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Acórdão 128/2006/T, de 3 de Maio

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Texto do documento

Acórdão 128/2006/T. Const. - Processo 1031/2005. - Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - A fl. 56 foi proferida a seguinte decisão sumária:

"1 - Shiraz Kassam, arguido no processo comum colectivo identificado nos autos, e declarado contumaz em Maio de 2000 (cf. fl. 850), interpôs recurso do despacho de fl. 33, de 29 de Março de 2005, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, que, indeferindo o requerimento de fl. 30, manteve a declaração de contumácia. O Tribunal entendeu que a declaração se devia manter, não obstante a detenção do arguido no Principado do Mónaco, porque, por razões burocráticas, o mesmo havia sido posteriormente libertado sem ter sido sujeito a termo de identidade e residência, ou a outra medida de coacção.

Por remissão para a promoção de fl. 32, o despacho afirmou que 'embora o arguido tenha sido detido, a cessação da contumácia só ocorre quando [...] seja sujeito a termo de identidade e residência, assim como sejam aplicadas outras medidas de coacção [...], o que não aconteceu'.

Na motivação do recurso, o arguido invocou, designadamente, a inconstitucionalidade do artigo 336.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 36.º, n.os 1 e 6, da Constituição:

'9 - O artigo 336.º, n.º 2, do CPP, quando prevê, como na dimensão normativa concreta que no caso se aplicou, que a cessação de contumácia do arguido não cesse com a detenção, mas apenas com a prestação do termo de identidade e residência, no caso em que à detenção se seguiu a libertação do arguido, por razões alheias ao arguido, mas impostas por exigências legais, sem que tal medida de coacção lhe fosse aplicável, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1 [garantias de defesa] e n.º 6 [presença e ausência do arguido], da CRP.

A Lei Fundamental garante [n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do mesmo preceito] ao arguido o direito de ser dispensado de comparecer em audiência, assegurados que lhe sejam os direitos de defesa. A dimensão normativa concreta em causa restringe esta garantia de modo desproporcionado, ao condicioná-la a um acto processual [sujeição a TIR] numa situação em que a sua ocorrência se ficou a dever a acto [libertação] a que o arguido não deu causa, antes decorreu de exigências legais [incumprimento da prestação atempada, no quadro de uma rogatória, dos elementos necessários à prática do acto rogado, o de extradição].'

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Outubro de 2005, de fl. 41, foi negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Na parte que agora releva, afirmou-se no mencionado acórdão:

'Nestes termos e logo da conjugação do disposto nos n.os 1 e 2 do citado preceito legal [o artigo 336.º do Código de Processo Penal] logo se conclui que não assiste razão ao recorrente pois não tendo sido prestado termo de identidade e residência apesar de como refere ter sido detido e restituído à liberdade noutro país é evidente que tal situação não será só por si suficiente para declarar nos autos caduca a contumácia. A entender-se de outro modo, que o legislador não quis como resulta da leitura do próprio preceito legal, a declaração de contumácia seria ineficaz, destituída de qualquer utilidade. Aliás, o legislador vem reforçar o entendimento seguido pelo tribunal recorrido no artigo 337.º, n.º 1, do mesmo Código, ao determinar que os mandados de detenção são passados para cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo anterior (ou seja, para prestar TIR, nomeadamente).

Nestes termos, o Mmo. Juiz a quo fez correcta interpretação e aplicação das disposições legais referidas ao manter o arguido na situação de contumaz.

Também não se vislumbra a violação de qualquer preceito constitucional, até porque o arguido em liberdade poderá prestar termo de identidade e residência, fazendo cessar a situação de contumácia.'

2 - Ainda inconformado, Shiraz Kassa veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez nos seguintes termos:

'1 - Fundamento do recurso: artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do TC.

2 - Norma legal cuja inconstitucionalidade se pretende suscitar:

O artigo 336.º, n.º 2, do CPP, quando prevê, como na dimensão normativa concreta que no caso se aplicou, que a cessação de contumácia do arguido não cesse com a sua detenção, mas apenas com a prestação do termo de identidade e residência, no caso em que à detenção se seguiu a libertação do arguido, por razões alheias ao arguido, mas impostas por exigências legais, sem que tal medida de coacção lhe fosse aplicável.

3 - Normas da Constituição violadas: artigo 32.º, n.º 1 [garantias de defesa], da CRP.'

O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (n.º 3 do artigo 76.º da Lei 28/82).

3 - Pretende o recorrente discutir neste Tribunal a questão de saber se a norma do artigo 336.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a cessação da contumácia do arguido não cessa com a sua detenção, mas apenas com a prestação do termo de identidade e residência, no caso em que à detenção se seguiu a libertação do arguido, por razões alheias ao arguido, mas impostas por exigências legais, sem que tal medida de coacção lhe fosse aplicável, viola o artigo 32.º, n.os 1 e 6, da Constituição.

Embora a decisão recorrida não tenha restringido ao termo de identidade e residência a medida de coacção relevante, considera-se que não há obstáculos ao conhecimento do recurso.

4 - No entendimento do recorrente, a norma em apreciação violaria as citadas disposições constitucionais na medida em que estas garantem ao arguido 'o direito de ser dispensado de comparecer em audiência, assegurados que lhe sejam os direitos de defesa'.

Tal acusação de inconstitucionalidade é, todavia, manifestamente infundada.

Com efeito, dos n.os 1 e 6 do artigo 32.º da Constituição não resulta um direito do arguido 'a ser dispensado de comparecer em audiência', como pretende o recorrente, mas apenas a necessidade de conciliação da possibilidade de ausência do arguido nos actos processuais com a garantia dos seus direitos de defesa, que devem ser assegurados não obstante essa possível ausência.

As garantias de defesa do arguido exigem, em princípio, a presença do arguido nos actos processuais e não a sua ausência, como parece pretender o recorrente.

Segundo afirma Eduardo de Correia, 'a presença física e constante do arguido na audiência de discussão e julgamento é exigência fundamental do processo criminal: ela constitui a necessária consequência do chamado princípio do contraditório' (cf. 'Breves reflexões sobre a necessidade de reforma do Código de Processo Penal, relativamente a réus presentes, ausentes e contumazes', in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110.º, pp. 99 e segs.; cf., ainda, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 360, bem como o Acórdão 7/87 deste Tribunal, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pp. 46 a 49).

Ora o recorrente não invoca a violação de qualquer das suas garantias de defesa, como se viu; nem se vê por que razão a norma impugnada as atingiria.

5 - Estão, portanto, reunidas condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, por ser manifestamente infundada a questão de constitucionalidade colocada.

Assim, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que toca à questão de constitucionalidade.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 UC."

2 - Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária.

Em seu entender, e em síntese, o recurso não devia ter sido julgado na decisão reclamada com base na argumentação apresentada perante o tribunal recorrido; antes deveria ter sido dada ao recorrente a oportunidade de, nas alegações a apresentar no recurso de constitucionalidade, expor o raciocínio jurídico de demonstração da inconstitucionalidade que suscitou.

E concluiu a reclamação nestes termos:

"Em suma: a decisão sumária, ao ter considerado que integrava a questão decidenda uma questão, que não havia sido como tal configurada pelo recorrente no seu requerimento de interposição do recurso, onde delimitou o objecto do recurso de constitucionalidade, antes era um momento argumentativo de uma peça processual antecedente (suscitada ante as instâncias de recurso) e ao ter desde logo emitido pronúncia de rejeição mediante réplica directa a esse suposto modo único de configurar o problema [como se ele tivesse sido assim configurado ou fosse esse o único modo de o configurar] enferma de violação do artigo 78.º-A da Lei do TC."

Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de não ter sido violado o artigo 78.º-A da Lei 28/82. Relembrando que é pressuposto do recurso de constitucionalidade "a suscitação, durante o processo e em termos processualmente adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa", e que isso exige que o recorrente cumpra atempadamente "um ónus de fundamentação minimamente concludente", concluiu que:

"Deste modo - e perante este regime particular e específico dos recursos de fiscalização concreta - não constitui obviamente violação do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional a circunstância de a apreciação liminar do objecto do recurso poder - e dever - ser influenciada pelos 'momentos argumentativos' utilizados pela parte na peça processual em que cumpriu o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade".

3 - Na verdade, a reclamação não pode proceder.

O sistema português de fiscalização concreta da constitucionalidade é um sistema de recurso, ou seja, um sistema em que se impõe ao recorrente o ónus de colocar ao tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade em termos de ele ser obrigado a julgá-la (n.º 2 do artigo 72.º da Lei 28/82), cabendo depois recurso para o Tribunal Constitucional dessa decisão.

Isto significa que o ónus de suscitar a inconstitucionalidade "durante o processo" não se pode considerar cumprido com uma mera acusação não fundamentada de inconstitucionalidade de uma norma, como se não passasse de um formalismo desprovido de conteúdo e apenas destinado a abrir caminho ao recurso para o Tribunal Constitucional.

O ora reclamante, ao colocar ao Tribunal da Relação de Évora a questão da inconstitucionalidade da norma que definiu, justificou a alegação de inconstitucionalidade da forma acima transcrita. Foi sobre essa questão que se debruçou o tribunal recorrido, e da decisão proferida nesses termos é que o recurso foi interposto.

Não é pois exacto - nem compatível com o sistema do recurso, para a fiscalização concreta da constitucionalidade - que "na estrutura processual dos recursos para o TC" apenas ocorram "dois momentos fundamentais", o requerimento de interposição de recurso e as alegações proferidas no Tribunal Constitucional.

4 - Não está em causa saber se, no requerimento de interposição de recurso ou, eventualmente, nas alegações a produzir caso o recurso tenha seguimento, o recorrente pode ou não acrescentar outro fundamento de inconstitucionalidade, ou alterar o anteriormente definido; apenas releva, agora, recordar que, prevendo a Lei 28/82 que o recurso de constitucionalidade possa ser liminarmente julgado por decisão sumária, nomeadamente por se entender que é manifestamente infundado (artigo 78.º-A, n.º 1), o Tribunal Constitucional deve pôr termo ao recurso nesse momento se, atendendo à fundamentação até aí apresentada pelo recorrente, alcançar essa convicção de forma segura.

Foi o que ocorreu no presente recurso.

5 - No caso presente, o reclamante não aponta na sua reclamação qualquer razão para que seja revogado o julgamento de manifesta falta de fundamento. Aponta como razões que poderiam justificar um juízo de inconstitucionalidade e que, em alegações, poderia desenvolver as seguintes: "[...] demonstração de que é elemento essencial ao direito de defesa (i) o direito a ser dispensado a estar presente em julgamento penal [...] (ii) ou, não vigorando tal direito de ausência consentida, que ao menos seja tido por essencial à garantia constitucional de defesa do arguido ele beneficiar de causas tarifadas que façam cessar os institutos processuais destinados a desincentivar a revelia."

A primeira alternativa está afastada na decisão reclamada.

Quanto à segunda, há que verificar que a divergência entre o recorrente e o tribunal recorrido não assenta em se entender que são ou não "tarifadas" as causas de cessação da situação de contumácia, mas antes na interpretação de uma das causas previstas no artigo 337.º do Código de Processo Penal. Ora saber qual é a forma mais correcta de interpretar o direito ordinário está fora do âmbito possível do recurso de constitucionalidade.

6 - Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de negar provimento ao recurso.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2006. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora) - Vítor Gomes - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1486627.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-09 - Acórdão 7/87 - Tribunal Constitucional

    Declara não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 108.º, n.º 2, alínea b); 135.º, n.os 2 e 3; 174.º, n.os 3 e 4; 177.º, n.º 2, com referência ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b); 178.º, n.º 3; 187.º, n.º 1; 190.º; 200.º; 250.º, n.º 3; 251.º, n.º 1; 252.º, n.º 3; 263.º; 270.º, n.º 1; 281.º, n.os 3 e 5, salvo, quanto a este último número, consequencialmente, na parte em que ele remete para o n.º 4; 286.º, e 337.º n.os 1, alínea a), e 3, e pronunciar-se pela inconstitucionalidade dos artigos (...)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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