Carlos João Pereira, Victor Sérgio Spínola Freitas, Maximiano Alberto Rodrigues Martins, Ana Carina Santos Ferro Fernandes e Avelino Perestrelo da Conceição, todos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e identificados nos autos, instauraram a presente ação contra:
1.º Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim, Presidente do Governo Regional da Madeira, com domicílio na Quinta vigia, Avenida do Infante, Funchal;
2.º João Cunha e Silva, Vice-Presidente do mesmo Governo, com domicílio na Avenida Zarco, Funchal;
3.º José Manuel Ventura Garcês, Secretário Regional do Plano e Finanças, com domicílio na Avenida Arriaga, Funchal;
4.º Francisco Jardim Ramos, Secretário Regional dos Assuntos Sociais, com domicílio na Rua das Hortas, 30, Funchal;
5.º Francisco José Vieira Fernandes, ex-Secretário Regional da Educação e Cultura, com domicílio na Avenida Zarco, Funchal;
6.º Eduardo Brazão de Castro, ex-Secretário Regional dos Recursos Humanos, com domicílio na R. Alferes Veiga Pestana, 15, Funchal;
7.º Conceição Maria de Sousa Nunes Almeida Estudante, Secretária Regional do Turismo e Transportes, com domicílio na Avenida Arriaga, 18, Funchal;
8.º Manuel António Rodrigues Correia, Secretário Regional do Ambiente, com domicílio na Avenida Arriaga, 21-5, Funchal;
9.º Luís Manuel Santos Costa, ex-Secretário Regional do Equipamento Social, com domicílio na Rua Dr. Pestana Júnior, 6, Funchal;
10.º Ricardo José Gouveia Rodrigues, Diretor Regional do Orçamento e Contabilidade, com domicílio na Avenida Arriaga, 9000-060 Funchal;
11.º Lucília Fernandes Branquinho da Costa Neves, Diretora de Serviços dos Serviços e Fundos Autónomos da DROC, com domicílio na Direção Regional do Orçamento e Contabilidade, Avenida Arriaga, 9000-060 Funchal;
12.º Carlos Norberto Catanho José, ex-Presidente do IDRAM, com domicílio na Direção Regional da Juventude e Desporto, Rua das Hortas, 16-1.º, 9000-024, Funchal;
13.º Paula Domitília Gouveia Pereira, ex-Responsável pela DSAFJR do IDRAM, com domicílio na Direção Regional da Juventude e Desporto, Rua das Hortas, 16-1.º, 9000-024, Funchal;
14.º Carlos Andrés Léon Viríssmo, ex-vogal do Conselho Diretivo do IDRAM, com domicílio na Direção Regional da Juventude e Desporto, Rua das Hortas, 16-1.º, 9000-024, Funchal;
15.º Maria Teresa Camacho Brazão, ex-vogal do Conselho Diretivo do IDRAM, com domicílio na Direção Regional da Juventude e Desporto, Rua das Hortas, 16-1.º, 9000-024, Funchal;
16.º Maurício Melim, ex-Presidente do IASAÚDE, com domicílio na Rua das Pretas, 1, Funchal;
17.º João Carlos Barros de Mendonça, Vice-presidente do IASAÚDE, com domicílio na Rua das Pretas, 1, Funchal:
pedindo que se proceda ao julgamento destes demandados pela prática das condutas violadoras de normas legais que indicam e consequente condenação com base em responsabilidade financeira sancionatória, aplicando-se uma multa cujo montante não deverá ser inferior a 180 UC, por cada infração cometida. Isto na sequência da abstenção do Ministério Público (MP) de requerer julgamento pelos factos apurados indiciariamente no processo 13/11 - Aud/FS da auditoria aos encargos assumidos e não pagos pelos Serviços e Fundos Autónomos - 2010, que deu origem ao relatório 8/2012-Aud/FS.
No despacho de aperfeiçoamento de fls. 23 a 30, proferido sobre o primeiro requerimento de julgamento apresentado pelos mesmos demandantes, foi referido que a petição então apresentada enfermava de alguma patologia, em termos processuais e de conteúdo, que comprometia seriamente a sua aceitação pelo Tribunal e mesmo a sua procedência.
Após a descrição dessa patologia e a indicação da forma de a suprir, foram os demandantes informados de que teriam de cumprir, no seu requerimento de julgamento, em ação popular, todos os requisitos aplicáveis impostos pelo artigo 90.º da Lei 98/97, de 26-8 (LOPTC). Isto também porque os demandados precisam de conhecer, em pormenor, os factos de que são acusados para poderem exercer plenamente o seu direito de defesa. E, ao abrigo dos artigos 80.º e 90.º da LOPTC, 4.º do CPP e 265.º do CPC, foram os mesmos demandantes convidados a, no prazo de 15 dias, apresentarem nova petição em que: a) identificassem completamente todos os demandados; e b) estabelecessem clara e suficientemente as imputações objetiva e subjetiva, mencionando todos os factos que, no seu entender, foram praticados ou omitidos ilicitamente pelos demandados e a que título lhos imputam, ou seja, se com dolo ou com negligência e porquê.
A seguir, os demandantes apresentaram nova petição (fls. 59 a 70).
Por despacho de fls. 71, foi aberta vista ao Ministério Público para se pronunciar, nos termos do artigo 13.º da Lei 83/95, de 31 de agosto (LAP).
No seu douto parecer, o digno Magistrado, embora reconhecendo que os demandantes fizeram algum esforço no sentido de corresponder ao convite ao aperfeiçoamento do seu requerimento inicial, entende que «para além de outros requisitos facilmente supríveis [...] e mesmo com a remissão genérica (dificilmente admissível em processo sancionatório) para o relatório da Auditoria, (o dito requerimento) continua sem conter uma narração circunstanciada e compreensiva, ainda que sintética, dos factos, designadamente omitindo a descrição, identificação, concretização e justificação de dados concretos, essenciais à prova, em julgamento, dos elementos materiais constitutivos das infrações financeira imputadas». A concluir, e em síntese, «admitindo que se possa lançar mão da ação popular para perseguição e a punição da responsabilidade financeira sancionatória» entende o MP que «não deve (não deveria) admitir-se o requerimento para julgamento».
O digno Magistrado conclui também que, tendo-se o seu antecessor abstido de requerer julgamento, não pode agora alterar essa posição por, segundo a doutrina e a jurisprudência mais ou menos pacíficas, o princípio da lealdade processual, proíbe o MP de assumir, nos mesmos autos, posição que esteja em contradição com outra anteriormente adotada, até sob pena de eventual responsabilidade disciplinar.
Mais entende o digno Magistrado do MP que os demandantes se deveriam ter constituído assistentes e que, por isso, não têm legitimidade para requerer a aplicação da multa sancionatória.
Cumpre apreciar e decidir.
1 - Lealdade processual vs. Justiça
Antes de mais, sobre a alegada inalterabilidade da posição do MP nos autos, importa clarificar que, naturalmente, se respeita, como não pode deixar ser, tendo em conta a autonomia constitucional do MP e a sua independência em relação ao juiz. Tal, porém, não impede que se chame a atenção para o paradoxo que é ver assim desfeiteada a preeminência do princípio da justiça - o mais importante de todos os princípios e a razão de ser do próprio Direito - em benefício de uma «lealdade processual». Com efeito, não se diz que se concorda ou discorda da decisão de abstenção de requerer julgamento, mas apenas que porque o magistrado anterior tomou tal decisão, o atual não pode alterá-la, ainda que, bem entendido, tal decisão esteja às avessas e seja iníqua. Esta espécie de caso julgado informal, ou de facto consumado, vem assim a impor-se como mais inabalável, na prática, do que o verdadeiro caso julgado das decisões judiciais, que pode, e bem, ser revisto em recurso extraordinário.
Lembra Miguel Reale, citando Ortega y Gasset, que «o Direito Positivo pressupõe a Justiça como condição da sua legitimidade» e «a Justiça põe o Direito Positivo como condição da sua realizabilidade» (Teoria Tridimensional do Direito, Teoria da Justiça, Fontes e Modelos do Direito, col. Estudos Gerais Série Universitária, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2003, p. 206). Na realidade, a aplicação do direito tem de ser efetiva, eficaz e buscar sempre a Justiça do caso, ponderando os factos, as normas pertinentes e os valores culturais, sócio económicos, financeiros, etc., que caracterizam e sustentam a coesão em qualquer sociedade humana e dela emanam. Desde logo, o valor supremo e pré-constitucional, a Justiça, não pode ser apenas um ideal, mas algo de concretizável em cada situação da vida.
Ora, se é notório que um certo relativismo axiológico, que hoje impera, tende a justificar ou a desculpar tudo, esta inversão de valores em detrimento da Justiça, com todo o respeito, afigura-se de mais. A pretensa segurança jurídica que assim se visará proteger acaba por, administrativamente, desresponsabilizar infratores fortemente indiciados pela auditoria competente, à custa do sacrifício do valor universal Justiça. Por outro lado, a multiplicação desta solução pelas várias abstenções do MP, inconciliáveis com o direito pertinente e com a equidade, que aqui ocorreram e foram até objeto de inquérito urgente pela Procuradoria-Geral da República, contribui enormemente para a ineficácia e a consequente descredibilização geral do sistema de justiça financeira.
Isto volta a pôr em evidência, mais uma vez, quão premente é a necessidade de instituir na lei uma via processual simples e eficaz que permita sindicar a atividade do MP no Tribunal de Contas, pois ninguém é infalível e as suas abstenções de requerer julgamento, nomeadamente por erro ou lapso, ficam sem controlo e sem remédio. Qualquer organização ou instituição pública que não reconheça os seus erros ou, reconhecendo-os, não for capaz de os corrigir e reparar, desconsidera ou falha a prossecução dos objetivos que justificam a sua existência e nega-se a si própria.
A manter-se este estado de coisas, cabe questionar, data venia, de que vale:
- A Constituição ter em vista «a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno» (§ 3.º do preâmbulo, in fine).
- Ser Portugal uma República soberana empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 1.º da CRP)?
- A Lei Fundamental (artigo 3.º, n.º 3) impor que «a validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição?
- A subordinação do Estado à Constituição (artigo 3.º, n.º 2)?
- A mesma Constituição democrática (artigo 202.º) dispor que «os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar justiça, em nome do povo»?
De que vale tudo isto, se por uma questão de lealdade processual, escorada em doutrina e jurisprudência não completamente pacíficas, impede-se que uma abstenção do anterior magistrado do MP de requerer julgamento, equívoca e sem fundamento válido, seja revista e substituída por outra decisão que introduza os feitos em juízo e assim promova e permita, neste caso, a realização em concreto do valor Justiça?
2 - Da legitimidade
Com o devido respeito, não procede a posição do MP sobre a ilegitimidade dos demandantes, pois, desde logo, não estamos perante uma ação penal. Trata-se antes de uma ação popular sancionatória, legitimada na Constituição (artigo 52.º, n.º 3), regulada pela LAP, pela LOPTC e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Penal (CPP) e pelo Código de Processo Civil (CPC) [artigo 27.º da LAP e artigo 80.º, al. c), da LOPTC], conforme se explicou no despacho de aperfeiçoamento.
Ora, não correndo naturalmente nenhum processo penal neste Tribunal de Contas, não podiam os ora demandantes constituírem-se assistentes para requererem julgamento por responsabilidades financeiras, nos termos do artigo 68.º do CPP. Tão-pouco se cura neste foro financeiro dos crimes previstos na al. e) desse artigo, que no foro competente - o criminal - justificariam a constituição de assistente. Aliás, devido à abstenção do MP de requer julgamento de tais responsabilidades, não corria neste Tribunal qualquer processo judicial onde os cidadãos ora demandantes pudessem intervir em defesa do património desta Região Autónoma. Acresce que a legitimidade constitucional, que aqui inequivocamente assiste aos demandantes, não está nem pode ser condicionada ou restringida por qualquer óbice processual de lei ordinária (artigos 52.º, n.º 3, e 18.º, n.os 1 e 2, da CRP).
Por conseguinte, reitero o entendimento fundamentado no despacho de aperfeiçoamento de que «os cidadãos aqui autores têm legitimidade para intentarem a presente ação popular, inexistindo, assim, neste aspeto, qualquer motivo para não receber tal ação» (fls. 28).
3 - Do requerimento de julgamento ou petição
Importa agora apreciar se a concreta petição aperfeiçoada se mostra apta para ser recebida.
Na verdade, a petição corrigida que os demandados apresentaram, na sequência do despacho de aperfeiçoamento continua a enfermar de defeitos comprometedores do seu recebimento.
Do requerimento de julgamento de responsabilidade financeira sancionatória devem constar, além da identificação dos demandados e da indicação dos montantes, «a descrição dos factos e das razões de direito em que se fundamenta», nos termos do artigo 90.º, n.º 1, da LOPTC. Como está em causa responsabilidade financeira sancionatória, aplica-se também o CPP, cujo artigo 283.º, n.º 3, exige que na acusação figurem, sob pena de nulidade, além das indicações tendentes à identificação do arguido [al. a)] e das disposições legais aplicáveis [al. c)], a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao demandado de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada [al. b)].
No despacho de aperfeiçoamento alertaram-se os demandantes para o seu dever de alegarem «factos - acontecimentos da vida real -, e não transcrições, factos esses que, a provarem-se em julgamento, demonstrem causal, objetiva e subjetivamente a responsabilidade de cada demandado, isto é, que caracterizem e provem a ação ou omissão imputada a cada indiciado. Do mesmo modo, se alertou que, para além da indispensável imputação objetiva - cada demandado fez ou omitiu ilegalmente o quê - os autores devem aduzir a matéria de facto integradora da imputação subjetiva, isto é, aquela factualidade que, a provar-se, demonstre que os indiciados agiram com dolo ou com negligência» (fls. 29).
Porém, do teor da nova petição verifica-se que os demandados não interiorizaram suficientemente a necessidade e a obrigatoriedade de trazer aos autos os factos nos termos explicados e imputados subjetivamente a cada um dos cidadãos que os demandantes processaram.
Para melhor se compreender a insuficiência factual que grassa por todo o articulado inicial dos autores, basta atentar nos seguintes aspetos concretos do teor da mesma peça:
a) Reporte dos encargos assumidos e não pagos (EANP) e as divergências identificadas:
Artigo 8.º: «[...] os SFA [...] não respeitaram as circulares [...]».
Os Serviços e Fundos Autónomos não são demandados nestes autos, mas sim pessoas físicas. Por isso, quem é que nos SFA não respeitou, fez ou omitiu o quê para não respeitar as circulares?
Artigo 9.º: «Tais elementos foram utilizados pela DROC [...], sem a devida análise, [...].»
Mas quem é que na DROC não fez a devida análise, quem é que não cumpriu o que devia cumprir?
Artigo 10.º: «A DROC tem a responsabilidade de recolha e de reporte de informação sobre os EANP [...].»
Tudo bem, mas sendo a responsabilidade financeira pessoal, qual foi a pessoa humana responsável que na DROC não recolheu ou não cumpriu o seu dever, que fez com que esta entidade não reportasse?
Artigo 11.º: «A DROC não cumpriu as atribuições de analisar, acompanhar e controlar a execução orçamental; de centralizar e coordenar a escrituração e a contabilização das despesas públicas; de coordenar o sistema de gestão e informação orçamental; e [...].»
Mais uma vez, a DROC é um serviço que tem um titular responsável, uma pessoa física financeiramente responsável; qual dos demandados não analisou, não acompanhou nem controlou...? A quem, dos demandados, é que os autores imputam tais omissões?
Os demandantes ignoram pura e simplesmente as pessoas que pretendem ver julgadas, não lhes imputando qualquer ação ou omissão geradora de responsabilidade. Preferem os demandantes acusar impessoalmente a DROC, departamento ou serviço que não é financeiramente responsável.
b) O Instituto de Administração da Saúde, I. P.
Artigo 15.º: «Os responsáveis pelo IASAÚDE e o próprio gabinete do SRAS [...] evidenciaram, na documentação então produzida, que a informação incluída nos mapas incidia apenas sobre a faturação com cabimento orçamental, indicando sempre em nota os montantes de faturação mensalmente rececionada nos serviços, mas que, por insuficiências de dotação orçamental, não era possível proceder ao correspondente cabimento, compromisso e processamento.»
Quem, dos demandados, eram os responsáveis pelo IASAÚDE e quem, dos demandados, corporizava o gabinete do SRAS e praticou a factualidade descrita?
Artigo 18.º: «Sendo de concluir que a existência de EANP [...] era do conhecimento dos responsáveis pela SRPF [...].»
Mas que EANP eram do conhecimento de quem, na SRPF? Os autores demandam as pessoas que referem no início da sua petição de ação popular, mas no texto não os responsabilizam pelos factos que vão descrevendo.
Artigo 20.º: «O Governo Regional, na elaboração das propostas de orçamento para 2010 e 2011, não inscreveu as dotações necessárias [...].»
Pois bem, mas quem são os titulares do governo que assim agiram, isto é, que não inscreveram as verbas necessárias? É que «governo» é uma entidade coletiva, mas quem é responsável são as pessoas físicas que o integram. Os demandantes não as indicam aqui, como deviam.
Artigo 21.º: «A situação configura uma infração financeira no quadro normativo do artigo 65.º, n.º 1, alínea b), da LOPTC, imputável a título doloso aos membros do Governo Regional que aprovaram as propostas de orçamento remetidas à ALM [...].»
Sim, mas quem foram os membros do Governo que aprovaram as propostas e que sabiam que tais condutas eram contrárias à lei e que se conformaram com tais resultados? O vocábulo «dolo» é uma conclusão jurídica carecida de factos que a integrem, factos que expliquem por que é que um dado comportamento é doloso. Os demandantes não alegam esta factualidade indispensável.
c) O Instituto de Desporto da RAM, I. P.
Artigo 22.º: Qual dos demandados é responsável por esta «omissão de encargos»?
Artigo 23.º: «Os responsáveis pelo IDRAM salientaram que só eram contabilizados e incluídos no mapa de encargos transitados remetidos à SREC [...] as faturas com cabimento orçamental» - Qual dos demandados, responsável pelo IDRAM, salientou isso?
Artigo 24.º: «[...] os encargos com instalações (água e eletricidade), por não terem contrapartida em dotação no orçamento, as respetivas faturas foram arquivadas na pasta "faturas por pagar" sem qualquer despacho ou registo contabilístico».
Mais uma vez, os demandantes limitam-se a descrever genérica e impessoalmente, não imputando esta ação a ninguém.
Artigo 25.º: «Violando, desse modo, quanto à não revelação dos EANP, as normas [...]» - Mas quem é que, dos demandados, violou as normas indicadas neste artigo?
Artigo 26.º: «A falta de reporte dos EANP no valor de [...]à DROC constitui também uma violação às normas [...].»
Mas quem, dos demandados, violou estas normas?
Artigo 27.º: «Situação que consubstancia uma infração suscetível de gerar responsabilidade financeira.»
Mas então, na opinião acusadora dos demandantes, esta infração é suscetível de gerar ou gerou mesmo responsabilidade financeira? É que a acusação num processo tem de ser clara, direta e objetiva, não pode ser feita em termos hipotéticos ou eventuais ou de suscetibilidade, pois já não estamos em sede de relatório de auditoria, mas de ação judicial.
Artigo 28.º: «Conhecendo os valores em dívida, omitiram-nos no mapa de encargos transitados remetidos à SRMTC com a conta de gerência de 2010 [...].»
Quem é que, dos demandados, conhecia os valores em dívida e quem é que, dos mesmos, os omitiu?
Artigo 29.º: «Os responsáveis, desde que tomaram conhecimento da dívida em questão, independentemente da data em que esta foi assumida, estavam obrigados a reportá-las à DROC pelo seu valor integral [...].»
Mas quem eram esses responsáveis? Era alguém dos demandados?
d) Encargos com instalações (água e eletricidade) - IDRAM
Artigo 30.º: «Quanto aos encargos com instalações de água e eletricidade, no caso do IDRAM, a ex-SREC definiu plafonds para outras despesas de funcionamento correntes [...], insuficientes para cobrir os encargos transitados.»
Que pessoa ou pessoas definiu ou definiram esses plafonfs? Foi alguém dos demandados? Qual deles?
Artigo 31.º: «Os valores inscritos nos orçamentos do IDRAM eram insuficientes para cobrir os encargos previstos para 2010 e 2011 [...].»
Eram insuficientes como? Quais foram os valores inscritos e quais os que o deveriam ter sido?
Artigo 32.º: «[...] a DROC, através da DFA [...], não fez qualquer comentário à insuficiência de dotação para cobrir encargos já assumidos e vencidos, não obstante notas justificativas anexas aos projetos evidenciassem os valores em dívida».
Mais uma vez, os demandantes imputam uma omissão impessoalmente aos serviços, sem a imputarem a nenhum dos demandados.
Artigos 34.º, 35.º, 36.º e 37.º: nestes artigos os demandantes referem-se aos «responsáveis pelo IDRAM [...]», ao «ex-SREC [...]», à «DROC/DFA» e ao «IDRAM [...]» como não tendo cumprido, sem imputarem factos concretos a nenhum dos demandados.
e) O montante total não reportado (IASAÚDE)
Artigo 40.º: «Os responsáveis pelo IASAÚDE, desde 2008, vinham alertando a tutela para a necessidade de reforçar o orçamento.»
Quais responsáveis? Algum dos demandados? Qual?
Vinham alertando quem? Quem era quem na «tutela»?
Artigo 42.º: «Assunção de despesas sem cabimento orçamental e a não revelação contabilística dos EANP serão imputáveis, a título doloso, aos membros do Conselho do Governo Regional [...].»
Mas quem, dos demandados, eram esses membros do Governo? E por que é que essa conduta era dolosa?
Artigo 43.º: «[...] uma infração financeira [...] imputável aos membros do Governo Regional que aprovaram as propostas de orçamento [...]».
Mas quem, dos demandados eram os membros do Governo e quais destes aprovaram as propostas?
Artigo 44.º: «[...] uma infração financeira [...], imputável ao Presidente do IASAÚDE e ao Vice-Presidente do mesmo Instituo [...]».
Quem, dos demandados, era o Presidente e quem, dos mesmos, era o Vice-Presidente?
f) Outras situações fora de reporte
Artigos 45.º e 46.º: «[...] nos anos de 2010 e 2011, encargos pendentes [...] não foram reportados [...]» o que «configura uma infração financeira [...] imputável ao ex-Presidente do IDRAM [...]».
Quem é que, dos demandados, era o ex-Presidente do IDRAM?
Artigos 47.º e seguintes: estes artigos contêm mais matéria conclusiva e referências a siglas (IDRAM, ex-SREC), sem imputações pessoais a qualquer dos demandados (artigos 47.º e 48.º).
De toda esta análise, verifica-se que, neste ponto, assiste razão ao Ministério Público. Os demandantes não aperfeiçoaram suficientemente a sua petição de ação popular, pois não só não concretizam devidamente os factos, como não imputam pessoalmente a qualquer dos demandados ações ou omissões ilícitas concretas, preferindo acusar abstratamente as siglas «DROC», ex-SREC» «IDRAM», etc., ou os «responsáveis», sem nomearem particularmente ninguém dos demandados. Portanto, recaindo a responsabilidade financeira sobre os agentes da ação (artigos 61.º, n.º 1, e 67.º, n.º 3, da LOPTC) e não sendo os demandados pessoal e diretamente acusados da prática de factos antijurídicos, verifica-se que não foi alegado fundamento suficiente para que os mesmos possam ser levados a julgamento, nestes autos. Não basta a remissão genérica para o relatório da auditoria, nem para o despacho do juiz. Os demandantes é que têm o ónus de alegação de factos integradores das infrações financeiras e não o cumpriram suficientemente. Para que o Tribunal possa dizer o direito e decidir a presente controvérsia (ius dicere), os requerentes têm de expor, perante o juiz, a realidade controvertida, descrevendo-a facto por facto e imputando-a concreta e exatamente à pessoa ou pessoas que a praticaram (da mihi factum, dabo tibi ius). Não vale um modelo discursivo superficial e impessoal, contrastante e incompatível com o rigor e a objetividade que necessariamente caracterizam o discurso judiciário.
Neste caso, afigura-se até muito difícil conceber-se requerimento de julgamento mais deficiente e pobre do que este, em termos técnico-jurídicos e de conteúdo, na descrição dos factos e na sua imputação objetiva e subjetiva.
Assim sendo, e por não preencher os requisitos legais impostos no artigo 90.º da LOPTC, em conjugação subsidiária com o artigo 283.º, n.º 3, do CPP, não resta outra solução senão indeferir liminarmente o presente requerimento de julgamento.
Esta ação popular não pode prosseguir, não porque os demandantes não tenham legitimidade, mas porque apresentaram um requerimento muito mal elaborado, demasiado insuficiente e deficiente, que, como acima se demonstrou, não acusa concreta e pessoalmente nenhuma das pessoas referidas no seu início.
Nada impede, porém, os cidadãos demandantes, ou outros, de apresentarem novo requerimento que possa ser recebido, desde que não ostente os vícios deste, nem outros, que o tornem inaceitável.
Pelo exposto, e atento o preceituado no artigo 91.º, n.º 1, da LOPTC, a contrario, indefiro o requerimento de julgamento de responsabilidades financeiras, apresentado por Carlos João Pereira e outros (supraidentificados) contra Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim e outros (supraidentificados).
Notifique.
Nos termos do artigo 9.º, n.º 2, al. f), e n.º 3, da LOPTC, remeta esta decisão para publicação na 2.ª série do Diário da República e no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira.
17-12-2013. - O Juiz Conselheiro, João Aveiro Pereira.
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