Assento 2/96
Processo 3755 - 4.ª Secção. - Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - A Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos - CGTP/IN, com sede na Travessa do Almada, 12, 2.º, esquerdo, Lisboa, propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção com processo especial, nos termos dos artigos 177.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra Rodoviária Nacional, E. P., com sede na Avenida de Columbano Bordalo Pinheiro, 86, Lisboa, e as demais entidades outorgantes do acordo de empresa respeitante aos trabalhadores ao serviço da dita ré, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 45, de 8 de Dezembro de 1983, pedindo seja a cláusula 54.ª dessa convenção colectiva de trabalho interpretada no sentido de que o direito do trabalhador à segunda refeição ou ao reembolso, previsto no seu n.º 6, existe mesmo nos casos em que o trabalhador é mandado regressar à base - local de trabalho habitual - antes de completadas as doze horas de serviço após o início, desde que ao ultrapassar as doze horas de trabalho se encontre nos limites definidos pelas alíneas a) e b) (deslocado) e tenha ultrapassado o prazo para a segunda refeição, definido no segundo parágrafo do n.º 4 da dita cláusula.
Apenas a ré Rodoviária Nacional contestou, o que fez por excepção e impugnação.
Elaborou-se o saneador, onde se julgaram improcedentes as excepções deduzidas; e considerando o M. Juiz que o estado dos autos permitia já a apreciação do mérito da causa, uma vez que a controvérsia era sobretudo jurídica, passou a conhecer directamente do pedido e, acabando por julgar procedente a acção, fixou à aludida cláusula a seguinte interpretação: «Tem direito a receber a quantia de [...], a partir de 1 de Julho de 1983, o trabalhador que, permanecendo ao serviço da empresa mais de doze horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição, se encontre na situação de deslocado, prevista no n.º 1 da dita cláusula, no período compreendido entre o final da 11.ª hora e o final de 12.ª hora, desde o início do serviço, incluindo o período da primeira refeição, sendo tal quantia devida independentemente de ter ou não o trabalhador tomado a segunda refeição no período mencionado no n.º 4».
Deste saneador-sentença apelou a ré Rodoviária Nacional, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu acórdão a fl. 261, confirmou a decisão impugnada.
De novo inconformada, pediu a dita ré revista a este Supremo Tribunal, que, pelo seu acórdão a fls. 312 e seguinte, anulou o referido acórdão da Relação e ordenou a baixa do processo à 2.ª instância para ser fixada a matéria de facto provada, de modo a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Nesta conformidade, proferiu a Relação de Lisboa o seu acórdão a fls. 339 e seguinte, em que de novo confirmou a sentença recorrida.
Outra vez a ré Rodoviária Nacional recorreu de revista para este Supremo Tribunal e, alegando o recurso, nele sustentou as seguintes conclusões:
«A) Cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça apreciar o mau uso feito pelo Tribunal da Relação do poder-dever consignado no n.º 2 do artigo 712.º do Código de Processo Civil. Ora,
B) Há factos controvertidos, oportunamente articulados pela ora recorrente, relevantes para a decisão da causa segundo uma das soluções plausíveis da questão de direito, que o Tribunal da Relação não fixou, nem ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância para esse efeito, tendo, desse modo, feito mau uso e violado o disposto no n.º 2 do citado artigo 712.º
C) Face à necessidade de ampliar a decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, deve, ao abrigo do disposto nos artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ser mandada julgar novamente a causa na Relação, para que esta revogue o saneador-sentença e ordene o prosseguimento dos autos com elaboração de especificação e questionário e subsequente tramitação.
Se se entender que os autos contêm os factos bastantes para proferir decisão de mérito, deverá, então,
D) Ser julgado improcedente o recurso, por extinção, ab initio, do seu objecto, porquanto,
E) A autora veio a juízo, em 1987, pedir que fosse fixado o sentido e o alcance a atribuir à cláusula 54.ª do acordo de empresa, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 45, de 8 de Dezembro de 1983, cuja cópia instruiu a petição.
Todavia,
F) A cláusula em apreço sofreu alterações quer na revisão de 1985 quer na de 1986, o mesmo sucedendo em relação à cláusula 53.ª, n.º 4, intimamente conexionada com aquela, pelo que
G) À data da instauração da presente acção de interpretação de cláusula de convenção colectiva (artigo 177.º do Código de Processo do Trabalho), a cláusula interpretanda já não existia como direito vigente, na forma e com o conteúdo que a autora lhe atribuiu na peça introdutória da lide em juízo.
H) Se, contra a evidência, se persistir no entendimento de que a cláusula interpretanda está em vigor e de que os autos encerram os elementos adequados à emissão do acórdão, com o valor de assento, previsto no artigo 180.º do Código de Processo do Trabalho, deverá, então, a decisão recorrida ser revogada, e pelas razões invocadas no decurso das presentes alegações.
I) Deverá ser fixada a seguinte interpretação para os n.os 6 e 7 da cláusula 54.ª:
6 - Terá direito ao reembolso de 690$00 o trabalhador que haja tomado a refeição fora dos limites estabelecidos no n.º 1.
7 - O trabalhador terá direito a 620$00 por cada refeição que haja tomado dentro dos limites referidos no n.º 1 quando:
a) Não tenha tomado a refeição dentro dos limites de tempo estabelecidos do n.º 2 e último parágrafo do n.º 4;
b) Não tenha tido intervalo com respeito pelo disposto no n.º 5.'»
A autora contra-alegou, sustentando o acórdão recorrido.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal (Secção Social) emitiu douto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Nas conclusões do presente recurso, que, como é sabido, delimitam o respectivo objecto (cf. artigos 684.º, n.º 3, e 690.º do Código de Processo Civil), levantam-se, fundamentalmente, três questões, a saber:
A questão da censura que, segundo a recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça deve exercer sobre a decisão da Relação relativa à suficiência ou insuficiência da matéria de facto com vista ao julgamento de mérito no saneador [conclusões A), B) e C)];
A questão da extinção, ab initio, do objecto do recurso (melhor seria dizer, do objecto da causa, da pretensão da autora) por via das sucessivas alterações que a cláusula 54.ª, em apreço, sofreu, quer na revisão de 1985 quer na de 1986 [conclusões D), E), F) e G)];
Questão da interpretação e fixação do sentido da dita cláusula 54.ª [conclusões H) e I)].
Apreciemos estas questões pela ordem indicada.
Mas primeiro vejamos a matéria de facto fixada no acórdão recorrido.
III - Tal matéria de facto é a seguinte:
1 - A Rodoviária Nacional, sempre que, antes de decorridas doze horas de serviço, ordena que o trabalhador regresse à base, não lhe concede o direito à segunda refeição ou ao reembolso, apesar de a jornada de trabalho durar mais de doze horas e de ter decorrido o limite horário para a segunda refeição, para além de estar o trabalhador «deslocado» aquando da ordem de regresso à base.
2 - Se o trabalhador (deslocado) regressar à base por percurso dotado de meios para a segunda refeição, a Rodoviária Nacional reembolsa-o se ele, nos limites temporais definidos no n.º 4 da cláusula, parasse durante uma hora para tomar a refeição.
3 - O entendimento que vem sendo seguido pela Rodoviária Nacional está expresso no «Manual de procedimentos referentes às condições de trabalho», junto a fls. 74 e seguintes dos autos.
4 - Não é, em geral, exequível a tomada da segunda refeição por coincidir com um período de ponta dos transportes e em que se não poderia parar a frota sem grande prejuízo para o serviço público prestado e para os restantes destinatários do mesmo.
IV - 1 - No seu acórdão a fls. 312 e seguintes (dactilografado a fls. 332 e seguintes) este Supremo Tribunal anulou o acórdão a fls. 261 e seguintes da Relação de Lisboa, não nos termos dos artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (cf. artigo 85.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho), com vista à ampliação da matéria de facto para constituir base suficiente para a decisão de direito, mas pela simples razão de no acórdão da Relação, então recorrido, não se terem fixado quaisquer factos, impossibilitando o Supremo de observar o disposto no n.º 1 do aludido artigo 729.º
A Relação de Lisboa remediou o que considerou um lapso, fixando no acórdão agora recorrido os factos tidos por provados.
Não obstante, diz a recorrente [conclusão B)] que há factos controvertidos, oportunamente articulados por si, relevantes para a decisão da causa segundo uma das soluções plausíveis da questão de direito, que o Tribunal da Relação não fixou, nem ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância para esse efeito, queixando-se, assim, do mau uso e da violação que esse Tribunal teria feito do n.º 2 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.
Mas, diferentemente de um «uso» (bom ou mau, não interessa agora), do que a recorrente verdadeiramente se queixa é de um «não uso» pela Relação dos poderes que a lei processual lhe faculta no n.º 2 do dito artigo 712.º
Ora, se é certo poder este Supremo Tribunal exercer censura (uma discreta censura, segundo Alberto dos Reis) sobre o «uso» feito pela Relação dos poderes previstos naquele artigo, certo é também que, segundo a jurisprudência dominante do Supremo (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Janeiro de 1983, in Boletim, n.º 323, p. 315, de 6 de Junho de 1986, in Boletim, n.º 358, p. 435, e de 30 de Outubro de 1987, in Boletim, n.º 370, p. 472), não pode este alto Tribunal, em recurso de revista (cf. artigo 85.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), censurar o eventual «não uso» de tais poderes, pois isso envolveria uma prévia apreciação da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. E seria ainda assim se se tratasse de recurso de agravo. Na verdade, tal como sucede no recurso de revista, também no agravo, mercê do disposto no artigo 755.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não pode o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa ser objecto desse recurso, salvo o disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil.
Mas esta questão - que se reduz, no fundo, à pretendida insuficiência da matéria de facto para o conhecimento do mérito da causa no saneador - foi já decidida no acórdão deste Supremo Tribunal a fls. 312 e seguintes, no sentido de não se poder exercer censura sobre o uso (aqui, «não uso») que a Relação faz dos respectivos poderes para a resolver (cf. fl. 315). Sobre ela recaiu, pois, já o manto de caso julgado formal (cf. artigo 672.º do Código de Processo Civil).
Improcedem, assim, as conclusões A) e B) do recurso. E quanto à conclusão 3.ª, apenas no decorrer da apreciação da terceira e última questão, relativa já à interpretação da cláusula 54.ª em causa (apreciação, aliás, condicionada, como é bem de ver, pela resolução da segunda questão acima posta - cf. supra, n.º II), se aferirá da necessidade de ampliação da decisão de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 729.º, n.º 3, e 730.º do Código de Processo Civil.
2 - A segunda questão que no recurso se levanta tem a ver, como acima se referiu (cf. supra, n.º II), com a pretensa extinção, ab initio, do objecto do recurso por via das sucessivas alterações já sofridas pela referida cláusula 54.ª
A recorrente sustenta que, à data da instauração da presente acção, a cláusula interpretanda já não estava em vigor na forma e com o conteúdo que a autora, ora recorrida, lhe atribuiu - dadas as revisões de que foi objecto em 1985 e 1986.
As alterações resultantes de tais revisões foram sucessivamente publicadas na 1.ª série do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 12, de 29 de Março de 1985, e 13, de 29 de Março de 1986 (fls. 65 e 70, respectivamente).
«Encarado o problema numa perspectiva normativa» - diz a recorrente nas suas alegações, a fl. 363 v. -, «estar-se-á perante uma derrogação de sistema: os autores do primeiro acto regularam ex novo a mesma matéria, o que implica necessariamente o fim da normação anterior.»
Simplesmente, ainda que se aceitasse a derrogação pura e simples da referida cláusula e que, portanto, em 2 de Abril de 1987, ou seja, à data da propositura da presente acção (cf. fl. 2), já ela não estaria em vigor, ainda assim permanece actual o interesse que a fixação judicial da sua interpretação viria acautelar, pois trata-se de uma daquelas normas que, mesmo revogadas, são susceptíveis de cobrir os efeitos jurídicos de factos ocorridos durante a sua vigência.
E, por outro lado, ao cotejarmos as alterações de 1985 e 1986 com o conteúdo inicial da cláusula em questão, verifica-se que, salvo esse um ou outro insignificante pormenor de redacção (como o desaparecimento da expressão «a partir de 1 de Junho de 1983» - os n.os 6 e 7 do texto primitivo da cláusula - no texto resultante das revisões), as alterações em causa incidiram sobre valores, sobre montantes de reembolsos, de penalizações, de subsídios, deixando incólume, na sua essência, o conteúdo normativo inicial da dita cláusula.
Como se diz no douto parecer na ilustre representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal (Secção Social), a revogação da cláusula deu-se por mera substituição, salvo no que se refere a valores, o que significa conter-se o seu sentido nas normas que, transcrevendo-as, na prática as substituíram.
Significa isto que a cláusula 54.ª em causa permanece no seu conteúdo normativo essencial.
A apreciação do recurso continua, pois, com interesse.
Improcedem, assim, as conclusões D), E), F) e G).
3.1 - Somos chegados ao problema fulcral da interpretação da cláusula 54.ª em questão, que se transcreve no seu conteúdo relevante:
«1 - Considera-se na situação de deslocado, para efeitos da presente cláusula, todo o trabalhador que:
a) Se encontrar a uma distância superior a 5 km do seu local de trabalho, no caso dos centros interurbanos de passageiros;
b) Se encontrar a uma distância superior a 10 km do seu local de trabalho, no caso dos restantes centros e serviços da empresa.
2 - O trabalhador tem direito a tomar uma refeição ao fim de um mínimo de quatro horas e um máximo de cinco horas após o início de serviço.
3 - Se o trabalhador não tiver o intervalo para refeição mencionado no número anterior, para além de ter direito ao estipulado nos n.os 5 e 6 desta cláusula, terá obrigatoriamente de parar para tomar a refeição ao fim do serviço que ocasionou ultrapassar os limites estipulados no número anterior.
4 - O trabalhador terá direito a tomar segunda refeição se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de doze horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição.
A segunda refeição, com a duração de uma hora, terá início entre o fim da penúltima hora do período normal de trabalho, desde que esta não se verifique antes da quarta hora após o termo do intervalo da primeira refeição e o fim da décima segunda hora após o início do serviço, incluindo o período da primeira refeição.
5 - O intervalo para refeições deverá ser determinado para local provido de meios que possibilitem ao trabalhador a tomada da refeição.
6 - Terá direito ao reembolso por cada refeição a partir de 1 de Julho de 1983 o trabalhador que se encontre durante o período fixado para a refeição fora dos limites estabelecidos no n.º 1 desta cláusula, no valor de 280$00.
7 - Terá direito a 210$00 por cada refeição a partir de 1 de Julho de 1983 o trabalhador que, encontrando-se dentro dos limites referidos no n.º 1:
a) Não tenha período para refeição dentro dos limites de tempo estabelecido no n.º 2 e último parágrafo do n.º 4;
b) Não tenha tido intervalo com respeito pelo disposto no n.º 5.»
Face a estes termos da cláusula 54.ª, a autora ora recorrida dá-lhes, na acção, o seguinte sentido:
«O direito do trabalhador à segunda refeição ou ao reembolso previsto no n.º 6 existe, mesmo nos casos em que o trabalhador é mandado regressar à base - local de trabalho habitual - antes de completadas as doze horas de serviço após o início, desde que, ao ultrapassar as doze horas de trabalho, se encontre nos limites definidos pelas alíneas a) e b) (deslocado) e tenha sido ultrapassado o prazo para a segunda refeição definido no segundo parágrafo do n.º 4.»
Por sua vez, a recorrente defende a seguinte interpretação para os n.os 6 e 7 da dita cláusula (com os valores actualizados):
«6 - Terá direito ao reembolso de 690$00 o trabalhador que haja tomado a refeição fora dos limites estabelecidos no n.º 1.
7 - O trabalhador terá direito a 620$00 por cada refeição que haja tomado dentro dos limites referidos no n.º 1 quando:
a) Não tenha tomado a refeição dentro dos limites de tempo estabelecidos no n.º 2 e último parágrafo do n.º 4;
b) Não tenha tido intervalo com respeito pelo disposto no n.º 5.»
A diferença entre as duas propostas de interpretação é flagrante se tivermos presente o disposto na primeira parte do n.º 4, pelo qual o direito do trabalhador a tomar segunda refeição nasce se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de doze horas após o respectivo início.
Assim, se, por determinação da empresa, o trabalhador deslocado (isto é, se encontrar para além dos limites referidos no n.º 1 da dita cláusula) permanecer nessa situação por mais de doze horas, terá direito a segunda refeição e ao seu reembolso (no montante, actualizado, de 690$00), quer a tenha tomado ou não.
Neste ponto as partes não divergem.
As divergências surgem quando a empresa manda o trabalhador regressar à base (ou seja, ao local de trabalho) antes de completar as doze horas de serviço.
Nestes casos - em que a empresa, ora recorrente, ao contrário do que sucede no caso anterior, nem sequer contempla, no seu manual de instruções (fls. 74 e seguintes), um intervalo para refeição -, mesmo que o trabalhador ultrapasse aquele período de doze horas de serviço e se encontre ainda fora dos limites referidos no n.º 1 (portanto, na situação de deslocado), a empresa, invocando o n.º 7, entende não haver lugar para qualquer reembolso de refeição, mas apenas que lhe cabe suportar, a favor do trabalhador, uma «penalização» (de montante inferior ao reembolso) porque fez com que o trabalhador tomasse com atraso a sua refeição, já, em princípio, na área do local de trabalho.
Ao invés, a Federação recorrida sustenta que o trabalhador, desde que se encontre deslocado, ao ultrapassar as doze horas de trabalho, tem sempre direito ao reembolso, mesmo que a empresa o mande regressar ao local de trabalho antes de decorrido aquele período de doze horas.
Nisto consiste a controvérsia sobre a interpretação da referida cláusula.
3.2 - Há que assentar na metodologia a seguir na interpretação das convenções colectivas de trabalho (em cujo elenco se inscreve o acordo de empresa de que a cláusula em questão faz parte).
Neste tema há a considerar a diversidade de regras existentes para a interpretação da lei e a interpretação do negócio jurídico. A primeira, seguindo o prescrito no artigo 9.º do Código Civil, com todas as projecções doutrinárias que esse preceito envolve; a segunda, pautando-se pelo disposto nos artigos 236.º e seguintes do mesmo Código, com as complementações doutrinárias conhecidas. Assim, e em traços largos, a interpretação da lei segue uma linha mais marcadamente objectivista e actualista, devendo atender-se à occasio legis, à ratio legis e ainda ao sistema; a interpretação do negócio preocupa-se sobretudo com a vontade das partes, sendo, pois, de configuração mais subjectivista, temperada, embora, pela tutela da confiança.
Na sugestiva linguagem de Menezes Cordeiro (cuja lição - in Manual de Direito do Trabalho, 1994, pp. 305 e seguintes - temos vindo a seguir), suspensa a convenção colectiva algures entre o negócio e a lei, a sua interpretação teria de optar por um dos dois esquemas apresentados.
Muito embora se pense que na esmagadora maioria dos casos (como no presente) os conflitos jurídicos de interpretação de convenções colectivas de trabalho significam, no fundo, a renovação sob diversa forma de um conflito económico, de interesses, incompletamente dirimido pelo acordo celebrado - o que leva uma corrente doutrinal (cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, II, 3.ª ed., p. 218) a não descortinar no conteúdo da convenção colectiva matéria susceptível de abordagem pelas técnicas estritas de interpretação de normas ou de declarações negociais, vendo a interpretação e a integração das suas cláusulas como momentos adicionais na procura do equilíbrio de interesses colectivos -, o certo é que um conflito dessa natureza, a dirimir judicialmente, surge ancorado numa realidade objectiva que é o texto da convenção, importando para o tribunal a tarefa de resolver o conflito elegendo, entre as possíveis, a interpretação mais correcta de uma dada cláusula e impondo-a às partes, com o valor de assento, nos termos do artigo 180.º do Código de Processo do Trabalho.
Há, pois como se disse acima, que optar por um critério de interpretação.
3.3 - O conteúdo das convenções colectivas de trabalho desdobra-se num conteúdo obrigacional e num conteúdo regulativo. Esta bipartição acha-se consagrada, ao menos formalmente, no artigo 5.º, alíneas a) e b), da LRCT (Decreto-Lei 519-C1/79, de 29 de Dezembro).
O conteúdo obrigacional traduz o confronto de elementos que adstringem as partes na convenção: sindicatos e entidades empregadoras ou suas associações [cf. alínea a) do citado artigo 5.º].
O conteúdo regulativo tem a ver com a matéria respeitante às situações jurídicas laborais [cf. alínea b) do aludido artigo]. Nestas situações, uma pessoa encontra-se vinculada a desenvolver, em benefício e sob a direcção de outra, uma actividade mediante remuneração.
Quando seja possível, com recurso a elementos auxiliares, retirados nomeadamente das negociações colectivas que as precedem, determinar o consenso real das partes, reconstruir a sua vontade real ou arquitectar a sua vontade hipotética, é nesse consenso, nestas vontades, que se deve centrar o cerne da interpretação e integração das convenções colectivas.
Mas a utilização desses elementos apenas se compreende no domínio do conteúdo obrigacional, numa linha interpretativa que só pode seguir-se relativamente aos aspectos relevantes apenas e exclusivamente para as partes celebrantes das convenções. Compreende-se assim que às áreas obrigacionais das convenções colectivas haja que aplicar as regras próprias de interpretação dos negócios jurídicos (cf. artigos 236.º e seguintes do Código Civil).
Todavia, em tudo o que toca a terceiros, e portanto nos domínios regulativos das convenções colectivas, a convenção objectiva-se, devendo ser tratada como uma lei - e assim não se vê como exigir a pessoas, aos trabalhadores, que não tiveram qualquer vontade na altura da sua celebração, e que desconhecem o que possa ter-se passado no decurso da negociação colectiva, comportamentos em consonância com os elementos, factores interpretativos, emanados dessa negociação (cf. artigo 10.º da LRCT).
Daí que à interpretação do conteúdo regulativo das convenções colectivas se devam aplicar as normas sobre a interpretação da lei, constantes do artigo 9.º do Código Civil.
Afigura-se, deste modo, indubitável dever a cláusula 54.º do acordo de empresa em apreço submeter-se aos critérios de interpretação da lei, já que, para além da recorrente - mas ela parte celebrante da convenção -, surgem, como destinatários dessa cláusula, pessoas que, individualmente, nela não manifestaram qualquer vontade, ou sejam, os seus próprios trabalhadores directamente afectos às carreiras.
3.4 - Postula-se no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil que a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas antes reconstituir a partir dela, dos «textos», o pensamento legislativo, tendo em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias históricas da sua elaboração e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Resumindo, embora sem grande rigor - escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., pp. 58 e 59 -, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda - ainda segundo aqueles mestres -, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo (cf. n.º 3 do citado artigo 9.º).
Mas tenhamos presente o que nos ensina o saudoso Prof. Manuel de Andrade na sua luminosa «Oração de sapiência», proferida na abertura solene do ano lectivo de 1953-1954, mas ainda inteiramente actual, sendo possível detectar, sem dificuldade, a profunda influência tida na doutrina do referido artigo 9.º, e publicada - tal a sua actualidade - no Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLVIII (1972):
«É de particular importância o elemento racional ou teleológico. Um legislador razoável olha à justiça das normas a sancionar.
Olha a isso também, e principalmente a isso. Até certo ponto, mais vale um legislador pouco feliz na redacção dos textos que um legislador mal inspirado na determinação do seu conteúdo normativo. Daí que seja de preferir o sentido legal mais justo, se não for contra-indicado muito insistentemente pela letra da lei e pelo elemento histórico.» (Cf. cit. vol., p. 275.)
3.5 - Ora, no caso presente, estamos perante um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, um acordo de empresa, que é, por definição, resultante das negociações havidas entre uma entidade empregadora, no caso a empresa recorrente, e a Federação dos Sindicatos ora recorrida. Exprime esse acordo de empresa a fórmula encontrada para em determinada época se resolver um conflito económico ou de interesses. Trata-se, portanto, de um instrumento jurídico que é fonte de direito de trabalho (cf. artigos 12.º e 13.º da Lei do Contrato de Trabalho) e a considerar, nos termos já referidos e para os efeitos tidos agora em vista, como «lei» (cf. artigos 10.º e 40.º da LRCT).
Esta «lei» emana, contudo, de um legislador bicéfalo e dominado por interesses contraditórios, opostos. Daí que a reconstituição do «pensamento legislativo» esbarre numa dupla «vontade real» de tal legislador, não devendo esquecer-se, como se sublinhou já, que o conflito de interpretação ou de aplicação é muitas vezes a renovação, sob forma diversa, de uma controvérsia de interesses imperfeitamente dirimida pelo acordo a que se chegou (diga-se, entre parêntesis, que poderia pensar-se aconselharem, antes, estas circunstâncias uma interpretação da norma em causa segundo os critérios interpretativos próprios das declarações negociais, previstos nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil; para além da ausência de melhor fundamentação teórica que a seguida, o certo, porém, é que essa via não arredaria os escolhos à interpretação pretendida, antes pelo contrário - basta pensar que os sujeitos da convenção colectiva surgem, relativamente às suas clásulas, simultaneamente como declarantes e declaratários, o que, sem dúvida, impossibilitaria praticamente a aplicação da teoria da impressão do declaratário).
Para além do texto da convenção, nada se documenta acerca das circunstâncias históricas em que esta foi elaborada.
Não há razão, de resto, para crer possuírem tais circunstâncias algum especial relevo para a resolução do problema em causa. Carece igualmente esse instrumento de qualquer relatório e não existe (pelo menos nos autos) documentação relativa a trabalhos preparatórios, às negociações havidas entre as partes.
Quer dizer, para além da letra do acordo de empresa, não há outros textos para reconstituir o pensamento que o dominou, ou seja, o chamado «pensamento legislativo».
Aqui chegados, vem a propósito referir não imporem os «factos» invocados pela recorrente sob as alíneas A) a V) das suas alegações de recurso e articulados na sua contestação a necessidade de ampliação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Nomeadamente, em alguns casos, a sua alegação limita-se a evidenciar um imperativo legal [v. g., casos das alíneas A), B), D) e G)] ou ocorrências de conhecimento geral [v. g., alíneas C), E) e N)], ou tem natureza afirmativa, coincidente algumas vezes com o próprio thema decidendum [v., g., alíneas F), G), H), J), L), M), O), P), Q) e T)], ou carece de interesse relevante para o efeito pretendido [v. g., alíneas U) e V)]. Daí que a conclusão C) do recurso deva improceder.
Resta, portanto, para apreender o sentido da cláusula 54.ª no seu conteúdo ora relevante, operar com o elemento racional ou teleológico.
Tendo sempre presente a lição de Manuel de Andrade já citada: um legislador razoável olha à justiça das normas a sancionar. É este princípio, de índole objectiva, que se reflecte no disposto sob o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»
3.6 - A cláusula 54.ª do acordo de empresa traça o regime das refeições que o trabalhador é forçado a não tomar ou a tomar fora de horas, por razões de serviço da empresa.
Segundo a primeira parte do n.º 4 (todos os «números» referidos sem expressa menção dos artigos ou normas a que pertencem, entende-se, em princípio, fazerem parte da referida cláusula 54.ª), o trabalhador terá direito a tomar segunda refeição se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de doze horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição.
Essa segunda refeição terá início entre o fim da penúltima hora do período normal de trabalho e o fim da 12.ª hora após o início do serviço (segunda parte do aludido n.º 4).
Nos termos do n.º 6, terá direito ao «reembolso» por cada refeição o trabalhador que se encontre, durante o período fixado para a refeição, fora dos limites estabelecidos no n.º 1 (ou seja, quanto estiver «deslocado»).
Se estiver dentro de tais limites, o n.º 7 atribui ao trabalhador que não tenha tido período para refeição nos limites de tempo referidos nos n.os 2 e 4 (segunda parte) ou não tenha tido intervalo para refeições uma indemnização de montante inferior ao aludido «reembolso».
O cerne do problema em apreço gira à volta destas disposições.
O primeiro aspecto a considerar respeita à génese do direito do trabalhador à segunda refeição. A ele anda estreitamente ligado o direito ao «reembolso».
Quando é que aquele direito surge?
A resposta contém-se na primeira parte do n.º 4: o direito a tomar segunda refeição nasce para o trabalhador se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de doze horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição. O período da segunda refeição, com uma hora de duração (segunda parte do n.º 4), cairá sempre, atentos os limites variáveis dos horários normais de trabalho previstos nas cláusulas 20.ª, n.º 2, 21.ª, n.º 5, e 22.ª, n.º 4, do acordo de empresa, entre o início da 9.ª hora e o fim da 12.ª (como diz a ilustre Procuradora-Geral-Adjunta, no seu parecer, a elasticidade do período é de quatro horas para efectiva utilização de uma apenas).
Mas o seu limite temporal máximo é o fim da 12.ª hora, devendo o intervalo para refeições ser determinado ainda para local provido de meios que possibilitem ao trabalhador a tomada da refeição (n.º 5).
A finalidade desta disposição (n.º 4) é bastante clara: trata-se de compensar a maior penosidade do serviço, o desgaste psico-físico sofrido pelo trabalhador ao fim de certo tempo de duração do trabalho, imposta pela entidade patronal. Essa compensação mede-se por um montante teoricamente correspondente ao preço da refeição a que o trabalhador tem direito. Trata-se de um montante fixo, o «reembolso» - e é atribuído ao trabalhador quer este tome ou não a refeição.
Tal direito verifica-se mesmo que o trabalhador se não encontre na situação de «deslocado» e, portanto, dentro dos limites referidos no n.º 1.
Na verdade, se se encontrar dentro desses limites, a regra definida no n.º 4 (direito à segunda refeição) continua a aplicar-se, o que só não se verificará nos casos concretamente referidos no acordo de empresa (cláusula 54.ª). E esses casos resumem-se, afinal, a um só: não ter tido o trabalhador um intervalo de tempo com respeito pelo disposto no n.º 5 [cf. n.º 7, alínea b)]. Assim, o trabalhador terá ainda direito ao «reembolso», na situação de não deslocado, se coincidir com o período para a segunda refeição (regra do n.º 4, que define como limite temporal máximo desse período o termo da 12.ª hora de permanência ao serviço) um intervalo para refeição em local provido de meios que possibilitem ao trabalhador a sua tomada.
É isto que decorre, a contrario, do disposto no n.º 7, onde, na sua alínea b), se estabelece uma excepção ao regime-regra definido no n.º 4.
Nesse n.º 7 define-se o regime do direito do trabalhador à atribuição de uma indemnização (a chamada «penalização» da entidade patronal) por cada refeição tomada, mas de montante inferior ao do «reembolso». Encontrar-se o trabalhador dentro dos limites referidos no n.º 1 («não deslocado», portanto) é o pressuposto fundamental desse regime. Mas torna-se igualmente necessário [alínea a)] que não tenha período para refeição dentro dos limites de tempo estabelecidos no n.º 2 (primeira refeição) e último parágrafo do n.º 4 (segunda refeição); e(ou) não tenha tido intervalo com respeito pelo n.º 5 [alínea b) do n.º 7].
O não ter período para refeição (no caso da segunda refeição, que é agora o que interessa), nos termos da alínea a) do n.º 7, significa que o tempo de permanência ao serviço é sempre inferior a doze horas. O que afasta o pressuposto de aplicação do n.º 4, não conferindo nunca, assim, direito à tomada da segunda refeição e correspondente «reembolso». Mas se, por hipótese, o trabalhador tivesse esse período, ou seja, se o trabalhador permanecesse ao serviço por mais de doze horas, teria já este direito se com tal período coincidisse um intervalo para a tomada da refeição, conforme se dispõe na alínea b) do n.º 7. Caso não tivesse este intervalo, o trabalhador apenas à indemnização («penalização») prevista no n.º 7 podia aspirar. O que se compreende, visto o trabalhador, nos casos do referido n.º 7, se encontrar sempre na área do seu local de trabalho («não deslocado»), pelo que só muito excepcionalmente (praticamente nunca) se verificaria em tal situação o condicionalismo de que depende a atribuição do direito a segunda refeição e do correspondente «reembolso». Trata-se, pois, nestes casos, de penalizar a entidade patronal pelo atraso imposto ao trabalhador na tomada da refeição, que ele sempre faria na área do seu local de trabalho.
É de justiça diferençar destas hipóteses contempladas no n.º 7 os casos em que o trabalhador, cumprindo ordens da entidade patronal, se encontre ainda, ao ultrapassar doze horas de permanência ao serviço, fora dos limites referidos no n.º 1 (ou seja, na situação de «deslocado»).
Trata-se de casos de maior penosidade (ao menos, presumidamente). Sobretudo se ao período, com a duração de uma hora, para a tomada da segunda refeição - nos termos da segunda parte do n.º 4 não corresponder um intervalo com respeito pelo disposto no n.º 2.
Efectivamente, provou-se que, se o trabalhador «deslocado» regressar à base por percurso dotado de meios para a segunda refeição, a Rodoviária Nacional o reembolsa se ele, nos limites temporais definidos no n.º 4, parasse durante uma hora para tomar a refeição (cf. supra, n.º III, n.º 2).
Todavia, provou-se também não ser em geral exequível a tomada dessa refeição por coincidir com um período de ponta dos transportes, em que se não poderia parar a frota sem grande prejuízo para o serviço público prestado e para os utentes destinatários do mesmo (cf. supra, n.º III, n.º 4). Seria na verdade chocante que, nestes casos, em que existe um maior sacrifício do trabalhador «deslocado» - pois do estabelecimento dos horários e percursos das carreiras se mostra ausente qualquer preocupação com um intervalo para a tomada da segunda refeição -, este se visse privado do direito ao «reembolso» previsto no n.º 6. O retardamento da refeição - que o trabalhador acabará sempre por tomar, mas já na área do seu local de trabalho - realiza-se, sobretudo, em benefício da empresa, que, assim, melhor serviço pode prestar ao público. Mas seria injusto que tal retardamento revertesse em prejuízo do trabalhador, subtraindo-lhe, v. g., o direito ao «reembolso» e dando-lhe, em vez deste, uma indemnização inferior.
Não se afigura, pois, em tal caso, justificável a atribuição ao trabalhador de uma indemnização inferior ao «reembolso», a título de «penalização» da entidade patronal por via daquele retardamento. É o próprio direito ao «reembolso» que deve ser concedido, já que o trabalhador na situação de deslocado tinha forçosamente de se encontrar ainda nessa situação, cumprindo ordens da entidade patronal, ao transpor o limite temporal máximo do período para a tomada da segunda refeição (fim da 12.ª hora de permanência ao serviço). Portanto, para além da 12.ª hora referida na primeira parte do n.º 4, v. g., no 1.º minuto da 13.ª hora.
No fundo, a recorrente goza com a circunstância de, nestes casos, antes do decurso de doze horas de serviço, ordenar o regresso do trabalhador «deslocado» ao local de trabalho (base). Com efeito, provou-se que a Rodoviária Nacional, sempre que, antes de decorridas doze horas de serviço, ordena que o trabalhador regresse à base não lhe concede o direito à segunda refeição ou ao reembolso, apesar de a jornada de trabalho durar mais de doze horas e de ter decorrido o limite horário para a segunda refeição, para além de estar o trabalhador deslocado aquando da ordem de regresso à base (cf. supra, n.º III, n.º 1).
A tal actividade subjaz certamente a ideia de que a ordem de regresso à base anula a determinação para o trabalhador permanecer ao serviço para além das doze horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição (cf. n.º 4); e de que, assim, desaparece o pressuposto do direito do trabalhador a tomar segunda refeição.
Deve, porém, entender-se que, mesmo no caso de a entidade patronal ordenar o regresso do trabalhador «deslocado» antes de decorridas doze horas de permanência ao serviço, sempre se manterá a determinação referida na primeira parte do n.º 4, quando, pela própria dimensão do referido serviço, o trabalhador nele tenha de permanecer, em situação de «deslocado», para além de doze horas após o seu início, e ainda que em via de regresso à base. A ordem de regresso à base compreende-se ainda naquela determinação de serviço. O trabalhador encontra-se, assim, sempre cumprindo ordens.
3.7 - Verifica-se, pois, em síntese, que o direito à segunda refeição, e portanto ao correspondente «reembolso», depende, em teoria, mais do tempo de serviço (para além de doze horas) determinado pela entidade patronal do que da situação de «deslocado» ou não do trabalhador. Na prática, porém, o direito a tomar segunda refeição, e portanto, o direito ao reembolso, surgirá apenas em relação às situações de trabalhador «deslocado», nos termos dos n.os 4 e 6; enquanto o direito à indemnização («penalização») apenas em relação às situações «de não deslocado», conforme o n.º 7.
O primeiro (direito ao reembolso) se o trabalhador, cumprindo ordens da entidade patronal, se encontrar ainda fora dos limites referidos no n.º 1 (situação de deslocado) ao ultrapassar doze horas de permanência em serviço (n.º 4 e 6).
O segundo (direito à indemnização) se o trabalhador estiver dentro desses limites e não tiver período para refeição, nos termos dos n.os 2 e 4 (último parágrafo), ou não tenha tido intervalo para refeição com respeito pelo disposto no n.º 5 [n.º 7, alíneas a) e b)].
As soluções apontadas parecem-nos ser, com efeito, as soluções mais justas e acertadas na perspectiva de um legislador razoável, mais conformes à ratio legis da cláusula 54.ª (que é a de conferir maior compensação ao serviço mais penoso), surgindo, aliás, em perfeita correspondência verbal com a letra das normas em questão.
V - Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Nos termos do artigo 180.º do Código de Processo do Trabalho, formula-se o seguinte assento:
«O trabalhador que, na prossecução dos interesses da entidade patronal e cumprindo ordens desta, mesmo nos casos em que é mandado regressar ao seu local de trabalho habitual antes de completar doze horas de permanência em serviço, se encontrar ainda fora dos limites referidos no n.º 1 da cláusula 54.ª do acordo de empresa, celebrado entre a Rodoviária Nacional e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, de 8 de Dezembro de 1983, ao ultrapassar doze horas de serviço, tem direito a segunda refeição e, se a não tomar no período referido na segunda parte do n.º 4 dessa cláusula, mantém o direito ao 'reembolso' previsto no seu n.º 6.»
Custas pela recorrente.
Lisboa, 18 de Outubro de 1995. - José Manuel Carvalho Pinheiro - Rogério Correia de Sousa - Fernando José Leal Loureiro Pipa - Victor de Almeida Deveza - Isidro de Matos Canas.