sublinhou o recorrente, a partir dessa comparação, que o arguido ao qual é aplicada a pena de 2 anos de prisão pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, ao passo que o arguido condenado em 6 anos de prisão não pode interpor tal recurso. Pretendeu, deste modo, realçar a pretensa incongruência da aferição da gravidade de um crime em função da "pena hipoteticamente aplicável" e não em função da pena realmente aplicada, justificando, assim, do ponto de vista constitucional a solução normativa em causa neste processo.

No entanto, o entendimento segundo o qual a referência à pena aplicável é uma referência à medida da pena em abstracto não se pode confundir com o entendimento segundo o qual tal referência se reportará à "gravidade hipotética ou abstracta do crime", como pretendeu o Ministério Público. Na verdade, a selecção dos crimes cuja gravidade fundamenta o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça assenta no critério da gravidade do ilícito que a norma sancionatória exprime em geral para uma categoria de factos. A relevância da gravidade do ilícito não é afectada pela sua graduabilidade, conforme resulta da alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, o qual determina que a medida da pena em concreto tem em conta "o grau de ilicitude do facto". Esse critério, a par do que se estabelece no artigo 71.º, n.º 1, segundo o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, corresponde à previsão de uma individualização da pena, em função de circunstâncias que envolvem acidentalmente a realização do facto, mas que não alteram essencialmente a natureza da gravidade do ilícito, ou seja, a pertença do facto a uma categoria determinada.

Entendimento diverso abriria espaço para a sobreposição da configuração acidental concreta do facto à sua qualificação como um certo tipo de ilícito.

Assim, a pena aplicada apenas revela o limite concreto da responsabilidade por culpa do agente, dentro de um quadro de gravidade do ilícito previamente definido pelo legislador.

Não é, pois, adequada ao sistema do Código, sedimentado numa sólida tradição quanto à teoria geral do crime, a equiparação ou comparação invocada pelo Ministério Público, já que os níveis de gravidade dos dois ilícitos configurados são diferentes. É essa diferença que justifica (ou fundamenta) o regime do recurso e que permite confundir uma mera variação individualizadora da pena dentro de uma moldura com as alterações qualitativas da própria moldura, correspondentes já a um diferente tipo de ilícito. É aliás esta a razão que permitirá, na fase de recurso, o agravamento da pena concreta para além do limite dos 8 anos, nestes últimos casos. E é, em última análise, essa perspectiva que justifica a recorribilidade na perspectiva do legislador.

De resto, se algum problema de constitucionalidade se colocar no caso deverá ser apreciado no processo próprio e não no presente, no qual o crime é punível com pena cujo limite máximo ultrapassa os 8 anos de prisão.

O recorrente invocou ainda o critério da sucumbência do processo civil para explicar o entendimento que fez vencimento no Acórdão 640/2004. Mas, em direito penal, é justificável que seja a gravidade do ilícito e a medida da pena correspondente e não critérios baseados no valor pecuniário o critério fundamental de referência para a recorribilidade. De resto, o Tribunal Constitucional sempre considerou que os critérios do recurso do processo civil não têm aplicação necessária no processo penal e vice-versa (cf., exemplificativamente, os Acórdãos n.os 429/99, 722/98 e 201/94, todos em www.tribunalconstitucional.pt).

O recorrente referiu, por fim, que, na perspectiva que defende, não está em causa a atribuição de uma prerrogativa estatutária ao Ministério Público. No entanto, no Acórdão impugnado também se considerou que não estava em causa o estatuto do Ministério Público, "mas apenas um funcionamento anómalo da proibição da reformatio in pejus", o que corresponde a um discurso diverso.

2 - No presente acórdão, a fundamentação acolhida também não superou, a meu ver, os fundamentos do juízo de inconstitucionalidade a que o Acórdão 623/2005 chegou. Baseou-se tal fundamentação em três argumentos, que não são susceptíveis de rebater, em termos lógico jurídicos, as razões a favor da inconstitucionalidade.

Assim, a invocação da não exigência constitucional de um triplo grau de jurisdição ou de um duplo grau de recurso não constitui qualquer argumento que possa justificar a norma que admita a possibilidade de duplo grau de recurso para agravar a responsabilidade do arguido, determinada pela acusação.

A não imposição constitucional de um duplo grau de recurso não justifica uma diferenciação de posições entre a acusação e a defesa no processo penal devido a um funcionamento anómalo da proibição da reformatio in pejus.

Admitir este tipo de argumento é o mesmo que reconhecer que é uma resposta satisfatória à eventual violação da igualdade pela previsão legal de uma diferente idade de reforma entre homens e mulheres, o facto de uma certa idade da reforma não ser constitucionalmente imposta.

Em segundo lugar, não é uma resposta adequada à questão da violação da igualdade e do direito ao recurso o facto de nos casos em que o recurso seja admissível - apenas aqueles em que é interposto com o objectivo do agravamento pela acusação - o arguido ter "as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se ele fosse recorrente". Com efeito, a violação da igualdade dá-se a montante quanto à possibilidade de recorrer que é subtraída à defesa, criando-se uma espécie de recurso subordinado. Também não está directamente em causa a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça se reservar, em via de recurso, à apreciação dos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada. Não é essa dimensão normativa sequer questionada. O que está antes em causa é que a possibilidade anterior seja determinável estritamente pelo Ministério Público ou pelo assistente, através de um funcionamento indevido da proibição da reformatio in pejus.

Por outro lado, é óbvio que o recorrente não pode prever quais as suas possibilidades processuais de actuação no momento em que é notificado do acórdão da 2.ª instância e que essa situação é limitativa da orientação da defesa.

3 - Finalmente, entendo que a dimensão normativa em causa, destruindo a universalidade do direito ao recurso, altera o equilíbrio entre os sujeitos processuais, Ministério Público ou assistente, por um lado, e arguido, por outro lado, afectando a estrutura acusatória do processo na fase do recurso, em que não podem predominar nem o interesse nem o poder processual de uma das posições. Abre, assim, um directo confronto com o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, que prevê aquela estrutura acusatória, como modo imparcial de definir o direito. - Maria Fernanda Palma.

Declaração de voto. - Acompanhando a posição tomada no acórdão recorrido, que subscrevi, votei no sentido da confirmação do juízo de inconstitucionalidade dele constante pelas razões que sumariamente passo a referir.

Diferentemente do que decorre da exposição da tese que fez vencimento (n.º 4 do acórdão), tal não resulta de se pretender que o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição exigiria por si, sem mais, a possibilidade de recorrer vedada pela interpretação normativa em análise. Também creio que aquele preceito não impõe qualquer triplo grau de jurisdição. Mas tenho igualmente por assente que, quando preveja um grau de recurso a que não está constitucionalmente obrigado, o legislador não deixa de estar vinculado a não consagrar soluções desproporcionadas ou discriminatórias.

E é a meu ver o que ocorre quando se admite ao Ministério Público ou ao assistente a interposição de recurso em desfavor da defesa e se nega essa possibilidade ao arguido (ou ao mesmo Ministério Público, no exclusivo interesse da defesa). Desigualdade que ocorre ademais num contexto algo paradoxal, pela circunstância de virem assim a reverter contra o arguido, no caso que ora nos ocupa, as consequências de um instituto (o da reformatio in pejus) criado com o objectivo de o proteger. Acresce que a tese que fez vencimento coloca igualmente o arguido, no momento em que lhe é notificada uma decisão, perante a indeterminação das condições de que depende o exercício do seu direito ao recurso, uma vez que só lhe é aberta tal faculdade se ela for inicialmente exercida, contra si, pelo Ministério Público ou pelo assistente - o que implica, ademais, que elementos essenciais do seu estatuto processual passem a estar dependentes do comportamento (que ele não domina e naquele momento nem sequer conhece) da sua contraparte.

A desrazoabilidade e flagrante desproporcionalidade da situação assim criada ao arguido carecem a meu ver de qualquer justificação, sendo por isso, geradoras da desconformidade constitucional que lhe era assacada no acórdão recorrido. - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1490572.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 402/82 - Ministério da Justiça

    Introduz alterações ao Código de Processo Penal e legislação complementar e estabelece o regime de execução das penas e medidas de segurança.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-09 - Acórdão 8/87 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 561.º e 651.º, § único, do Código de Processo Penal, e do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Outubro, e do Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/79, de 28 de Junho, segundo a qual, em processo sumário, o recurso restrito à matéria de direito tem de ser interposto logo depois da leitura da sentença.

  • Tem documento Em vigor 1993-01-22 - Decreto-Lei 15/93 - Ministério da Justiça

    Revê a legislação do combate à droga, definindo o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

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