Decreto-Lei 439/83
de 22 de Dezembro
1. O estabelecimento e a exploração dos sistemas de transportes colectivos urbanos de passageiros envolvem custos que devem ser suportados pelos vários beneficiários da sua existência.
No passado, o preço de venda dos serviços prestados pelos transportadores era fixado de modo a cobrir todos os custos suportados pelos mesmos, sendo assim habitual a exploração dos referidos transportes por empresários privados.
O contínuo acumular de erros em matéria de planeamento físico, de planeamento urbanístico e de gestão da via pública a par do aumento real dos factores de produção - nomeadamente de mão-de-obra, energia e equipamento - levaram a que as condições de exploração se tivessem agravado progressivamente, tendo como consequência que, para determinados serviços, o preço de venda comercialmente praticável passou a não cobrir os custos de produção, o que levou os empresários privados a abandonar cada vez mais a prestação desses serviços.
2. Actualmente, os custos de exploração das redes de transportes colectivos urbanos de passageiros só em parte são pagos pelos utentes, aceitando o Estado, no âmbito de uma política de interesse social, suportar a diferença entre o custo real e as receitas directas obtidas na exploração.
Na prática, todo o contribuinte, qualquer que seja a região onde resida, paga a existência destes transportes abaixo do seu custo real, quando na realidade os principais beneficiários (os utentes e também os seus empregadores) se circunscrevem aos grandes centros urbanos.
3. Importa alterar esta situação criando condições de maior justiça e equidade na repartição de encargos decorrentes da existência dos sistemas de transportes colectivos urbanos de passageiros.
Assim, no âmbito do presente decreto-lei, aponta-se para que a atribuição de indemnizações compensatórias a estes transportes passem a ser da competência dos municípios onde existam essas redes de transportes, criando-se, para o efeito, uma taxa municipal de transportes a ser suportada pelos empregadores. A taxa, a fixar de acordo com o presente diploma, poderá situar-se entre 0,5% e 1,5%, do valor dos salários pagos por cada entidade empregadora e será aplicada nos municípios, associações ou federações de municípios com população igual ou superior a 50000 habitantes e que disponham de redes de transportes colectivos urbanos de passageiros.
4. Deste modo poderá reduzir-se, por um lado, a carga fiscal geral, ao mesmo tempo que se transfere para o poder local atribuições e recursos que lhe devem competir no âmbito da gestão do quadro de vida em que se insere a existência de transportes públicos.
Assim, estes serviços de transportes passam a ser financiados pelos utentes, pelos municípios quer através dos recursos obtidos com a criação da taxa municipal de transportes quer de recursos das próprias colectividades locais atribuídos no âmbito da Lei das Finanças Locais e pelo Estado, em casos em que o interesse geral e colectivo o justifique.
5. Em síntese, a criação de uma taxa municipal de transportes, objecto do presente decreto-lei, visa fundamentalmente possibilitar a melhoria dos serviços de transportes colectivos urbanos de passageiros através de uma mais justa repartição dos custos de financiamento da prestação das respectivas funções de serviço público.
Assim:
No uso da autorização conferida pela Lei 25/83, de 8 de Setembro:
O Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Art. 1.º - 1 - É criada a taxa municipal de transportes, adiante designada abreviadamente por TMT, a qual se destina ao financiamento dos sistemas de transportes colectivos urbanos de passageiros.
2 - O produto da TMT constitui uma receita municipal consignada:
a) Ao pagamento aos transportadores que operem nos referidos sistemas de indemnizações compensatórias resultantes de serviços neles prestados e a título de proveitos de exploração complementares;
b) Ao financiamento de investimentos necessários ao desenvolvimento e à melhoria dos mesmos sistemas de transportes.
3 - Os investimentos referidos na alínea b) do número anterior incluem:
a) A aquisição de material circulante que se destine a ser cedido aos transportadores mediante contrato;
b) O financiamento de infra-estruturas de longa duração, excepto a rede rodoviária, as quais, sem prejuízo de serem afectas à exploração dos sistemas referidos no n.º 1, poderão integrar o património dos municípios, suas associações ou federações, nos casos em que não devam pertencer nem ao transportador nem ao Estado;
c) A elaboração de planos de transportes ou de outros estudos de reconhecido interesse para a melhoria e desenvolvimento dos sistemas referidos no n.º 1:
d) As dotações de capital para serviços municipalizados e empresas municipais de transportes públicos urbanos;
e) A subscrição de capital em sociedades de capitais públicos ou em sociedades de economia mista que tenham por objecto a exploração dos sistemas mencionados no n.º 1.
4 - As transferências previstas na alínea a) do n.º 2 não poderão, em cada ano, ultrapassar 70% do produto da TMT cobrada na área do respectivo município, federação ou associação, nem representar, relativamente a cada um dos transportadores, mais de duas terças partes das respectivas receitas tarifárias.
5 - Para as regiões de Lisboa e Porto o Ministro de Equipamento Social fixará anualmente, por despacho, critérios de repartição interoperadores das transferências previstas na alínea a) do n.º 2 e de realização dos investimentos previstos na alínea b) do mencionado n.º 2.
Art. 2.º - 1 - A TMT pode ser lançada em municípios, associações ou federações de municípios em que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) Existir uma população igual ou superior a 50000 habitantes;
b) Estar definida, nos termos do artigo 3.º, uma área de transportes urbanos e a sua população não ser inferior a 25000 habitantes;
c) Existir na área referida na alínea anterior um sistema de transportes colectivos urbanos de passageiros em funcionamento ou um plano para a sua criação e implementação aprovado nos termos da legislação em vigor.
2 - As associações e federações mencionadas no número anterior são as já constituídas ou que se venham a constituir desde que do seu objecto conste promover a organização e o bom funcionamento dos sistemas de transportes colectivos urbanos de passageiros quer através de exploração directa quer através do regime de concessão ou de outras formas de exploração directa.
Art. 3.º - 1 - As áreas de transportes urbanos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º poderão incluir um único centro urbano ou integrar um conjunto de aglomerados populacionais geograficamente contíguos.
2 - A delimitação das áreas de transportes urbanos deve constar dos planos directores municipais previstos no Decreto-Lei 208/82, de 26 de Maio.
3 - Caso os planos directores municipais não existam ou, existindo, não estejam devidamente aprovados, compete às assembleias municipais a delimitação das áreas de transportes urbanos.
4 - As deliberações das assembleias municipais referidas no número anterior carecem de ratificação dos Ministros da Administração Interna, do Equipamento Social e da Qualidade de Vida, excepto quando tais deliberações fizerem coincidir as áreas de transportes urbanos com perímetros já legalmente definidos.
5 - Exceptua-se do disposto nos n.os 3 e 4 deste artigo a delimitação das áreas de transportes urbanos nas regiões de Lisboa e Porto, as quais serão fixadas por portaria dos Ministros da Administração Interna, do Equipamento Social e da Qualidade de Vida, tendo em conta, designadamente, os limites geográficos dos sistemas tarifários integrados.
Art. 4.º - 1 - Verificadas as condições referidas no artigo 2.º, compete às assembleias municipais deliberar sobre o lançamento da TMT.
2 - No caso de associações e federações, as assembleias municipais dos municípios que as integrem deliberarão sob proposta dos órgãos para tanto competentes das referidas associações ou federações.
Art. 5.º Ficam sujeitas ao pagamento da TMT as pessoas colectivas de direito público e as empresas privadas que tenham a sua sede, delegações, sucursais, filiais ou locais de trabalho na área de transportes urbanos referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, desde que nesta disponham ao seu serviço, com carácter permanente ou não, de 10 ou mais trabalhadores, qualquer que seja o respectivo título.
Art. 6.º - 1 - A TMT é calculada com base nos salários pagos pelas entidades referidas no artigo anterior.
2 - Para os efeitos do número anterior, entende-se por salário a remuneração mensal de base, quer seja certa, variável ou mista, bem como as prestações complementares daquela atribuídas, a qualquer título, com carácter regular e permanente.
Art. 7.º - 1 - Poderão ficar isentas do pagamento da TMT, por deliberação das assembleias municipais, as entidades referidas no artigo 5.º quanto àqueles dos seus trabalhadores relativamente a quem provem assegurar a disponibilidade de habitação junto ao local de trabalho ou transporte por meios próprios ou afretados entre este local e os respectivos domicílios.
2 - As assembleias municipais poderão ainda, a título de incentivo à concretização de objectivos de ordenamento do espaço e de actividades em zonas urbanas previamente definidas, isentar do pagamento da TMT, pelo prazo máximo de 5 anos, as entidades empregadoras que nelas venham a localizar as suas instalações.
3 - Os pedidos de isenção devem ser instruídos com todos os elementos necessários à sua apreciação e apresentados pelas respectivas entidades interessadas, às quais caberá igualmente o ónus de comunicar ao município, no prazo máximo de 30 dias, quaisquer alterações aos pressupostos de concessão da isenção.
Art. 8.º - 1 - A deliberação da assembleia municipal que determinar o lançamento da TMT fixará igualmente a respectiva taxa entre um valor mínimo de 0,5% e um valor máximo de 1,5%.
2 - A assembleia municipal pode igualmente deliberar no sentido de a taxa da TMT ser diferenciada dentro da mesma área de transportes urbanos, em função de zonas previamente definidas.
Art. 9.º - 1 - Os estatutos das associações ou das federações de municípios constituídas para promover a organização e o bom funcionamento dos sistemas de transportes colectivos urbanos de passageiros preverão, obrigatoriamente, a existência de um órgão técnico denominado «comissão técnica de transportes urbanos» (CTU), que funcionará junto do órgão executivo da associação ou federação e que integrará entre 3 e 7 membros de reconhecida idoneidade e competência, provenientes das componentes significativas dos sistemas de transportes, os quais serão designados pelas assembleias municipais da respectiva área quando da deliberação do lançamento da TMT.
2 - Nos municípios não integrados em associações ou federações existirá igualmente um órgão técnico denominado «comissão técnica de transportes urbanos», que funcionará junto da respectiva câmara municipal e que integrará entre 3 e 5 membros de reconhecida idoneidade e competência, provenientes das componentes significativas dos sistemas de transportes, os quais serão designados pela assembleia municipal quando da deliberação do lançamento da TMT.
3 - Nos casos das regiões de Lisboa e Porto existirá junto da respectiva CTU um representante do Ministério do Equipamento Social, o qual não terá direito de voto.
4 - Os membros das CTU exercerão as suas funções a título gracioso e escolherão de entre si o respectivo presidente.
5 - Compete às CTU:
a) Dar parecer sobre os processos de isenção requeridos pelas entidades empregadoras, nos termos do artigo 7.º, n.º 3;
b) Propor anualmente a aplicação da receita proveniente da TMT, de harmonia com o disposto no presente diploma e demais normas aplicáveis, ouvidos os operadores de transportes e outras entidades intervenientes nos sistemas de transportes colectivos urbanos de passageiros;
c) Dar parecer sobre o cumprimento da aplicação da receita proveniente da TMT, devendo, para o efeito, elaborar um relatório anual a ser submetido à assembleia municipal;
d) Dar parecer sobre o que, em matéria de transportes urbanos, lhes for solicitado pelos órgãos municipais ou intermunicipais.
6 - Às CTU deverá ser prestada toda a informação técnica que julguem necessária para o cabal desempenho das suas funções.
Art. 10.º O processo de liquidação, cobrança e pagamento, fiscalização, reclamações, recursos e penalidades será regulado por diploma adequado.
Art. 11.º - 1 - As pessoas colectivas de direito público, com excepção das empresas públicas, ficarão isentas do pagamento da TMT durante os anos de 1985 e 1986.
2 - Os princípios constantes do presente diploma poderão aplicar-se às regiões autónomas, caso os respectivos órgãos competentes assim o deliberem.
Art. 12.º O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da publicação do diploma referido no artigo 10.º, mas nunca antes de 1985.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Dezembro de 1983. - Mário Soares - Ernâni Rodrigues Lopes - Eduardo Ribeiro Pereira - Amândio Anes de Azevedo - João Rosado Correia - António d'Orey Capucho.
Promulgado em 13 de Dezembro de 1983.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 14 de Dezembro de 1983.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.