Lei 90-C/95
de 1 de Setembro
Autoriza o Governo a aprovar a nova lei do património cultural português
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea e), 168.º, n.º 1, alíneas c), d), g) e i), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a aprovar uma nova lei do património cultural.
Art. 2.º O sentido fundamental e a extensão da legislação a elaborar ao abrigo da presente lei são:
a) Delimitar as atribuições do Estado, das Regiões Autónomas e dos municípios em matéria de protecção, preservação e valorização do património cultural;
b) Criar mecanismos de colaboração entre os serviços do Estado, das Regiões Autónomas e dos municípios competentes em matéria de protecção, salvaguarda e valorização, tendo em vista a elaboração de um inventário geral e sistemático do património cultural português;
c) Prever que a protecção do património cultural imóvel se estabeleça num único grau - a classificação - e a do móvel em dois - a catalogação e a classificação - e regular os respectivos regimes;
d) Estabelecer a tipologia da classificação dos bens imóveis em monumentos, conjuntos ou sítios, nacionais, de relevante interesse cultural, regionais e municipais e fixar as respectivas definições;
e) Estabelecer a tipologia da catalogação dos bens móveis em nacionais, de relevante interesse cultural, regionais e municipais e a classificação dos bens catalogados como nacionais, fixando as respectivas definições;
f) Regular o procedimento da classificação do património cultural imóvel e da catalogação e classificação do património cultural móvel e, bem assim, as competências dos serviços do Estado, das Regiões Autónomas e dos municípios no respeitante aos referidos procedimentos;
g) Estabelecer um regime de consumpção das diversas classificações e catalogações dos bens que integram o património cultural, de modo que a classificação ou a catalogação de um bem como nacional ou de relevante interesse cultural prejudique e impeça a sua classificação ou catalogação como regional ou municipal, aplicando-se o mesmo regime aos bens classificados ou catalogados como regionais relativamente aos municipais;
h) Estabelecer que os bens móveis classificados ou em vias de classificação são insusceptíveis de aquisição por usucapião;
i) Prever a obrigatoriedade de os proprietários ou titulares de outros direitos reais de gozo sobre imóveis ou móveis classificados ou em vias de o serem, responsáveis pela sua conservação, executarem as obras e intervenções determinadas pelos serviços públicos competentes;
j) Prever a obrigatoriedade de os proprietários ou titulares de outros direitos reais de gozo sobre móveis catalogados ou em vias de o serem, responsáveis pela sua conservação, executarem os trabalhos de conservação determinados pelos serviços públicos competentes, bem como, no caso de tais determinações não serem acatadas no prazo ou condições impostas, prever a possibilidade de aqueles serviços ordenarem que os referidos bens móveis sejam transferidos, a título de depósito, para a guarda de bibliotecas, arquivos ou museus públicos;
l) Prever que os imóveis classificados ou em vias de classificação beneficiem automaticamente de um zona de protecção de 50 m na qual não possam ser atribuídas licenças de obras sem parecer favorável do serviço competente para o procedimento de classificação e possam ainda beneficiar de uma zona especial de protecção quando a inserção do imóvel no ambiente urbano ou na paisagem determine o seu alargamento, podendo nela ser incluída uma zona non aedificandi;
m) Estabelecer que em caso de venda ou dação em pagamento de bens imóveis ou móveis classificados os comproprietários, o Estado, as Regiões Autónomas e os municípios gozem, pela ordem indicada, do direito de preferência;
n) Permitir ao membro do Governo responsável pela área da cultura, excepcionalmente e mediante despacho fundamentado, determinar todas as medidas necessárias à salvaguarda e valorização dos imóveis classificados como municipais, incluindo o embargo administrativo, sempre que forem autorizadas pelos municípios obras de conservação, alteração, recuperação e restauro e de demolição naqueles imóveis em desconformidade com a legislação relativa ao património cultural;
o) Permitir ao Estado proceder à aquisição no estrangeiro de bens relevantes para o património cultural português com isenção de fiscalização prévia do Tribunal de Contas do respectivo contrato ou minuta;
p) Permitir ao Estado proceder à permuta de bens culturais do seu património por outros existentes no estrangeiro e que se revistam de excepcional interesse para o património cultural português com isenção de fiscalização prévia do Tribunal de Contas do respectivo contrato ou minuta;
q) Estabelecer que o património arqueológico integra o domínio público e permitir a sua desafectação por razões de interesse público e a sua atribuição aos particulares em casos tipificados na lei;
r) Permitir a utilização de bens culturais imóveis para efeitos de cumprimento de obrigações fiscais pela via da dação em pagamento;
s) Aditar um novo artigo ao Estatuto dos Benefícios Fiscais no sentido de:
i) Permitir a dedução ao rendimento líquido total dos sujeitos passivos de IRS e até 20% deste, desde que não tenham constituído encargo de qualquer categoria de rendimentos, das despesas anualmente suportadas, líquidas de comparticipações oficiais, com a conservação, recuperação, restauro e valorização dos bens classificados como nacionais e de relevante interesse cultural, bem como os juros das dívidas contraídas para a conservação daqueles bens, e sempre que aquelas despesas sejam de valor significativamente elevado, permitir para efeitos de dedução, mediante requerimento dos interessados, por despacho do Ministro das Finanças, a sua repartição por um período não superior a cinco anos, incluindo o da realização, não podendo contudo o abatimento ser superior, em qualquer deles, a 20% do rendimento líquido total;
ii) Permitir a dedução ao rendimento líquido total em IRS e à matéria colectável em IRC, pelos proprietários de bens catalogados, classificados ou em vias de o serem de um valor equivalente a 0,2% do valor do bem declarado para efeitos de contrato de seguros, ou, não existindo ou havendo discordância da administração fiscal, calculado por avaliador por esta designado, em caso de cedência temporária do mesmo bem para exposição organizada ou realizada com colaboração de um serviço da administração central, ou um valor equivalente a 0,5%, em caso de colocação do bem à guarda e exposição por instituição pública que tenha por objectivo as referidas finalidades;
t) Punir os crimes previstos no título IV do livro II do Código Penal, praticados em relação a bens classificados ou em vias de classificação, com as penas previstas para o respectivo tipo, elevadas nos seus limites mínimos e máximos de metade ou de um terço, no caso de se verificarem respectivamente, em relação a bens classificados ou em vias de o serem e catalogados ou em vias de o serem;
u) Estabelecer o regime das contra-ordenações em matéria de património cultural, classificando como ilícitos de mera ordenação social, puníveis com a aplicação das seguintes coimas:
1) De 350000$00 a 500000$00 e de 4000000$00 a 6000000$00, conforme seja praticada por pessoa singular ou colectiva:
i) A não execução em móveis ou imóveis classificados ou em vias de o serem de obras ou intervenções que os serviços públicos determinarem;
ii) A não execução em móveis catalogados ou em vias de o serem de trabalhos de conservação que os serviços públicos determinem nos prazos e condições fixados;
iii) A exportação de bens móveis catalogados, classificados ou em vias de o serem sem a respectiva autorização;
iv) A realização de trabalhos arqueológicos sem a respectiva autorização;
v) A utilização de detectores de metais na pesquisa de objectos de interesse arqueológico sem a respectiva autorização;
vi) A violação do disposto no artigo 2.º do Regulamento n.º 3911/92/CEE , do Conselho, de 9 de Dezembro, relativo à exportação de bens culturais para Estados terceiros;
2) De 300000$00 a 500000$00 e de 3000000$00 a 6000000$00, conforme seja praticada por pessoa singular ou colectiva:
i) A execução em imóveis classificados ou em vias de classificação de obras de conservação, transformação ou restauro e de demolição e expropriação sem autorização dos serviços competentes;
ii) A não comunicação ao serviço competente da alienação ou dação em pagamento de bens móveis ou imóveis classificados ou em vias de o serem;
iii) A não comunicação à autoridade policial de achado arqueológico;
iv) A realização de trabalhos em zonas onde se presuma existirem monumentos, conjuntos ou sítios arqueológicos sem o acompanhamento por técnicos especializados;
3) De 50000$00 a 500000$00 e de 1000000$00 a 6000000$00, conforme seja praticado por pessoa singular ou colectiva:
i) A deslocação em parte ou na totalidade de imóvel classificado ou em vias de classificação;
ii) A execução em móveis catalogados ou em vias de o serem de trabalhos de conservação, restauro ou transformação sem a respectiva autorização;
iii) A não comunicação ao serviço competente de qualquer perigo que ameace o bem móvel classificado ou em vias de classificação;
4) De 50000$00 a 300000$00 e de 2000000$00 a 3000000$00, conforme seja praticada por pessoa singular ou colectiva:
i) A transmissão da titularidade de bens imóveis ou móveis classificados ou em vias de o serem, bem como dos bens móveis catalogados, sem prévia comunicação ao serviço competente;
ii) A falta de depósito em instituição do Estado do espólio recolhido em trabalhos arqueológicos, bem como a não entrega do relatório final no prazo fixado;
v) Estender a responsabilidade pelo pagamento das coimas ao promotor, ao mestre-de-obras ou ao técnico director de trabalhos não autorizados de conservação ou restauro que impliquem dano irreparável ou destruições ou demolições de bens culturais catalogados, classificados ou em vias de o serem;
x) Punir a exportação ilícita de bens culturais classificados ou em vias de o serem com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias e com as penas de 1 ano de prisão ou multa até 120 dias em caso de negligência, e com as mesmas penas, reduzidas nos seus valores a metade dos seus limites máximo e mínimo, quando os comportamentos se verifiquem em relação a bens catalogados ou em vias de o serem;
z) Estipular a apropriação pelo Estado do bem ilicitamente exportado, em ordem a legitimar o Estado a recorrer aos procedimentos necessários para efeitos de obter a respectiva restituição, prevendo que, não havendo culpa do proprietário à data da exportação ilícita, o bem lhe seja devolvido;
aa) Regular a expropriação de imóveis classificados ou em vias de o serem e a requisição de móveis classificados, catalogados ou em vias de o serem, em caso de incumprimento, pelos seus proprietários, das obrigações que sobre eles recaiam;
bb) Permitir a adopção de medidas preventivas para salvaguarda de conjuntos e sítios, nos termos previstos no Decreto-Lei 794/76, de 5 de Novembro, enquanto não se verificar a regulamentação dos planos de salvaguarda e valorização, prevista no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março.
Art. 3.º A presente autorização tem a duração de 90 dias.
Aprovada em 21 de Junho de 1995.
O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
Promulgada em 19 de Agosto de 1995.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 28 de Agosto de 1995.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.