Acórdão 118/97 - Processo 31/94
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O Provedor de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1 e 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, veio requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir.Como fundamento do seu pedido, alega o requerente que tal norma viola o disposto nos artigos 56.º, n.º 1, 267.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2 e 3, da Constituição.
2 - No essencial, alega o Provedor de Justiça o seguinte:
«Constitui, pois, entendimento pacífico que as associações sindicais têm legitimidade para participar em outros procedimentos - processos burocráticos, nas palavras de Marques Guedes - para além do legislativo-laboral, do contratual ou do de representação em organismo de concertação social.
Logo, quando num procedimento administrativo esteja em jogo um direito ou interesse legalmente protegido de uma pessoa enquanto `trabalhador', será legítimo concluir que nele poderá intervir a organização sindical que, como tal, a represente.
Independentemente de à associação sindical ser atribuída legitimidade activa per si, por via da aplicação do artigo 12.º, n.º 2, da Constituição.
[...] O princípio da participação dos interessados na Administração Pública é reconhecido pelo artigo 267.º, n.º 1, da Constituição.
[...] A participação dos cidadãos no processo de tomada das decisões administrativas é, pois, imposição constitucional e característica de uma Administração Pública democrática.
Permite aos administrados a protecção dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
[...] Isto significa que a garantia dos direitos fundamentais exige, para a sua realização, uma participação por via do procedimento.
[...] Assim, o princípio de participação constitui, antes de mais, um direito activo dos cidadãos, cujo exercício deve ser assegurado pela Administração.
[...] Nestes termos, parece legítimo concluir que o legislador ordinário, ao não obedecer aos ditames do hodierno princípio da administração participada, negando às associações sindicais legitimidade quer para iniciar quer para intervir no procedimento, restringe, de facto, o consequente direito de participação.» E conclui:
«Assim, a norma legal sub judice não se conforma aos objectivos que presidem ao próprio procedimento administrativo.
Fica, pois, demonstrado que a restrição introduzida pelo artigo 53.º, n.º 1, in fine, do Código do Procedimento não se funda na Constituição, nem expressa nem implicitamente.
[...] De acordo com o exposto, apresenta-se como conclusão pacífica o facto de o legislador ordinário negar legitimidade activa às associações sindicais, afastando-as do procedimento administrativo, contrariando desse modo as premissas subjacentes à solução de jure condito constitucionalmente recebida.» 3 - Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o Primeiro-Ministro pronunciou-se no sentido da plena constitucionalidade da norma em causa.
Na sua resposta, entende o Primeiro-Ministro que não se verifica qualquer inconstitucionalidade e que o «iter argumentativo» do Provedor de Justiça assenta em «premissas incorrectas» e num «equívoco metodológico».
Este equívoco verifica-se, segundo o Primeiro-Ministro, na interpretação feita dos preceitos constitucionais invocados, concretamente dos artigos 56.º, n.º 1, e 267.º, n.º 1, entendendo que dos mesmos não promana o sentido normativo que lhes é dado pelo Provedor de Justiça.
Assim, pode ler-se na resposta:
«Os sindicatos são, de acordo com a definição que surge na alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril (Lei Sindical), associações permanentes de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais. São, por conseguinte, pessoas colectivas constituídas para a prossecução de certo escopo (defesa e promoção dos interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam). Por seu turno, o substrato pessoal destas pessoas colectivas (do género associativo) é constituído por certa categoria profissional - ou seja, como se lê na alínea g) do mesmo artigo 2.º, por um `conjunto de trabalhadores que exercem a mesma profissão, ou se integram na mesma actividade, ou que exercem profissões ou se integram em actividades de características globalmente afins entre si diferenciadas de todas as demais'.
Da conjugação destes elementos resulta o entendimento de que o escopo dos sindicatos se traduz na defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores enquanto integrados em certa categoria profissional (ou, como muitas vezes se designa, categoria sindical). Este escopo tem, portanto, uma dimensão colectiva.
[...] Quer dizer: os sindicatos encontram-se legitimados, nos termos das normas materiais e das convenções respectivas, para representar os seus associados. Nestes casos, a legitimidade procedimental é assegurada pelo n.º 1 do artigo 53.º, ao reconhecer tal legitimidade aos titulares de direitos ou interesses legítimos. Não existe, em consequência, qualquer limitação a essa representatividade.
O que o preceito em apreço faz é impedir que os sindicatos e partidos políticos venham a intervir em qualquer procedimento relacionado com os seus associados relativamente a matérias que nada têm que ver com a ratio associativa.» Cumpre decidir.
II - Fundamentos
4 - O questionado n.º 1 do artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo dispõe o seguinte:«Têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões que nele forem ou possam vir a ser tomadas, bem como as associações sem carácter político ou sindical que tenham por fim a defesa desses interesses.» Entende o Provedor de Justiça que este preceito viola os referidos artigos 56.º, n.º 1, 267.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2 e 3, da Constituição.
São as seguintes as disposições pertinentes desses artigos:
«Artigo 56.º
Direitos das associações sindicais e contratação colectiva
1 - Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.
[...]
Artigo 267.º
Estrutura da Administração
1 - A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.[...]
Artigo 18.º
Força jurídica
1 - ................................................................................................................2 - A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3 - As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeitos retroactivos nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.» 5 - Objecto do presente processo é saber se a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo - intervenção expressamente excluída pela parte final da norma constante do artigo 53.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo - se encontra constitucionalmente protegida, por forma que seja vedado ao legislador ordinário impossibilitá-la.
Colocam-se, na verdade, duas questões:
A da intervenção das associações sindicais para defesa e representação dos interesses colectivos que naturalmente prosseguem;
A da intervenção das mesmas para a defesa colectiva dos interesses individuais dos seus representados.
6 - Os sindicatos são associações permanentes de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais. Trata-se, pois, de associações voluntárias e permanentes, essencialmente caracterizadas pela condição de trabalhadores dos respectivos associados e, como decorre do artigo 56.º, n.º 1, da Constituição, pelo objectivo da defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam.
O artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 2, enumera certos direitos específicos das associações sindicais - participação na elaboração da legislação do trabalho, na gestão das instituições de segurança social, no controlo de execução dos planos económico-sociais e representação nos organismos de concertação social. Mas não se esgotam aí os fins e objectivos destas associações.Efectivamente, como referem J. J.
Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., revista, 1993, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 56.º):
«Os direitos das associações sindicais previstos neste artigo não são todos exclusivos delas, nem muito menos esgotam os seus direitos. Não são exclusivos porque alguns deles são compartilhados pelas CT (v. nota I ao artigo 54.º). Não esgotam os direitos das associações sindicais porque a própria Constituição prevê outros, e nada impede que outros sejam atribuídos por lei.» Ora, o n.º 1 deste artigo 56.º, ao afirmar que «compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem», não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais.
7 - De resto, esta actuação colectiva dos sindicatos para defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores há-de revelar-se decisiva em múltiplos aspectos de intervenção social, nomeadamente no âmbito das condições de trabalho.
Por exemplo, no domínio das atribuições cometidas ao Instituto do Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), regulado pelo Decreto-Lei 219/93, de 16 de Junho - no qual a Inspecção-Geral do Trabalho (IGT) passou, desde então, a estar integrada, como serviço central do mesmo -, mal se compreenderia que as associações sindicais não dispusessem da faculdade legal de fazer desencadear os procedimentos tendentes à intervenção daqueles serviços no que se refere, designadamente, ao exercício das seguintes competências, previstas, quanto à IGT, no artigo 13.º daquele diploma:
a) Fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às condições de trabalho, ao apoio ao emprego e à protecção no desemprego, bem como ao pagamento das contribuições para a segurança social;
b) Fiscalizar o cumprimento das normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho;
c) Aprovar e fiscalizar o cumprimento dos regulamentos internos das empresas.
Em todos estes casos se prevê uma actividade administrativa - embora de tipo fiscalizador ou inspectivo - que supõe a existência de um procedimento administrativo. Ora, excluir a possibilidade de as associações sindicais promoverem o início desse procedimento administrativo, ou de nele intervirem, em matérias como as referidas, significaria uma amputação inaceitável dos poderes que, necessariamente, decorrem das finalidades que a Constituição lhes reconhece, e, portanto, lhes são garantidos no n.º 1 do artigo 56.º 8 - Entende o Primeiro-Ministro que a disposição em causa - a norma constante do artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo - não retira a legitimidade procedimental aos sindicatos; antes, esta legitimidade seria «assegurada pelo n.º 1 do artigo 53.º ao reconhecer tal legitimidade aos titulares de direitos ou interesses legítimos».
A verdade, porém, é que há que distinguir entre os direitos e interesses das próprias associações sindicais - nomeadamente aqueles que pertencem a qualquer pessoa colectiva ou aqueles que lhes são especificamente reconhecidos pela Constituição ou a lei, como, por exemplo, nos n.º 2 e 3 do artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa - e os direitos e interesses colectivos dos trabalhadores, e não já das associações sindicais, que a estas apenas cabe defender em nome e representação daqueles. Ora, a intervenção no procedimento administrativo por parte de «associações que tenham por fim a realização de interesses colectivos» cabe na parte final do n.º 1 do artigo 53.º do Código, tal como a das associações que tenham por fim a defesa de interesses difusos é tratada no n.º 3 do mesmo artigo (cf. Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª ed., Almedina, 1995, p. 96). Só que a norma em apreço cria uma excepção a tal legitimidade das associações que tenham por fim a realização de interesses colectivos quando expressamente, na sua parte final, apenas admite a intervenção das «associações sem carácter político ou sindical».
De tal previsão resulta, pois, inequivocamente, a exclusão da legitimidade das associações sindicais para, na defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores que representam, desencadearem o procedimento administrativo e nele intervirem.
Ora, impossibilitar esse tipo de actuações no âmbito do procedimento administrativo revela-se manifestamente inconstitucional, por violação do artigo 56.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
9 - Poderia, apesar de tudo, aquela exclusão ser justificada por razões atinentes à especial natureza ou conformação dos interesses em jogo no procedimento administrativo? Também aqui a resposta só poderá ser negativa.
Com efeito, no n.º 4 do artigo 267.º da Constituição prevê-se que o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, a qual, além do mais, deverá assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, tendo estes ainda direito, nos termos do artigo 268.º, n.º 1, a serem informados, quer sobre o andamento dos processos em que sejam interessados, quer ao acesso aos arquivos e registos administrativos.
Aquele artigo 267.º, n.º 1, estabelece, pois, o princípio da participação dos interessados na Administração. Este é, inequivocamente, um imperativo constitucional que há-de encontrar no Código do Procedimento Administrativo a sua forma de concretização por excelência e impede, portanto, qualquer interpretação restritiva como aquela a que acima se referiu.
10 - Por outro lado, apesar da amplitude com que é constitucionalmente consagrada a finalidade da intervenção sindical, o artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo, do qual consta a norma em apreciação, vem inequivocamente impedir ainda que as associações sindicais, em virtude do seu carácter sindical, procedam à defesa colectiva de interesses individuais no âmbito do procedimento administrativo.
Também aqui se configura uma restrição clara e injustificada aos direitos dos sindicatos, não apenas à luz do princípio da participação no procedimento administrativo, mas principalmente da competência e representatividade dos sindicatos, tendo em consideração a prossecução dos fins que lhes são constitucionalmente cometidos.
Na sequência da orientação perfilhada por este Tribunal no Acórdão 75/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., p. 200), a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência própria dos sindicatos, mal se entendendo que seja retirada no âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.
11 - A este propósito, pode ler-se no citado Acórdão 75/85:
«Ora, nesta última parte, já se não está, obviamente, a regular as formas de participação do pessoal civil na vida dos respectivos organismos, mas a forma que obrigatoriamente deve revestir a apresentação e defesa dos interesses individuais de cada trabalhador.
E, mais concretamente, ao determinar-se que a apresentação e defesa de tais interesses terá de ser feita directamente pelos próprios, exclui-se necessariamente a defesa colectiva de interesses individuais, designadamente através da intervenção das associações sindicais.
Todavia, quando a Constituição, no n.º 1 do seu artigo 57.º [actual artigo 56.º], reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.» Com efeito, a liberdade sindical não se esgota na faculdade de criar associações sindicais e de a elas aderir ou não aderir. Antes supõe a faculdade de os trabalhadores defenderem, coligados, os respectivos direitos e interesses perante a sua entidade patronal, o que se traduz, nomeadamente, na contratação colectiva e também na possibilidade de, também colectivamente - porque só assim podem equilibrar as relações com os dadores de trabalho -, assegurarem o cumprimento das normas laborais, designadamente das resultantes da própria negociação colectiva. É que, na verdade, a actividade sindical não se confina à mera defesa dos interesses económicos dos trabalhadores, antes se prolonga na defesa dos respectivos direitos jurídicos, consagrados na lei ou nos instrumentos de regulamentação colectiva das relações laborais, e esta última defesa exige a possibilidade de os sindicatos intervirem em defesa dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores que representam, principalmente quando se trate de direitos indisponíveis (cf. artigo 6.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho).
Parece evidente que - máxime quando se esteja perante direitos disponíveis - a lei poderá e deverá prever, numa razoável ponderação entre os interesses de cada trabalhador e os interesses de uma certa categoria ou grupo de trabalhadores, que a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo se possa exercitar, em certos casos, de forma meramente coadjuvante ou subordinada, quando estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores. Tal, porém, não significa que se possa, pura e simplesmente, excluir os sindicatos, como ocorre na norma questionada.
Sendo esta a interpretação daquele dispositivo constitucional que aqui se perfilha, e não existindo, assim, quaisquer fundamentos para nos desviarmos da jurisprudência firmada no já mencionado Acórdão 75/85, forçoso é concluir, também nesta perspectiva, pela inconstitucionalidade da norma em causa na parte impugnada.
III - Decisão
12 - Nestes termos, decide-se declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade - por violação do artigo 56.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa - da norma constante do n.º 1 do artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa dos interesses colectivos, seja em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam.Lisboa, 19 de Fevereiro de 1997. - Luís Nunes de Almeida - Maria Fernanda Palma - Antero Alves Monteiro Dinis - Alberto Tavares da Costa - José de Sousa e Brito - Armindo Ribeiro Mendes - Guilherme da Fonseca - Maria da Assunção Esteves (com declaração de voto) - Bravo Serra (admitindo que a interpretação que no acórdão se faz sobre a norma constante do n.º 1 do artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo é a mais curial e razoável, entendo que tal norma só é inconstitucional na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar e intervir no procedimento administrativo nos casos em que tais associações pretendam proceder à defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores, entendimento este que perfilho, em essência, pelas razões que foram carreadas à declaração de voto exarada pelos Ex. Conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento no Acórdão 75/85) - Messias Bento (vencido em parte. De acordo com a declaração de voto que apus ao Acórdão 75/85, entendo que o artigo 56.º, n.º 1, da Constituição não vai ao ponto de impor ao legislador que atribua legitimidade aos sindicatos para a defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam, no âmbito do procedimento administrativo.
Entendo, por isso, que, nessa parte, o artigo 53.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo não é inconstitucional) - Vítor Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração de voto que junta) - Fernando Alves Correia (vencido em parte, nos termos e pelo essencial dos fundamentos adiantados pelos Ex. Conselheiros Bravo Serra e Messias Bento) - José Manuel Cardoso da Costa (fiquei com alguma dúvida sobre se a norma questionada não garante já a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo, em defesa dos «interesses colectivos» dos trabalhadores. Mas admitindo que a resposta negativa a tal dúvida coincidente com a interpretação do precedente acórdão corresponda - para usar as palavras do Ex.
Conselheiro Bravo Serra - ao entendimento «mais curial e razoável» do preceito, de todo o modo sempre não votei a inconstitucionalidade deste último, na parte em que exclui a legitimidade daquelas associações para intervirem no dito procedimento em defesa dos «interesses individuais» dos trabalhadores. E isto pelas razões constantes da declaração de voto que juntei ao Acórdão 75/85).
Declaração de voto
As normas do artigo 55.º (liberdade sindical) e do artigo 56.º ( direitos das associações sindicais) não têm uma idêntica estrutura. A primeira norma, do artigo 55.º, consagrando a liberdade sindical, afirma um direito subjectivo fundamental: o de os trabalhadores se organizarem e agruparem no sentido da defesa dos seus direitos. A segunda norma, do artigo 56.º, sobre as associações sindicais, tem uma dimensão institucional e orgânica, uma dimensão organizatório-representativa, afirmando a competência dos sindicatos.À natureza de norma garantidora de posições subjectivas fundamentais, que é própria do artigo 55.º, contrapõe-se a natureza de norma atributiva de competências, que é própria do artigo 56.º: a primeira norma tem em si uma pretensão de máxima efectividade a que deve ater-se o método de interpretação e que não está presente na segunda. Ou seja, uma norma constitucional sobre a liberdade sindical tem uma dimensão de liberdade, ao passo que uma norma constitucional sobre os direitos das associações sindicais tem uma dimensão de competência, e isso tem implicações no método de interpretação.
Ora, a tese do acórdão internaliza em certo momento (cf. n.º 11) uma ideia de expansividade necessária dos desideratos da norma do artigo 56.º radicada na força de princípio da norma do artigo 55.º Subscrevi a decisão do acórdão em homenagem à eventualidade de as múltiplas situações de vida se coadunarem, no procedimento administrativo, com as tarefas constitucionalmente reconhecidas às associações sindicais.
Mas tenho para mim que é diferente a estrutura das duas normas, como é diferente o método de interpretação que a cada uma delas corresponde. A afirmação constitucional de um direito de liberdade não é igual à afirmação constitucional das formas que o organizam. Daí que à optimização dos mandados do artigo 55.º não corresponda, necessariamente, uma optimização dos mandados do artigo 56.º - Maria da Assunção Esteves.
Acompanhei a maioria na parte em que entendeu ser inconstitucional a negação, consagrada na norma apreciada com alcance genérico da legitimidade das associações sindicais quanto à defesa dos interesses colectivos, sem prejuízo de entender ser permitido ao legislador concretizar, especificando, as matérias sobre as quais é admitida a intervenção procedimental daquelas associações e o respectivo regime.Já não pude acompanhar a maioria na parte em que estendeu o juízo de censura à defesa de interesses individuais dos trabalhadores. É certo que, quanto à defesa de direitos individuais, a solução acolhida na lei não foi objecto do juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão. Contudo, a legitimidade que a contrario se reconhece às associações sindicais para a defesa de interesses individuais - leia-se de «interesses individuais legalmente protegidos» - dos trabalhadores que representam implica uma compressão da autonomia privada individual que não aceito.
Essa compressão torna-se patente sobretudo quando parece reconhecer-se às associações sindicais o poder de
iniciar o procedimento,
independentemente não só de solicitação nesse sentido formulada pelo interessado, como da própria anuência deste. Sublinho que, desta forma, se atribuem às associações sindicais mais do que poderes de representação legal, solução que sempre seria de fundamentação altamente problemática, atendendo a que não estamos perante o suprimento de situações de incapacidade de exercício do trabalhador. Vai-se muito além da atribuição de poderes de representação legal, porque se procede a uma verdadeira transferência da titularidade de interesses. Também o poder de intervir, conferido às associações, se e enquanto se processar nos termos expostos, incorre nos mesmos vícios. - Vítor Nunes de Almeida.