Processo 3370/2000 - 6.ª Secção
Acordam, em plenário, as secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:
A sociedade Carpintaria Native, Lda., requereu, com base em letra de câmbio, execução ordinária para pagamento de quantia certa contra a sociedade Imobiliária Forum, S. A.
Invocou a sua qualidade de sacadora, sendo aceitante a executada, e, como causa da emissão da letra, a transacção comercial com a mesma aceitante.
Esta deduziu embargos de executado, com fundamento na ilegitimidade da exequente - alínea c) do artigo 813.º do Código de Processo Civil (CPC).
Contestados os embargos, foram logo julgados improcedentes.
A Relação confirmou a sentença.
Nesta revista concluiu em síntese a embargante:
1) A recorrida só fica obrigada como sacadora da letra se, sob a sua firma ou denominação social, um seu gerente assinar com a indicação expressa da qualidade em que o faz, representando a sociedade - artigo 260.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) (ver nota 1);
2) A qualidade de gerente não se presume nem se admite tacitamente;
3) Ao não entender assim, o acórdão da Relação fez incorrecta interpretação do disposto nos artigos 10.º, 200.º e 260.º, n.º 4, do CSC, 9.º do Código Civil (CC) e 25.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL);
4) Deve consequentemente ser revogado, julgando-se a embargada parte ilegítima para com ela prosseguir a execução.
Requereu o julgamento ampliado da revista, nos termos do artigo 732.º-A do CPC, para assegurar a uniformidade da jurisprudência, o que foi determinado.
Invocou sobre a questão da vinculação das sociedades por quotas a oposição da decisão recorrida com jurisprudência das Relações de Coimbra e de Lisboa e também deste Supremo.
A recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público emitiu parecer, de grande qualidade, propondo a uniformização da jurisprudência deste modo:
«Nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura, com a indicação expressa dessa qualidade».
A Relação fixou os seguintes factos, que entendeu essenciais para decidir:
1) A letra de 3573500$00 foi emitida em 28 de Abril de 1997, com vencimento em 28 de Julho de 1997;
2) Na face esquerda superior, em lugar destinado à identificação do sacador, com o nome, morada ou carimbo, consta «Carpintaria Native, Lda., Loureira, 2495 Fátima»;
3) No lugar destinado à assinatura do sacador consta a assinatura de Native Silva Fartaria;
4) A letra foi aceite pela embargante/executada;
5) Consta do Registo Comercial (1.º Conservatória de Leiria) que a sociedade Carpintaria Native, Lda., tem sede em Loureira, são únicos sócios o Native Silva Fartaria e mulher, Maria Emília Reis da Silva, basta a assinatura de um gerente para a obrigar e cabe a gerência ao Native.
Considerou depois:
Segundo o n.º 4 do artigo 260.º do CSC, os gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade.
É absurdo julgar a assinatura do Native noutra qualidade que não seja a de gerente da sociedade.
Invocou o Acórdão deste Supremo de 24 de Outubro de 1996 (Colectânea de Jurisprudência, IV, 3, p. 78) que, considerando o disposto naquela norma, decidiu:
«O que importa é que do documento (no caso letra de câmbio) resulte, em termos aceitáveis segundo o costume, que o gerente assinou um documento que diz respeito à sociedade e não a ele pessoalmente.» Isto é, a vinculação da sociedade pode resultar do texto do documento, que, assinado pelo seu gerente, não indicou expressamente que procedeu nessa qualidade.
No mesmo sentido de que não é indispensável que o gerente social assine o documento indicando de modo expresso que o faz nessa qualidade, pronunciaram-se outros acórdãos deste Supremo, bem como das relações (ver nota 2), admitindo a indicação concludente.
Exigiram, no entanto, aquela indicação expressa outros acórdãos dos mesmos tribunais superiores (ver nota 3).
É, pois, manifesta a divergência jurisprudencial que impõe a uniformização agora em causa (muitos outros acórdãos das relações e do Supremo são indicados no parecer do Ministério Público).
O n.º 4 do artigo 260.º do CSC dispõe:
«Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade (ver nota 4).» A Lei das Sociedades por Quotas de 11 de Abril de 1901 (LSQ) estabelecia:
«Para que a sociedade fique obrigada basta que um dos gerentes assine com a firma social». (Artigo 29.º, § 1.) «Quando a sociedade não tiver firma, mas uma denominação particular (ver nota 5), só ficará obrigada se os actos forem assinados em seu nome, pela maioria dos gerentes, salvo qualquer estipulação em contrário na escritura social». [Artigo 30.º (ver nota 6).] No chamado «Anteprojecto de Coimbra», na 2.ª redacção revista, dizia o n.º 4 do artigo 86.º:
«Os gerentes obrigam a sociedade juntando as suas assinaturas à firma social.» (Revista de Direito e Economia, 5, 1979, p. 173.) Na exposição dos motivos relativa ao correspondente n.º 4 do artigo 85.º da 2.ª redacção não revista, os seus autores omitem qualquer explicação (Revista de Direito e Economia, 3, 1977, p. 371) (ver nota 7).
Provavelmente basearam-se no § 61.º do anteprojecto, depois § 63.º do projecto alemão da nova lei sobre sociedades por quotas, que dizia:
«Os gerentes assinam pela sociedade, acrescentando o seu nome à firma da sociedade.» (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 270, p. 283.) Não parece, assim, ao contrário do que já se afirmou, que o n.º 4 do artigo 260.º do CSC teve por fonte os referidos artigos do anteprojecto de Coimbra.
O n.º 4 do artigo 260.º manteve intocado o n.º 4 do artigo 264.º do projecto que resultou da revisão de um anteprojecto do CSC, elaborado por Raul Ventura.
Informa este mestre, quanto às sociedades por quotas, que o legislador aproveitou tanto quanto possível os ensinamentos da jurisprudência e doutrina nacionais, elaboradas e afeiçoadas na vigência da Lei de 11 de Abril de 1901, mas sem esquecer o contributo valioso dos projectos alemães da reforma das sociedades de responsabilidade limitada (ver nota 8).
Comentando o n.º 4 do artigo 260.º do CSC, Raul Ventura sustenta:
«Está abolida a antiga forma (artigo 29.º, § 1.º, da Lei de 1901) de assinatura com a firma social (ver nota 9).
É indispensável para a vinculação da sociedade a reunião de dois elementos: a assinatura do gerente e a menção da qualidade de gerente.
A menção implica a especificação da sociedade de que a pessoa invoca a gerência e só está perfeita se o tipo da sociedade for tornado claro, o que resulta da própria firma social.
Em actos escritos não é admitida a extensão prevista no § 36.º da GmbH, que, além da menção expressa, permite que das circunstâncias se deduza ser vontade dos interessados que o negócio é celebrado para a sociedade (ver nota 10).» Em termos semelhantes pronuncia-se L. Brito Correia, escrevendo que a prática do acto em nome da sociedade exige apenas a referência à sociedade representada de modo inequívoco. Relativamente a actos não sujeitos a forma especial, tanto pode ser expressa, como resultar das circunstâncias do acto, nos termos gerais do regime de representação (ver nota 11).
Nem todos os autores se comprometem abertamente com esta interpretação e há quem não a siga, dela discordando de modo declarado.
Assim, recentemente, João Espírito Santo limita-se a dizer que a lei exige, além da assinatura do gerente, a indicação dessa qualidade, tendo esta a função de tornar claro que o acto é realizado para ser imputado à esfera jurídica da sociedade e não à do gerente. Sobre o tema refere o Acórdão da Relação de Évora de 14 de Maio de 1992, Colectânea de Jurisprudência, XVII, 3, p. 337 (ver nota 12).
Pinto Furtado sustenta que a vinculação da sociedade resulta de o acto ser praticado em seu nome, não se exigindo palavras sacramentais, nome que não tem obviamente de ser invocado de forma expressa, podendo igualmente resultar das circunstâncias em que a assinatura pessoal do gerente foi subscrita ou o acto praticado (ver nota 13).
Posteriormente, diz-nos que o n.º 4 do artigo 260.º do CSC não pode ser entendido em termos do puro formalismo mecânico, atentatório da boa-fé negocial, e chama a atenção como pode haver autêntico venire contra factum proprium quando ocorre a falta de indicação e a qualidade de gerente é incontestável (ver nota 14).
Os desencontros entre a doutrina e a jurisprudência são normais, particularmente quando uma proposta doutrinal não é pacífica e se revela desadequada às realidades da vida, que os tribunais melhor conhecem, conduzindo-os a decisões que se mostram incompreensíveis e mesmo injustas aos olhos do cidadão comum em nome do qual administram a justiça.
A interpretação que circunscreve a indicação da qualidade de gerente às manifestações expressas no acto escrito desprotege a confiança no tráfico jurídico, não tutela a boa-fé dos que negoceiam com a sociedade e permite a esta o subterfúgio de, quando lhe convier, se desvincular das obrigações que assumiu.
Não resulta da letra do n.º 4 do artigo 260.º do CSC que a indicação da qualidade de gerente tem de ser necessariamente expressa, sendo irrelevante outra equivalente.
Se foi intenção do legislador afastar a solução do § 36 da GmbH, teria, naturalmente, escrito «com a indicação expressa dessa qualidade» (ver nota 15) (ver nota 16).
Não o tendo feito, não pode pretender de quem julga que considere indispensável a indicação expressa, tanto mais que não se afigura razoável.
O pensamento legislativo objectivado no texto legal em questão tem suficiente suporte verbal para permitir que o intérprete conclua que a indicação da qualidade de gerente pode ser expressa ou tácita - artigo 9.º, n.º 2, do CC, ex-adversus.
Conclusão que lhe faculta declarar o direito efectivo aplicável, respeitando os limites dos possíveis sentidos da norma, com fidelidade à lei.
Exigindo a indicação da qualidade de gerente da sociedade, o n.º 4 do artigo 260.º do CSC prevê a chamada contemplatio domini, pressuposto do exercício dos poderes de representação, sem o qual os efeitos jurídicos se produzem na esfera jurídica de quem, embora tenha esses poderes (ver nota 17), não revelou que agia em nome do representado.
Na Alemanha, além do § 36 da GmbH, o § 164 do BGB (CC) prevê, na representação não orgânica, que possa resultar das circunstâncias que a declaração de vontade foi emitida em nome do representado (ver nota 18).
Fora da área germânica, e ali perto, mesmo sem previsão legal específica, admite-se em matéria de sociedades (e não só) que a contemplatio domini não exige formas sacramentais, podendo a relação representativa resultar do comportamento da sociedade e de outros elementos que a tornem manifesta aos olhos de terceiro (contemplatio per facta concludentia, isto é, tácita) (ver nota 19).
Não é assim herético sustentar que o n.º 4 do artigo 260.º do CSC admite tanto a indicação expressa como a tácita.
Escreveu Ferrer Correia:
«A assinatura do sacador deve constar das indicações objectivamente necessárias e suficientes para a indentificação da sua pessoa, conforme os usos da vida e do comércio. O lugar é um qualquer, contanto que revele que aquela é a assinatura de quem sacou (ver nota 20)».
Da letra consta a identificação da sacadora e a assinatura do seu sócio e único gerente, com o elemento comum do nome (original) Native.
Deixando aos olhos de um declaratário normal a impressão de uma relação de representação orgânica.
Considera-se aqui que, constituindo a literalidade dos títulos de crédito uma regra de protecção do tráfico jurídico, não vale com o sentido excessivo de impor a interpretação literal do texto (ver nota 21).
Aos títulos de crédito aplicam-se, portanto, os princípios da interpretação da declaração negocial estabelecidos nos artigos 236.º a 238.º do CC.
Observe-se de resto, quanto à impressão do destinatário, como se harmoniza com o princípio da aparência jurídica e a tutela da confiança, basilares no direito cambiário.
In casu, estamos perante relações imediatas, como é típico das que se estabelecem entre sacador e sacado.
Nascidas da relação fundamental entre os mesmos sujeitos invocada pela exequente, não havendo aqui controvérsia.
O rigor do formalismo cambiário destina-se essencialmente a proteger os interesses de terceiro, pelo que não há - ou se há em muito escassa medida - justificação alguma para que as circunstâncias extracartulares não sejam consideradas nas relações inter partes para interpretar o título e corrigir o formalismo de acordo com a boa-fé (ver nota 22).
A ordem de pagamento contida no saque (artigo 2.º, n.º 1, da LULL) só tem sentido para a sacada/aceitante se assinada pelo Native Fartaria em representação da sociedade de que é gerente.
A que propósito assinava a título pessoal se foi a sociedade quem negociou com a Imobiliária Forum, S. A.? É precisamente nas relações imediatas, como observa Pinto Furtado, que a exigência legal da menção da qualidade de gerente, entendida em termos formais rigorosos, se revela mais ofensiva da boa-fé negocial.
O artigo 217.º, n.º 1, do CC, considera tácita a declaração negocial que se deduz dos factos que, com toda a probalidade, a revelam.
Há aqui uma inferência a partir de factos concludentes, que se aplica a actos e negócios jurídicos, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Das declarações que constam do título executivo, e das suas circunstâncias, apreciadas na perspectiva do que acontece na «vida dos negócios» e de acordo com a impressão ao destinatário (artigo 236.º do CC) (ver nota 23), afigura-se inequívoco que o Native Fartaria assinou a letra na qualidade de representante (gerente) da sociedade sacadora.
Indica a recorrente como violados os artigos 10.º e 200.º do CSC e o artigo 25.º da LULL.
Nenhum deles vem a propósito neste recurso.
Quanto ao artigo 25.º da LULL, cabe dizer que não está em causa o aceite da letra.
Curiosamente, a embargante não discutiu que aceitou a letra embora desta não conste que foi assinada em seu nome.
Concluindo:
Uniformizam a jurisprudência como se segue:
A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artigo 217.º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Negam a revista.
Condenam a recorrente nas custas.
(nota 1) A questão é colocada aqui às avessas, pois a exequente apresenta-se como credora e a executada/embargante como obrigada cambiária.
(nota 2) Assim, e quanto a este Supremo, referindo os publicados de mais fácil consulta, v. g. os Acórdãos de 7 de Outubro de 1999 e 28 de Novembro de 1999 e de 3 de Outubro de 2000, respectivamente, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 490, p. 280, e nas Colectâneas de Jurisprudência, VII, 3, p. 129, e VIII, 3, p. 57.
(nota 3) Assim, e quanto a este Supremo, referindo também os publicados de mais fácil consulta, v. g. os Acórdãos de 5 de Novembro de 1998 e 2 de Junho de 1999 e de 22 de Junho de 1999, respectivamente no Boletim do Ministério da Justiça, n.os 481, p. 498, e 488, p. 365, e na Colectânea de Jurisprudência, VII, 2, p. 159.
(nota 4) Fórmula semelhante, mas sem referência aos actos escritos, foi usada no n.º 1 do artigo 409.º do CSC.
(nota 5) Artigo 3.º, § 1.º, da LSQ, donde resulta que na denominação particular não figuram os nomes dos sócios.
(nota 6) Decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1988 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 375, p. 385) que, se uma livrança foi subscrita, como sacador e aceitante, por um sócio gerente de uma sociedade por quotas, nada constando do título que o tenha feito nessa qualidade, apenas se colhendo do seu exame que o fez utilizando o nome próprio, fica apenas obrigado a título pessoal.
(nota 7) O artigo 90.º, n.º 2, antes da revisão do artigo 89.º, n.º 2, do anteprojecto, regulava o que hoje se dispõe nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 260.º (nota 8) Boletim do Ministério da Justiça, n.º 327, pp. 43 e 198.
O anteprojecto de Raul Ventura não é seguramente o que vem publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 182, pp. 197 e segs., onde de resto nada se dizia em especial quanto à vinculação da sociedade pelos actos dos seus gerentes.
Desconhece-se, assim, o que dele constava e a sua motivação quanto à vinculação da sociedade pelos gerentes, em actos escritos.
O eterno problema dos tribunais que vêem o legislador ocultar-lhes sistematicamente as suas fontes de inspiração.
(nota 9) Assim também A. Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, p. 106, e o referido Acórdão deste Supremo de 5 de Novembro de 1998.
(nota 10) Sociedades por Quotas (1991), vol. III, pp. 170 e 171.
(nota 11) Vinculação da sociedade, in Novas Perspectivas do Direito Comercial, p. 351.
(nota 12) Sociedade por Quotas e Anónimas (2000), p. 470, nota 1278.
A singeleza da nota não nos permite afirmar que o autor só admita a indicação expressa da qualidade de gerente nos termos sustentados por Raul Ventura.
(nota 13) Código das Sociedades Comerciais, 4.ª ed., p. 244.
(nota 14) Títulos de Crédito (2000), pp.149-150.
Esta última observação dirige-se à decisão deste Supremo de 22 de Junho de 1999.
(nota 15) Ocorre-nos aqui uma observação sugestiva de Castro Mendes, que o tempo não nos permitiu localizar, considerando lei mental a intenção que o legislador reteve na sua mente sem expressão alguma no texto legal.
(nota 16) A solução alemã insere-se no princípio geral de direito comercial de que a tutela do tráfico jurídico prevalece sobre a do representado, reflectido na directiva comunitária em matéria de sociedades comerciais, transposta para o CSC (sobre este princípio e a recusa de teoria ultra vires, J. Espírito Santo, ob.
cit, p. 207 e seguinte).
(nota 17) Quanto aos poderes de representação voluntária, Oliveira Ascensão e Carneiro da Frada admitem, sem dificuldade, que eles podem resultar de uma procuração tácita nos termos do artigo 217.º do CC-RDE, XVI-XIX, p. 47.
(nota 18) Explicam Enneccerus-Nipperdey, Derecho Civil, Parte General (3.ª ed.), 2.º vol., 18.ª parte, p. 431.
«Segundo as circunstâncias, entender-se-á que se actua em nome de outrem quando a outra parte conhece ou pode conhecer que quem age está ao serviço do representado e o negócio se inclui na área da actividade deste, não satisfazendo necessidades pessoais do representante. A relação entre o representante e o representado, conhecida da outra parte, é a circunstância que permite conhecer que se actua em nome alheio.» (nota 19) Cf., v. g., C. Silvetti-G-Cavalli, Le società per azioni, t. 2, 2.ª ed., pp.
382-383; U. Natoli, «Rappresentanza (dir. priv.)», ED, XXX, VIII, pp. 464-465, quanto à representação em geral.
F. Galgano, II Negozio Giuridico, p. 342, coloca a questão da dificuldade da contemplatio domini tácita tratando-se de actos escritos.
O n.º 2 do artigo 217.º do nosso Código Civil oferece uma solução simples - é necessário que os factos concludentes revistam a forma legal (v. g. o Acórdão deste Supremo de 25 de Março de 1996, Colectânia de Jurisprudência, IV, 1, p.
155).
O mesmo é dizer que os factos concludentes devem constar do documento, servindo as circunstâncias envolventes para a sua interpretação.
(nota 20) Lições de Direito Comercial - Letra de Câmbio (1956), pp. 112-113.
(nota 21) G. L. Pellizzi, Principi di diritto cartolare, p. 31, nota 69.
(nota 22) A. Hueck-C.W. Canaris, Derecho de Los Títulos-Valor, pp. 93-94.
(nota 23) P. Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, pp. 755 e seguintes; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2000, Colectânea de Jurisprudência, VIII, 3, p. 93.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2001. - Afonso de Melo (relator por vencimento) - Miranda Gusmão - Moitinho de Almeida - Joaquim de Matos - Nascimento Costa - Ribeiro Coelho - Lemos Triunfante - Armando Lourenço - Moura Cruz - Barata Figueira - Abílio Vasconcelos - Duarte Soares - Simões Freire - Óscar Catrola - Alípio Calheiros - Ferreira de Almeida (com a seguinte declaração de voto: «A fim de prevenir a tentação de fazer apelo a factos instrumentais exógenos - que poderia conduzir a uma plena subservação do (texto legal - aditaria à formulação a seguinte expressão: 'se constantes do próprio escrito'.») - Lopes Pinto (com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Garcia Marques (com a declaração de voto do Exmo.
Colega Conselheiro Ferreira de Almeida) - Dionísio Correia (com a declaração de voto do Exmo. Colega Ferreira de Almeida) - Neves Ribeiro (acompanhando a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Azevedo Ramos (com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Silva Salazar (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Araújo de Barros (declaração de voto igual à do Exmo.
Conselheiro Ferreira de Almeida) - Oliveira Barros (acompanho a declaração de voto do Sr. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Barros Caldeira (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Ferreira Girão (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Ferreira Ramos (vencido, nos termos da declaração de voto junta).
Declaração de voto
Com respeito, embora, pela orientação que fez vencimento - aliás, amplo -, continuo a propender para o entendimento que defendi em processos de que fui relator (processo 780/98, de 5 de Novembro de 1998, BMJ, n.º 481, p.498, e processo 435/99, de 22 de Junho de 99, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, t. II, p. 159).
Entendimento que pode ser sintetizado como segue.
A vinculação da sociedade por actos praticados pelos seus gerentes postula, para além da assinatura destes, uma referência inequívoca à representação da sociedade em causa.
Quando se esteja perante actos que não obedeçam a forma especial, essa forma inequívoca tanto pode ser expressa, como ressaltar do circunstancialismo do próprio acto, de acordo com os princípios e termos gerais do regime de representação.
Mas, tratando-se de actos sujeitos a forma escrita, essa forma inequívoca não pode deixar de consistir na aposição da assinatura do gerente «com indicação dessa qualidade» - conforme impõe o n.º 4 do artigo 260.º do CSC.
Concluía, pois, que a mera assinatura, sem mais - sem qualquer indicação da qualidade de gerente ou respeitante à especificação da sociedade -, não é susceptível de vincular a sociedade.
Outra conclusão, que não esta, não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal - n.º 2 do artigo 9.º do CC, preceito que erige a letra da lei como ponto de partida de qualquer actividade interpretativa, cometendo-lhe uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2.ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187 e seguintes). Ou, como diz Oliveira Ascensão (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350), «a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito».
Ora, o n.º 4 do artigo 260.º do CSC não se basta, patentemente, com a assinatura do gerente - exige, também e ainda, a «indicação dessa qualidade».
«Indicar», significa «designar», «mostrar», «enunciar», «mencionar».
«Dessa qualidade», reporta-se, claramente, à qualidade de gerente.
Como assim, e com o respeito devido, a posição que fez vencimento olvida, ou não confere o relevo devido, ao segmento final da norma interpretanda.
No sentido para que nos inclinamos vai, aliás, a orientação dominante da doutrina (Raul Ventura, Comentário ao CSC, vol. III, 1991, pp. 171-172, Brito Correia, Novas Perspectivas do Direito Comercial, 1988, p. 351, e Rui Rangel, A Vinculação das Sociedades Anónimas, edição Cosmos, 1998, pp. 58-61) e, também, da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Restará dizer que, para situações que o justifiquem, há sempre uma «válvula de segurança» - ou seja, nos casos em que o titular de um direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é sempre possível o recurso ao instituto do abuso do direito (artigo 334.º do CC).
Pelo exposto, sucintamente, votei vencido. - Ferreira Ramos.