Sentença n.º 34/2013
Proc. 32/2012-PAM
Sentença n.º 34/2013 - 2.ª Secção
I. Relatório
1 - Nos presentes autos vai a presidente da junta de freguesia de A dos Cunhados - Torres Vedras, Cristina Abreu, indiciada pela prática de factos que preenchem uma infração, falta de remessa de contas ao Tribunal, prevista pela alínea a) do n.º 1 do artigo 66.º da LOPTC (1).
2 - No cumprimento do disposto no artigo 13.º da LOPTC, procedeu-se à citação para o contraditório da responsável, com a observância dos formalismos legais.
3 - Foi apresentada resposta.
4 - O Tribunal é competente, conforme o disposto nos artigos 202.º e 214.º da CRP e nos artigos 1.º n.º 1, 58.º, n.º 4 e 78.º, n.º 4, alínea e) da LOPTC.
5 - O processo está isento de nulidades que o invalidem, não existem outras nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, e que cumpra conhecer.
II. Fundamentação
2.1 - Os Factos
Instruído o processo com os necessários elementos probatórios e notificada a responsável para o contraditório, resultam os seguintes:
2.1.1 - Factos Provados:
1 - Em 30 de abril de 2012, a responsável Cristina Abreu era a presidente da junta de freguesia de A dos Cunhados - Torres Vedras.
2 - Os documentos de prestação de contas da junta de freguesia de A dos Cunhados, referentes à gerência do ano de 2011, não deram entrada no Tribunal até ao dia 30/04/2012.
3 - O envio dos documentos em falta é obrigatório no âmbito do processo de prestação de contas, conforme a resolução 4/2001-2.ª Secção, publicada no DR 2.ª série n.º 191, de 18/08/2001.
4 - Através do ofício n.º 03A/CONT/2012, registada entrada neste Tribunal em 30-04-2012, com o n.º 9813, junto a fls. 2, vem a presidente da autarquia solicitar, pelos motivos ali expostos, prorrogação para entrega da conta de gerência de 2011 pelo período de 60 dias, sendo-lhe autorizado um prazo, até 21 de maio de 2012, findo o qual seria instaurado processo de multa (despacho a fls. 6).
5 - Pelo ofício n.º 04A/CONT/2012 a fls. 10, a responsável vem solicitar nova prorrogação até 30 de junho de 2012, a qual foi indeferida por nosso despacho proferido a fls. 13, tendo-se dado conhecimento da mesma, pelo ofício n.º 9405, de 22-05-2012, junto por cópia a fls. 16.
6 - Terminado o prazo fixado, a responsável não apresentou qualquer justificação para a não observância da obrigação legal de remessa dos documentos, ou para o não cumprimento da determinação judicial de envio.
7 - A responsável sabia ser sua obrigação pessoal, nos termos da lei, remeter, até 30 de abril de 2012, os documentos de prestação de contas referentes à gerência do ano de 2011 da junta de freguesia de A-dos-Cunhados - Torres Vedras.
8 - A responsável sabia ser seu dever obedecer à ordem contida na notificação do Tribunal que lhe determinou a entrega dos documentos da conta de gerência até ao dia 21 de maio de 2012.
9 - Agiu a responsável de forma livre e consciente, sabendo ser a sua conduta omissivas proibida por lei.
10 - Já após de a citação para contraditório, no âmbito do presente processo autónomo de multa, a responsável apresentou argumentação para a não observância do dever legal de remessa tempestiva dos documentos de prestação de contas e para o não cumprimento da determinação judicial de envio, tendo alegado"[...] este atraso se deve a um problema no programa informático referente ao POCAL, pelo que a prorrogação de prazo que nos foi concedida não pôde ser cumprida [...]"
11 - Os documentos de prestação de contas da junta de freguesia de A-dos-Cunhados, referentes à gerência de 2011, foram remetidos ao Tribunal de Contas pela responsável em 16-11-2012, sendo que os mesmos estão incompletos, uma vez que não foram remetidos:
Documento de caracterização da entidade;
O mapa de empréstimos;
O relatório de gestão;
Norma contratual interna e suas alterações;
Síntese das reconciliações bancárias e
Relação nominal dos responsáveis.
2.1.2 - Factos não provados
Não damos como provado que a responsável tivesse agido com a intenção deliberada de não remeter a documentação de prestação de contas ao Tribunal.
2.2 - Motivação da decisão de facto
A factualidade provada resulta do conteúdo dos documentos juntos aos autos, nomeadamente:
O ofício da responsável a solicitar ao Tribunal prorrogação para entrega da conta, fls. 2.
O ofício de resposta no qual é fixado o prazo para entrega da conta do ano de 2011, fls. 9.
O ofício da responsável a solicitar nova prorrogação para entrega da conta de gerência, fls. 10.
O ofício através do qual é dado conhecimento à responsável do indeferimento do pedido de nova prorrogação, fls. 16.
A informação do Departamento de Verificação Interna de Contas, junta aos autos a fls. 19, relatando a não observância da obrigação de remessa dos documentos de prestação de conta e da remessa de documentos solicitados;
O ofício do contraditório, cópia de fls. 25 a 27 e AR a fls. 28;
A informação da Divisão de Apoio Processual - Secretaria, constante de fls. 32.
III. Enquadramento Jurídico
1 - Os factos geradores de responsabilidade financeira sancionatória encontram-se tipificados no artigo 65.º da LOPTC, elencando o artigo 66.º as denominadas "Outras Infrações", são condutas que devido à sua censurabilidade, o legislador entendeu cominar com uma sanção, constituindo infrações processuais financeiras puníveis pelo Tribunal, nomeadamente nas seguintes situações:
Falta injustificada de remessa de contas ao Tribunal (artigo 66.º, n.º 1 al. a), da Lei 98/97, de 26 de agosto);
Falta injustificada da sua remessa tempestiva ao Tribunal (artigo 66, n.º 1 al. a), da mesma lei);
Apresentação das contas ao Tribunal com deficiências tais que impossibilitem ou gravemente dificultem a sua verificação (artigo 66.º, n.º 1 al. a), da mesma lei);
Falta injustificada de prestação tempestiva de documentos que a lei obrigue a remeter (artigo 66.º, n.º 1 al. b), da mesma lei);
Falta injustificada de prestação de informações pedidas, de remessa de documentos solicitados ou de comparência para prestação de declarações (artigo 66.º, n.º 1 al. c), da mesma lei);
Falta injustificada da colaboração devida ao Tribunal (artigo 66.º, n.º 1 al. d), da mesma lei).
2 - Encontra-se a responsável indiciada da prática de uma infração, "pela falta injustificada de remessa de contas ao Tribunal" conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 66.º da LOPTC. É em face da citada disposição legal e da matéria fáctica apurada que importa subsumir juridicamente a sua conduta.
3 - Não é tão somente um problema de prestação de contas e informações ao Tribunal. Com efeito tal como se pode ler no artigo 15.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 "A sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração". Trata-se com efeito de um princípio de direito constitucional positivo em vigor em França, mas que se integra na matriz constitucional europeia afirmada e rececionada no Tratado da União Europeia na parte relativa ao princípio da transparência e prestação de contas por parte de todos os que estando investidos no exercício de funções públicas, administrem dinheiros e ativos públicos, que lhes são postos à sua disposição, para a satisfação de necessidades coletivas, por forma legal e regular, em obediência aos princípios da vontade geral, da soberania popular, da juridicidade dos comportamentos dos agentes públicos e da boa gestão dos recursos públicos.
4 - O sancionamento das condutas elencadas no artigo 66.º, faz impender os responsáveis das instituições sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas, no cumprimento dos deveres funcionais de colaboração, permitindo assim o exercício do controlo da legalidade e regularidade financeira da administração e do dispêndio dos dinheiros públicos. O sancionamento das condutas elencadas no artigo 66.º da LOPTC reveste-se de crucial importância uma vez que, constituem o instrumento legal à disposição do Tribunal para que este possa reagir por si aos bloqueios e obstáculos que possam ser criados à sua ação, pelas condutas ilícitas e culposas dos responsáveis obrigados à prestação de contas ao Tribunal.
5 - A infração pela qual vai a responsável indiciada é "a falta injustificada de remessa de contas ao Tribunal" conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 66.º da LOPTC. Ora, atendendo ao preceituado na al. e), n.º 2, artigo 34.º da Lei 169/99, de 18 de setembro(2), a qual estabelece o quadro de competências e regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, e conforme resulta do disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 51.º da LOPTC, as freguesias prestam contas, estando legalmente obrigadas a remeter as mesmas ao Tribunal de Contas, até ao dia 30 de abril do ano seguinte àquele a que respeitam, vide n.º 4 do artigo 52.º da já citada lei.
6 - O n.º 1 do artigo 38.º da Lei 169/99, de 18 de setembro, enumera as competências do presidente da junta de freguesia, sendo que lhe compete, nos termos da alínea a) representar a junta em juízo e fora dele; nos termos da alínea g) executar as deliberações da junta e coordenar a respetiva atividade; alínea n) assinar em nome da junta de freguesia toda a correspondência.
7 - Assim, e sendo que à data limite para a remessa dos documentos relativos à gerência de 2011, o dia 21 de maio de 2012, a responsável era a presidente da junta em função, pendia sobre si o dever de enviar ao Tribunal todos os documentos de prestação de contas pelo que, nos termos dos artigos 67.º, n.º 3, 61.º, n.º 1 e 62.º, n.º 2 todos da LOPTC é-lhe imputada a responsabilidade pela prática da infração.
8 - A infração é sancionada com a aplicação de uma multa compreendida entre o limite mínimo de 5 UC, a que corresponde o valor de (euro) 510,00 e o limite máximo de 40 UC a que corresponde o valor de (euro) 4.080,00.
9 - Conforme a matéria de facto dada como provada, (facto n.º 4) foi a responsável nominalmente notificada para, até ao dia 21 de maio de 2012, remeter todos os documentos de prestação de contas em falta, sob pena de multa não o fazendo. A notificação foi recebida nos serviços da junta de freguesia e a documentação não foi entregue no prazo fixado.
10 - Ao não dar satisfação às prorrogações do Tribunal concedidas por despachos judiciais, a demandada manifestou uma completa indiferença, para com o seu autor e para com o Tribunal, não assegurando como lhe competia o dever de cooperação institucional para com este relativamente à prestação de contas da freguesia.
11 - Não se provou que a demandada tivesse agido com dolo, ou seja, que a conduta de não remessa da conta de gerência tivesse sido premeditada e intencional. Provou-se no entanto (factos provados n.º 6 e 9) não poder a responsável desconhecer a sua obrigação legal de remessa da conta até 21 de maio de 2012, conforme lhe foi concedido pelo Tribunal.
12 - Ora quem é investido no exercício de funções públicas não pode invocar a ignorância da lei, e dos deveres que lhe incumbem, relativos à situação financeira e patrimonial da entidade cuja gestão lhe está confiada, bem como à sua prestação de contas ao Tribunal.
13 - Não podendo também alegar a ignorância do conhecimento da situação relativamente às contas pelas quais é responsável nos termos da lei.
14 - Assim, a conduta da responsável é-lhe censurável a título de negligência, uma vez que, violou os deveres funcionais de diligência e zelo a que se obrigou aquando da sua investidura nas funções de presidente da junta.
15 - Não podem ainda ser considerados como justificativos para a violação dos deveres a que estava obrigada argumentos tais como; o desconhecimento da existência das notificações do Tribunal, regularmente entregue nos serviços da junta de freguesia, a inércia ou esquecimento dos funcionários ou problemas de natureza técnica.
16 - Com efeito, enquanto presidente da junta de freguesia era seu dever ter-se informado da situação pendente relativa à prestação de contas de 2011, transmitir as orientações, ordens e diretivas aos serviços da junta em ordem a fazer cumprir a lei e as intimações do Tribunal.
17 - Houve incúria e desleixo por parte da responsável ao não apresentar tempestivamente e de imediato explicações plausíveis ao Tribunal, na sequência das intimações feitas sob cominação, em cumprimento de despachos judiciais.
18 - A conduta é ilícita e censurável a título de negligência por violação dos deveres de diligência e cuidado objetivo, o que por si não é suficiente para afastar a punição da ilicitude por negligência.
19 - A responsabilidade pela não observância dos prazos determinados na lei e fixados pelo juiz relator é sempre do titular do órgão responsável, neste caso a titular do cargo de presidente da junta, a infratora Cristina Abreu, conforme o disposto nos artigos 61.º e 62.º da LOPTC, aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 67.º, da referida lei.
IV. Escolha e graduação concreta da sanção
1 - Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico das condutas da responsável, importa agora determinar as sanções a aplicar e as suas medidas concretas.
2 - Em primeiro lugar há que considerar o grau geral de incumprimento da norma violada (não remessa de documentos de prestação de contas ao Tribunal), sendo que a infração cometida faz parte do objeto da grande maioria das punições decididas pela 2.ª Secção do Tribunal de Contas, punições essas em que infratores maioritariamente são titulares de órgãos do poder local.
3 - O artigo 67.º da LOPTC, contem o regime segundo o qual o julgador se deve orientar na graduação das multas a aplicar, sendo que deve ser tido em linha de conta:
i) A gravidade dos factos;
ii) As consequências;
iii) O grau da culpa;
iv) O montante material dos valores públicos lesados ou em risco;
v) A existência de antecedentes;
vi) O grau de acatamento de eventuais recomendações do Tribunal.
4 - No caso agora em julgamento estamos perante factos de gravidade e consequências medianos, sendo os valores normais, tomando em consideração o universo geral conhecido das infrações.
5 - Na prática desta infração a responsável agiu de forma negligente, conforme descrito nos pontos 14 a 19 da apreciação jurídica, pelo que o limite máximo da multa a aplicar será reduzido a metade (20 UC), conforme o disposto no n.º 3 do artigo 66.º da LOPTC.
6 - Não existem antecedentes e condenações anteriores pelo Tribunal, nem foram formuladas recomendações à infratora.
7 - A sanção a aplicar situa-se entre o limite mínimo de (euro)510,00 (5 UC) e o limite máximo de (euro)2.040,00 (20 UC), conforme o disposto no n.º 2 e n.º 3 do artigo 66.º da LOPTC.
8 - Tendo em consideração o desvalor da infração praticada, as situações concretas que enformaram a sua ocorrência, a falta de antecedentes e a condição social da infratora, julga-se a condenação com um montante próximo do mínimo legal, adequado e proporcional face à gravidade dos factos e a necessidade da sua punição.
V. Decisão
Nestes termos e face ao exposto, tendo em consideração os factos dados como provados decidimos:
a) Condenar a infratora Cristina Abreu na sanção de (euro) 714,00 (7 UC), pela prática da infração consubstanciada na falta injustificada de remessa de contas ao Tribunal, conforme o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 66.º da LOPTC e punido no n.º 3 da referida norma;
b) Condenar ainda a infratora no pagamento dos emolumentos do processo, no valor de (euro) 107,10, conforme o previsto no n.º 1 do artigo 14.º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (3);
c) Não considerar prestada ao Tribunal de Contas a conta da freguesia de A-dos-Cunhados, concelho de Torres Vedras referente à gerência de 2011. Destinando-se a prestação de contas a habilitar o Tribunal à sua verificação, a apresentação deficiente equivale à não prestação, uma vez que constitui um obstáculo que impede a efetiva fiscalização.
VI. Diligências subsequentes
Conforme o disposto no artigo 25.º do Regulamento Interno de Funcionamento da 2.ª Secção (4) deverá a secretaria do Tribunal relativamente à presente decisão:
Numerar, registar e registar informaticamente no cadastro da entidade;
Notificar a infratora condenada, os restantes membros da junta de freguesia, presidente da assembleia de freguesia e o Ministério Público;
Providenciar, após o prazo de recurso, pela publicação para página de internet do Tribunal, sendo que caso ocorra a interposição de recurso a publicação deverá ser efetuada com a indicação de "não transitada em julgado";
Providenciar pela publicação na 2.ª série do Diário da República, após o trânsito em julgado (5);
Advertir a infratora condenada que a responsabilidade financeira é pessoal, não podendo por isso serem usados dinheiros públicos no pagamento das condenações, consubstanciando tal conduta infração de natureza financeira e criminal;
Advertir a infratora e restantes membros da junta de freguesia de que, caso continue a verificar-se a omissão injustificada dos documentos de prestação de contas, após trânsito, será a falta comunicada ao Ministério Público do Tribunal Administrativo competente, com vista à propositura da ação de dissolução do órgão autárquico, nos termos da alínea f) do artigo 9.º da Lei 27/96, de 1 de agosto.
A presente sentença foi elaborada por recurso a meios informáticos e por mim integralmente revista.
(1) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, Lei 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 48/2006, de 29 de agosto, doravante designada por LOPTC.
(2) Alterada e republicada pela Lei 5-A/2002, de 11 de janeiro.
(3) Publicado em anexo ao Decreto-Lei 66/96 de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei 3-B/2000, de 4 de abril.
(4) Publicado em anexo à Resolução da 2ª Secção do Tribunal de Contas n.º 3/1998, de 4 de junho, publicada na 2ª Série do DR, nº139 de 19/06/1998, com as alterações introduzidas pela Resolução da 2ª Secção n.º 2/2002, de 17 de janeiro, publicada na 2ª Série do DR n.º 28 de 02/02/2002 e pela Resolução da 2ª Secção n.º 3/2002, de 05 de junho, publicada na 2ª Série do DR n.º 129, de 05/06/2002.
(5) Publicação em Diário da República, conforme o previsto na al ao) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de publicação de actos no Diário de República, republicado em anexo ao despacho normativo 13/2009 de 1 de abril, 2ª Série.
2 de setembro de 2013. - O Juiz Conselheiro, Ernesto Luís Rosa Laurentino da Cunha.
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