Acórdão 2/96
Processo 46249. - Acordam no plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
Arguido: João da Rocha Antunes.
I - Relatório
1 - O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto veio, por intermédio de um dos seus Exmos. Procuradores-Gerais-Adjuntos, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal como os demais preceitos que se indicarem sem menção expressa, alegando contradição sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, entre os seus Acórdãos de 23 de Outubro de 1991 e 29 de Setembro de 1993, proferidos, aquele no processo 9140489, 4.ª Secção, este no processo 9220641, 2.ª Secção, ambos transitados em julgado.
Pretende que assentam em soluções opostas no tocante à questão «saber se ao prazo previsto no artigo 287.º, n.º 1, para o arguido requerer a abertura da instrução acresce ou não a dilação fixada no Código de Processo Civil, caso o requerente resida em comarca diversa daquela onde o acto deva ser praticado».
É que, enquanto no acórdão recorrido se terá decidido que ao prazo do artigo 287.º, n.º 1, não acresce a dilação do Código de Processo Civil, ainda que se verifique aquela apontada circunstância (a de o arguido-requerente não residir na comarca onde o requerimento tem de ser apresentado) - por aplicação do princípio aí perfilhado de que os prazos dilatórios estabelecidos no Código de Processo Civil não se aplicam a quaisquer notificações previstas e reguladas no Código de Processo Penal de 1987 -, no acórdão fundamento se terá decidido precisamente o contrário, ou seja, que naquelas circunstâncias, ao prazo do artigo 287.º, n.º 1, acresce dilação, nos termos dos artigos 4.º, 104.º e 111.º, e bem ainda dos artigos 145.º, 180.º e 256.º, estes do Código de Processo Civil.
2 - Subiram os autos a este alto tribunal.
3 - A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta teve vista no processo.
4 - Por acórdão deste Supremo Tribunal de fl. 20 a fl. 22 foi decidido que o recurso prosseguisse os seus termos, porquanto:
a) O acórdão recorrido, o de 29 de Setembro de 1993, transitou em julgado e o recurso foi interposto antes de esgotado o prazo estabelecido no artigo 438.º, n.º 1. O acórdão fundamento, o de 23 de Outubro de 1991, também transitou em julgado;
b) Trata-se de dois acórdãos proferidos pela mesma Relação e que estão em oposição sobre a mesma questão de direito, pois assentam em soluções opostas quanto a ela;
c) Foram proferidos no domínio da mesma legislação, na medida em que, durante o intervalo da sua prolação, não ocorreu modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;
d) O ilustre recorrente apresenta-se com a veste de legitimidade (artigo 437.º, n.º 1).
5 - Cumprido o disposto no artigo 442.º, n.º 1, apenas o Ministério Público, através da Exma. Procuradora-Geral-Adjunta indicada no n.º 3, apresentou alegações.
Nesta douta e exaustiva peça concluiu que deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos:
«No processo penal não são aplicáveis os prazos da dilação previstos no Código de Processo Civil, pelo que a abertura da instrução tem de ser requerida no prazo, peremptório, de cinco dias, previsto no n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, mesmo que o notificado resida fora da área da comarca onde corre termos o processo.»
6 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos e decisão
7 - A decisão preliminar focada no n.º 4 tem, todavia, mero carácter precário, como se pode ver do Acórdão do Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 1993, de onde saiu um assento publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 10 de Março imediato, de pp. 1105-1114, a decisão proferida sobre a questão da oposição em cumprimento do artigo 441.º, n.º 1, não vincula o plenário (em igual directriz pode ver-se o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 17 de Maio de 1995, de onde saiu um outro assento, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 21 de Junho de 1995, de pp. 4022-4024).
No entanto, é tão evidente a oposição entre os julgados em questão, como o é a verificação do demais requisitório exigido pelos artigos 437.º e 438.º, dado os documentos autênticos que comprovam que, neste aspecto, nada mais há a acrescentar ao que foi entendido e decidido no mencionado acórdão de fl. 20 a fl. 22.
8 - Apreciemos, pois, a problemática que, por esta via, se intenta solucionar, com vista a fixar, definitiva e obrigatoriamente, a jurisprudência a seguir, nos termos e para os efeitos do artigo 445.º
Desde já se avança que não há uniformidade na jurisprudência.
Assim, e para além das soluções opostas assumidas nos doutos acórdãos ora em confronto, podem alinhar-se:
a) Sentido favorável à orientação preconizada no acórdão recorrido:
Do Supremo Tribunal de Justiça:
Acórdão de 14 de Junho de 1989, in Actualidade Jurídica, n.º 0, p. 5:
«As notificações a arguidos presos são feitas mediante requisições aos meios prisionais, não havendo lugar a dilação.»
Acórdão de 22 de Fevereiro de 1995, proferido no processo 46330, apurado para o Boletim do Ministério da Justiça:
«No Código de Processo Penal de 1987 não há lugar à aplicação das regras do processo civil sobre dilação.»
Da Relação de Coimbra:
Acórdão de 3 de Fevereiro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, t. I, p. 67:
«Não beneficia de dilação o arguido que é notificado da acusação em comarca diferente daquela em que corre o processo.»
Acórdão de 31 de Março de 1993, in ob. cit., ano XVIII, t. II, p. 64:
«Em processo penal a notificação considera-se feita no dia em que o notificando assinou o aviso de recepção e não no 3. dia útil posterior à data da expedição da carta.
Em processo penal não há dilação.»
Da Relação do Porto:
Acórdão de 26 de Abril de 1995, in Colectânea de Jurisprudência, ano XX, t. II, p. 238:
«A disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação.
Tal conclusão não afronta o direito fundamental da defesa do arguido notificado.»
Da Relação de Évora:
Acórdão de 10 de Novembro de 1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. V, p. 280:
«Não são aplicáveis ao processo penal as regras e prazos da dilação, pelo que a abertura da instrução tem de ser requerida no prazo improrrogável de cinco dias sobre a notificação da acusação, ainda que o arguido resida em comarca diversa daquela por onde corre o processo.»
b) Sentido favorável à orientação perfilhada no acórdão fundamento:
Da Relação de Lisboa:
Acórdão de 3 de Novembro de 1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. V, p. 166:
«No processo penal há lugar à aplicação das regras do processo civil sobre dilação, pelo que o prazo para a prática de actos processuais por arguidos residentes em comarca diversa daquela por onde corre o processo se começa a contar depois do decurso do prazo da correspondente dilação.»
Acórdão de 29 de Abril de 1993, in ob. cit., ano XVIII, t. III, p. 159:
«Há lugar, em processo penal, à contagem de prazos de dilação, por os princípios gerais daquele não excluírem e, antes aconselharem, nesse caso, a aplicação subsidiária das regras do processo civil sobre essa matéria.»
Da Relação do Porto:
Acórdão de 12 de Fevereiro de 1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. I, p. 251:
«Ao prazo de cinco dias previsto no artigo 287.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, haverá que acrescer a dilação, que deverá ser marcada entre 5 e 10 dias, se o tribunal onde corre o processo e aquele em que haja de praticar-se a diligência tiverem as sedes no continente.
A não marcação da dilação constitui uma irregularidade que afecta a validade do acto, sendo, por isso, de conhecimento oficioso.»
Da Relação de Évora:
Acórdão de 3 de Novembro de 1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. V, p. 279:
«No processo penal há lugar à aplicação das regras do processo civil sobre dilação, pelo que o prazo para a prática de actos processuais por arguidos residentes em comarcas diversas daquela por onde corre o processo se começa a contar depois do decurso do prazo da correspondente dilação.»
No campo da doutrina, que não se manteve silenciosa, pode ver-se:
Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, sobre os «Prazos para a prática dos actos processuais», in livro II, título III, n.º 3.2, p. 37, e em rodapé:
«A jurisprudência encontra-se dividida sobre a aplicação das regras do processo civil sobre dilação para a prática de actos processuais por arguidos residentes em comarca diversa daquela por onde corre o processo (artigo 180.º do Código de Processo Civil). [...] Parece-nos não haver lugar a dilação, pois não pode considerar-se existir lacuna na previsão da lei processual penal.»
Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 6.ª ed., nota 4 ao artigo 104.º, pp. 212-213:
«A autonomia, que se procurou estabelecer até onde foi possível, do processo penal em relação ao processo civil, conjugada com o texto do n.º 1, onde se alude tão-só à contagem de prazos, e não já à sua natureza, significa que em processo penal não há prazos dilatórios. Não existe, pois, qualquer dilação para o início da contagem de prazos em processo penal, os quais, salvo disposição em contrário, começam a correr a partir da notificação. Sucede até que, residindo o arguido fora da comarca onde o processo corre, deve indicar pessoa que, residindo nessa comarca, tome o encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas. Este normativo, constante do artigo 196.º, n.º 3, contém implícita a ideia de que não há prazos dilatórios e não faria sentido com a coexistência desses prazos. Acresce que a rigidez deste sistema se encontra temperada no Código pelos dispositivos dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 107.º, mais favoráveis que os correspondentes do Código de Processo Civil, precisamente para de algum modo compensar a inexistência de prazos dilatórios.»
Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª ed., nota 3 ao artigo 104.º, pp. 333-334:
«Em processo penal, mesmo respeitante à parte do pedido civil, não existem prazos dilatórios.
Quanto à sua natureza, ou são ordenatórios ou de caducidade, isto é, peremptórios [cf. artigos 98.º, n.º 2, e 112.º, n.º 3, alínea a)].
Isso resulta claro do disposto no n.º 1 do presente artigo, o qual remete para as regras do processo civil apenas quanto à contagem (e não à natureza do prazo). Por outro lado, a lei obriga a que os sujeitos processuais, máxime o arguido, escolham na comarca pessoa que tome o encargo de receber as notificações que devam receber (artigo 196.º, n.º 3). Acresce que o Código contém um mecanismo próprio para temperar a rigidez do sistema: o incidente de restituição de prazo (artigo 107.º, n.os 2 a 4).»
Vejamos agora a posição a assumir:
Para nós, ressalvado o devido respeito, o máximo por oposta solução, temos por mais correcta a posição que foi defendida no acórdão recorrido.
De um modo geral os principais argumentos dos que defendem a aplicação dos prazos dilatórios previstos no Código de Processo Civil aos prazos do Código de Processo Penal de 1987 centram-se na ideia de que «a celeridade processual não passa de um subvalor de natureza instrumental, que tem de ceder em confronto com direitos fundamentais com assento constitucional, como são a salvaguarda da liberdade das pessoas e das garantias de defesa do arguido», sendo que «tal salvaguarda poderia sair gravemente prejudicada e o princípio da igualdade do cidadão perante a lei transformado em mera legenda sem prática, se ao prazo de cinco dias estipulado no artigo 287.º do Código de Processo Penal de 1987 não tivesse de acrescer, por via do disposto no artigo 4.º desse Código, a dilação tida por adequada, dentro dos limites legais, sempre que o arguido notificando resida em comarca distinta daquela em que corre termos o processo crime».
E no próprio voto de vencido constante do acórdão recorrido pode ler-se:
«O afastamento da dilação em processo criminal seria tanto mais chocante quanto é certo que o processo civil a concede, não obstante os interesses aqui prosseguidos serem em princípio menos valiosos do que os ali discutidos.»
Aos defensores desta tese poder-se-ia, mesmo assim, argumentar que a caracterização do prazo de cinco dias previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987, como peremptório ou não, se deve alcançar independentemente da invocação dos direitos de defesa do arguido porquanto tal prazo é concedido, conforme resulta das suas alíneas a) e b), em perfeitas condições de igualdade, ali ao arguido, aqui ao assistente.
No fundo, a prerrogativa de requerer a abertura da instrução pode funcionar a favor do ou contra o arguido, consoante seja ele ou o assistente a impulsioná-lo.
Por outro lado, a circunstância de o Código de Processo Civil contemplar prazos dilatórios não pode significar que aí se protegem melhor os interesses prosseguidos do que no Código de Processo Penal de 1987.
Este diploma é muito posterior àquele e encontra-se imbuído de uma nova, actualizada e actualizante filosofia. Não é ainda seguro que futuramente o Código de Processo Civil não venha a ser alterado no sentido de, nessa vertente, lhe seguir as pisadas.
No domínio do anterior Código de Processo Penal, o de 1929, prescrevia o artigo 83.º, em seu § 7.º, que, em processo penal, «as notificações deviam efectuar-se como as citações em processo civil».
No entanto, o Supremo Tribunal, por Acórdão de 6 de Junho de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 398, p. 420, entendeu que daí não resultava necessariamente a aplicação da dilação no caso de notificação da sentença que condena o réu à revelia, porque essa notificação não se destina a dar-lhe conhecimento do processo ou para ser chamado para a prática de acto pessoal. Mais entendeu que a notificação a que se referia o § 2.º do artigo 571.º desse diploma se Destinava a comunicar ao réu o teor da sentença e o resultado do julgamento, a fim de exercer o Acto de recurso, embora, por determinação legal, lhe abrisse também a faculdade de requerer novo julgamento com a obrigação, porém, de logo deduzir a sua defesa, indicando as provas que oferecia. Entendeu ainda que o § 3.º do supracitado artigo afastava, claramente, a aplicação da figura da dilação, ao estatuir que o réu poderia recorrer ou requerer novo julgamento no prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença que o condenara à revelia.
Para decidir de tal jeito, apoiou-se este alto tribunal numa ordem tripartida de razões, que passam a sintetizar-se: o § 3.º do artigo 571.º citado afasta clara e nitidamente a aplicação da dilação ao estabelecer que o réu poderá recorrer ou requerer novo julgamento, mas no prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença; sendo a dilação exclusiva da citação e da notificação a chamar a parte para a prática de acto pessoal, isso de acordo com os artigos 180.º e 256.º do Código de Processo Civil, não era esse o caso ali em apreço; da interpretação restritiva do § 7.º do mesmo artigo 571.º, absolutamente justificada, aliás compatível com o seu § 3.º, não resultava violação do princípio constitucional consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da lei fundamental, segundo o qual «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa» (o réu tinha ao seu alcance meios, designadamente de comunicação, fáceis e rápidos, a possibilitarem-lhe o exercício, dentro do prazo peremptório legal, da faculdade do recurso da sentença condenatória à sua revelia ou a de requerer novo julgamento, até porque se tratava de acto que podia ser praticado por Mandatário judicial).
Se as coisas assim eram visionadas face à velha lei de 1929, apesar de expressamente nela se dispor que «as notificações deviam efectuar-se como as citações em processo civil», importa ver o que se passará à luz do novo Código de Processo Penal de 1987.
Interessa apurar se este contém os mecanismos necessários e suficientes para alcançar a protecção dos interesses que se propôs, sem perder de vista os direitos dos intervenientes processuais no seu concreto, sendo que a celeridade processual, simplificação, desburocratização e autonomia da regulamentação, em termos estritos, da matéria respeitante a prazos são alguns dos objectivos declarados que o legislador objectivou.
Fundamental é que se cuide de saber se o diploma retro contém, relativamente à modalidade ou natureza dos prazos, lacunas a preencher segundo o Código de Processo Civil e se com a nova regulamentação dos prazos se não postergam irremediavelmente os direitos fundamentais dos intervenientes processuais, arguidos e assistentes, com a não aplicação da dilação ao prazo estabelecido no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tornando-o um direito aparente, sem conteúdo, «uma mera legenda sem actuação prática», como diz, incisivamente, o Acórdão da Relação do Porto de 12 de Fevereiro de 1992, atrás apontado.
Como expressamente consta do artigo 2.º, n.º 2, alínea 20), da Lei 43/86, de 26 de Setembro, de autorização legislativa em matéria de processo penal:
«2 - A autorização referida no artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão:
20) Regulamentação, em termos estritos, da matéria respeitante a prazos e às consequências do seu incumprimento por todos os intervenientes no processo penal.»
É princípio do actual processo penal o respeito pela celeridade processual estatuído no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República, e frisado no ponto I, n.º 4, do relatório do Código de Processo Penal de 1987.
E, ainda na mesma linha de força, pode ver-se o acentuado no ponto III, n.os 8 e 9, desse relatório.
E precisamente pelo seu respeito, desde logo este Supremo Tribunal entendeu que não era aplicável no processo penal o disposto no artigo 145.º, n.os 5 e 6, do Código de Processo Civil, como lapidarmente se referiu no Acórdão de 8 de Março de 1989, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, p. 523, de que se destacam algumas passagens:
«O novo Código de Processo Penal disciplinou os vários aspectos respeitantes aos actos processuais no livro II, tratando o título III 'Do tempo dos actos e da aceleração do processo'. É neste título que se situa a solução da questão suscitada. Nele cuidou o legislador de regulamentar por forma própria e diferente do regime do processo civil diversas matérias, como as relativas ao momento da prática dos actos e aos prazos, e prevendo uma providência específica para aceleração dos processos atrasados, a significar a intenção de privilegiar o rápido andamento do processo, de acordo, aliás, com a lei de autorização legislativa em matéria de processo penal.»
É dentro deste contexto que se encontra a norma constante do n.º 2 do artigo 107.º do novo Código, assim redigida: «Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.»
Apenas esta situação permite, por conseguinte, a prática do acto fora do respectivo prazo, consoante resulta claramente do emprego do advérbio «só» (só podem ser praticados).
O legislador, com efeito, não quis acolher o expediente da prorrogação do prazo, consagrado na lei de processo civil (artigo 145.º, n.os 5 e 6). Se fosse essa a sua vontade, tê-lo-ia dito, pois não ignorava certamente que o referido artigo 145.º previa o justo impedimento (n.º 4) ao lado da prorrogação do prazo, mediante o pagamento de multa (n.os 5 e 6). A omissão de qualquer referência à prorrogação (contrariamente ao que sucede com a contagem dos prazos - artigo 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) não pode interpretar-se senão no sentido da sua deliberada exclusão.
E é compreensível a diferente orientação do novo Código de Processo Penal, porquanto o expediente da prorrogação do prazo, já em si discutível no domínio do processo civil, e só aí admitido por concessão a razões de ordem pragmática, não é compatível, em rigor, com as exigências de celeridade processual, requerida não apenas pelo valor da liberdade do arguido, mas também pela própria eficácia do sistema penal.
É patente no novo regime processual penal - em todo ele - uma preocupação flagrante de celeridade, porventura obsessiva num ou noutro ponto, no intuito de dar um novo rumo «às coisas», procurando, do mesmo passo, afastar o estigma da morosidade que persegue a justiça, por vezes injustamente porque sem culpa sua e com o sacrifício de muitos que a servem.
E muitos arestos do mesmo alto tribunal se seguiram, todos de igual pendor. Citam-se, a título meramente exemplificativo, ano de 1989, os de 15 de Março, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, p. 527, de 5 de Abril, in Colectânea de Jurisprudência, ano XIV, t. 2, p. 8, de 10 de Maio, in Boletim do Ministério da Justiça, n.os 387, p. 293, 479, de 14 de Junho, no processo 40092, de 29 de Dezembro, no processo 40298, de 20 de Dezembro, no processo 40562, ano de 1990, de 14 de Março, no processo 40539, de 22 de Março, no processo 40725, e de 11 de Julho, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 399, p. 422.
Já atrás deixámos cair, reportados à doutrina, qual o pensamento na problemática em apreço de Germano Marques da Silva, Maia Gonçalves e Costa Pimenta.
Servem as transcrições que fizemos para nos dispensar de pormenorizada análise dos artigos 103.º e seguintes do Código de Processo Penal de 1987, no sentido de concluir pela inexistência de prazos dilatórios, mesmo em benefício de arguidos residentes em comarca diversa daquela onde pendam os respectivos processos.
Daí o limitarmo-nos a salientar aspectos que se antolham mais significativos:
O artigo 104.º, n.º 1, apenas manda aplicar as disposições da lei do processo civil «à contagem dos prazos para a prática de actos processuais», nenhuma referência havendo a supostos prazos dilatórios; são realidades distintas, pelo que nada sugere deverem incluir-se naquelas «disposições» os artigos 180.º e 256.º do Código de Processo Civil, já que se não referem à contagem de prazos, mas sim à fixação de dilação;
O artigo 107.º, n.º 2, prescreve que «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei [...] desde que se prove justo impedimento», o que denuncia a exclusiva natureza peremptória de todo e qualquer prazo;
A minuciosa regulamentação constante dos artigos 112.º, n.º 3, 113.º, 114.º e 115.º, acerca das notificações, com absoluto silêncio sobre eventual prazo dilatório para alguma hipótese (nomeadamente a de arguidos presos - citado artigo 114.º, n.º 1 -, na maioria dos casos em estabelecimentos prisionais situados em comarca diversa da da pendência do processo);
Numa perspectiva mais ampla, e em abono da inaplicabilidade dos prazos dilatórios (estes, supostamente invocáveis com base nos artigos 4.º e 104.º, n.º 1), regista-se a obrigação que o artigo 196., n.º 3, impõe ao arguido, residente fora da comarca onde corre o processo ou que para lá vá residir, de indicar pessoa que, residindo nela, tome o encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas. Relembra-se o que, a tal propósito, disse Maia Gonçalves, retroextractado;
Dir-se-á também que a incisiva expressão «a contar da notificação» utilizada pelo legislador, por exemplo nos artigos 287.º, n.º 1 (para no prazo de cinco dias se requerer a abertura da instrução), e 315.º, n.º 1 (para em sete dias o arguido apresentar, querendo, a contestação, acompanhado do rol de testemunhas), não se coaduna com eventual benefício de dilação sobre esses prazos.
Aliás, no caso particular do artigo 315.º, n.º 1, e confrontado ele com o menor prazo estabelecido no artigo 313.º, n.º 2, para ser notificada a data fixada para a audiência (14 dias antes desta), afigura-se-nos de todo insustentável o benefício de qualquer dilação sobre o prazo de 7 dias que o arguido tem para apresentar a contestação e rol de testemunhas. De outro modo ficaria prejudicado o útil cumprimento do artigo 317.º, n.º 1, e até, em alguns casos, o termo daquele prazo (mesmo só acrescido da dilação legal mínima, de 8 dias - cf. artigo 180.º do Código de Processo Civil -, ultrapassaria a data fixada para a audiência - sobre a inequívoca natureza peremptória daquele prazo de 7 dias, v. Costa Pimenta, ob. cit., notas aos artigos 313.º, n.º 2, e 315.º, n.º 1).
Assente, para nós, que o novo Código de Processo Penal não prevê nem admite o benefício de prazos dilatórios, o que parece resultar da interpretação conjugada dos vários seus artigos citados, de acordo com as regras irradiantes do artigo 9.º do Código Civil.
Será ainda de dizer, a propósito, que tal entendimento não briga, de modo intolerável, com o princípio constitucional de se assegurarem, ao arguido, todas as garantias de defesa, em particular quando esteja em causa, como na hipótese dos autos, requerimento para abertura da instrução (citado artigo 287.º, n.º 1), mesmo que o visado resida em lugar muito afastado da comarca onde corre o processo.
Na verdade, e desde logo porque a apresentação do requerimento em tribunal não exige a comparência nele do arguido, bastará que contacte o seu defensor, constituído ou nomeado, o que é praticável em poucos minutos ou escassas horas através dos meios de comunicação rápida e eficaz, hoje espalhados por todo o território nacional, mesmo nas mais recônditas estações dos CTT.
Além disso, porque o eventual défice no teor alegatório do requerimento para a abertura da instrução - por suposta falta de tempo para cuidado exame do processo não limita a amplitude das diligências instrutórias nem é insusceptível, por si só, de conduzir ao respectivo inêxito.
Com efeito, conforme se extrai do n.º 3 do citado artigo 287.º, não está sujeito a formalidades especiais, apenas devendo conter a súmula nesse normativo indicada. No decurso da instrução - e até do próprio debate instrutório - o arguido poderá, com utilidade, explicitar melhor as suas (credíveis) razões de facto ou de direito que o levaram a discordar da acusação, ou apresentar novas provas indiciárias, por isso que compete ao juiz praticar «todos os actos necessários que visem a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» (cf. artigos 290.º, n.º 1, e 286.º, n.º 1). Vejam-se mais, a propósito da defesa do arguido na fase da instrução, os artigos 292.º, n.º 2, 298.º, 299.º, 301.º, n.º 2, e 302.º, todos do Código de Processo Penal de 1987.
Sobre a angulatura supra pode ver-se, com interesse, o Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Abril de 1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. II, de pp. 175-176.
A hipótese colocada no douto acórdão recorrido ilustra, na verdade, sábia e claramente, a sem razão dos que apoiam a tese no sentido de a lei em vigor conceder aos arguidos residentes em comarca diversa daquela onde corre o processo o benefício de prazos dilatórios, sob o invocado argumento de, só assim, ficarem acauteladas todas as garantias de defesa.
Porque elucidativa, vamos retomá-la, não havendo vantagem em criar aqui uma outra semelhante:
Um residente no Funchal é arguido em processo que pende na comarca de Vinhais; na oportunidade e em estrito cumprimento do artigo 196.º, n.º 3, indicou pessoa nela residente para receber as notificações que a ele deveriam ser feitas; deduzida a acusação, foi-lhe esta notificada, ut artigo 283.º, n.º 5, na pessoa que indicara, nos precisos termos daquele artigo 196.º, n.º 3, e do artigo 113.º, n.º 4.
Não restando dúvidas de que o prazo de cinco dias para ser requerida a instrução começara a contar da data da notificação na pessoa do representante do arguido (citado artigo 287.º, n.º 1) - pois que se considera essa notificação como tendo sido feita ao próprio notificando (citado artigo 113.º, n.º 4) - a que propósito e com base em que dispositivo haveríamos de admitir o prazo dilatório?
E, no entanto, o arguido reside no Funchal, apenas dispondo de cinco dias (para requerer em Vinhais a instrução) a contar da notificação feita na pessoa que o representa nessa longínqua comarca e que pode até nem ser advogado!...
Afinal, que melhores garantias de defesa - máxime quanto a disponibilidade de tempo - oferecerá esta notificação (noutra pessoa) do que a supostamente realizada ao próprio arguido, no Funchal, por exemplo através da via postal prevista no artigo 113.º, n.º 1, alínea b), também sem qualquer dilação?
Por nós, caminhando para a meta, o que já vai tardando, em jeito de reafirmação, temos por mais correcta a posição que foi defendida no acórdão recorrido, ou seja a que, no domínio do processo penal actual, não há lugar à figura da dilação.
Na verdade, no domínio dos prazos processuais e porventura não só aí, três linhas de força se podem surpreender no Código de Processo Penal de 1987. São elas, a saber, «modernidade», «celeridade» e «autonomia».
O Código supra é um diploma moderno, não só em função da época em que foi publicado, como das soluções inovadoras que assumidamente introduz: logo no respectivo relatório, no ponto I, n.º 2, para além do muito já atrás explicitado, assume o carácter inovador de muitas dessas soluções.
A preocupação de celeridade e eficácia processuais é de tal modo marcante que, incisivamente, inaugura a autorização legislativa concedida ao Governo para revisão da matéria [artigo 2.º, n.º 2, alínea 1), da retrocitada Lei 43/86] e merece esta redacção:
«Construção de um sistema processual que permita alcançar, na máxima medida possível e no mais curto prazo, as finalidades de realização da justiça, de preservação dos direitos fundamentais das pessoas e de paz social.» [O sublinhado é nosso.]
A autonomia, designadamente na matéria que nos absorve - regulamentação dos prazos -, integra vincadamente toda a alínea 20) desse mesmo artigo 2.º, n.º 2, de que atrás fizemos eco.
Se estas são irrecusavelmente linhas de força do diploma processual de 1987, toda a interpretação das respectivas disposições que as não tenha em atenção será necessariamente menos acertada.
Em lado algum dele se faz alusão expressa ou implícita à figura da dilação. E se noutros domínios, apesar da assumida autonomia, o legislador não teve complexos em integrar expressamente a correspondente disciplina com as normas do processo civil (v. g., citado artigo 104.º), por certo que se fosse sua intenção manter vigente uma figura como a dilação, não teria hesitado em fazê-lo da mesma forma e sem quebra da metodologia adoptada.
As soluções inovadoras que se introduziram, nomeadamente em sede de comunicação de actos processuais onde se prevê inclusive a notificação por via telefónica [cf. artigo 113.º, n.º 3, alínea b)], conduzem inapelavelmente à conclusão de que o legislador, mostrando conhecê-los, não desdenha da utilização em processo penal dos mais modernos e expeditos meios de comunicação à distância.
Os avanços da técnica nesta área consentem ocorrências inteiramente impensáveis para a época em que surgiu a matriz do já velho mas ainda actual Código de Processo Civil, como é nitidamente a possibilidade de se fazer chegar a tribunal, em poucos segundos, um qualquer requerimento, independentemente da distância a que aquele se encontre.
Aliás, resultaria claramente comprometido o anunciado propósito de celeridade e eficácia processuais se, desprezando estas excelentes possibilidades da tecnologia moderna, o legislador persistisse na manutenção de envelhecidos e anacrónicos instrumentos processuais, equacionados precisamente para compensar, de algum modo, eventuais desigualdades que a dificuldade de comunicação com o tribunal criavam ao cidadão de longes terras em comparação com o que residisse na sede comarcã.
Obstacular-se-á que a técnica moderna ainda não consegue, apesar de tudo, obviar a todas as situações de desigualdade originadas pela distância e que, justamente por isso, no projecto de revisão do Código de Processo Civil (Ministério da Justiça, Fevereiro de 1995), o legislador se propõe manter o referido instituto (artigo 252.º-A).
A objecção, porém, não logra o alcance que à primeira vista poderia dar-se-lhe.
Em primeiro lugar porque essa figura processual é própria do processo civil, onde, aliás, a respectiva matriz erige em figura excepcional ligada ao prazo de defesa do citando, só por arrastamento se podendo estender a outras situações.
Em segundo lugar porque, não obstante, é possível descobrir razões persistentes no sentido de defender que tal figura se continua a justificar em sede de processo civil sem ser necessária nos domínios do processo penal. Basta ver que em face da natureza dos interesses em jogo naquele processo, o citado, se entender contestar a acção, deve fazê-lo em obediência a regras técnicas muito apertadas, pois existindo aí a regra de repartição do ónus de prova (cf. artigos 342.º e seguintes do Código Civil), a defesa obedece a exigências formais consonantes (artigo 490.º do projecto), que, se não forem respeitadas, podem levar irreversivelmente à perda da causa.
Em processo penal não há ónus de prova com esse sentido. À acusação cumpre sempre a prova do facto. Por isso, a contestação do arguido não obedece a exigências formais tão exigentes, o que, de resto, de algum modo, veio influenciar o próprio regime da acção cível enxertada, em que a única exigência se queda pela necessidade de formulação por artigos, mas cuja falta, ao contrário do que, em geral, sucede em processo civil, não implica a confissão dos factos (artigo 78.º do Código de Processo Penal).
Finalmente, ao invés do que possa menos reflectidamente supor-se, a tese que se apadrinha não deixa de se preocupar com os inalienáveis direitos de defesa do arguido. Melhor explicando: o legislador processual penal não descurou, como não podia, até por irrenunciáveis imperativos constitucionais, esse importante valor, como de resto já decorre do citado passo da Lei 43/86.
É bom acentuar que, se apesar das possibilidades de comunicação hoje existentes, o arguido não puder justificadamente, devido à distância, apresentar a sua defesa, nada está perdido. O artigo 107.º, n.º 2, contém uma verdadeira válvula de segurança de todo o sistema, ao permitir a prática do acto fora do prazo, desde que o interessado tenha sido (injustamente) impedido de o fazer no tempo devido. E, como facilmente se intuirá, as possibilidades do instituto justo impedimento, ao permitir a ponderação concreta das circunstâncias do caso, ultrapassam em muito a concessão impessoal e abstracta de um qualquer tempo de dilação.
Descendo ao caso vertido no acórdão recorrido, temos que o processo corria na comarca de Matosinhos e o então recorrente residia na Maia, comarca do Porto.
Mesmo afastando a possibilidade de comunicação com o tribunal via fax, que todos sabem existir e estar bastante generalizado, com ligação rodoviária entre as duas cidades, curta e fácil, qualquer veículo corre a distância em reduzidíssimo espaço de tempo. Até por aqui se vê como seria desajustado aos tempos de hoje e aos fins do processo penal a instituição generalizada da figura da dilação.
III - Conclusão
9 - Desta sorte, e pelos expostos fundamentos, nos termos do artigo 445.º, n.º 1, fixam, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, a seguinte jurisprudência:
«A disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação, pelo que a abertura da instrução tem de ser requerida no prazo, peremptório, de cinco dias, previsto no n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal.»
Consequentemente, confirmam o acórdão recorrido, cuja doutrina é a mesma.
Não há lugar a tributação.
Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 444.º
Lisboa, 6 de Dezembro de 1995. - José Sarmento da Silva Reis - Augusto Alves - Manuel de Andrade Saraiva - António de Sousa Guedes - Vítor Manuel Ferreira da Rocha - José Moura Nunes da Cruz - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira - Joaquim Daniel Araújo dos Anjos - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - Manuel Luís Pinto Sá Ferreira - Manuel António Lopes Rocha - José Joaquim da Costa Figueirinhas.