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Resolução do Conselho de Ministros 193/97, de 3 de Novembro

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Sumário

Desenvolve um processo interministerial e interinstitucional para a reforma do sistema de protecção de crianças e jovens em risco. Prevê a criação da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR), na dependência dos Ministros da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social, cujas atribuições, cabem ao grupo coordenador do programa "Adopção 2000".

Texto do documento

Resolução do Conselho de Ministros n.º 193/97
Os artigos 67.º, 69.º e 70.º da Constituição da República Portuguesa atribuem à sociedade e ao Estado o dever de proteger a família, as crianças e os jovens com vista ao seu desenvolvimento integral e conferem um direito especial de protecção aos órfãos, abandonados ou por qualquer forma privados de um ambiente familiar normal.

No cumprimento destes imperativos constitucionais e da promoção efectiva dos direitos das crianças consagrados na Convenção sobre os Direitos da Criança, de que Portugal foi um dos primeiros subscritores, o XIII Governo Constitucional consagrou no seu Programa de Governo, como uma das suas prioridades, a promoção da família e a protecção das crianças e jovens em risco.

O Governo tem vindo a actuar, em simultâneo, em dois campos de acção: o da intervenção no âmbito dos diversos ministérios, que tem permitido desenvolver programas de acção destinados a crianças e jovens (v. g., os programas «Ser criança», «Adopção 2000», «Territórios educativos de intervenção prioritária», «Currículos alternativos», Comissão Nacional de Trabalho Infantil, Comissão Nacional de Saúde da Mulher e da Criança, Programa Escolas-Oficinas e Rede de Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar), e o da elaboração pelos departamentos e entidades da Administração Pública de auditorias e estudos que permitem agora definir uma política integrada e mais eficaz de protecção das crianças e jovens em risco.

Neste segundo campo de acção há, naturalmente, que ponderar os relatórios, elaborados conjuntamente pelo Centro de Estudos Judiciários, Instituto de Reinserção Social e Procuradoria-Geral da República, sobre a acção das comissões de protecção de menores (CPM), pelo PAFAC - Projecto de Apoio à Família e à Criança, pela Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas (direito de menores) (Despacho do Ministro da Justiça n.º 20/MJ/96, de 30 de Janeiro), pela Comissão Interministerial para o Estudo da Articulação entre os Ministérios da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social (despacho conjunto dos Ministros da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social de 2 de Outubro de 1996) e pelo grupo de trabalho para o estudo das questões relativas às crianças em risco (despacho conjunto do Primeiro-Ministro e dos Ministros da Educação, da Saúde, para a Qualificação e o Emprego e da Solidariedade e Segurança Social de 11 de Novembro de 1996), que permitem ter actualmente uma caracterização mais profunda, como nunca se teve, da situação das crianças e jovens em risco, bem como das respostas sociais que visam a sua protecção.

Na sequência das conclusões dos referidos relatórios, o conceito de «criança e jovem em risco» enquadra as crianças e jovens sujeitos a maus tratos, aqueles a quem os pais ou os representantes legais não prestam os cuidados necessários ao seu desenvolvimento e ainda aqueles que, com o seu comportamento, ponham eles próprios em causa o seu desenvolvimento, não tomando os pais ou representantes legais (ou não podendo tomar) as medidas necessárias para pôr cobro a esse comportamento, ou não se mostrando eficazes as medidas que estes adoptam.

Não é ainda possível conhecer com razoável certeza o universo destas crianças e jovens, mas o Governo acolhe já nas estruturas do sistema de segurança social cerca de 13500 crianças e jovens desprovidos de meio familiar adequado. Cerca de 4000 dessas crianças e jovens encontram-se em famílias de acolhimento, enquanto as restantes se encontram alojadas em 220 lares para crianças e jovens privados de meio familiar. A estas acrescem, para além daquelas que as CPM e a comunidade conseguem integrar na família biológica ou alargada, as cerca de 400 (do total de 900) que se encontram ao cuidado do Ministério da Justiça, as que foram adoptadas (estimam-se 330 em 1996) e as que não são abrangidas por qualquer intervenção social, o que é deveras preocupante.

A situação existente revela a persistência de uma ideologia institucionalizadora, também criadora de riscos, que não configura necessariamente a solução mais adequada para muitas dessas crianças.

Este elevado número de crianças e jovens indicia ainda a ruptura das respostas existentes, com a sua consequente incapacidade para satisfazer os novos pedidos de intervenção.

As conclusões dos relatórios referidos permitem saber que o Estado e a sociedade se têm multiplicado no desenvolvimento de inúmeros programas nacionais, regionais e locais de protecção aos menores e crianças em risco, sem que a sua actuação seja suficientemente coordenada e os recursos humanos e económicos sejam cabalmente aproveitados.

Assim, neste contexto, o Governo entende ser de definir uma política integrada para as crianças e jovens em risco, que, por um lado, respeite os princípios da intervenção mínima na esfera da autonomia e autodeterminação dos seus destinatários e da optimização e racionalização dos recursos humanos e económicos, evitando actuações excessivas e ou sobrepostas de entidades públicas e privadas; por outro lado, pretende-se que essa intervenção social não seja meramente caritativa ou administrativa, mas que se insira num espaço de cidadania, tendo em conta a participação das crianças nas decisões que lhes dizem respeito, e em que o Estado não delega as suas responsabilidades, mas coopera, na protecção e promoção das crianças e jovens em risco, com todas as pessoas individuais e colectivas da comunidade, designadamente com as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), no âmbito do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social.

A reforma do sistema de protecção de crianças e jovens em risco, que agora se inicia, terá necessariamente uma natureza interministerial, com a participação activa de todos os ministérios que tenham competências nesta área, designadamente os Ministérios da Justiça, da Educação, da Saúde e da Solidariedade e Segurança Social, cuja intervenção é de primordial importância na protecção das crianças e jovens quando a sua segurança, saúde, formação moral ou educação se encontrem em perigo (artigo 19.º da Organização Tutelar de Menores).

Um bom prenúncio do desenvolvimento desta política é a experiência globalmente positiva das CPM, criadas pelo Decreto-Lei 189/91, de 17 de Maio, em que o Estado, as autarquias e as entidades públicas e privadas promovem em parceria as respostas necessárias à protecção das crianças e jovens em risco. Como resulta da sua avaliação, há que incentivar o desenvolvimento desta experiência a todo o país, adaptando, no entanto, o modelo às características e necessidades próprias dos grandes centros urbanos e melhorando os meios do seu desempenho, acompanhamento e apoio técnico.

Do diagnóstico efectuado, e na sequência da experiência já acumulada nos primeiros seis meses de execução do programa «Adopção 2000», conclui-se que é necessário iniciar um processo de reforma global do sistema de protecção de crianças e jovens em risco, o que impõe a necessidade de medidas conjugadas a vários níveis, que passam, nomeadamente, pela reforma legislativa do sistema de protecção, melhoria da coordenação entre os serviços do Estado, autarquias e IPSS, demais organizações não governamentais vocacionadas para o combate à exclusão social, reestruturação das equipas de menores e de adopção dos centros regionais de segurança social, desenvolvimento das respostas sociais e melhoria do acompanhamento, apoio e avaliação no desempenho das CPM.

É necessário definir os critérios de intervenção, acolhimento, diagnóstico e elaboração do projecto de vida das crianças e jovens em risco, pelos quais, face ao caso em concreto, seja potenciada pelo Estado e pela sociedade, em primeiro lugar, a sua inserção na família biológica ou alargada, ou, em alternativa, sejam encaminhadas para adopção ou, eventualmente, para outras respostas mais adequadas a cada situação concreta, como sejam a colocação familiar ou o acolhimento em instituições, o que, preferencialmente, deve ser efectuado a título transitório.

A elaboração do projecto de vida da criança ou do jovem implica decisões complexas, que necessitam de ser devidamente ponderadas, mas também exigem celeridade, na medida em que o tempo útil da criança é diferente do tempo útil do adulto. Consequentemente, há que rever os procedimentos jurídicos, administrativos e de intervenção social, de modo que, garantido sempre o contraditório, essas decisões sejam tomadas com celeridade.

O desenvolvimento deste programa de reforma do sistema de protecção de crianças e jovens em risco implicará necessariamente, e em simultâneo, a criação de uma rede de centros de acolhimento temporário e de emergência, de modo a cobrir todo o país, e que, em articulação com as CPM, acolham as crianças e jovens em risco, de modo a evitar a actual tendência para a sua institucionalização, protegendo-as, retirando-as da situação difícil em que se encontram e permitindo a elaboração do projecto de vida mais adequado a cada caso.

Aliás, de acordo com este entendimento, o Ministério da Solidariedade e Segurança Social promoveu já, no âmbito do programa «Adopção 2000», a abertura, até ao final do corrente ano, de 5 novos centros de acolhimento temporários, encontrando-se ainda, já programados para entrarem em funcionamento até ao ano 2000, cerca de mais 20 outros centros, com incidência nas zonas geográficas mais carenciadas neste tipo de respostas, financiados pelo PIDDAC, pelos comissariados regionais de luta contra a pobreza e pela «Intervenção operacional integrar».

Para além de tudo o exposto, pretende-se ainda dar especial atenção às crianças e jovens com comportamentos desviantes ou excluídos socialmente, criando os instrumentos legais que permitam ao Estado e à sociedade promover, no âmbito das CPM e no respeito do princípio da autodeterminação e liberdade individual, as respostas sociais adequadas à inserção social daquelas crianças e jovens, de modo a prevenir a sua eventual entrada no mundo do crime.

Assim:
De harmonia com o artigo 199.º, alínea g), da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:

1 - Desenvolver um processo interministerial e interinstitucional de reforma do sistema de protecção de crianças e jovens em risco, que assenta nas seguintes vertentes:

I) Reforma legal;
II) Enquadramento institucional;
III) Desenvolvimento e coordenação das respostas sociais;
IV) Auditorias e estudos;
V) Dinamização e coordenação da reforma.
I - Reforma legal
2 - A reforma da legislação de protecção das crianças e jovens em risco enquadrar-se-á na reforma mais ampla, em curso, do direito de menores e abrangerá nesta sede:

a) A elaboração da lei de protecção das crianças e jovens em risco;
b) A reforma da legislação relativa aos processos tutelares cíveis resultante da elaboração da lei referida na alínea a);

c) A reforma do regime jurídico das comissões de protecção de menores, de modo a melhorar o seu desempenho e a articulação com os tribunais e com os serviços públicos e privados nelas representados, a rever a sua composição, em função da experiência acumulada e das realidades locais, a repensar a sua competência territorial e material, o seu modo de intervenção, as medidas aplicáveis e os procedimentos e ainda a proporcionar-lhes apoio técnico, administrativo e acompanhamento a nível nacional e local;

d) A revisão do enquadramento legal das famílias de acolhimento e dos lares para crianças e jovens desprovidos de meio familiar;

e) A elaboração do quadro legal de aprovação e implementação de programas e projectos destinados ao apoio e protecção das crianças e jovens em risco.

3 - A elaboração da legislação referida no n.º 2, alíneas a), b), c) e d), desta resolução será efectuada por uma comissão de reforma da legislação de protecção de crianças e jovens em risco, composta por cinco individualidades, a serem nomeadas:

a) Duas pelo Ministro da Solidariedade e Segurança Social, uma das quais coordenará a comissão;

b) Duas pelo Ministro da Justiça;
c) Uma pelo Alto-Comissário para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família.

4 - A comissão referida no número anterior poderá solicitar a todos os serviços públicos as informações que entender necessárias, bem como proceder à audição de entidades públicas e privadas.

5 - O diploma previsto no n.º 2, alínea e), desta resolução será elaborado no âmbito da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco.

II - Enquadramento institucional
6 - De modo a coordenar, acompanhar e avaliar a intervenção do Estado e da sociedade na protecção das crianças e jovens em risco será criada, no prazo de três meses, por decreto-lei, na dependência dos Ministros da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social, a Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR), onde estarão representadas as entidades públicas e privadas com intervenção nesta área, que terá como atribuições, nomeadamente:

a) Participar nas alterações legislativas;
b) Dinamizar, nomeadamente no âmbito do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, os protocolos entre as CPM, os departamentos estatais com intervenção nesta área e as IPSS ou outras entidades privadas;

c) Dinamizar a criação de equipas interdisciplinares de menores e adopção e a sua formação especializada;

d) Dinamizar a criação de centros de acolhimento de emergência nas zonas geográficas onde se mostrem necessários e para as problemáticas que o justifiquem;

e) Preparar e coordenar a transição dos menores e dos meios humanos, físicos e económicos que se encontrem no sistema de justiça e venham a transitar para o sistema de solidariedade social;

f) Solicitar e coordenar as auditorias e os estudos de diagnóstico e avaliação das carências, medidas e respostas sociais;

g) Concertar a acção de todas as entidades públicas e privadas, estruturas e programas de intervenção na área das crianças e jovens em risco;

h) Acompanhar e apoiar as CPM.
7 - O Governo continuará gradualmente a dinamizar a cobertura de todo o país com as CPM, como entidades não judiciárias de intervenção social que se integram num espaço de cidadania, de parceria do Estado e da sociedade, como a melhor solução para a prevenção e protecção das crianças e jovens em risco.

8 - No âmbito da reforma em curso, em articulação entre a CNPCJR, as CPM e as entidades aí representadas, serão tomadas medidas que permitam melhorar a qualidade do desempenho das CPM, facilitem a participação dos seus membros, vinculem os serviços representados e disponibilizem mais respostas sociais a que possam recorrer.

III - Desenvolvimento e coordenação das respostas sociais
9 - Do diagnóstico efectuado resulta a situação paradoxal de, por um lado, ser manifesta a carência de respostas para o problema das crianças e jovens em risco e, por outro, se terem multiplicado as respostas públicas e privadas com actuações, em algumas situações, duplicadas ou sobrepostas. Assim, a CNPCJR deverá promover que se elaborem protocolos e acordem práticas de cooperação, a nível nacional e local, de articulação entre as CPM, as comissões locais de acompanhamento do rendimento mínimo garantido (CLA), os serviços de acção social local, a rede social, as equipas do IRS e as IPSS, de modo a estabelecer estratégias de cooperação e de racionalização, nomeadamente de aproveitamento dos equipamentos e de cativação de vagas em entidades públicas ou privadas para situações de emergência.

10 - A articulação e protocolos referidos serão também apreciados no âmbito do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social.

11 - O desenvolvimento, coordenação, melhoria da qualidade e eficácia da intervenção social têm de ser efectuados em simultâneo com a criação de uma rede nacional de centros de acolhimento temporários de emergência para crianças e jovens em risco.

12 - A promoção e o desenvolvimento de programas inovadores, especializados e experimentais para problemáticas específicas, nomeadamente «meninos da rua», jovens com comportamentos desviantes e ou toxicodependentes.

13 - A promoção e o desenvolvimento articulado, no âmbito desta reforma, das diversas respostas sociais específicas já existentes, como o programa «Adopção 2000» ou o PAFAC.

14 - O sucesso da presente reforma depende de uma profunda reestruturação e dotação dos serviços da segurança social, até ao fim da legislatura, com equipas interdisciplinares de menores e adopção, nos termos já anteriormente definidos no despacho constitutivo do programa «Adopção 2000».

IV - Auditorias e estudos
15 - O Ministério da Solidariedade e Segurança Social promoverá a continuação de auditorias, designadamente à situação dos lares para crianças e jovens desprovidos de meio familiar.

16 - Os Ministérios da Justiça, da Solidariedade e Segurança Social e da Ciência e da Tecnologia promoverão, durante o ano de 1998, um concurso de estudos a contratar aos centros de investigação em ciências sociais, designadamente universitários, a desenvolver em cooperação com os serviços e instituições directamente interessados nesta área, de modo a permitir um conhecimento mais aprofundado, nomeadamente:

a) Da situação das crianças e jovens em colocação familiar;
b) Da situação das crianças e jovens colocados em instituições públicas e privadas;

c) Da intervenção e do funcionamento das CPM;
d) Da caracterização do universo das crianças e jovens em risco.
V - Dinamização e coordenação da reforma
17 - Até à constituição e entrada em funcionamento da CNPCJR, que coordenará a reforma do sistema de protecção, a sua dinamização e execução é atribuída ao grupo coordenador do programa «Adopção 2000», nomeado por despacho conjunto dos Ministros da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social de 18 de Março de 1997, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 92, de 19 de Abril de 1997.

18 - O referido grupo coordenador, no exercício das suas funções, poderá solicitar a colaboração de qualquer entidade pública ou privada que intervenha nesta área.

19 - O apoio logístico à comissão de reforma da legislação de protecção das crianças e jovens em risco e ao referido grupo coordenador será da responsabilidade da Secretaria-Geral do Ministério da Solidariedade e Segurança Social.

Presidência do Conselho de Ministros, 3 de Outubro de 1997. - O Primeiro-Ministro, em exercício, António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/87347.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1991-05-17 - Decreto-Lei 189/91 - Ministério da Justiça

    Regula a criação, competência e funcionamento das comissões de protecção de menores.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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