de 31 de Dezembro
1. O fenómeno do urbanismo, ao exigir a construção em altura, ditada pela escassez de terrenos, chamou a atenção para a propriedade horizontal.Acolhida a princípio com desconfiança, se não com relutância, viria, a breve trecho, não só a entrar nos nossos hábitos como a constituir objecto da predilecção dos investidores. Reconheçamos que sem o instituto da propriedade horizontal seria hoje bastante mais difícil enfrentar a expansão do urbanismo e a carência de habitações.
O que se pretende com o presente diploma é criar um novo direito real - o direito de habitação periódica - que, na prática, equivale a um regime de propriedade fraccionada, já não por segmentos horizontais, mas por quotas-partes temporais, garantindo melhor os investidores, que neste momento, através da modalidade vulgarizada pelos títulos de férias, têm apenas acesso à protecção legal precária de tipo obrigacionista.
2. Trata-se de situação que interessa não apenas à mobilização de pequenas poupanças como, muito particularmente, à dinamização do turismo interno - pela garantia de alojamento acessível - e à captação de investimento em divisas, seja da parte de emigrantes, seja da parte de turistas estrangeiros, visto que as suas necessidades de habitação têm claramente natureza sazonal.
De facto, o investimento em habitação própria de férias não está ao alcance generalizado da população portuguesa, pois exige uma disponibilidade de capital ou crédito apreciáveis. Por outro lado, tem o inconveniente de não proporcionar qualquer rendimento ao investidor, o qual não arrenda a propriedade para não se submeter aos condicionalismos do regime de arrendamento urbano. Por outro lado, a maior parte das edificações, propriedade de emigrantes, fica sem utilização durante quase todo o ano, apenas garantindo aos respectivos titulares a mais-valia resultante da valorização dos imóveis, representando também uma imobilização excessiva do investimento, sem utilidade social significativa.
3. Para garantia das relações jurídicas que importa tutelar, há que ultrapassar as situações actuais do direito de crédito ou de compropriedade, únicas conhecidas face ao direito existente, e avançar resolutamente na inovação legislativa que se traduza na prefiguração de um direito de uso temporário de habitação de férias, designadamente em relação a empreendimentos turísticos, livremente alienável inter vivos e mortis causa.
De facto, no quadro do direito português vigente, só 2 esquemas jurídicos possibilitam a aquisição de um direito real sobre um apartamento: o esquema da propriedade horizontal e o esquema da compropriedade dos apartamentos.
Qualquer destes esquemas, porém, não proporciona solução adequada aos objectivos que o investidor pretende alcançar num investimento turístico.
Assim, o esquema jurídico que permite a regulamentação mais conforme ao investimento de poupanças em empreendimentos turísticos será aquele que permita constituir, a favor do investidor, um direito de habitação periódica dotado de natureza real e que, além disso, seja facilmente alienável pelo respectivo titular sem sujeição a sisa e susceptível de transmissão hereditária.
Do regime deste direito refere-se, nomeadamente, o seguinte:
a) Só poderá ser constituído por períodos mensais sobre imóveis ou conjuntos imobiliários que previamente sejam reconhecidos como destinados a fins turísticos pela entidade competente para aprovar o respectivo projecto;
b) Tendo natureza real, estará sujeito a registo e oponível erga omnes;
c) A fim de facilitar a sua alienação ou oneração, o direito de habitação periódica constará de um certificado predial e será negociável por via de endosso, assumindo desta forma a natureza de um valor de mercado, dotado de enorme mobilidade e cujo valor económico poderá ser rapidamente realizado pelo respectivo titular;
d) Para permitir a segurança dos direitos individuais, designadamente quanto ao uso, gestão, exploração e manutenção do empreendimento, objecto do presente diploma, estabelece-se que os imóveis ou conjuntos imobiliários não poderão pertencer a mais de uma pessoa individual ou colectiva, que na descrição e designação das fracções autónomas objecto daquele direito serão observadas, com as necessárias adaptações, as regras vigentes para a propriedade horizontal e que, de cada conjunto imobiliário, será feita, em princípio, uma só descrição no registo predial.
4. Por último, importa salientar o apreço que este novo regime mereceu por parte da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), que o considerou altamente vantajoso para as pessoas interessadas em garantir a disponibilidade de um apartamento por curtos períodos em zonas de lazer.
Com efeito e em síntese, este direito caracteriza-se por ser um direito real, facilmente negociável, com isenção de sisa, que isenta o titular dos ónus pessoais de gestão do imóvel, cujo regime não carece de ser complementado por convenções ou cláusulas de natureza obrigacional e é titulado por um certificado predial, transmissível ou onerável por simples endosso ou averbamento, adquirindo as características negociais de um bem mobiliário.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
ARTIGO 1.º
(Direito de habitação periódica)
1 - Sobre um imóvel ou um conjunto imobiliário urbanos destinados a fins turísticos, ou sobre as respectivas fracções, podem constituir-se, com eficácia real, direitos de habitação limitados a período certo de tempo de cada ano, com duração mensal.2 - Quando o direito de habitação previsto no número antecedente não abranja todo um imóvel, só pode incidir sobre fracções autónomas do mesmo que, além de constituírem unidades independentes. sejam distintas e isoladas entre si e tenham saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.
3 - Entende-se por conjunto imobiliário, para os efeitos do presente diploma, o conjunto de prédios urbanos destinados fundamentalmente a habitação, e a cujos utentes se encontram globalmente afectados, a recreio e outros fins, determinados serviços, instalações e áreas de terreno ou de construção integrados no conjunto.
4 - Os imóveis ou conjuntos imobiliários, para os efeitos da aplicação do presente diploma, não podem pertencer a mais de uma pessoa individual ou colectiva.
5 - Consideram-se destinados a fins turísticos, para os efeitos do presente diploma, o imóvel ou o conjunto imobiliário urbanos como tal classificados, a requerimento do proprietário, pela entidade competente para aprovar o respectivo projecto.
6 - O pedido de classificação previsto no número anterior pode ser formulado conjuntamente com o pedido de autorização do loteamento do terreno em que o imóvel ou o conjunto imobiliário se integram, com o pedido de aprovação do projecto de construção correspondente a estes, ou, posteriormente, com base neste projecto.
ARTIGO 2.º
(Pressupostos da constituição do direito de habitação periódica)
1 - O direito de habitação periódica não pode ser constituído sem que o proprietário do imóvel ou do conjunto imobiliário declare, em escritura pública, a sua classificação como destinados a fins turísticos, a sua composição e as parcelas habitacionais em que se divide o respectivo uso, com indicação do seu objecto material e do período de tempo a que respeitam, e sem que este título seja inscrito no registo predial.
2 - Na descrição e designação das fracções referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 1.º, serão observadas, com as necessárias adaptações, as regras vigentes pala a propriedade horizontal.
3 - De cada conjunto imobiliário será feita, no registo predial, uma só descrição, a menos que no respectivo projecto, e nas respectivas aprovações e licença de construção, tenha sido prevista a sua execução por fases, hipótese em que a descrição, para efeitos de registo, se pode referir a cada fase.
ARTIGO 3.º
(Conteúdo do direito de habitação periódica)
1 - Além das demais especificações impostas ou permitidas pelo presente diploma, do título constitutivo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior constarão necessariamente:
a) O início e o termo de cada período mensal de tempo do direito de habitação;
b) Os poderes do respectivo titular, designadamente sobre as partes do imóvel ou do conjunto imobiliário que sejam de uso comum;
c) Os deveres do respectivo titular, designadamente os relacionados com o efectivo exercício do seu direito e com o tempo, o lugar e a forma de pagamento da prestação periódica prevista no artigo 14.º;
d) Os poderes e deveres do proprietário do imóvel ou do conjunto imobiliário, designadamente em matéria de equipamento e mobiliário das casas de morada objecto do direito de habitação periódica, de reparações ordinárias e extraordinárias e de conservação e limpeza;
e) O regime aplicável em caso de perda ou destruição, parcial ou total, do imóvel ou conjunto imobiliário ou de qualquer das suas fracções, nomeadamente para efeitos de comparticipação dos titulares do direito de habitação periódica no risco ou no valor do seguro, da indemnização ou da parte restante.
2 - A fixação das especificações previstas no número anterior ou de outras pode ser feita por aplicação supletiva do regime da propriedade horizontal ou do usufruto.
ARTIGO 4.º
(Duração do direito de habitação periódica)
O direito de habitação periódica é de sua natureza perpétuo, mas poderá ser-lhe fixado no respectivo título constitutivo um limite de duração, caso a propriedade se ache constituída no regime de direito de superfície.
ARTIGO 5.º
(Certificado predial)
1 - Relativamente a cada direito de habitação periódica será emitido pela conservatória do registo predial competente um certificado predial que titule o correspondente direito e legitime a sua oneração ou alienação.2 - Do certificado predial referido no número anterior constará a menção dos elementos essenciais do respectivo direito, nomeadamente o seu objecto e conteúdo temporal, bem como os principais direitos e obrigações do respectivo titular e do proprietário do imóvel ou conjunto imobiliário.
ARTIGO 6.º
(Exercício do direito de habitação periódica)
1 - O titular do direito de habitação periódica tem o direito de habitar a casa de morada objecto desse direito como o faria um bom pai de família, abstendo-se de lhe dar uso diverso do fim ou de cometer os actos proibidos previstos no respectivo título de constituição.
2 - O direito previsto no número anterior é extensivo aos elementos da família que coabitem com o respectivo titular.
ARTIGO 7.º
(Transmissibilidade do direito de habitação periódica)
1 - O titular do direito de habitação periódica pode onerá-lo ou aliená-lo, bem como ceder o respectivo uso, mediante locação ou comodato.
2 - A oneração ou alienação por acto entre vivos faz-se mediante a inscrição no respectivo certificado predial dos correspondentes averbamento ou endosso, com reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte de ónus e do seu beneficiário, ou do endossante e do endossado, respectivamente.
3 - O direito de habitação periódica é transmissível por morte do titular nos termos gerais.
4 - A constituição ou transferência do direito real de habitação periódica dá-se por mero efeito contratual, mas a transmissão ou a sua oneração só produz efeitos perante terceiros após a correspondente inscrição no registo predial.
5 - A transmissão do direito de habitação periódica e a cedência do uso da correspondente casa de morada, mediante locação ou comodato, devem ser comunicadas, por escrito, ao proprietário do imóvel ou do conjunto imobiliário respectivo, até ao início do período imediato de exercício do correspondente direito, sob pena de este poder opor-se a esse exercício pelo transmissário ou pelo cessionário.
6 - A transmissão por acto entre vivos ou por morte do direito de habitação periódica implica automaticamente a transmissão da posição contratual do respectivo titular em face do proprietário do imóvel ou conjunto imobiliário respectivo, sem necessidade da concordância deste, considerando-se não escritas quaisquer cláusulas negociais em contrário.
ARTIGO 8.º
(Administração do imóvel ou do conjunto imobiliário)
A administração do imóvel ou do conjunto imobiliário, incluindo as suas fracções autónomas objecto de direito de habitação periódica, bem como dos respectivos equipamentos e recheio, incumbem ao proprietário.
ARTIGO 9.º
(Conservação do imóvel ou do conjunto imobiliário)
1 - O imóvel ou o conjunto imobiliário, incluindo as suas fracções autónomas objecto de direito de habitação periódica, bem como os respectivos equipamento e mobiliário, devem ser mantidos pelo proprietário em estado de conservação e limpeza condizente com os fins a que se destinam, e com a natureza da respectiva construção.
2 - Sem prejuízo do normal exercício do seu direito de habitação periódica, o respectivo titular é obrigado a consentir em que o proprietário do imóvel ou conjunto imobiliário correspondente, ou propostos seus, tenham acesso à respectiva casa de morada para poder cumprir as obrigações constantes do número anterior.
ARTIGO 10.º
(Reparações do imóvel ou do conjunto imobiliário)
1 - As reparações indispensáveis ao exercício normal do direito de habitação periódica, a efectuar nas fracções autónomas objecto do mesmo direito ou nas partes comuns do respectivo imóvel ou conjunto imobiliário, bem como nos respectivos equipamento e mobiliário, que não possam ser efectuadas sem o sacrifício temporário daquele exercício, terão lugar em momento e condições que anulem ou minimizem aquele sacrifício, à escolha do proprietário, e de conta deste, sem prejuízo do direito de os prejudicados serem indemnizados nos termos constantes do título constitutivo.
2 - As reparações previstas no número anterior que correspondam a deteriorações imputáveis ao titular de direito de habitação periódica, e que não devam ser consideradas consequências do uso normal da correspondente fracção, dos respectivos equipamento e mobiliário, ou das partes comuns do imóvel ou conjunto imobiliário, são igualmente efectuadas pelo proprietário, mas de conta do titular responsável.
ARTIGO 11.º
(Obras inovadoras no imóvel ou conjunto imobiliário)
As obras no imóvel ou conjunto imobiliário, incluindo as suas fracções autónomas objecto do direito de habitação periódica, que constituam inovações, só podem ser efectuadas pelo proprietário, e de sua conta, com a aprovação da maioria dos titulares daquele direito, se se referirem às partes comuns do imóvel ou do conjunto imobiliário, ou com a aprovação do titular ou titulares de direitos sobre as fracções autónomas a que se refiram.
ARTIGO 12.º
(Impostos e outros encargos anuais)
O pagamento das contribuições, taxas, impostos e outros encargos anuais que incidam sobre imóvel ou conjunto imobiliário objecto de direito de habitação periódica, ainda que determinados em função do respectivo rendimento, incumbe ao respectivo proprietário.
ARTIGO 13.º
(Exclusão de preferência)
1 - Os titulares do direito de habitação periódica de fracções autónomas de imóvel ou conjunto imobiliário não gozam do direito de preferência na alienação de qualquer outra fracção autónoma dos mesmos imóvel ou conjunto imobiliário ou da propriedade destes.2 - O proprietário de imóvel ou conjunto imobiliário sobre cujas fracções autónomas incidam direitos de habitação periódica não goza do direito de preferência na alienação de qualquer destes direitos, salvo se do título constitutivo constar que o respectivo titular tem a faculdade de desencadear o direito de preferência do proprietário notificando-o por escrito simples para o efeito de preferir dentro de certo prazo e essa faculdade for efectivamente exercida.
ARTIGO 14.º
(Prestação periódica devida pelo titular do direito de habitação)
1 - O titular do direito de habitação periódica é obrigado a pagar ao proprietário do imóvel ou conjunto imobiliário ou a quem pertença a respectiva fruição uma prestação pecuniária fixada no título constitutivo, ainda que variável no tempo ou calculável, segundo critério que nele se indique, e que tome em conta a parte imputável à fracção espacial e temporal que proporcionalmente corresponda àquele direito, das despesas com contribuições e impostos, taxas camarárias, conservação, reparação, limpeza, administração e outras mencionadas no referido critério.
2 - No título constitutivo do direito de habitação periódica pode prever-se que determinadas despesas, como de água e luz ou de reparações em fracções autónomas determinadas, sejam imputadas isoladamente aos titulares das mesmas fracções.
3 - Sem prejuízo da responsabilidade do titular do direito de habitação periódica, o proprietário do correspondente imóvel ou conjunto imobiliário pode exigir da pessoa a quem tenha sido cedido temporariamente o exercício daquele direito o pagamento das prestações correspondentes à duração da cedência.
4 - O direito de crédito por prestações ou indemnizações devidas por quem exerça o direito de habitação periódica e respectivos juros moratórios goza de privilégio creditório imobiliário sobre o mesmo direito, graduável após os mencionados nos artigos 746.º e 748.º do Código Civil.
ARTIGO 15.º
(Isenção de impostos)
A transmissão do direito de habitação periódica fica isenta de sisa.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 10 de Dezembro de 1981. - Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Promulgado em 22 de Dezembro de 1981.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.