Decreto Legislativo Regional 6/83/A
Regime jurídico das habitações destinadas ao alojamento dos sinistrados da
crise sísmica de 1980
Um dos objectivos prioritários da acção desenvolvida pelo Governo Regional na sequência da crise sísmica de Janeiro de 1980 foi o realojamento das pessoas que, nas 3 ilhas sinistradas, perderam os seus lares.Em consequência dessa acção foram construídos ou instalados diversos conjuntos habitacionais, cujos fogos foram e continuam a ser atribuídos aos desalojados mais carenciados.
Torna-se necessário estabelecer a disciplina jurídica a que deve obedecer a utilização dessas habitações. Tal regulamentação terá de adoptar um regime sui generis, dados os especiais condicionalismos que rodeiam aqueles aglomerados populacionais.
O nível sócio-cultural da generalidade dos residentes, a diferença entre as actuais habitações e as que detinham antes do sismo, o diferente tipo de habitat, a natureza tendencialmente transitória desses alojamentos, enfim, todo o conjunto de problemas que o sismo introduziu na vida dos residentes se reflecte profundamente no seu inter-relacionamento e na utilização que fazem dos fogos que lhes são atribuídos.
Toda esta problemática, associada à função eminentemente social que aquelas habitações desempenham, impõe a adopção de um regime especialmente adequado.
Paralelamente à questão anterior, outra existe também necessitada de regulamentação. No âmbito do apoio à reconstrução, têm sido reparadas ou reedificadas habitações (acerca de 140 até ao presente), cujos proprietários, por manifesta falta de recursos, estavam impossibilitados de o fazer. As obras são executadas pelas brigadas do GAR ou das Forças Armadas e os materiais e despesas são suportados pelo GAR, a fundo perdido.
Em idêntica situação existem ainda as casas fornecidas pela AIDAZOR (100) e montadas a expensas do GAR.
Quanto a esta segunda questão, a regulamentação que se impõe é no sentido de prevenir eventuais negócios ou aproveitamentos irregulares susceptíveis de desvirtuarem os objectivos sociais que orientaram aquela acção.
Dada a afinidade de ambas as questões, parece conveniente regulamentá-las conjuntamente num mesmo diploma.
Assim, a Assembleia Regional dos Açores decreta, nos termos da alínea a) do artigo 229.º da Constituição da República, o seguinte:
TÍTULO I
Das habitações pertencentes à Região destinadas ao alojamento de
sinistrados CAPÍTULO I
Disposições gerais
ARTIGO 1.º
(Âmbito)
Ficam sujeitas ao disposto no presente título as habitações da Região destinadas ao alojamento dos sinistrados da crise sísmica de 1980, independentemente da sua natureza ou tipo de construção, enquanto não se verificar transferência da propriedade.
ARTIGO 2.º
(Competência)
Compete ao Gabinete de Apoio e Reconstrução (GAR) a gestão das habitações de que trata o presente título, até que a mesma seja cometida a outro serviço.
ARTIGO 3.º
(Destino das casas)
1 - As casas a que se refere este título destinam-se exclusivamente à habitação do agregado familiar a que forem atribuídas, não podendo ser utilizadas para o exercício do comércio, indústria ou profissões liberais.2 - Exceptua-se do disposto do número anterior o exercício das indústrias domésticas insusceptíveis de contribuírem para a deterioração da casa.
CAPÍTULO II
Da atribuição
ARTIGO 4.º
(Natureza jurídica)
A atribuição das casas é inerente à qualidade de desalojado e é feita a título precário.
ARTIGO 5.º
(Critério)
1 - As casas serão atribuídas aos agregados familiares sinistrados que se revelem mais carenciados de alojamento.2 - Será dado tratamento preferencial aos sinistrados com agregados familiares mais numerosos, aos idosos sem família e, entre eles, aos de menor rendimento per capita.
3 - Para os efeitos do número anterior, a ordem de prioridades será estabelecida mediante inquérito social a elaborar pelos serviços competentes da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais.
ARTIGO 6.º
(Recurso)
O sinistrado que se julgue prejudicado ou preterido em favor de outro menos carenciado poderá interpor recurso para o Secretário Regional dos Assuntos Sociais, que decidirá no prazo de 60 dias.
ARTIGO 7.º
(Entrega das casas)
1 - A atribuição das habitações será feita, caso a caso, por despacho do responsável do serviço gestor com base nos elementos referidos no artigo 5.º 2 - As habitações serão entregues mediante termo de entrega, a outorgar pelo responsável do serviço e pelo sinistrado, sem necessidade de outras formalidades.
ARTIGO 8.º
(Prazo)
1 - A atribuição das habitações será feita por períodos de 6 meses renováveis.2 - A pedido do interessado, e quando as circunstâncias o justificarem, as habitações poderão ser atribuídas por prazo certo, não renovável ou sob condição resolutiva.
ARTIGO 9.º
(Tipologia adequada)
1 - Dentro das disponibilidades existentes, a habitação atribuída a cada sinistrado adequar-se-á às necessidades do respectivo agregado familiar.2 - No caso de haver habitações vagas adequadas a agregados familiares numerosos, não as havendo para agregados familiares pequenos, poderão aquelas ser atribuídas a estes, com a obrigação de se transferirem para habitações adequadas logo que estas se encontrem disponíveis.
CAPÍTULO III
Da compensação a pagar pelos sinistrados
ARTIGO 10.º
(Data a partir da qual é devida)
Pela utilização da habitação que lhe for atribuída, o sinistrado pagará, desde a data da respectiva atribuição, uma importância calculada nos termos do artigo seguinte, a qual reverterá para o Fundo de Apoio e Reconstrução (FAR) ou para o serviço que o venha a substituir.
ARTIGO 11.º
(Cálculo)
1 - A importância a que se refere o artigo anterior será calculada em função das características do fogo e dos rendimentos do respectivo agregado familiar e será actualizável anualmente em função da variação desses rendimentos.2 - A compensação a que se refere este artigo assumirá a forma de renda técnica ou de renda social, de acordo com o estabelecido pelo Governo Regional.
ARTIGO 12.º
(Tempo e lugar do pagamento)
1 - O pagamento da compensação a que se refere este capítulo será feito mensalmente nos serviços administrativos do serviço gestor, no primeiro dia útil do mês a que respeitar.2 - A mora no pagamento referido no número anterior não conduzirá a quaisquer sanções se terminar no prazo de 8 dias, a contar do seu começo.
ARTIGO 13.º
(Regulamentação das situações anteriores)
1 - As importâncias devidas pela utilização das habitações, acumuladas até ao início do pagamento, serão pagas em prestações mensais e nas condições que forem fixadas pelo serviço gestor, de acordo com as possibilidades económicas de cada sinistrado.
2 - As rendas estabelecidas anteriormente à entrada em vigor do presente diploma serão revistas de acordo com o critério estabelecido no artigo 11.º 3 - Se, em consequência da revisão no número anterior, se detectarem casos em que as importâncias pagas forem superiores ou inferiores às que resultam do critério ali estabelecido, será fixada a nova renda com efeitos a partir da data da entrada em vigor do presente diploma.
ARTIGO 14.º
(Condições especiais)
Em situação de manifesta insuficiência económica do agregado familiar sinistrado, nomeadamente em consequência de falecimento, doença, invalidez, desemprego ou prisão, o responsável pelo serviço deve fixar, conforme os casos, uma compensação inferior à importância que seria devida nos termos do artigo 11.º ou suspender a obrigação do pagamento da mesma.
ARTIGO 15.º
(Declaração anual de rendimentos)
Para efeitos do ajustamento da compensação, os utentes das habitações entregarão anualmente no serviço gestor das habitações declarações de rendimentos e comprovarão a composição do respectivo agregado familiar, sob pena de, não o fazendo, o rendimento do ano anterior ser considerado com um acréscimo de 25%, salvo prova em contrário, tanto promovida pelo interessado como pelo serviço.
CAPÍTULO IV
Da utilização e sua cessação
ARTIGO 16.º
(Obrigações do utente)
Os sinistrados a quem tenha sido atribuída habitação têm obrigação de:a) Manter a habitação em estado de asseio e conservação interior e exterior;
b) Respeitar as regras de higiene e segurança ou outras tendentes a evitarem a deterioração do edifício;
c) Efectuar a reparação das deteriorações decorrentes da utilização da habitação;
d) Não ceder total ou parcialmente a habitação, por qualquer título, nem albergar de modo permanente pessoas estranhas ao respectivo agregado familiar;
e) Não manter na habitação e seus anexos quaisquer animais susceptíveis de incomodar os vizinhos;
f) Não provocar conflitos ou más relações de vizinhança;
g) Não fazer quaisquer obras ou alterações interiores ou exteriores, de estrutura ou cor, incluindo os respectivos anexos;
h) Não utilizar a habitação para fins diferentes daqueles a que se destina, nomeadamente para a prática de actos contrários à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes;
i) Devolver a habitação no estado em que a receberam logo que deixem de subsistir as razões pelas quais a mesma lhe foi atribuída;
j) Pagar pontualmente a importância que, a título de compensação, lhe for fixada nos termos deste diploma;
l) Aceitar e cumprir as transferências de habitação que lhe sejam impostas nos termos deste diploma.
ARTIGO 17.º
(Cessação do direito à utilização)
1 - O responsável do serviço gestor, por acto administrativo, poderá fazer cessar o direito à utilização das habitações, nomeadamente nas circunstâncias seguintes:
a) No fim do prazo de atribuição ou suas renovações, mediante um pré-aviso de 90 dias;
b) Deixar de verificar-se qualquer dos requisitos ou condições que determinaram a atribuição da habitação ou ter o utente, voluntariamente, impedido a modificação da sua situação;
c) Ter o sinistrado utilizado falsas declarações ou outro artifício fraudulento para que lhe fosse atribuída a habitação;
d) A falta de residência permanente do sinistrado na habitação que lhe foi atribuída, habite ou não casa própria ou alheia;
e) O incumprimento de qualquer dos deveres impostos no artigo anterior.
2 - O direito à utilização caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente os previstos na lei civil para a caducidade do contrato de arrendamento, e ainda quando o serviço gestor dicidir pôr termo ao conjunto habitacional ou abater, por imprópria, a habitação atribuída.
ARTIGO 18.º
(Devolução da habitação)
1 - Cessando o direito à utilização da habitação, deverá esta ser entregue livre de pessoas e bens e nas condições estabelecidas na alínea i) do artigo 16.º 2 - A devolução a que se refere o número anterior deverá ter lugar no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão que fez cessar o direito à utilização, excepto nos casos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior e no n.º 2 do artigo 8.º, em que terá lugar no último dia do prazo ou naquele em que se verificar e condição resolutiva.
ARTIGO 19.º
(Transferência em caso de incumprimento)
No caso de incumprimento de qualquer dos deveres estabelecidos no artigo 16.º, quando o despejo se revele socialmente inconveniente, poderá ser determinada a transferência do sinistrado e respectivo agregado familiar para outra habitação, ainda que em conjunto habitacional diferente.
Dos poderes do serviço gestor
ARTIGO 20.º
(Enumeração)
1 - Para além dos poderes e competências que genericamente lhe assistem como entidade administradora das habitações, o serviço gestor detém ainda os seguintes poderes especiais para:a) Ordenar as transferências previstas nos artigos 9.º e 19.º;
b) Determinar o despejo ou ocupação de habitação nos casos de cessação do direito à utilização ou nos casos de ocupação indevida;
c) Fiscalizar o cumprimento do disposto no presente diploma, nomeadamente o estado de conservação interior e exterior das habitações;
d) Ordenar a destruição ou retirada, ou destruir e retirar, através dos respectivos serviços, quaisquer obras, ou construções, ou animais, cuja manutenção se revele inconveniente.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, os funcionários do serviço gestor, desde que munidos de autorização escrita do respectivo responsável, poderão entrar nas habitações no exercício das funções e no seu horário normal de trabalho.
ARTIGO 21.º
(Intervenção da autoridade administrativa ou policial)
Quando tal se revele necessário para a execução dos poderes que lhe são conferidos neste diploma, o serviço gestor pode requisitar a intervenção das autoridades administrativas ou policiais competentes.
ARTIGO 22.º
(Exercícios dos direitos e competências)
Os direitos e poderes atribuídos por este diploma ao serviço gestor serão exercidos por acto administrativo, mediante despacho do respectivo responsável, sem dependência de prévia acção judicial.
ARTIGO 23.º
(Recurso)
Dos actos praticados e decisões tomadas pelo responsável do serviço gestor ao abrigo do disposto no presente diploma cabe recurso, a interpor nos termos gerais, para o Presidente do Governo Regional.
ARTIGO 24.º
(Indemnização)
1 - Será devida indemnização, a satisfazer pelo respectivo utente, por todos os estragos detectados nas habitações que não resultem do natural deperecimento das mesmas.2 - As despesas emergentes das providências tomadas ao abrigo do artigo 20.º serão da responsabilidade do utente da habitação que lhes deu causa.
TÍTULO II
Dos fogos construídos ou reconstruídos pela Região
ARTIGO 25.º
(Âmbito)
Ficam sujeitos ao disposto no presente título as instalações de emergência AIDAZOR e os fogos construídos ou reconstruídos pelas brigadas do GAR e das Forças Armadas, com encargos suportados pelo GAR a fundo perdido.
ARTIGO 26.º
(Destino dos fogos)
Os fogos a que se refere este título apenas poderão ser utilizados para a habitação do beneficiário e respectivo agregado familiar, não podendo ser afectados, total ou parcialmente, ao exercício do comércio, indústria ou profissão liberal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 3.º 2 - A não utilização dos fogos ou a sua afectação a fim diferente do previsto no número anterior obriga o beneficiário a reembolsar a Região do respectivo valor, calculado com referência à data da concretização da obra e actualizado em função da depreciação da moeda.
ARTIGO 27.º
(Inalienabilidade dos fogos)
1 - Os fogos a que se refere este título são inalienáveis e impenhoráveis pelo prazo de 25 anos.2 - O ónus da inalienabilidade e impenhorabilidade previsto no número anterior será registado, independentemente do acordo do proprietário.
3 - O ónus estabelecido neste artigo poderá ser afastado para fins de reembolso da Região, seja por iniciativa desta, seja do próprio beneficiário ou dos seus sucessores.
4 - Para efeitos do disposto no n.º 2, o GAR fornecerá uma lista completa dos fogos e respectivo valor na situação prevista, com identificação dos mesmos e dos respectivos proprietários, à Repartição do Património da Secretaria Regional das Finanças.
ARTIGO 28.º
(Transmissão «mortis causa»)
1 - Por morte do beneficiário, a propriedade do fogo transmitir-se-á aos seus herdeiros, nos termos gerais de direito.2 - Se ainda não tiver decorrido o prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, os herdeiros, se não forem comprovadamente carenciados, reembolsarão a fogo transmitir-se-á aos seus herdeiros nos termos n.º 2 do artigo 26.º
ARTIGO 29.º
(Reembolso)
O reembolso a que se referem os artigos anteriores será efectuado de uma só vez ou em prestações, de igual valor, em número não superior a 12, que, no caso previsto no artigo anterior, terão início no 3.º mês seguinte ao da aceitação da herança.
TÍTULO III
Disposições finais
ARTIGO 30.º
(Aplicação no tempo)
As normas constantes deste diploma são de aplicação imediata às situações jurídicas já constituídas.
ARTIGO 31.º
(Regulamentação)
O Governo publicará os regulamentos necessários para a correcta aplicação deste diploma.
ARTIGO 32.º
(Vigência)
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Aprovado pela Assembleia Regional dos Açores em 2 de Fevereiro de 1983.
O Presidente da Assembleia Regional dos Açores, Álvaro Monjardino.
Assinado em Angra do Heroísmo em 21 de Fevereiro de 1983.
Publique-se.
O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, Tomás George Conceição Silva.