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Decreto-lei 203/98, de 10 de Julho

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Sumário

Disciplina o regime jurídico da salvação marítima.

Texto do documento

Decreto-Lei 203/98

de 10 de Julho

O presente diploma ocupa-se da salvação marítima, instituto de grande tradição no direito marítimo e de indiscutível importância teórica e prática. A sua disciplina jurídica consta do título VIII, livro III, do Código Comercial, recomendando-se a alteração agora realizada, particularmente em razão da assinatura em 28 de Abril de 1989 da Convenção Internacional sobre Salvação Marítima.

Apesar de a designação tradicional do instituto ser a de salvação e assistência, optou-se apenas pela de salvação.

A referida tradição encontra origem na doutrina maritimista francesa para a qual salvação e assistência constituíam figuras autónomas.

Esta autonomia, de contornos duvidosos, tem sido contestada, não só entre nós, mas sobretudo no âmbito da comunidade internacional.

Em Portugal, nunca se defendeu com perseverança a distinção entre os dois conceitos, tendo prevalecido o entendimento de que assistência e salvação não são factos diversos, visto que ambos significavam o socorro prestado, conjunta ou separadamente, a um navio, à sua carga e às pessoas que se encontram a bordo.

A nível internacional, a contestação desta autonomia é propugnada pelos direitos de raiz anglo-saxónica. Sempre houve neles, apenas, um único conceito - o de salvage.

A existência das duas orientações doutrinárias patenteia-se no artigo 1.º da Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1910, onde está consagrada uma solução de compromisso: «A assistência e salvação das embarcações marítimas em perigo, das coisas que se encontram a bordo [...] ficam sujeitas às disposições seguintes, sem que haja lugar a distinções entre estas duas espécies de serviços [...]» Mas a terminologia anglo-saxónica tornar-se-ia dominante no texto da mencionada Convenção de 1989, com o emprego de um único termo para designar o instituto, precisamente o de salvage. A palavra assistance aparece tão-só na versão oficial francesa, utilizada como sinónimo de salvage.

Neste quadro, diluiu-se a autonomia que usualmente se considerava existir entre assistência e salvação. Parece que não subsiste, na actualidade, qualquer distinção, legal ou doutrinária, entre as duas espécies de serviços.

Consequentemente, entende-se que o legislador português, em consonância com a maioria dos ordenamentos jurídicos da comunidade internacional, deve passar a utilizar o termo «salvação», em detrimento de «assistência».

O diploma introduz relevantes inovações algumas delas que o são mesmo em face dos ordenamentos jurídicos estrangeiros. A saber:

a) Obrigação do salvador de evitar ou minimizar danos ambientais - o contrato de salvação marítima passou a estar condicionado pelo interesse público da defesa do ambiente, impondo-se ao salvador, ao lado de outras obrigações clássicas, a de evitar ou minimizar danos ambientais;

b) Compensação especial - a fim de incentivar o interesse dos salvadores na defesa do ambiente cria-se uma compensação especial a atribuir ainda que não tenha havido resultado útil para o salvado e, consequentemente, o salvador não vença salário de salvação marítima (princípio no cure no pay). O valor desta compensação é igual ao montante das despesas efectuadas, acrescido de 30%; em situações de particular dificuldade, a compensação especial pode ser elevada para valor equivalente ao dobro de tais despesas;

c) Salvação de pessoas - visando ressarcir os prejuízos do salvador de vidas humanas, quando não tenha direito a participar na repartição do salário de salvação marítima, prevê-se o direito à indemnização pelas despesas que suportou durante a operação. A indemnização é reclamável ao proprietário, armador ou segurador da responsabilidade civil da embarcação em que se transportavam as pessoas salvas;

d) Pagamento pelo Estado - com o objectivo de motivar os salvadores na defesa do ambiente e da vida humana no mar, o Estado passa a garantir o pagamento da compensação especial e da indemnização pelas despesas efectuadas, quando os obrigados não o tenham realizado, dentro do prazo de 60 dias contados da inter-pelação;

e) Repartição do salário entre salvadores - pretendendo alcançar uma repartição mais justa entre o capitão, ou quem desempenhe correspondentes funções de comando, e a tripulação da embarcação salvadora, recorre-se ao critério da proporção do salário base de cada um, afastando-se as regras do artigo 688.º do Código Comercial;

f) Direito de retenção do salvador - a lei passa a atribuir este direito ao salvador, para garantia dos créditos emergentes da salvação marítima;

g) Salvação marítima por embarcações do Estado - a salvação marítima em que intervenham embarcações do Estado como salvadores fica abrangida pela regulamentação geral.

De todas as inovações mencionadas, a que se afigura mais arrojada é a respeitante à possibilidade de pagamento pelo Estado, prevista nos artigos 10.º e 11.º Saliente-se o aspecto pioneiro de o Estado, dado estarem em causa danos ambientais e despesas efectuadas para a salvaguarda da vida humana no mar, que materializam relevantes interesses públicos, se poder substituir no pagamento respectivo, embora ficando sub-rogado nos direitos do credor, com um prazo especial de dois anos a contar da sub-rogação para exercêlos.

Assim:

Ao abrigo da alínea a)do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º

Definições legais

1 - Para efeito do presente diploma, considera-se:

a) «Salvação marítima» todo o acto ou actividade que vise prestar socorro a navios, embarcações ou outros bens, incluindo o frete em risco, quando em perigo no mar;

b) «Salvador» o que presta socorro aos bens em perigo no mar;

c) «Salvado» o proprietário ou armador dos bens objecto das operações de socorro.

2 - Considera-se ainda salvação marítima a prestação de socorro em quaisquer outras águas sob jurisdição nacional, desde que desenvolvida por embarcações.

Artigo 2.º

Contratos de salvação marítima

1 - Podem os interessados celebrar contratos de salvação marítima em que convencionem regime diverso do previsto no presente diploma, excepto quanto ao pre-ceituado pelos artigos 3.º ,4.º ,9.º e 16.º 2 - Os contratos de salvação marítima estão sujeitos a forma escrita, nesta se incluindo, designadamente, cartas, telegramas, telex, telecópia e outros meios equivalentes criados pelas modernas tecnologias.

3 - As disposições dos contratos de salvação marítima podem ser anuladas ou modificadas nos termos gerais de direito e ainda nos casos seguintes:

a) O contrato ter sido celebrado sob coacção ou influência de perigo, não se apresentando equitativas cláusulas;

b) O salário de salvação marítima ser manifestamente excessivo ou diminuto em relação aos serviços prestados.

4 - Nos contratos referidos neste artigo, o capitão da embarcação objecto de salvação, ou quem nela desempenhe funções de comando, actua em representação de todos os interessados na expedição marítima.

Artigo 3.º

Dever de prestar socorro

1 - Ocapitão de qualquer embarcação, ou quem nela desempenhe funções de comando, está obrigado a prestar socorro a pessoas em perigo no mar, desde que isso não acarrete risco grave para a sua embarcação ou para as pessoas embarcadas, devendo a sua acção ser conformada com o menor prejuízo ambiental.

2 - À omissão de prestar socorro, nos termos do número anterior, é aplicável o disposto no artigo 486.º do Código Civil, independentemente de outro tipo de responsabilidade consagrada na lei.

3 - O proprietário e o armador da embarcação só respondem pela inobservância da obrigação prevista neste artigo se existir culpa sua.

Artigo 4.º

Obrigações do salvador

Constituem obrigações do salvador:

a) Desenvolver as operações de salvação marítima com a diligência devida, em face das circunstâncias de cada caso;

b) Evitar ou minimizar danos ambientais;

c) Solicitar a intervenção de outros salvadores, sempre que as circunstâncias concretas da situação o recomendem;

d) Aceitar a intervenção de outros salvadores, quando tal lhe for solicitado pelo salvado;

e) Entregar, em caso de abandono, à guarda da autoridade aduaneira do porto de entrada, a embarcação e os restantes bens objecto de salvação marítima, desde que não exerça direito de retenção.

Artigo 5.º

Remuneração do salvador

1 - Havendo resultado útil para o salvado, é a salvação marítima remunerada mediante uma retribuição pecuniária denominada «salário de salvação marítima».

2 - Se o salvador não obtiver resultado útil para o salvado, mas evitar ou minimizar manifestos danos ambientais, a sua intervenção é remunerada, nos termos dos artigos 9.º e 10.º, mediante uma retribuição pecuniária denominada «compensação especial».

3 - Para efeitos do número anterior, entende-se por danos ambientais todos os prejuízos causados à saúde humana, vida marinha, recursos costeiros, águas interiores ou adjacentes, em resultado de poluição, contaminação, fogo, explosão ou acidente de natureza semelhante.

4 - Não exclui o direito do salvador a remuneração o facto de pertencerem à mesma pessoa, ou por ela serem operadas, as embarcaçoes que desenvolvem as operações de salvação marítima e as que destas constituem objecto.

Artigo 6.º

Salário de salvação marítima

1 - O salário de salvação marítima é fixado tendo em consideração as circunstâncias seguintes:

a) O valor da embarcação e dos restantes bens que se conseguiram salvar;

b) Os esforços desenvolvidos pelo salvador e a eficácia destes a fim de prevenir ou minimizar o dano ambiental;

c) O resultado útil conseguido pelo salvador;

d) A natureza e o grau do risco que o salvador correu;

e) Os esforços desenvolvidos pelo salvador e a eficácia destes para salvar a embarcação, outros bens e as vidas humanas;

f) O tempo despendido, os gastos realizados e os prejuízos sofridos pelo salvador;

g) A prontidão dos serviços prestados;

h) O valor do equipamento que o salvador utilizou.

2 - Pelo pagamento do salário de salvação marítima fixado nos termos do número anterior, respondem a embarcação e os restantes bens salvos, na proporção dos respectivos valores, calculados no final das operações de salvação marítima.

3 - O montante do salário de salvação marítima, excluídos os juros e as despesas com custas judiciais, não pode exceder o valor da embarcação e dos restantes bens que se conseguiram salvar, calculados no final das operações de salvação marítima.

4 - Não resulta afectados o salário de salvação marítima, sempre que o salvador tenha sido obrigado a aceitar a intervenção de outros, nos termos da alínea d) do artigo 4.º, e se demonstre a manifesta desnecessidade desta intervenção.

Artigo 7.º

Pagamento do salário

O pagamento do salário de salvação marítima é feito pelos salvados de harmonia com as regras aplicáveis à regulação da avaria grossa ou comum.

Artigo 8.º

Repartição do salário entre os salvadores

1 - A repartição do salário de salvação marítima entre os salvadores é efectuada, na falta de acordo dos interessados, pelo tribunal, tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 6.º 2 - A repartição entre o salvador, o capitão, ou quem desempenhava as correspondentes funções de comando, a tripulação e outras pessoas que participaram na salvação marítima é efectuada, na falta de acordo dos interessados, pelo tribunal, nos termos do número anterior;

a parte do capitão, ou de quem desempenhava as correspondentes funções de comando, e da tripulação, porém, não pode ser superior a metade nem inferior a um terço do salário de salvação marítima líquido.

3 - A repartição entre o capitão, ou quem desempenhava as correspondentes funções de comando, e os membros da tripulação é feita na proporção do salário base de cada um.

4 - Caso a salvação marítima haja sido prestada por rebocador ou outra embarcação especialmente destinada a esta actividade, o capitão, ou quem desempenhava as correspondentes funções de comando, e a tripulação ficam excluídos da repartição do respectivo salário.

Artigo 9.º

Compensação especial

1 - Se o salvador desenvolver actividades de salvação marítima em relação a navio ou embarcações que, por eles próprios ou pela natureza da carga transportada, constituam ameaça para o ambiente e não vença salário de salvação marítima, tem direito a uma compensação especial, da responsabilidade dos proprietários do navio ou embarcação e dos restantes bens que se conseguiram salvar, igual ao montante das despesas efectuadas, acrescido de 30%.

2 - Consideram-se despesas efectuadas pelo salvador todos os gastos realizados com pessoal e material, incluída a amortização deste.

3 - Em situações de particular dificuldade para as operações de salvação marítima, pode o tribunal elevar a compensação especial até montante igual ao dobro das despesas efectuadas.

4 - O segurador da responsabilidade civil do devedor pode ser demandado pelo salvador, caso o segurado não efectue o pagamento da compensação especial prevista neste artigo.

Artigo 10.º

Pagamento da compensação pelo Estado

1 - Não tendo o devedor da compensação especial procedido ao seu pagamento dentro dos 60 dias contados da interpelação judicial ou extrajudicial pelo salvador, pode este exigir imediatamente ao Estado a respectiva satisfação.

2 - Sempre que o Estado, nos termos do número anterior, pague a compensação especial ao salvador, fica sub-rogado nos direitos deste em relação ao devedor, podendo exercê-los dentro dos dois anos subsequentes à sub-rogação.

3 - O procedimento administrativo relativo ao pagamento pelo Estado, previsto neste artigo, será regulamentado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Justiça e do Ambiente.

Artigo 11.º

Salvação de pessoas

1 - O salvador de vidas humanas que intervenha em operações que originem salário de salvação marítima tem direito, por esse simples facto, a participar na repartição do respectivo montante.

2 - Não ocorrendo a situação prevista no número anterior, o salvador de vidas humanas tem direito a ser indemnizado pelas despesas que suportou na operação de salvamento, reclamando-as do proprietário, armador ou segurador da responsabilidade civil do navio ou embarcação em que se transportavam as pessoas salvas.

3 - O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à salvação de pessoas.

Artigo 12.º

Embarcações ou outros bens naufragados

1 Não podem ser adquiridos por ocupação as embarcações naufragadas, seus fragmentos, carga ou quaisquer bens que o mar arrojar às costas ou sejam nele encontrados.

2 - A recusa injustificada da entrega dos bens referidos no número anterior ao proprietário ou seu representante determina a perda do direito ao salário de salvação marítima sem prejuízo de outras sanções que ao facto correspondam.

Artigo 13.º

Exercício dos direitos

1 - Os direitos decorrentes da salvação marítima devem ser exercidos no prazo de dois anos a partir da data da conclusão ou interrupção das operações de salvação marítima.

2 - Se o salvador não exigir o salário de salvação marítima, a compensação especial ou a indemnização das despesas referida no n.º 2 do artigo 11.º, o capitão, ou quem desempenhava as correspondentes funções de comando, e a tripulação podem demandar os salvados, pedindo a parte que lhes caiba, dentro do ano subsequente ao termo do prazo fixado no número anterior.

3 - Verificando-se a situação prevista no número anterior, o capitão da embarcação que desenvolveu as operações de salvação marítima, ou quem desempenhava as correspondentes funções de comando, tem legitimidade para, em nome próprio e em representação da tripulação, demandar os salvados; porém, caso esse direito não seja exercido, podem os tripulantes interessados demandar conjuntamente os salvados, nos seis meses imediatos.

Artigo 14.º

Direito de retenção

O salvador goza de direito de retenção sobre a embarcação e os restantes bens salvos para garantia dos créditos emergentes da salvação marítima.

Artigo 15.º

Tribunal competente

1 - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o julgamento de acções emergentes de salvação marítima, em qualquer dos casos seguintes:

a) Se o porto de entrada após as operações de salvamento se situar em território nacional;

b) Se o contrato de salvação marítima tiver sido celebrado em Portugal;

c) Se o salvador e o salvado forem de nacionalidade portuguesa;

d) Se a sede, sucursal, agência, filial ou delegação de qualquer das partes se localizar em território português;

e) Se o sinistro ocorreu em águas sob jurisdição nacional.

2 - Nas situações não previstas no número anterior, a determinação da competência internacional dos tribunais para julgamento das acções emergentes de salvação marítima é feita de acordo com as regras gerais.

Artigo 16.º

Salvação marítima por embarcações do Estado

Odisposto neste diploma abrange a salvação marítima desenvolvida por navios ou embarcações de guerra ou outras embarcações não comerciais propriedade do Estado ou por ele operadas; não se aplica, porém, no caso de tais embarcações serem objecto de operações de salvamento.

Artigo 17.º

Norma revogatória

São revogados os artigos 676.º a 691.º do Código Comercial.

Artigo 18.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 26 de Fevereiro de 1998.

-António Manuel de Oliveira Guterres - José Veiga Simão - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - João Cardona Gomes Cravinho - José Eduardo Vera Cruz Jardim - Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira.

Promulgado em 6 de Maio de 1998.

Publique-se.

O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.

Referendado em 5 de Junho de 1998.

O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1998/07/10/plain-94527.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/94527.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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