de 20 de Dezembro
Julga-se que em Portugal, tal como noutros países já se verificou, o cooperativismo habitacional, convenientemente estruturado e com o adequado apoio do Estado, poderá dar um importante contributo à resolução do problema habitacional.Porém, para uma correcta intervenção no domínio da acção, havia que definir e corrigir a estrutura do regime jurídico das cooperativas, actualizando preceitos que o legislador de 1888, data da publicação do Código Comercial, estabelecera, atento o condicionalismo sócio-económico da época, e que não correspondem aos actuais conceitos da doutrina cooperativista.
É o que se faz no presente diploma.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 16.º, n.º 1, 3.º, da Lei Constitucional 3/74, de 14 de Maio, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
REGIME JURÍDICO DA COOPERAÇÃO HABITACIONAL
ARTIGO 1.º
(Princípios estatutários)
1. As cooperativas de habitação são reguladas pela legislação actualmente aplicável, salvo o disposto neste diploma.2. Os estatutos das cooperativas de habitação não podem conter disposições que contrariem os seguintes princípios:
a) Distribuição de excedentes por rateio entre aqueles que contribuíram para os criar e na proporção da sua contribuição;
b) A cada sócio corresponde um voto, seja qual for o número das partes sociais;
c) Neutralidade política e religiosa;
d) Capital social variável e ilimitado;
e) Duração indeterminada;
f) Inclusão no objecto social do fomento da cultura em geral e, em especial, dos princípios e prática do cooperativismo;
g) Proibição absoluta de qualquer prática especulativa;
h) Direitos e deveres dos sócios regulados com sujeição ao princípio da igualdade e solidariedade cooperativas.
ARTIGO 2.º
(Delimitação territorial e pessoal)
1. Os estatutos das cooperativas de habitação que venham a constituir-se deverão delimitar territorialmente o respectivo âmbito de actuação, que, em caso algum, poderá exceder o das regiões e sub-regiões de planeamento.2. Não se aplica o disposto no número anterior quando o elemento de conexão for uma categoria sócio-profissional delimitada.
3. As cooperativas de habitação têm que ter, no mínimo, cinquenta sócios.
ARTIGO 3.º
(Da participação social)
1. O máximo do capital que cada sócio de uma cooperativa de habitação poderá subscrever não excederá o valor do fogo que, nos termos estatutários, lhe deverá vir a ser atribuído, adicionado da quota-parte de equipamento comunitário que deva ser suportado pela cooperativa.2. A participação do sócio no capital e fundos especiais poderá fazer-se em dinheiro, em trabalho ou em bens.
ARTIGO 4.º
(Limite da remuneração do capital)
O capital realizado pelos sócios das cooperativas de habitação não dá direito a qualquer participação nos lucros e não poderá receber qualquer remuneração que exceda a máxima taxa de juro dos depósitos a prazo dos estabelecimentos ordinários de crédito.
ARTIGO 5.º
(Fundo para reparações)
1. Nas cooperativas de propriedade colectiva e de inquilinato cooperador é obrigatória a constituição de um «fundo para reparações», destinado a custear as obras de conservação e limpeza ordenadas pela direcção da cooperativa, por iniciativa própria ou a pedido do sócio.2. Os estatutos fixarão a forma da contribuição e reintegração, quando necessário, do fundo, cujo montante não poderá exceder 10% do valor actualizado dos imóveis.
ARTIGO 6.º
(Proibição de posições preferenciais)
Nas cooperativas de habitação é proibida a atribuição de toda e qualquer posição preferencial a um sócio ou grupos de sócios.
ARTIGO 7.º
(Seguro contra incêndio)
É obrigatório o seguro contra incêndio dos imóveis pertencentes às cooperativas de habitação, suportando os sócios utentes os encargos correspondentes.
ARTIGO 8.º
(Princípio da porta aberta)
1. Os estatutos podem limitar a entrada de sócios nas cooperativas de proprietários, entendendo-se como tal as que se destinam a facultar o acesso do sócio à propriedade do fogo.2. Nas demais cooperativas são nulas as disposições estatutárias que contrariem a regra da porta aberta, sendo, porém, lícito designar o período de cada exercício financeiro em que podem ter lugar as admissões.
ARTIGO 9.º
(Valor da transmissão das habitações)
1. As habitações são transmitidas aos sócios pelo valor correspondente ao custo, no qual se incluem as despesas de administração.
2. O valor da habitação transmitida ao sócio pode, no entanto, corresponder ao custo médio das habitações do mesmo tipo e categoria integradas num conjunto habitacional promovido pela cooperativa, independentemente da época em que seja concluída.
ARTIGO 10.º
(Da solidariedade cooperativa na satisfação de certos encargos)
1. Os sócios que beneficiem de habitação deverão suportar, pela diferença entre o valor da mesma e a parte ainda não amortizada por eles ou coberta por subsídios não reembolsáveis, uma taxa de juro, revista, pelo menos, uma vez por ano pelas assembleias gerais, a qual não será inferior à máxima dos empréstimos hipotecários da Caixa Geral de Depósitos a cooperativas de habitação, acrescida de 1%.
2. As assembleias gerais poderão deliberar por maioria de dois terços dos votos expressos a aplicação retroactiva do disposto no número anterior a todos os actuais sócios das cooperativas de habitação no gozo de habitações por elas concedidas, aos quais as mesmas deverão debitar juros, calculados nos termos do n.º 1, pelos cinco anos anteriores à entrada em vigor deste diploma, deduzidos os juros de menor montante que eventualmente tenham sido cobrados.
ARTIGO 11.º
(Cooperativas do inquilinato cooperador)
As relações entre a cooperativa de inquilinato cooperador e os sócios serão reguladas pelos estatutos, só sendo aplicável o regime geral de arrendamento a título supletivo.
ARTIGO 12.º
(Operações com terceiros)
1. É permitido às cooperativas de habitação realizar com não membros as operações incluídas no seu objecto social, desde que isso não prejudique as posições adquiridas pelos seus associados.2. As contas relativas às operações referidas no número anterior deverão ser escrituradas separadamente.
3. Sempre que, por qualquer circunstância, a cooperativa de habitação ceder uma habitação por arrendamento a terceiro, aplicar-se-á ao contrato o regime de casas de renda limitada.
ARTIGO 13.º
(Serviços de interesse colectivo)
As cooperativas de habitação podem organizar, sem prejuízo da sua natureza, serviços de interesse colectivo, designadamente postos de abastecimento, lavadaria, serviços colectivos de limpeza e de arranjos domésticos, guarda de crianças, salas de estudo para os filhos dos sócios e salas e campos de jogos ou outros serviços locais de promoção sócio-cultural.
ARTIGO 14.º
(Repartição e distribuição dos excedentes)
1. Os excedentes de exercício resultantes de operações com os sócios terão a seguinte repartição:
a) Uma parcela para o fundo de reserva, que, tal como o capital, é ilimitado;
b) Outros fundos que a assembleia delibere constituir;
c) Uma parte para os serviços colectivos de formação e educação cooperativas;
d) O restante, para retorno aos sócios, proporcionalmente ao volume das operações que realizaram com a cooperativa.
2. Os excedentes de exercício resultantes de operações com terceiros, a que se refere o n.º 1 do artigo 12.º, não podem, em caso algum, ser distribuídos pelos sócios.
3. A cooperativa decidirá as percentagens segundo as quais as quantias mencionadas no número anterior deverão ser distribuídas pelo fundo de reserva e pela verba destinada aos serviços de formação e educação cooperativas.
ARTIGO 15.º
(Proibição de cedência de posição social)
Nas cooperativas de habitação é nula a cedência, a qualquer título, da posição social do sócio.
ARTIGO 16.º
(Da alienação da casa pelo sócio)
1. A casa atribuída ao sócio não pode por este ser alienada durante o período previsto de amortização.2. Decorrido este período, têm sucessivamente direito de preferência, com base no preço correspondente ao que foi pago pelo sócio, corrigido exclusivamente em função da desvalorização da moeda posteriormente verificada:
a) A cooperativa;
b) Qualquer dos sócios a quem não haja sido ainda atribuída casa, e, havendo mais do que um, aquele que for designado por sorteio;
c) A câmara municipal da área da situação do prédio;
d) O Fundo de Fomento da Habitação.
3. O disposto no número anterior só se aplica aos prédios atribuídos a partir da data da entrada em vigor do diploma e relativamente aos sócios inscritos depois de 1 de Novembro de 1974.
(Da cedência do uso da habitação)
1. Só é permitida a locação, sublocação ou qualquer outra forma gratuita ou onerosa de transmissão do direito à fruição das habitações detidas pelos sócios quando circunstâncias excepcionais o imponham, mediante parecer favorável da cooperativa, sujeito a ratificação da bolsa de habitação do concelho ou, na sua falta, do Fundo de Fomento da Habitação.2. Poderá a cooperativa, nos termos a regular pelos estatutos, prever formas de utilização da casa, temporariamente disponível, durante o período em que é admitida a não ocupação da mesma.
3. Se houver lugar a celebração de contrato de arrendamento, este fica sujeito ao regime de casas de renda limitada.
ARTIGO 18.º
(Da exclusão dos sócios)
Os estatutos regularão as condições em que a falta da residência permanente é causa de exclusão do sócio.
ARTIGO 19.º
(Da representação dos sócios)
Sem prejuízo do disposto no artigo 214.º do Código Comercial, o sócio pode fazer-se representar nas assembleias gerais por um membro do seu agregado familiar.
ARTIGO 20.º
(Da sucessão por morte do sócio)
1. Em caso de morte do sócio, quando não haja sido designado em testamento o sucessor nos seus direitos na cooperativa, e havendo mais do que um herdeiro, deverão os sucessores designar, de comum acordo ou através de processo de inventário, aquele a quem é transmitida a posição social.2. Na falta de designação, aplica-se o regime geral da exoneração por motivo justificado.
3. Se o sucessor não reunir as condições necessárias para ser admitido como sócio, se possuir casa própria adequada à satisfação das necessidades do seu agregado familiar ou se a habitação cooperativa não for adequada à satisfação das necessidades do seu agregado familiar, deverá o direito do sócio falecido ser resgatado pela cooperativa, que pagará ao sucessor o preço calculado nos termos do n.º 2 do artigo 16.º, devendo os estatutos regular a forma do pagamento.
4. Se a sucessão ocorrer durante o período de amortização da casa, para efeitos do número anterior, será pago ao sucessor o valor amortizado, ou seja, a diferença entre o total das prestações pagas e o rendimento que, à taxa corrente, deveria ter produzido o capital investido.
ARTIGO 21.º
(Da dissolução da cooperativa)
1. Em caso de dissolução da cooperativa, depois de devolvido aos sócios o capital por eles realizado, devem os bens remanescentes ser destinados a uma instituição cooperativa semelhante, conforme for deliberado pela assembleia.2. Não haverá lugar à restituição do capital se o sócio a quem já tenha sido atribuída casa optar pela transferência da sua posição, com os correspondentes direitos e obrigações, para a cooperativa referida na parte final do número anterior.
ARTIGO 22.º
(Da proibição de transformação da sociedade cooperativa)
É nula a transformação da sociedade cooperativa em qualquer outra forma de sociedade comercial ou civil.
ARTIGO 23.º
(Da união das cooperativas)
1. As cooperativas de habitação poderão organizar-se em uniões.2. Cabe aos estatutos da união decidir das formas de representação das cooperativas filiadas na união, sem que, no entanto, possa verificar-se, em caso algum, maioria de uma cooperativa.
3. Os corpos gerentes da união deverão ser designados pelos delegados das cooperativas associadas.
ARTIGO 24.º
(Das atribuições da união)
1. Serão, designadamente, atribuições das uniões:a) Representação das cooperativas associadas;
b) Distribuição dos auxílios concedidos pelo Estado;
c) Assistência técnica;
d) Educação e propaganda cooperativas.
2. A união poderá organizar o abastecimento e a própria produção de materiais ou elementos de construção a utilizar pelas cooperativas associadas.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - Francisco Salgado Zenha - José da Silva Lopes - José Augusto Fernandes.
Promulgado em 12 de Dezembro de 1974.
Publique-se.O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.