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Acórdão 139/2006/T, de 31 de Março

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Texto do documento

Acórdão 139/2006/T. Const. - Processo 596/2005. - Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - A Câmara Municipal de Coimbra e o Clube de Caça e Pesca de Antanhol interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, de 2 de Maio de 2003, que, julgando procedente o vício de violação de lei por ofensa ao disposto na alínea a) do artigo 97.º do Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro {rectius, do artigo 97.º, alínea a), do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, aprovado pelo artigo 1.º do referido decreto regulamentar, dispondo aquele preceito: "Os campos de tiro devem oferecer as seguintes condições: a) As origens de tiro devem distar, no mínimo, 800 m de lugares habitados, escolas e hospitais, para minimizar os efeitos acústicos das detonações, devendo, sempre que possível, ser sobreelevadas em relação aos terrenos vizinhos [...]"}, concedeu provimento ao recurso contencioso que Serafim Batista Ferreira, José Luís Ferreira Saro, Eduardo Martins Mota e Miguel Alves da Silva haviam deduzido contra a deliberação da Câmara Municipal de Coimbra, de 23 de Julho de 2001, que aprovara o projecto de construção das instalações do Campo de Tiro do Clube de Caça e Pesca de Antanhol.

Nas suas alegações, o Clube de Caça e Pesca de Antanhol, além de sustentar que a sentença recorrida fizera errada interpretação do preceito invocado, suscitou uma questão de inconstitucionalidade sintetizada nas seguintes conclusões:

"16) O princípio da proporcionalidade, que encontra recepção expressa no texto constitucional, de entre outros, nos artigos 5.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República, pertence à ordem jurídica positiva e constitui fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo - cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6.ª ed., Almedina, 1996, p. 171.

17) Conforme alegámos supra, o juízo de proporcionalidade vertido na norma em questão, ao estabelecer a distância mínima de 800 m, revela-se inadequado, desnecessário e excessivo perante os fins que enformam a sua aplicabilidade ao caso concreto.

18) Com efeito, expressamente se invoca a inconstitucionalidade da dimensão interpretativa da sentença que aplica a distância mínima dos 800 m prevista no artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95 ao caso concreto, por violação do princípio da proporcionalidade como vector material do princípio do Estado de direito, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

19) Sob outro enfoque, mas ainda dentro do parâmetro constitucional em que nos movemos, temos que existe uma manifesta desproporcionalidade da restrição do núcleo essencial do direito fundamental limitado pelo conteúdo do artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95.

20) Por um lado, temos o direito fundamental de desenvolvimento da personalidade - que se projecta na dimensão do direito que os sócios da recorrida particular têm em prosseguir uma actividade desportiva - que é restringida pela previsão de um limite mínimo de implantação da unidade desportiva a 800 m de lugares habitados; por outro lado, temos o direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida sadia que determina a previsão da supramencionada distância mínima - cf. os artigos 26.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa.

21) Ora, segundo o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, as restrições legais aos direitos fundamentais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

22) Mediante as três dimensões do princípio da proporcionalidade, chegamos à conclusão de que a imposição de uma distância mínima de 800 m restringe incomensuravelmente o direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade dos sócios do clube desportivo, sem que alcance o fim visado pela norma, ou seja, a protecção da qualidade de vida das populações mais próximas.

23) Razão pela qual se invoca a inconstitucionalidade do artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95, por violação ao princípio da proporcionalidade como padrão de controlo à restrição de direitos fundamentais, vertido no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa."

Aos recursos foi negado provimento pelo Acórdão, do STA, de 19 de Maio de 2005, ponderando-se, designadamente, que:

"Os recorrentes alegam que a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do normativo que considerou violado, pois tal pressupõe que as origens do tiro distem menos de 800 m de "lugares habitados", e, no caso em apreço, apurando-se embora a existência de uma casa a cerca de 600 m de tal local, não se apurou se a mesma se integrava ou não em aglomerado urbano, pois, em seu entender, "um espaço habitado não integra o conceito de 'lugares habitados.'"

Os recorrentes limitam-se a, conclusivamente, fazer tal afirmação pois não explicitam as razões que a tal conduzem.

Por outro lado, ao contrário do por eles alegado, o tribunal a quo deu como provado, para além da existência de uma habitação a 600 m da origem do tiro, que no raio de 800 m marcado a partir do local de tiro se incluem zonas habitadas - cf. o n.º 9 da matéria de facto.

Assim, para além de uma casa de habitação, por definição, integrar o conceito um lugar habitado, constituindo o uso do plural mera técnica legislativa, o certo é que existiam zonas habitadas que se não encontravam afastadas mais de 800 m do local de tiro, o que, como se decidiu, violava o disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro.

O interesse protegido pela norma foi ponderado pelo legislador que definiu a distância de 800 m do ponto de tiro como a distância mínima a que podiam ser implantados campos de tiro.

Não se deixou quanto a esse requisito qualquer margem de escolha à Administração, pelo que não há que entrar em linha de conta com princípios como o da proporcionalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2, vinculativo para a actuação administrativa e apenas no âmbito do exercício de poderes discricionários, isto é, quando a Administração pode optar por uma das soluções ou medidas que a lei lhe confere para o caso concreto.

Cai assim pela base toda a argumentação com base no princípio da proporcionalidade, designadamente na perspectiva que os recorrentes lhe dão no que respeita à opção legislativa contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do Decreto Regulamentar 34/95, a qual se não apresenta ostensivamente desrazoável ou excessiva.

Por outro lado, a norma aplicada não estabelece nenhuma restrição ao direito de desenvolvimento da personalidade, limitando-se a estabelecer condicionamentos relativamente ao local onde a prática desportiva do tiro pode ser exercida, pelo que não tem lugar a aplicação da previsão do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), não constituindo a aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro, qualquer violação de normas constitucionais."

É contra este acórdão que o Clube de Caça e Pesca de Antanhol vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 97.º, alínea a), do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro, por violação do princípio do Estado de direito vertido no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do "princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo à restrição de direitos fundamentais, sendo deste modo relevante a violação dos artigos 18.º, n.º 2, 22.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa".

A Câmara Municipal de Coimbra apresentou requerimento de adesão ao recurso interposto pelo Clube de Caça e Pesca de Antanhol, "nos termos e para os efeitos do artigo 683.º, n.os 2, alínea a), e 3, do Código de Processo Civil", mas por despacho do relator no Tribunal Constitucional consignou-se que o artigo 74.º, n.º 4, da LTC expressamente refere que "não pode haver recurso subordinado nem adesão ao recurso para o Tribunal Constitucional".

O recorrente, Clube de Caça e Pesca de Antanhol, apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1 - Partimos de duas premissas para definir o objecto do presente recurso de constitucionalidade:

a) A Administração tem, efectivamente, poderes discricionários para avaliar em concreto se o limite mínimo de 800 m definido abstractamente pelo legislador é adequado, necessário e proporcional a evitar ou minimizar os efeitos acústicos provocados pelas detonações, sendo que pode definir um limite inferior quando conclua que a uma distância inferior não se verifica qualquer lesão ao direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida sadia dos proprietários das habitações mais próximas que o legislador visou proteger com a norma legal em causa;

b) Existem três pareceres nos autos e uma medição de ruído a 600 m da origem dos tiros que prova serem irrelevantes ou inexistentes quaisquer efeitos acústicos provocados pelas detonações a esta distância.

2 - Pelo que a questão de constitucionalidade que urge resolver concretiza-se em saber se:

Estando provado que a 600 m da origem da distância dos tiros acústicos [sic] provocados pelas detonações são irrelevantes ou mesmo nulos para uma habitação situada a essa distância, padecerá ou não de inconstitucionalidade interpretativa a sentença que aplica a distância mínima de 800 m prevista no artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95 ao caso concreto, por violação do princípio da proporcionalidade como vector material (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa) ou, sob outro enfoque, como padrão de controlo à restrição de direitos fundamentais, tendo como referência o preceituado nos artigos 18.º, n.º 2, 22.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa.

3 - Quando exista uma norma que vise proteger um determinado interesse legalmente reconhecido, nomeadamente pela imposição de limites mínimos para o fim visado, mas a sua convocação prática torne inadequado, desnecessário e excessivo o núcleo de tutela face aos fins públicos prosseguidos, estaremos perante uma violação do princípio da proporcionalidade.

4 - Pelo que cabe percorrer a ratio legis da norma para podermos aferir, mediante o necessário "teste da proporcionalidade", se, por um lado, o fim público prosseguido pela mesma é salvaguardado no caso concreto e, por outro lado, se existe uma compressão desproporcionada dos direitos fundamentais a ela subjacente, face à realidade societária em que foi aplicada.

5 - Como já alegámos supra, a norma estabelece que a origem dos tiros deve distar 800 m de lugares habitados, de forma a minimizar os efeitos acústicos das detonações.

6 - O fim público prosseguido pelo limite dos 800 m é, inquestionavelmente, o de minimizar os efeitos acústicos provocados nos lugares habitados pelas detonações dos tiros desportivos realizados.

7 - A razão de a norma ter estabelecido aquela distância mínima e não qualquer outra prende-se com a circunstância de o legislador ter, mediante um juízo proporcional, considerado que mediante a imposição daquele limite mínimo estaria salvaguardado o direito fundamental constitucionalmente protegido, ou seja, o direito a um ambiente e a qualidade de vida sadios - cf. o artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa.

8 - Todavia, o juízo de proporcionalidade legislativa tem de se adequar com o juízo de proporcionalidade em concreto, pois, como vimos, a dimensão material do próprio princípio do Estado de direito assim o exige.

9 - Ora, dos autos constam três pareceres favoráveis à implantação do campo de tiro - da CCRC, do IND e um parecer técnico de segurança balística -, sendo que todos eles consideraram que a existência de barreiras naturais entre a origem dos tiros e as habitações minimizavam, ou tornavam mesmo irrelevantes, os efeitos acústicos das detonações.

10 - A ora recorrente constitucional juntou aos autos uma medição de ruído a 600 m da origem dos tiros - local onde se encontra uma habitação -, e os resultados ditaram que os efeitos acústicos produzidos pelas detonações eram nulos - cf. o documento n.º 3 junto aos autos com a contestação, o qual não foi impugnado, pelo que tem de se considerar como provado.

11 - Daí que o juízo de proporcionalidade vertido na norma em questão, ao estabelecer a distância mínima de 800 m, se revela inadequado, desnecessário e excessivo perante os fins que enformam a sua aplicabilidade ao caso concreto.

12 - Isto porque o fim público prosseguido pela norma é salvaguardado mediante uma distância mínima inferior àquela legalmente prevista, o que determina que o juízo de proporcionalidade levado a efeito pelo legislador tenha de ser constitucionalmente controlado pelo juízo de proporcionalidade do julgador.

13 - Razão pela qual, estando provado nos autos que os fins públicos - minimizar os efeitos acústicos provocados pelas detonações - que enformaram a norma que estabelece o limite mínimo de 800 m são prosseguidos, em concreto, por uma distância proporcionalmente inferior, estão verificados os pressupostos para que o julgador recorra a uma interpretação da norma conforme ao princípio da proporcionalidade.

14 - Nesta conformidade, expressamente se invoca a inconstitucionalidade da dimensão interpretativa da sentença que aplica a distância mínima de 800 m prevista no artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95 ao caso concreto, por violação do princípio da proporcionalidade como vector material do princípio do Estado de Direito previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

15 - Sob outro enfoque, mas ainda no âmbito do parâmetro constitucional em que nos movemos, temos que existe uma manifesta desproporcionalidade da restrição do núcleo essencial do direito fundamental limitado pelo conteúdo do artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95.

16 - Podemos divisar esta norma como reguladora de dois direitos fundamentais tendencialmente colidentes.

17 - Por um lado, temos o direito fundamental de desenvolvimento da personalidade - que se projecta na dimensão do direito que os sócios da ora recorrente constitucional têm em prosseguir uma actividade desportiva - que é restringida pela previsão de um limite mínimo de implantação da unidade desportiva a 800 m de lugares habitados; por outro lado, temos o direito fundamental ao ambiente e a qualidade de vida sadios dos proprietários das habitações vizinhas, que determina a previsão da supramencionada distância mínima - cf. os artigos 26.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa.

18 - Ora, segundo o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, as restrições legais aos direitos fundamentais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sendo este artigo configurado pela doutrina e pela jurisprudência como o parâmetro de controlo constitucional das leis por excelência.

19 - Assim, podemos defender com segurança que uma lei que restrinja o conteúdo de um direito fundamental sem que essa limitação sirva para salvaguardar outro direito ou interesse legalmente protegido será inconstitucional, bem como a interpretação que dessa lei seja encetada, por violação do princípio da proporcionalidade.

20 - Num primeiro momento, a norma legal deve ser adequada aos fins que visa tutelar.

21 - No caso sub judice, temos que só seria constitucionalmente admissível restringir o direito fundamental de desenvolvimento da personalidade na dimensão supra-alegada se o limite mínimo dos 800 m fosse adequado a minimizar os efeitos acústicos provocados pela detonações.

22 - Como já tivemos oportunidade de concluir, esta adequação não se verifica, pois, mediante os testes acústicos levados a efeito a 600 m da origem dos disparos, não se verifica nenhum ruído que perturbe a qualidade de vida das pessoas que aí habitam, ficando sempre a questão de saber se outra qualquer distância superior ou inferior à prevista na norma legal seria apta a minimizar tais perturbações acústicas.

23 - Num segundo momento, a norma legal terá de ser necessária à salvaguarda do direito ou interesse constitucionalmente protegido visado pela mesma, sempre segundo a prova de que não era possível adoptar outro meio que causasse menor ingerência no direito fundamental restringido pela norma.

24 - Assim, a norma respeitaria o princípio da proporcionalidade se pudéssemos chegar à conclusão de que o limite mínimo dos 800 m era necessário para se minimizar os efeitos acústicos provocados pelas detonações.

25 - Todavia, ficou provado que inexistem quaisquer efeitos acústicos provocados pelas detonações a 600 m da origem dos tiros e, como tal, não é necessário minimizar ruídos que de todo em todo não existem.

26 - Pelo que a restrição do direito ao desenvolvimento da personalidade - com a dimensão que referimos - é manifestamente desnecessária face às medidas que poderiam ser adoptadas para a salvaguarda do direito ao ambiente e à qualidade de vida das populações circundantes aos campos de tiro desportivo.

27 - Para exemplificar esta desnecessidade, basta referir que a lei, em vez de estabelecer uma distância mínima inadequada à salvaguarda dos interesses em jogo, poderia condicionar o licenciamento à apresentação de um estudo acústico levado a efeito num raio de 1000 m da origem dos disparos, para se aferir a que distâncias se verificavam as exigências de protecção no caso concreto.

28 - Num último momento, deve perguntar-se se o resultado com a intervenção legislativa é proporcional à "carga coactiva" da mesma, a fim de se avaliar se à restrição do direito fundamental corresponde uma salvaguarda do outro direito ou interesse constitucionalmente protegido visado pela norma.

29 - Pelo que já alegámos, facilmente se extrai a conclusão de que a imposição de uma distância mínima de 800 m restringe incomensuravelmente o direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade dos sócios do clube desportivo, sem que alcance o fim visado pela norma, ou seja, a protecção da qualidade de vida das populações mais próximas.

30 - Razão pela qual se invoca a inconstitucionalidade da dimensão interpretativa do artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95, por violação do princípio da proporcionalidade como padrão de controlo à restrição dos direitos fundamentais em colisão no caso concreto (artigos 22.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa), vertido no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que deve ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 22.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar 34/95, que impunha uma distância de 800 m da origem dos tiros, quando, a uma distância de 600 m, se prova que os efeitos acústicos provocados pelas detonações são irrelevantes ou mesmo nulos para uma habitação situada a esta distância."

Os recorridos, Serafim Batista Ferreira, José Luís Ferreira Saro, Eduardo Martins Mota e Miguel Alves da Silva, contra-alegaram, concluindo:

"1 - O recorrente parte de premissas que se não verificam na prática, interpretando de forma completamente descabida os factos assentes.

2 - In claris non fit interpretatio.

3 - Pretende-se discutir a validade da própria norma sob a capa de discutir a sua interpretação.

4 - A norma que estabelece um limite mínimo para a localização de campos de tiro fá-lo usando o poder discricionário e soberano do legislador.

5 - Tal norma apenas pode ser posta em causa se violar de forma desproporcionada valores mais elevados que os que pretende tutelar.

6 - O facto de a norma referir expressamente que o limite se deve ao objectivo de minimização de efeitos sonoros não pode levar à conclusão de que se trata do único objectivo tutelado pelo legislador, mas tão-só que tal tutela torna desnecessária a fixação de outros limites, porque inferiores.

7 - O direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado na sua dimensão do direito de andar aos tiros, é infinitamente menos importante que o direito ao descanso.

8 - Não é, in casu, restringido nenhum direito fundamental com a fixação de uma distância técnica mínima para o exercício de uma actividade lúdica.

9 - A carga coactiva da norma que estabelece a distância entre campos de tiro e locais habitados não é maior do que a de todas as outras normas que estabelecem distâncias mínimas, nomeadamente no âmbito da construção.

10 - A decisão recorrida, aliás douta e bem elaborada, não deve merecer qualquer censura, tendo-se limitado a aplicar o direito vigente, que nenhuma ofensa faz a qualquer norma ou princípio constitucional.

11 - Não é sequer possível declarar inválida a interpretação de uma norma, que outra não admite, e não declarar inválida a própria norma."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação:

2.1 - A tese sustentada pelo recorrente assenta essencialmente na afirmação da existência de uma situação de facto, que, porém, a decisão recorrida não deu como comprovada - a de que a 600 m da origem dos tiros os efeitos acústicos produzidos pelas detonações eram nulos -, para daí extrair a conclusão da desproporcionalidade do critério normativo seguido em estrita obediência da letra da alínea a) do artigo 97.º do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, aprovado pelo Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro.

Na verdade, tal facto não consta da matéria de facto dada por provada pelas instâncias nem se deduz dos pareceres nela referidos:

O parecer da Comissão de Coordenação da Região Centro de 12 de Agosto de 1999 (fl. 32), emitido ao abrigo do artigo 9.º do Decreto-Lei 317/97, de 25 de Novembro - que dispõe que os pedidos de licenciamento de instalações desportivas das categorias tipológicas que identifica, "a situar em área não abrangida por plano de urbanização, plano de pormenor ou alvará de loteamento válido nos termos da lei", devem ser instruídos com "autorização prévia de localização à comissão de coordenação regional (CCR) respectiva" (n.º 1), devendo esta pronunciar-se "no exclusivo âmbito das suas competências" (n.º 2) -, ponderou exclusivamente a compatibilidade do projecto com as exigências do ordenamento do território (no caso, com o PDM eficaz na zona), referindo expressamente que o parecer favorável "é emitido sem prejuízo do cumprimento de outras disposições legais e regulamentares aplicáveis (nomeadamente, o Regulamento Geral sobre o Ruído [...]";

O parecer da Direcção de Serviços de Infra-Estruturas Desportivas, do Instituto Nacional do Desporto (fl. 33), aponta a necessidade de correcção de vários aspectos técnicos e funcionais do projecto e limita-se a admitir - sem formular, ele próprio, um juízo autónomo sobre a questão -, "pelos elementos disponíveis", designadamente um estudo de impacte do ruído solicitado pelo Clube requerente, que "parece acautelado o disposto no artigo 97.º do Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro" (itálico acrescentado);

O parecer da Comissão Técnica das Carreiras de Tiro, da Direcção de Instrução do Comando da Instrução, do Ministério da Defesa Nacional, de 22 de Março de 2000 (fl. 35) limita-se a concluir que, uma vez realizadas as alterações no terreno que sugere, "estarão criadas [...] as condições para a aprovação, em termos de segurança balística, do projecto em apreço" (itálico acrescentado).

Por outro lado, com a contestação do ora recorrente (de fl. 90 a fl. 105), não foi junta, contrariamente ao anunciado no seu artigo 42.º, como "documento n.º 3", qualquer medição de ruído demonstrativa de que a 600 m ou 800 m o ruído produzido pelos tiros é zero.

Por último, o acórdão ora recorrido não admitiu, por manifesta intempestividade (artigos 706.º, n.º 1, e 524.º do Código de Processo Civil), a junção, com a contra-alegação da então recorrente, Câmara Municipal de Coimbra, de dois relatórios de medição de ruído efectuados em 3 de Julho de 1999, um a 1000 m e outro a 600 m de distância da origem dos disparos, medições em que participaram exclusivamente o técnico da entidade privada que procedeu ao exame e um representante do requerente Clube de Caça e Pesca de Antanhol (de fl. 204 a fl. 211).

2.2 - A questão que constitui objecto do presente recurso consiste, assim, em apurar se é inconstitucional, por alegada violação do princípio da proporcionalidade, a norma constante da alínea a) do artigo 97.º do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, aprovado pelo Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro, enquanto impõe como uma das condições que devem ser satisfeitas pelos campos de tiro a existência, no mínimo, de uma distância de 800 m entre as origens de tiro e lugares habitados.

No Acórdão 200/2001, o Tribunal Constitucional procedeu a uma síntese da sua jurisprudência sobre o princípio da proporcionalidade, em termos que mantêm actualidade e, por isso, se reproduzem:

"6 - [...]

Começando pelo princípio da proporcionalidade, recordar-se-á que este Tribunal Constitucional o tem reconhecido e aplicado, em várias decisões, aferindo frequentemente, perante ele, quer normas penais incriminatórias - por exemplo, nos Acórdãos n.os 634/93 (inconstitucionalidade da punição como desertor daquele que, sendo tripulante de um navio e sem motivo justificado, o deixe partir para o mar sem embarcar, quando tal tripulante não desempenhe funções directamente relacionadas com a manutenção, segurança e equipagem do mesmo navio), e 274/98 (não inconstitucionalidade de norma que pune o não acatamento de ordem de demolição), publicados in Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente 26.º vol. , pp. 205 e segs., e 39.º vol. , pp. 585 e segs. - quer normas de outro tipo que previam encargos ou limitações a direitos fundamentais - v. g., os Acórdãos n.os 451/95 (inconstitucionalidade de norma que estabelece a impenhorabilidade total de bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais), 1182/96 (inconstitucionalidade de normas sobre custas judiciais nos tribunais tributários), 758/95 (inconstitucionalidade de norma que impede a participação pessoal na assembleia geral dos bancos e em certas condições de accionistas que não disponham de 1/300 da soma dos votos possíveis), 176/2000 e 202/2000 (perda dos instrumentos do crime) e 484/2000 (não inconstitucionalidade de norma que prevê o indeferimento tácito do pedido de legalização de obras), publicados, respectivamente, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31.º vol. , pp. 129 e segs., 35.º vol. , pp. 431 e segs., 32.º vol. , pp. 803 e segs., e Diário da República, 2.ª série, de 27 e de 11 de Outubro de 2000 e de 4 de Janeiro de 2001.

Relativamente às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de proporcionalidade resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República. Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado legislador e o Estado administrador adequar a sua projectada acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas.

O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins, a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou "justa medida". Como se escreveu no citado Acórdão 634/93, invocando a doutrina:

"O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se com um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."

Importa, ainda, fazer uma precisão sobre o alcance do princípio, e seu controlo jurisdicional, para a actividade administrativa e legislativa. Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo - como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal - que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa - que, portanto, o princípio e a sua prática aplicação jurisdicional tenham um alcance diverso para o Estado administrador e para o Estado legislador. Assim, enquanto a Administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma "prerrogativa de avaliação", como que um "crédito de confiança" (falando de um Vertrauensvorsprung, v. Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht, t. II, 14.ª ed., Heidelberg, 1998, n.os 282 e 287), na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir).

A diferenciação da vinculação pelo princípio da proporcionalidade do legislador e da Administração é, aliás, salientada nas doutrinas nacional e estrangeira (v., para esta, por todos, a obra por último citada), e acolhida na jurisprudência. Assim, escreveu-se recentemente, no Acórdão 484/2000, citando doutrina nacional:

"O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos, de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutirem-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que, perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada." (Assim, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 264).

Ora, estando em causa a constitucionalidade de uma norma, é apenas a intervenção do legislador que tem de ser aferida - com os limites assinalados."

No presente caso, a intervenção questionada do legislador visou regular a compatibilização, por um lado, do direito à exploração e ao exercício de uma actividade desportiva - que, independentemente da sua qualificação, proposta pelo recorrente, como emanação do direito ao desenvolvimento da personalidade, sempre encontraria suporte constitucional, para a entidade exploradora do espaço, no direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º, n.º 1, da CRP), e, para os respectivos utentes, no direito ao desporto (artigo 79.º da CRP) -, e, por outro lado, do direito de todos ao bem-estar e à qualidade de vida, a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, com prevenção e controlo das diversas formas de poluição (designadamente sonora) e com adequado ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades [artigos 9.º, alínea d), e 66.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP].

Neste contexto, a opção legislativa de impor, para possibilitar a instalação de um campo de tiro, uma distância mínima de 800 m entre a origem dos tiros e lugares habitados, naturalmente assente em considerações de ordem técnica, insere-se claramente na zona de livre conformação do legislador, relativamente à qual a intervenção da jurisdição constitucional se deve conter na invalidação de soluções patentemente desrazoáveis ou desproporcionadas. A imposição de uma distância mínima entre a origem dos tiros e as habitações surge como uma medida adequada e necessária à obtenção do fim pretendido: assegurar a qualidade de vida das populações, susceptível de ser afectada pelos efeitos acústicos das detonações (para além da prevenção de riscos de serem acidentalmente atingidas por projécteis). A determinação, em concreto, dessa distância mínima em 800 m não se mostra desnecessária ou excessivamente restritiva, pelo que não pode dar-se por verificada a alegada violação do princípio da proporcionalidade.

3 - Decisão. Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do artigo 97.º do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, aprovado pelo Decreto Regulamentar 34/95, de 16 de Dezembro, enquanto impõe como uma das condições que devem ser satisfeitas pelos campos de tiro a existência, no mínimo, de uma distância de 800 m entre as origens de tiro e lugares habitados; e, consequentemente,

b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta de justiça.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1479865.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-16 - Decreto Regulamentar 34/95 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova o Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos.

  • Tem documento Em vigor 1997-11-25 - Decreto-Lei 317/97 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o regime de instalação e funcionamento das instalações desportivas de uso público, independentemente da sua titularidade ser pública ou privada e visar ou não fins lucrativos.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

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