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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 10/2025, de 27 de Outubro

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Sumário

Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: Acórdão do STA de 25 de Setembro de 2025, no Processo n.º 748/24.4BELSB - 1.ª Secção - Julgamento Ampliado. O despacho previsto no artigo 116.º do CPTA, de admissibilidade da providência cautelar e citação da Entidade Requerida, tem a natureza de uma avaliação provisória e não preclude o dever de o tribunal formular, em fase processual adequada, convite ao requerente da providência para aperfeiçoar o requerimento inicial quanto à indicação dos contrainteressados a quem a adoção da providência possa diretamente prejudicar, aplicando-se o disposto no artigo 114.º, n.º 5, do CPTA.

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 10/2025

Acórdão do STA de 25 de Setembro de 2025, no Processo 748/24.4BELSB-1.ª Secção

Recursos de Revista de Acórdãos dos TCA Julgamento ampliado do recurso (art. 148.º do CPTA) Com intervenção de todos os Juízes Conselheiros, acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. DO OBJETO DO RECURSO

1-O BANCO 1..., S. A., interpôs recurso de revista do acórdão do TCA Sul, de 9.01.2025, que concedeu provimento ao recurso interposto pela A...-SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A e anulou a sentença do TAC de Lisboa de 7.05.2024 que havia julgado verificada a exceção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário passivo, decorrente da falta de indicação dos contrainteressados, e, em consequência, absolvera a ora Recorrente da instância, mais tendo ordenado a baixa dos autos para que o TAC proferisse despacho de convite à A. para que fosse aperfeiçoado o requerimento inicial.

2-No acórdão recorrido do TCA SUL, sumariou-se:

I-No caso dos processos cautelares, perante a falta de indicação dos contrainteressados a quem a adopção da providência cautelar possa directamente prejudicar, impõe o artigo 114.º, n.º 3, alínea d), em conjugação com o n.º 5, do CPTA, a notificação do interessado para suprir a falta no prazo de cinco dias.

II-A omissão do despacho de aperfeiçoamento, quando se justifica a sua emissão, enquanto poderdever do juiz, implica a falta de formalidade essencial que acarreta a nulidade dos actos processuais subsequentes (cf. artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA).

III-E ainda que se encontre ultrapassada a fase liminar prevista no artigo 116.º do CPTA, no caso de total omissão de indicação de contrainteressados ou de falta de indicação de todos os contrainteressados que emerjam da concreta relação material controvertida, cabe ao juiz convidar a parte para aperfeiçoar o seu requerimento inicial.

3-A RECORRENTE, BANCO 1..., S. A., terminou as alegações de recurso que apresentou com as seguintes conclusões:

I. A questão que se coloca é a saber se o Tribunal está obrigado, em qualquer circunstância, a proferir despachoconvite de aperfeiçoamento ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 114.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mesmo depois ser ultrapassada a fase liminar.

II. A questão tem sido suscitada inúmeras vezes junto das instâncias e obtido decisões contraditórias, pelo que revela importância jurídica fundamental.

III. Por outro lado, foi recentemente admitido um recurso de revista pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/12/2024, processo 0260/24.1BEFUN, em situação análoga à dos presentes autos, tendo a formação preliminar afirmado que, na medida em que a decisão então recorrida era contrária ao entendimento subscrito pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos 01357/13 e 0449/22.8BELRA, a sua admissão era necessária para a melhor aplicação do direito.

IV. Uma vez admitido o recurso, deve, antes do mais, verificar-se as nulidades por excesso de pronúncia e por oposição entre fundamentos e decisão incorridas pelo Tribunal a quo, bem como o pedido de reforma da condenação quanto a custas V. As conclusões de recurso delimitam o objeto e os fundamentos do recurso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil).

VI. À luz do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o Tribunal ad quem não pode pronunciar-se senão sobre as questões que tenham sido suscitadas, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), ex vi artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

VII. No recurso interposto para o Tribunal a quo a A... delimitou a nulidade indireta que invocou (artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) à omissão de notificação para identificação dos contrainteressados, nos termos do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (cf. a conclusão 16 do seu recurso), afirmando que o Tribunal de primeira instância estava vinculado a, nesse momento do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (despacho de fls. 317), proceder a esse convite.

VIII. A A... não alegou ou concluiu que, após o momento do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e após a prolação do despacho liminar a que se refere o respetivo artigo 116.º, o Tribunal de primeira instância estivesse sujeito ao dever de notificála para suprir a falta de identificação de contrainteressados.

IX. Ao decidir que “ainda que se encontre ultrapassada a fase liminar prevista no artigo 116.º do CPTA, no caso de total omissão de indicação de contrainteressados ou de falta de indicação de todos os contrainteressados que emerjam da concreta relação material controvertida, cabe ao juiz convidar a parte para aperfeiçoar o seu requerimento inicial”, o Tribunal a quo incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), ex vi artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

X. Por outro lado, não tendo essa questão sido suscitada pela A... no recurso, também não foi abordada nas contraalegações, pelo que a sua decisão sem contraditório do Banco 1... consubstancia decisãosurpresa e, logo, uma outra nulidade autónoma, por violação do dever imposto no artigo 3.º, n.os 1 e 3, nos termos do 195.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

XI. O recurso interposto pela A... apresentou dois pedidos e duas causas de pedir:

(i) o erro de julgamento, por o Tribunal de primeira instância ter considerado haver contrainteressados, conducente da revogação da sentença proferida;

(ii) a nulidade, por falta de convite à identificação de contrainteressados, nos termos e aquando do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conducente da anulação da sentença proferida.

XII. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre ambas as questões:

(i) julgou haver contrainteressados e, logo, não haver erro de julgamento (cf. pp. 7 a 12 do douto Acórdão recorrido);

(ii) julgou a nulidade invocada (cf. pp. 13 e ss. do douto Acórdão recorrido).

XIII. Contudo, no segmento decisório o Tribunal a quo afirmou “Ante o exposto, acordam, em conferência, os JuízesDesembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1.ª instância para que seja proferido o despacho omitido, de convite à ora Recorrente para, no prazo de cinco dias, aperfeiçoar o seu requerimento inicial, com a indicação de todos os contrainteressados”.

XIV. Sucede que, à luz da fundamentação expendida, não houve lugar ao provimento integral do recurso, o que, contudo, não é espelhado no segmento decisório, ocorrendo a nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 2, alínea c), aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, devendo o segmento decisório ser retificado de modo a espelhar o provimento meramente parcial do recurso.

XV. Tendo o recurso interposto no Tribunal a quo suscitado duas questões e improcedendo uma delas, carece de fundamento a imputação integral de custas ao Banco 1....

XVI. As custas definidas deveriam ter sido fixadas em função da proporção do vencimento, nos termos do artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em partes iguais, para efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 6, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

XVII. Ao condenar integralmente o Banco 1... em custas, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação das normas indicadas, devendo a condenação em custas ser reformada nos termos dos artigos 616.º, n.º 1, e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

XVIII. Importa, igualmente, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, visto que está em causa um processo cautelar em que não foi adotada decisão de mérito e que não exige o manuseamento de inúmeros documentos de difícil compreensão ou a apreciação de prova complexa ou dotada de qualquer complexidade técnica, decorrendo os autos com a normalidade expectável em face da tramitação regular e normal, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 2.º da Constituição e do direito de acesso à justiça previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

XIX. Resulta da interpretação conjugada do disposto nos artigos 114.º, n.º 5, e 116.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que só há lugar ao convite a aperfeiçoamento quando as falhas do requerimento cautelar sejam manifestas, no quadro de um juízo de primeira aparência ou leitura.

XX. O artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil apenas sanciona com nulidade a omissão de formalidades que a lei prescreva.

XXI. No caso dos presentes autos a falta de identificação dos corretos contrainteressados não era manifesta, tendo a A..., no requerimento cautelar, afirmado que a procedência da providência cautelar prejudicaria o último classificado e tendo identificado como contrainteressado a B....

XXII. Não sendo manifesta a falha que veio a determinar a absolvição da instância, a qual só pôde ser alcançada após a oposição e a resposta a exceções e após a análise dos documentos juntos pelas partes, não estava o tribunal sujeito ao dever, no momento do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de convidar a A... a corrigir o requerimento cautelar quanto a esta matéria.

XXIII. Ao assim não ter decidido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 114.º, n.º 5, e 116.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

XXIV. O Código de Processo nos Tribunais Administrativos não prevê o convite ao aperfeiçoamento após o despacho a que se refere o artigo 116.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que não existe qualquer dever a que o Tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento.

XXV. Ao assim não entender, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 116.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

XXVI. Com a notificação da oposição a A... ficou a conhecer a alegação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de contrainteressados, pelo que, à luz do disposto no artigo 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispunha, a partir de então, de 10 dias para arguir a nulidade do despacho de fls. 317, por não ter incluído o convite ao suprimento em matéria de contrainteressados.

XXVII. Não foi só com a sentença proferida que a A... ficou a conhecer a existência de contrainteressados, visto que no requerimento cautelar afirmou que o último lugar seria o contrainteressado e, senão antes, ao menos na oposição, ficou claro que a B... não havia sido classificada em último lugar.

XXVIII. A intempestividade da invocação da nulidade foi oportunamente invocada pelo Banco 1....

XIX. Ao afirmar que a nulidade invocada foi tempestiva, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso de revista ser admitido e, sendo julgado procedente:

a) Ser parcialmente anulado o Acórdão recorrido, por excesso de pronúncia;

b) Ser anulado o Acórdão recorrido por oposição entre fundamentos e decisão;

c) Ser revogado o Acórdão recorrido, por erro de julgamento, e ser substituído por outro que, reformando a condenação em custas realizada pelo Tribunal a quo, julgue procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva por falta de identificação dos contrainteressados e absolva o Banco 1... da instância, e com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça [...].”

4-A Recorrida, A...-SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S. A., não apresentou contraalegações.

5-O recurso de revista foi admitido por acórdão de 10.07.2025 da formação preliminar, de onde se extrai:

“A questão em apreço prende-se com a determinação das circunstâncias em que um tribunal de primeira instância, ao receber um requerimento cautelar, está obrigado a proferir despachoconvite de aperfeiçoamento ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA, mesmo depois de ultrapassada a fase liminar.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo ainda não conseguiu estabilizar uma orientação uniforme para esta questão, como as alegações recursivas bem destacam e o acórdão tirado na 1.ª Secção, por maioria, em 13.02.2025 (Proc. 0260/24.1BEFUN), bem ilustra, nas referências que constam da sua fundamentação e do voto de vencido que o acompanha.

A isso acresce que a decisão proferida no aresto recorrido vai em sentido contrário ao que fez vencimento no aresto deste Supremo Tribunal Administrativo acabado de mencionar e apresenta ainda outros aspectos de duvidoso acerto jurídico.

Assim, apesar de estarmos no domínio de um processo urgente, de natureza cautelar e onde ainda se discute uma questão respeitante à conformação da instância processual a decidirtudo razões que desaconselham vivamente a admissão de um recurso de revista por se tratar de questões cujo correcto julgamento não deveria ultrapassar o recurso de apelação-, a verdade é que não podemos igualmente deixar de ponderar a relevância jurídica (atenta a falta de estabilização de uma linha jurisprudencial certa por este Supremo Tribunal Administrativo) e social (atento o tipo de concurso público aqui em causa e as respectivas ligações ao Programa Recuperar Portugal) da questão, que ditam a necessidade de promover a intervenção in casu deste Supremo Tribunal Administrativo, para, uma vez mais, tentar identificar e fixar os termos em que (assim como o momento processual até ao qual) é de impor ao juiz de primeira instância que profira um despachoconvite de aperfeiçoamento segundo o disposto no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA.”

6-O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, ambos do CPTA, não se pronunciou.

7-Sob proposta do Relator, pelo Despacho de 13.09.2025 de S. Exa. o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, foi determinado que o julgamento do presente recurso fosse efetuado por todos os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 148.º, n.os 1 e 2, do CPTA.

8-Foi cumprido o disposto no n.º 3 do art. 148.º do CPTA.

II. QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR:

9-As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

-Se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, por no recurso perante o TCA Sul não vir suscitada qualquer omissão processual relativamente às obrigações decorrentes do artigo 116.º, n.º 1, do CPTA;

-Se o acórdão é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão, já que confirmou a existência de contrainteressados, o que havia sido decidido pelo TAC de Lisboa, e depois anulou a mesma sentença;

-Se o acórdão recorrido incorreu em nulidade processual por não ter sido promovido o contraditório sobre aquela questão (de convide ao requerente da providência cautelar a suprir as deficiências do requerimento cautelar); e, quanto mérito,-Se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de direito por julgar que, mesmo depois de ultrapassada a fase liminar, seria de proferir despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA.

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.i. DE FACTO 10-Remete-se para a factualidade descrita no acórdão recorrido, de onde se retiram as incidências processuais relevantes para a decisão a proferir (não foram autonomamente fixados factos).

III.ii. DE DIREITO III.ii.i. DAS NULIDADES SUSCITADAS (EXCESSO DE PRONÚNCIA, CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO E DECISÃO-SURPRESA) 11-Começa por alegar a RECORRENTE, para fundamentar a existência de nulidade por excesso de pronúncia, que “no recurso interposto para o Tribunal a quo a A... delimitou a nulidade indireta que invocou (artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) à omissão de notificação para identificação dos contrainteressados, nos termos do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (cf. a conclusão 16 do seu recurso), afirmando que o Tribunal de primeira instância estava vinculado a, nesse momento do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (despacho de fls. 317), proceder a esse convite. // A A... não alegou ou concluiu que, após o momento do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e após a prolação do despacho liminar a que se refere o respetivo artigo 116.º, o Tribunal de primeira instância estivesse sujeito ao dever de notificála para suprir a falta de identificação de contrainteressados.”

12-O tribunal recorrido, proferiu acórdão de sustentação, no qual se escreveu:

“[...]

A segunda questão fulcral que se impôs a este Tribunal de apelação conhecer e decidir foi a de que, uma vez reconhecida a existência de contrainteressados no caso concreto, o que fazer nessa circunstância (?), isto é, “se se impunha ao Tribunal a quo a prolação de despachoconvite dirigido à ora Recorrente no sentido de aperfeiçoar o seu requerimento inicial, indicando os demais contrainteressados que da relação material controvertida emergissem”, conforme consta da parte III do acórdão ora recorrido. Ou, como se disse mais adiante no acórdão ora posto em crise, “Questão diversa passa agora por saber qual a solução perante tal cenário, se, como decidiu a sentença recorrida, a absolvição do ora Recorrido da instância por preterição de litisconsórcio necessário passivo, decorrente da falta de indicação de todos os contrainteressados, ou, como propugna a Recorrente, a prolação de um despachoconvite com vista a suprir tal falta, formalidade essa que a Recorrente assevera ter sido omitida pelo Tribunal a quo, geradora de nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.”

E o conhecimento de tal questão não constitui de modo algum um excesso de pronúncia deste Tribunal de apelação, nem, muito menos, uma decisão surpresa, porquanto, a Recorrente primitiva, atentas as conclusões do recurso interposto contra a decisão da 1.ª instância, a tal temática o exigiu Secção de Contencioso Administrativo Subsecção Administrativa Comum directamente (à nossa pronúncia), conforme se pode constatar das seguintes conclusões recursivas (as da Recorrente primitiva):

«

14. a omissão do despacho de aperfeiçoamento gera uma nulidade processual, visto que se trata, dado o seu caráter de vinculatividade, da omissão de uma formalidade que a lei prescreve e cuja omissão pode influir no exame e na decisão da causa.

15-Ora, in casu é a obrigação do juiz convidar as partes a suprir as deficiências dos seus articulados é um poderdever, isto é, um poder vinculado que o juiz não pode deixar de cumprir sob pena de incorrer numa nulidade processual por a omissão por ele cometida ser suscetível de influir no exame e na decisão da causa.

16-No caso dos autos, é inequívoco que impendia sobre o Tribunal a quo o poderdever de convidar a Requerente a dar cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA na fase prévia ao despacho liminar, mas não o tendo feito, o mesmo incorreu numa nulidade processual, devendo, por isso, ser anulada a sentença proferida nestes autos.

»

Aliás, a Recorrente primitiva não termina a sua peça de recurso sem pedir ainda a

«

anulação do saneador-sentença, julgando como não existindo contrainteressados, directamente prejudicados pela adoção da providência aqui em causa, ou caso assim não se entenda, determinar à 1.ª Instância, que dirija convite à Recorrente para que supra o vício de que padece o seu articulado inicial.

»

Portanto, o ora Recorrente, ao dizer agora que

«

a A... não alegou ou concluiu que, em qualquer circunstância, mesmo após o momento do artigo 114.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e a prolação do despacho liminar a que se refere o respetivo artigo 116.º, o Tribunal de primeira instância devesse notificála para suprir a falta de identificação de contrainteressados

»

, cria uma mera aparência de nulidade, pois, como vimos, a Recorrente primitiva não só suscitou a omissão do despacho de convite preconizado no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA, como também demandou do Tribunal de apelação uma solução jurídica que lhe permitisse, mesmo que já ultrapassada a fase do despacho liminar, a anulação da decisão recorrida, com a necessária retroação dos actos processuais até ao ponto em que a 1.ª instância deverá proferir o acto omitido, isto é, no fim de contas, o despachoconvite para o suprimento da falta de indicação dos contrainteressados no requerimento inicial.

13-Como se observa, tal como devidamente explicitado pelo TCA Sul, é manifesto que a nulidade por excesso de pronúncia não se verifica e que nenhuma decisãosurpresa houve. Ou não foi objeto do recurso e eleita como questão a decidir saber se, atento o disposto no artigo 114.º, n.º 5, do CPTA, deveria ou não ter existido despachoconvite em 1.ª instância para a indicação dos contrainteressados não identificados? Dúvida não pode subsistir que a resposta a esta questão é positiva. E, no caso em apreço, portanto, o TCA Sul não se afastou das questões temáticas centrais atinentes ao thema decidendum colocado nas conclusões recursivas da Recorrente primitiva.

14-Quanto à arguida nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, em síntese, a ora Recorrente aduz que “resulta dos fundamentos do Acórdão que o recurso apenas foi parcialmente procedente, e não integralmente procedente. O que, contudo, não é espelhado no segmento decisório. // De resto, a atender-se apenas ao segmento decisório e à afirmação de procedência (integral) de recurso, ficaria sem compreender-se por que razão haveria de anular-se a sentença proferida, já que a procedência do recurso implicaria a inexistência de contrainteressados-o que, manifestamente, não é o caso, conforme consta dos fundamentos do Acórdão proferido.

15-Salvo o devido respeito, não se alcança sequer fundamento para semelhante arguição. Nem de um ponto de vista formal, nem substancial.

16-Com efeito, como é sabido, a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Constituindo a sentença um silogismo lógicojurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

17-Ora, não se dá a circunstância da fundamentação encadeada no acórdão recorrido apontar para uma determinada consequência ou direção jurídica e a sua decisão final enveredar por um sentido divergente ou oposto. Isso aconteceria, como bem notado pelo TCA Sul, por exemplo, “se o processo lógicojurídico da nossa argumentação de direito tivesse apontado para a inexistência de contrainteressados ou para a inadmissibilidade legal do aludido despacho/convite, uma vez ultrapassada no concreto processo a fase liminar do artigo 116.º do CPTA (confirmando, por exemplo, a tese da irremediável absolvição da instância por preterição do litisconsórcio necessário passivo), e, depois, em decisório final, tivéssemos, contraditória ou divergentemente, julgado o recurso procedente e mandado o processo baixar para a prolação do mencionado despachoconvite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial. Aqui sim, haveria uma clara contradição entre os fundamentos e a decisão, pois a lógica e a consequência jurídica desses dois níveis de análise (o binómio fundamentos/decisão) não se coadunariam entre si.”

18-O TCA Sul concluiu pela efetiva existência de contrainteressados não citados e, em consequência, tomando por aplicável esse normativo, determinou a baixa para cumprimento do disposto no art. 114.º, n.º 5, do CPTA. Se tal conclusão é ou não acertada é algo que já escapa ao âmbito da nulidade decisória, antes integrando o juízo de mérito da mesma.

19-Assim, não se verificam as suscitadas nulidades por omissão de pronúncia e/ou por contradição entre os fundamentos e a decisão, como não ocorre a nulidade processual arguida. Improcedem, portanto, estes fundamentos do recurso.

III.ii.ii. DO MÉRITO (ART. 114.º, N.º 5, E 116.º DO CPTA) 20-Entrando agora na questão de fundo a resolver, importa, tal como identificado no acórdão que admitiu a revista e salientado no despacho que promoveu o julgamento do recurso nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, apreciar se ultrapassada a fase liminar, o juiz pode, ou não, convidar o requerente da providência a aperfeiçoar o requerimento inicial de modo a, nomeadamente, indicar contrainteressados. Em síntese, “identificar e fixar os termos em que (assim como o momento processual até ao qual) é de impor ao juiz de primeira instância que profira um despachoconvite de aperfeiçoamento segundo o disposto no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA.”

21-Como já se disse, o TCA Sul entendeu que a omissão do despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA, e que no caso se exigia, mesmo que já ultrapassada a fase do despacho liminar, tem como consequência a anulação da decisão recorrida, com a retroação dos atos processuais até ao ponto em que a 1.ª instância deverá proferir o ato omitido. Isto é, dito de outro modo, mesmo que tenha sido proferido despacho liminar que admita a providência e ordena a citação para ser deduzida oposição ao abrigo do art. 116.º, n.º 1, do CPTA, isso não preclude a obrigação de ser proferido, posteriormente, despachoconvite para o suprimento da falta de indicação dos contrainteressados no requerimento inicial.

22-A Recorrente alega que essa interpretação é contrária ao regime que decorre do art. 116.º do CPTA e que o Código não prevê o convite ao aperfeiçoamento após o despacho liminar. Sustenta que resulta da interpretação conjugada do disposto nos artigos 114.º, n.º 5, e 116.º, n.º 2, do CPTA que só há lugar ao convite a aperfeiçoamento quando as falhas do requerimento cautelar sejam manifestas, no quadro de um juízo de primeira aparência ou leitura.

Vejamos então.

23-Sobre a questão da admissibilidade de o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento após o despacho liminar, este Supremo Tribunal Administrativo respondeu negativamente nos acórdãos de 5.12.2013, proc. n.º 1357/13, de 30.03.2023, proc. n.º 449/22.8BELRA e, mais recentemente, de 13.02.2025, proc. n.º 260/24.1BEFUN. Em sentido positivo, ainda que por reporte a processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, foram proferidos acórdãos em 17.10.2024, nos processos n.os 38/24.2 BALSB e 15/24.3BALSB. Ainda com relevância para a questão decidenda, importa recuperar os votos de vencido exarados nos acórdãos de 30.03.2023, no proc. n.º 449/22.8BELRA (neste voto defende-se que a correção do requerimento inicial é facultada ao A., por via da existência de uma nulidade processual derivada da omissão de um poderdever a que o juiz estava obrigado) e de 13.02.2025, no proc. n.º 260/24.1BEFUN (em que se destaca que, muitas das vezes, a falta de indicação dos contrainteressados não é detetável pelo juiz na fase liminar, só o sendo após a invocação dessa exceção pela entidade requerida na respetiva contestação e junção dos documentos pertinentes, maxime do processo administrativo).

24-Pois bem, a posição explanada nos acórdãos proferidos nos processos n.º 15/24.3BALSB e 38/24.2BALSB, ambos de 17.10.2024, é aquela que merece a nossa concordância.

25-Como nesses arestos desenvolvidamente explicitado, ainda que tendo por referência ao processo de intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, o despacho liminar e a ordem de citação do Réu, tem a natureza de uma avaliação provisória, que não assume a característica de caso julgado formal. Neste capítulo, adotamos a fundamentação aí vertida, a qual, de resto, foi fixada por maioria e, no que aqui é essencial, também subscrita pelo aqui relator:

“[...] no despacho liminar o juiz pode rejeitar a petição ou pode admitir a petição, caso em que é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias, ou, se a situação se bastar com o decretamento de uma providência cautelar, notificar o autor e fixar o prazo para o mesmo, querendo, substituir a petição.

[...]

94-A Recorrente não se conforma com o acórdão assim proferido, entre o mais, por entender que ultrapassada a fase do despacho liminar e da verificação dos pressupostos processuais da intimação, a 1.ª Secção do STA já não podia, por um lado, determinar a notificação a que alude o artigo 110.º-A, n.º 1 do CPTA e, por outro, deixar de proferir uma decisão de mérito, e isso, porque, o despacho liminar produz caso julgado formal que impede o Tribunal de posteriormente conhecer de matéria que podia e devia ter conhecido em sede liminar.

95-A questão que se suscita é, portanto, recorde-se, a de saber se tendo sido proferido despacho liminar a ordenar a citação do réu para deduzir oposição nos termos do n.º 1 do artigo 110.º do CPTA, no qual, o Tribunal a quo não deu como verificada nenhuma exceção de impropriedade do meio processual, o que, a acontecer, determinaria então a rejeição da Intimação, pode o Tribunal posteriormente conhecer dessa exceção, como fez, e absolver o Réu da instância, ou se, conforme advoga a Recorrente se impunha que o Tribunal a quo tivesse conhecido do mérito da ação de Intimação. E, bem assim, se após ter aceitado liminarmente a Intimação, podia ordenar a notificação da autora para substituir a respetiva p.i por requerimento para a atribuição de uma providência cautelar.

96-A questão é pertinente e complexa e sobre a mesma, a jurisprudência que existe, é não só escassa como divergente.

97-Antes de mais, importa, contudo, começar por assinalar que a tese da autorade acordo com a qual o despacho liminar constitui caso julgado formal-, parece ou encontra mesmo, respaldo na doutrina perfilhada por Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, quando em comentário ao artigo 110.º-A do CPTA, tecem as seguintes considerações:

«

De facto, o despacho liminar corresponde à primeira intervenção do juiz no processo, logo após a distribuição, e tem designadamente em vista verificar se o processo pode prosseguir, e podendo, prosseguir, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar. Esse despacho constitui, pois, caso julgado formal quando conclua que não há obstáculo a que o processo seja tramitado como intimação. E, nesse caso, já não será possível, na fase de decisão, rejeitar a petição ou promover a sua substituição por um pedido de adoção de providência cautelar, cabendo ao juiz unicamente proferir a decisão de mérito

»

-cf. ob. cit. pág. 950.

98-Percorrendo a jurisprudência produzida pelos tribunais superiores desta jurisdição, através de consulta à base de dados da dgsi, detetamos que a questão já foi objeto de algumas decisões por parte dos Tribunais Administrativos Centrais, e que o próprio Supremo Tribunal Administrativo, ao que conseguimos apurar, já foi convocado a pronunciar-se sobre essa questão, em dois acórdãos.

99-Assim, no Acórdão da 1.ª Secção do STA, de 10/09/2020, proferido no processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, sobre a dita questão de formaçãoou não-de caso julgado, que tramitou sob o n.º 01798/18.5BELSB, sumariou-se a seguinte jurisprudência:

«

I-O despacho liminar em que não se questiona a tramitação do processo como intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e se ordena a citação da parte contrária constitui caso julgado formal e, assim sendo, já só restará ao juiz proferir decisão de mérito

»

.

100-Em sentido divergente, por referência a essa mesma concreta questão, a formação preliminar do STA, em Acórdão de 26/06/2018, proferido no âmbito do processo 0592/18, que não admitiu a revista interposta, pronunciou-se de forma lapidar, nos seguintes termos:

A ideia de que a admissão liminar da intimação envolveria o

«

supra

» referido caso julgado não tem o mínimo cabimento. Se assim fosse, os réus ficariam impossibilitados de arguir, em 1.ª instância e neste género de processos, a impropriedade do meio-o que seria absurdo. É claro que as regras acerca da correção da forma do processo escolhida estão no CPC, advindo dos seus arts. 193.º, 196.º e 198.º a admissibilidade de se conhecer, no momento em que o TAC o fez, da impropriedade do meio adjetivo utilizado. Assim, e perante a óbvia plausibilidade do que as instâncias decidiram neste campo, não se justifica admitir a revista para reanálise do problema”.

101-Relativamente à jurisprudência produzida pelos Tribunais Centrais Administrativos, esta menos escassa, encontram-se decisões num e noutro sentido.

[...]

105-Uma primeira observação que nos apraz efetuar, perante o regime legal delineado no CPTA para a Intimação, é a de que, se perante a pretensão de tutela trazida a juízo, o julgador entendesse que ao caso era ajustada a adoção de uma providência cautelar, sem dúvida que o despacho liminar era o momento processual em que devia logo ter determinado a substituição da ação de intimação prevista no artigo 109.º do CPTA por processo cautelar. O despacho liminar previsto no n.º 1 do artigo 110.º do CPTA, é naturalmente o momento adequado para o juiz, através do conhecimento oficioso, fixar ao autor prazo para substituir a petição, convolando-a em requerimento de adoção de providência cautelar.

106-Mas o ponto não é esse, porque o que está em causa saber, é se não tendo o juiz usado dessa prerrogativa no despacho liminar, e note-se, nada tendo sequer decidido para além de ordenar a citação do Réu, a verificar-se, após o exercício do contraditório, que ocorre a exceção da impropriedade do meio processual utilizado, porque, veja-se, afinal é adequada ao caso trazido a juízo a adoção de uma providência cautelar ou a simples instauração de uma ação administrativa normal, o mesmo ainda pode determinar a notificação do autor para substituir a p.i. pela apresentação de requerimento para adoção da providência cautelar que se revelar adequada ou simplesmente absolver o réu da instância, se for o caso.

107-Antes de nos debruçarmos sobre o despacho liminar concretamente proferido nesta ação, dir-se-á, primacialmente, que ponderando nas várias teses em confronto sobre a formação de caso julgado, que seja ele o formal ou material, o mesmo pressupõe uma decisão expressa que verse sobre uma questão processual (caso julgado formal) ou sobre os direitos/interesses discutidos no processo (caso julgado material).

108-Neste sentido, aponta-se desde logo a noção de caso julgado contida no artigo 628.º do CPC, onde se estatui que a decisão se considera transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.

109-O caso julgado pressupõe, salvo melhor opinião, a prolação de uma decisão que recaia sobre uma concreta e especifica questão processual ou sobre o mérito da causa, obstando a que a mesma questão seja objeto de nova apreciação e decisão (efeito negativo do caso julgado) e impondo o decidido de forma imperativa e vinculativa (efeito positivo do caso julgado) apenas intraprocessualmente (no caso julgado formal) ou intra e extraprocessualmente no caso julgado material.

110-É certo que, a doutrina e jurisprudência atualmente maioritárias, admitem a figura do caso julgado implícito, tendo em consideração que

«

como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer-se que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor do caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo:

o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão

»

-cf. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, Lisboa 1997, pág. 578-579.

111-Contudo, conforme resulta do que se vem dizendo o caso julgado implícito pressupõe que seja proferida uma decisão expressa (no dispositivo final da sentença, acórdão ou despacho) atingindo aquele não apenas o dictat autoritário nele proferido pelo julgador como todos os pressupostos que serviram de fundamento a essa decisão (v.g. condenado o réu a pagar as rendas vencidas por decisão de mérito transitada em julgado, não pode aquele, posteriormente, em nova ação que lhe seja movida pelo senhorio ou que instaure contra aquele, vir alegar a invalidade do contrato de arrendamento, uma vez que a decisão de mérito antes proferida que o condenou a pagar as rendas em divida tem como antecedente ou pressuposto lógico necessário a validade do contrato de arrendamento).

112-Tendo em consideração o comando expresso constante do artigo 110.º-A, n.º 1 em conjugação com o n.º 1 do artigo 109.º, ambos do CPTA, que impõem ao juiz o poderdever de verificar se em sede de despacho liminar o processo deve prosseguir e, nesse caso, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar, na ausência de qualquer decisão que fixe prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, não pode, pois, concluir-se de forma segura que o único sentido útil a extrair dessa ausência de convite apenas é o de ter sido entendimento do julgador que nada obsta ao prosseguimento do processo como intimação.

113-Com efeito, subjacente a essa omissão podem estar variadíssimas razões, que não necessariamente o entendimento do julgador de que nada obsta ao prosseguimento do processo, questão essa que o mesmo poderá nem sequer ter ponderado.

114-No caso vertente, não é despiciendo notar que o Tribunal a quo limitou-se a determinar a citação do réu, e que não conheceu oficiosamente da questão da impropriedade da intimação, ou seja, da questão de saber se ao caso bastava a instauração de uma ação administrativa, ou se ao caso bastava a adoção de uma providência cautelar, pelo que, não emitiu, sequer, uma qualquer decisão expressa em relação à qual se pudesse cogitar da possibilidade de sobre a mesma recair o efeito do caso julgado.

115-Note-se que a citação, na definição que consta do artigo 219.º, n.º 1 do CPC é somente

«

o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proferida contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender…

»

.

116-De qualquer forma, tal como o STA se pronunciou no acórdão suprarreferido que não admitiu uma revista, cuja jurisprudência subscrevemos, a prolação de despacho liminar não faz caso julgado formal. Aliás, a doutrina civilista é a esse respeito, muito enfática na rejeição da possibilidade de o despacho liminar constituir caso julgado formal.

117-Veja-se, nesse sentido, a lição que Alberto dos Reis, não a destempo para o caso, nos disponibiliza sobre o tema:

«

Se o juiz, em consequência de exame superficial e precipitado da petição, mandou citar o réu, devendo, ao contrário, proferir despacho de indeferimento, ou porque a petição é inepta, ou porque ocorre qualquer dos outros factos mencionados nos n.os 2 e 3 do art. 481.º, é claro que com tal decisão causa prejuízo ao réu; força-o a contestar e a exercer a restante atividade de defesa… Se o juiz, em consequência de exame superficial e precipitado da petição, mandou citar o réu, devendo, ao contrário, proferir despacho de indeferimento, ou porque a petição é inepta, ou porque ocorre qualquer dos outros factos mencionados nos n.os 2 e 3 do art. 481.º, é claro que com tal decisão causa prejuízo ao réu; força-o a contestar e a exercer a restante atividade de defesa… [...] Se o juiz, em vez de indeferir a petição, mandar fazer a distribuição ou citar o réu, não pode daqui concluir-se que tenha considerado apta a petição, competente o tribunal e idóneo o meio empregado, e que por isso o réu, querendo arguir qualquer desses vícios, deva agravar do respetivo despacho.

Não. O despacho cite-se o réu, embora não seja atacado por meio de recurso, não fica constituindo caso julgado que obste a que o juiz, no despacho saneador, declare inepta a petição, incompetente o tribunal ou nula a forma de processo. O que aquele despacho significa é que o juiz não notou na petição vício palpável e manifesto, ou que o vício não saltou aos olhos do juiz; pode, porém, o vício existir.

E então o juiz conhecerá dele no despacho saneador, ou por sua iniciativa, ou por requerimento das partes. [...] O magistrado pode ter de examinar as mesmas questões nos dois momentos; mas trata-se de exames de caráter diferente. O exame inicial é por sua natureza sumário e destinado a corrigir vícios grosseiros e evidentes E então o juiz conhecerá dele no despacho saneador, ou por sua iniciativa, ou por requerimento das partes. [...] O magistrado pode ter de examinar as mesmas questões nos dois momentos; mas trata-se de exames de caráter diferente. O exame inicial é por sua natureza sumário e destinado a corrigir vícios grosseiros e evidentes; o exame posterior é ponderado e refletido e destinado a desembaraçar o processo de todas as questões prejudiciais e, portanto, dos vícios que possam ter escapado à primeira inspeção E então o juiz conhecerá dele no despacho saneador, ou por sua iniciativa, ou por requerimento das partes. [...] O magistrado pode ter de examinar as mesmas questões nos dois momentos; mas trata-se de exames de caráter diferente. O exame inicial é por sua natureza sumário e destinado a corrigir vícios grosseiros e evidentes E então o juiz conhecerá dele no despacho saneador, ou por sua iniciativa, ou por requerimento das partes. [...] O magistrado pode ter de examinar as mesmas questões nos dois momentos; mas trata-se de exames de caráter diferente. O exame inicial é por sua natureza sumário e destinado a corrigir vícios grosseiros e evidentes; o exame posterior é ponderado e refletido e destinado a desembaraçar o processo de todas as questões prejudiciais e, portanto, dos vícios que possam ter escapado à primeira inspeção

»

(negrito da nossa autoria)-cf. Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Vol. II, Artigos 409.º a 486.º, 3.ª EdiçãoReimpressão, Coimbra Editora pág. 397-398.

118-Esta perspetiva de Alberto dos Reis, já tinha assento no CPC desde longa data, sendo que até no CPC de 1939 (artigo 483.º)

«

se consagrava a não preclusão das questões que podiam ter sido fundamento de indeferimento liminar, mas não o foram

»

-cf. Ac. da RL, de 18.06.2009, Proc. 23443/1996.dgsi.pt-. Neste acórdão lê-se ainda que:

«

iv-O despacho de citação nunca constitui caso julgado formal. V-Assim, antes da Reforma, como depois dela para as situações excecionais em que se admite despacho liminar, consoante os art.234.º-A e 234.º/4, o tribunal pode conhecer das questões que conduzem ao indeferimento liminar, mesmo depois de ordenada a citação do réu

»

.

119-Esta solução foi sendo mantida no CPC, e presentemente está consagrada no n.º 5 do artigo 226.º do CPC no qual se estabelece que

«

Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar

»

.

120-Em comentário a esta norma, veja-se ainda, na doutrina, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, que escrevem o seguinte:

«

O n.º 5 recebeu, em 1995-1996, duas normas que constavam do art. 479 anterior à revisão.

A primeira é a da irrecorribilidade do despacho de citação, introduzida pelo diploma intercalar de 1985.

Antes dele, a lei era expressa em admitir o recurso (de agravo) do despacho de citação (art.479-1 da versão de 1961 e, anteriormente, art. 483, § único, do CPC de 1939), a fim de tornar nítido o afastamento da sua caracterização como despacho de mero expediente (ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit. V, p.251;

CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., III, p.45;

RIBEIRO MENDES, Recursos cit., p.156). Este recurso manteve-se, entre 1985 e a revisão de 1995-1996, apenas na ação executiva (dizia-o o então art.813).

A segunda norma, já existente no CPC de 1939 (art.483, § único) e mantida inalterada, não obstante o aperfeiçoamento da sua redação, é a da não preclusão das questões que podiam ter sido fundamento de indeferimento liminar, mas não o foram. Quer o juiz a elas se refira no despacho liminar (resolvendo-as no sentido de o fundamento não se verificar) quer não, o despacho de citação nunca constitui caso julgado formal. Compreende-se porquê:

não tendo sido o réu ainda citado, qualquer decisão, por muito fundamentada que seja, tem lugar sem precedência de contraditório. Não há, portanto, lugar a distinguir, como no caso do despacho saneador, a decisão baseada numa apreciação concreta e a que contém mera apreciação abstrata da existência de exceções dilatórias e nulidades processuais (art.595-3)

»

-Cfr. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ANOTADO, VOLUME 1.º, ARTIGOS 1.º A 361.º, 4.ª EDIÇÃO, ALMEDINA, pág.452.

121-Estas considerações da doutrina civilista são perfeitamente transponíveis para o âmbito do contencioso administrativo no que tange ao despacho liminar, uma vez que, em relação ao mesmo, o legislador do CPTA não estabeleceu nenhuma preclusão como a que previu no artigo 88.º, n.º 2 do CPTA em relação ao despacho saneador, onde expressamente teve a preocupação de estabelecer que “As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas

»

. É esta, aliás, a conclusão a que chegamos quando empreendemos a devida interpretação sistemática.

122-Nesta senda, cremos que a prolação de despacho de citação do réu num processo de Intimação, em circunstâncias que antes deviam ter conduzido o juiz a rejeitar a petição no despacho liminar por ocorrer uma situação de impropriedade do meio processual, não preclude o conhecimento pelo juiz

«

das questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar

»

, e isso ainda que nos termos do artigo 110.º-A, n.º 1 em conjugação com o n.º 1 do artigo 109.º, ambos do CPTA, se imponha ao juiz o poderdever de verificar se em sede de despacho liminar o processo deve prosseguir e, nesse caso, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar.

123-O facto de constar do teor literal do artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA que o juiz deve, no despacho liminar, convidar o autor a substituir a petição de Intimação por um requerimento para a adoção de providência cautelar, caso verifique que a simples tutela provisória é adequada à proteção dos direitos, liberdades e garantias de que aquele se arroga titular e que invoca estarem a ser lesados ou sob ameaça de lesão, não preclude a possibilidade de o Tribunal efetuar esse convite numa fase posterior do processo, depois de observado o contraditório.

124-Não resulta do teor literal deste preceito que o legislador tenha estabelecido uma qualquer preclusão quanto ao conhecimento posterior da impropriedade do meio usado e da questão da sua subsidiariedade, uma vez que, não diz no artigo 110.º-A, ou numa qualquer outra norma reguladora deste tipo de ação, que caso o juiz não decida essa questão no despacho liminar, fica impedido de a decidir posteriormente.

125-Por outro lado, a interpretação das leis não se deve cingir ao respetivo texto, antes deve também apelar ao pensamento do legislador. Fazendo esse exercício hermenêutico, o legislador do CPTA com o regime normativo previsto no n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, o que pretendeu, não foi impedir que a solução de convidar o autor a substituir a petição de intimação por requerimento para a adoção de providência cautelar, fosse adotada mais tarde, mas que fosse adotada o quanto antes pelo juiz, no cumprimento de um poderdever, se o caso o justificar.

126-Abona neste sentido, na doutrina, o que diz Carla Amado Gomes, quando afirma que o facto de o juiz, no despacho liminar, não ter convidado o autor a substituir a petição de intimação por um requerimento para adoção de uma providência cautelar, não pode coartar o direito de o requerido suscitar essa questão. Advoga a referida autora que num tal caso

«

o requerido poderá sempre defender-se do pedido de intimação com o argumento da suficiência da via cautelar, provisória ou definitiva. Certo que passando esta possibilidade a constar claramente da lei processual, o requerido poderá sentir uma certa inibição, por considerar que, não tendo o juiz, motu próprio, pedido a substituição ou procedido à convolação, tão pouco o fará na sequência da contestação; o requerido poderá sempre defender-se do pedido de intimação com o argumento da suficiência da via cautelar, provisória ou definitiva. Certo que passando esta possibilidade a constar claramente da lei processual, o requerido poderá sentir uma certa inibição, por considerar que, não tendo o juiz, motu próprio, pedido a substituição ou procedido à convolação, tão pouco o fará na sequência da contestação; isso não significa, porém, que fique privado do direito de produzir tal contra-argumentação

»

-cf. CARLA AMADO GOMES E OUTROS, IN ANTEPROJETO DE REVISÃO DO CPTA, 2014, PÁG.328.

127-Na verdade, se após o exercício do contraditório for suscitada a questão de ser bastante à tutela dos direitos reclamados pelo autor da Intimação, a adoção de uma providência cautelar, concluindo o juiz, numa decisão mais refletida, que o meio processual adequado à pretensão de tutela dos direitos reclamados, passa antes pela adoção de uma providência cautelar, não faz sentido que tendo o mesmo incumprido aquele poderdever, não possa, posteriormente, convidar a parte a apresentar esse requerimento e tenha antes de proferir uma decisão de forma, absolvendo o réu da instância. A ser assim, estar-se-á a prejudicar a parte, com base numa violação pelo juiz de um poderdever que incumpriu e a privilegiar decisões de forma em detrimento das substanciais, contrariando toda a filosofia subjacente à lei adjetiva que é um meio de realização do direito e não um fim em si mesmo, potenciando decisões de forma em detrimento de decisões substanciais, quando, inclusivamente, um dos princípios basilares da lei processual civil e administrativa, é o da cooperação, em que o tribunal, as partes e seus mandatários estão obrigados a transformar o processo numa comunidade de trabalho com vista à rápida prolação de uma decisão de mérito justa.

A situação é semelhante àquela em que não estando os factos alegados devidamente concretizados na petição inicial, o juiz em sede de présaneador omite o convite à parte para concretizar os factos e depois, na decisão final, vem a julgar a ação improcedente com base na inconcretização desses factos.

128-O despacho liminar de admissibilidade da intimação, decorrente da ordem de citação do Réu, tem a natureza de uma avaliação provisória, que não assume a característica de caso julgado formal, insuscetível de ser contrariado, posteriormente, por via de avaliação definitiva, em fase processual própria, após o cumprimento do princípio do contraditório. Como tal, tendo o relator proferido despacho de citação do réu para apresentar oposição, querendo, ao invés de ter proferido despacho de indeferimento liminar da p.i., convidando o autor a substituir a p.i. por requerimento para adoção de uma providência cautelar, ou simplesmente rejeitado a p.i., tal não impedia o Tribunal recorrido de conhecer, como conheceu, da exceção da impropriedade do meio processual suscitada pelo réu na defesa apresentada. [sublinhado no original]”.

26-Ora, não se vê razão ou argumento de fundo que possa ditar o afastamento da conclusão assim alcançada quanto ao despacho liminar de citação em sede de intimação para proteção de direitos e garantias de idêntico despacho liminar no âmbito das providências cautelares. Quer num caso quer noutro estamos perante uma intervenção inicial do juiz, de aferição liminar ou muito sumária das condições de admissibilidade do processo, sem contraditório e sem formulação, em regra-e o caso dos autos disso é demonstrativo-, de uma pronúncia fundamentada sobre a efetiva verificação dos pressupostos e requisitos legalmente exigidos para a admissão da petição e ulteriores termos processuais. No âmbito da admissão liminar do requerimento cautelar é apenas exigido ao juiz da causa que verifique a sua regularidade formal, ou seja, que verifique que o mesmo requerimento contém, de acordo com os elementos do mesmo é possível identificar ou extrair os elementos essenciais para que sobre ele possa recair uma posterior decisão de mérito (neste sentido, o ac. deste STA de 10.11.2022, proc. n.º 12/22.3BELSB).

27-Com efeito, centrando a nossa atenção no despacho liminar a que alude o art. 116.º do CPTA e tendo presente o caso que nos ocupa, veja-se que a falta de identificação dos contrainteressados será causa de rejeição do requerimento cautelar apenas quando esta falta não seja suprida após convite judicial para o efeito. É este o regime que decorre claro do n.º 2, alínea a) do art. 116.º do CPTA:

“[c]onstituem fundamento de rejeição liminar do requerimento:

a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito”

; incluindo-se naquele n.º 3, a indicação da identidade e residência dos contrainteressados a quem a adoção da providência cautelar possa diretamente prejudicar (al. d)).

28-Pelo que, a rejeição liminar da providência, por falta de indicação dos contrainteressados, não é sequer legalmente válida, sem que tenha havido previamente um despacho de aperfeiçoamento no sentido de proporcionar ao requerente da providência a correção da falta. Regime que é de aplicação autónoma em relação ao mecanismo consagrado no art. 115.º do CPTA (pedido de certidão para identificação dos contrainteressados e respetiva residência). Ou seja, podemos identificar neste quadro referencial já uma premissa que se traduz na intervenção ordenadora do juiz, tendente a assegurar a normal prossecução dos autos, em ordem ao conhecimento do mérito.

29-E como assinalado no voto de vencido constante do acórdão deste STA, de 13.02.2025, no proc. n.º 260/24.1BEFUN, muitas das vezes, a falta de indicação dos contrainteressados não é detetável pelo juiz na fase liminar, só o sendo ou após a invocação dessa exceção pela entidade requerida na resposta e/ou da junção dos documentos pertinentes (designadamente com a remessa do processo administrativo).

30-Reiterando o afirmado a esse propósito nos acórdãos deste Supremo Tribunal transcritos, citando a Doutrina aí identificada:

“não faz sentido que tendo o mesmo incumprido aquele poderdever, não possa, posteriormente, convidar a parte a apresentar esse requerimento e tenha antes de proferir uma decisão de forma, absolvendo o réu da instância. A ser assim, estar-se-á a prejudicar a parte, com base numa violação pelo juiz de um poderdever que incumpriu e a privilegiar decisões de forma em detrimento das substanciais”. É que, tal como referido no assinalado voto de vencido, “o que o legislador pretendeu não foi impedir que esse despacho de aperfeiçoamento fosse proferido após o despacho liminar, mas sim que fosse adotado o quanto antes pelo juiz, no cumprimento de um poder-dever”. É esse, aliás, o quadro normativo base que decorre do art. 590.º do CPC, n.os 1 e 2 do CPC, segundo o qual nos casos em que, por determinação legal, a petição seja apresentada a despacho liminar, não sendo caso de indeferimentoquando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente-, findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho présaneador destinado, designadamente a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias ou pelo aperfeiçoamento dos articulados. O tribunal, no cumprimento desse dever, terá de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente, logo que de tal se aperceba.

31-Por outro lado, se é certo que nos termos do disposto no art. 620.º, n.º 1, do CPC as sentenças e os despachos que recaiam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, o que, traduz o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto a essa questão, seguro é também que tal esgotamento, como explicitado no trecho do acórdão deste Supremo supra transcrito, apenas se verifica quando o julgador efetivamente aprecia a questão. Na verdade, não se pode minimamente concluir que o despacho que se limita a declarar a providência cautelar como admissível e a ordenar a citação da Entidade Requerida e dos Contrainteressados indicados para responder, possa consubstanciar uma apreciação e decisão da matéria de direito adjetivo em causa (vide o art. 595.º, n.º 3, do CPC).

32-Como resulta do afirmado no ac. deste STA (Pleno) de 25.01.2024, no proc. n.º 2614/23.1BELSB, o caso julgado formal exige que a questão processual tenha sido concretamente julgadaapreciada e decididano processo [“Haverá caso julgado formal se a sentença ou o despacho incidirem apenas sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo”].

33-Assim, não existindo no despacho liminar apreciação concreta e decisão sobre a causa de rejeição prevista no art. 116.º, n.º 2, al. a), do CPTA (em conjugação com a ausência de satisfação da menção exigida pelo art. 114.º, n.º 3, al. d), do CPTA), não se formou quanto a essa questão caso julgado.

34-Nesta medida, detetada a falta após o despacho liminar, incumbe ao juiz promover a sua correção, ao abrigo do disposto no art. 114.º, n.º 4, do CPTA [“Na falta da indicação de qualquer dos elementos enunciados no n.º 3, o interessado é notificado para suprir a falta no prazo de cinco dias”]. Intervenção do juiz que consubstancia um verdadeiro poderdever, cuja inobservância acarreta a nulidade dos atos processuais subsequentes, tal como resulta da previsão contida no art. 195.º, do CPC.

35-É certo que este Supremo recentemente considerou que o regime processual pormenorizadamente estabelecido pelo CPTA para os processos cautelares e a sua natureza de meio processual célere, simples e expedito, destinado a acautelar sem delongas os prejuízos decorrentes da demora na obtenção da decisão definitiva, obsta a que, ultrapassada a fase liminar e apresentados os articulados, o juiz possa convidar o requerente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial de modo a, nomeadamente, indicar contrainteressados (cf. o referido ac. de 13.02.2025, proc n.º 260/24.1BEFU). Esta conclusão acompanha de perto a posição de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha que defendem que “o despacho de aperfeiçoamento precede, pois, o despacho liminar de admissão ou rejeição do requerimento cautelar e, caso não seja proferido, o despacho liminar de admissão consolida-se, de modo que as irregularidades ou deficiências do requerimento que possam existir e não tenham sido detetadas só poderão, depois, porventura determinar o indeferimento da providência em decisão de mérito” (cf. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª ed., 2021, p. 987). Em suma, defende-se que a urgência própria do processo cautelar impede que após o despacho liminar de admissão e da junção da(s) oposição(ões) seja proferido despacho de aperfeiçoamento do requerimento inicial.

36-Porém, tal como entendemos, esta posição não leva em devida conta o regime do processo cautelar comum (vide supra), nem o princípio da economia processual, nem sopesa que a urgência inerente ao processo cautelar visa a defesaainda que provisóriados direitos que o requerente pretende fazer valer em Juízo e, portanto, a urgência é considerada em seu favor. Nessa medida, os atos incluídos na marcha dos procedimentos cautelares visam, também eles, evitar o dano irreparável.

37-Com efeito, a urgência do processo cautelar deve ser interpretada em favor do requerente da providência, pelo que o convite ao aperfeiçoamento, mesmo após o despacho liminar, em detrimento de uma decisão de absolvição da instância, reforça esse postulado e aproveita ao requerente da providência, já que, prosseguindo os autos, evita o acionamento da faculdade prevista no art. 279.º, n.º 1, do CPC (a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objecto, com o mesmo pedido e mesma causa de pedir). De igual modo o art. 116.º, n.º 3, do CPTA.

38-Aliás, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha reconhecem que o imperativo de celeridade na resolução do processo, “é primacialmente imposto no interesse do requerente, atenta a função específica dos processos cautelares, que é a de dar resposta (célere) a situações de periculum in mora na esfera de quem procura a tutela cautelar” (cf. ob. cit., p. 1007-1008). Mas mais, permitimonos notar que paradoxalmente, por referência à admissibilidade de articulados suplementares de resposta à matéria de exceção que haja sido suscitada na oposição, os mesmos AA. referem:

“[o]ra, se, no caso sub judice, os elementos disponíveis apontarem para a tomada de uma decisão de extinção da instância, não há inconveniente em que se perca um pouco mais de tempo para procurar criar as condições para que possa ser adotada uma decisão sobre o objeto do processo, de modo a poder decretar-se a providência requerida. A alternativa é a célere tomada de uma decisão que, sendo de absolvição da instância, não protege precisamente os interesses em função dos quais é primacialmente exigida celeridade neste domínio” (idem). Como se observa, afinal, a imediata decisão de absolvição da instância não se adequada à proteção dos interesses em função dos quais a celeridade é concebida no âmbito dos processos cautelares.

39-Tal como entendemos, nessa medida, a admissibilidade adjetiva do despacho de aperfeiçoamento em momento posterior à fase liminar, é também o que melhor dá concretização ao princípio da economia processual, promovendo a atempada estabilização da instância e protegendo os interesses em causa no domínio cautelar.

40-Por outro lado ainda, a solução acolhida no acórdão recorrido interpreta-e bem-o art. 116.º do CPTA, quando conjugado com o art. 114.º, n.º 5, do mesmo Código, à luz do art. 7.º que consagra o princípio pro actione. Neste âmbito, concorre o princípio da promoção o acesso à justiça, cujo indirizzo interpretativo é o de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas, devendo as normas processuais ser interpretadas com esse objetivo (art. 7.º do CPTA).

41-Deste modo, como vem decidido no acórdão recorrido, no caso de omissão de indicação dos contrainteressados no requerimento cautelar, ainda que ultrapassada a fase liminar prevista no citado art. 116.º do CPTA, ao juiz de primeira instância cabe convidar a parte para aperfeiçoar o requerimento inicial (no prazo de cinco dias)-o despacho de aperfeiçoamento prefere à absolvição da instância. E de acordo com a tramitação dos processos cautelares, não tendo sido feito em momento processual antecedentena fase liminar, na primeira intervenção do juiz-, tal impõe-se ainda na fase processual imediatamente seguinte, quando o processo lhe for concluso, após terem sido recebidas as oposições, para efeitos do disposto no art. 118.º do CPTA.

42-Em síntese útil conclusiva, a omissão do despacho de aperfeiçoamento, quando se justifica a sua emissão, enquanto poderdever do juiz, implica a falta de formalidade essencial que acarreta, de acordo com o art. 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi do art. 1.º do CPTA, a nulidade dos atos processuais subsequentes. E ainda que se encontre ultrapassada a fase liminar prevista no art. 116.º do CPTA, no caso de total omissão de indicação de contrainteressados ou de falta de indicação de todos aqueles que emergem da concreta relação material controvertida, quando o processo lhe for concluso para efeitos do disposto no art. 118.º do CPTA, cabe ao juiz convidar a parte para aperfeiçoar o seu requerimento inicial.

43-Razões que determinam a improcedência do recurso e a manutenção do acórdão recorrido, que assim concluiu.

III. DO PEDIDO DE DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

44-A Recorrente requer igualmente a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta instância, sendo que desse pagamento havia sido já dispensada no âmbito do recurso para o TCA Sul.

45-O valor do processo é de EUR 30.000.000,00.

46-De acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP (redação dada pela Lei 7/2012, de 13 de fevereiro), “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

47-Ou seja, sempre que a ação ou o recurso exceda o valor de EUR 275.000,00, as partes apenas terão de efetuar o pagamento da taxa correspondente a esse valor, sendo o remanescente contabilizado a final, nos termos do n.º 7, a não ser que o juiz dispense esse pagamento mediante a prévia ponderação da especificidade da situação, da complexidade da causa e da conduta das partes o justificarem.

48-Como se prescreve na tabela I, para além de 275.000 euros ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada 25.000 euros ou fração três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.

49-É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre 275.000 euros e o efetivo e superior valor da causa para efeito de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada, oficiosamente ou a requerimento do interessado, a dispensa do seu pagamento.

50-É certo que o processo não está findo e irá baixar às instâncias para prosseguimento, pelo que nesta fase processual não será ainda elaborada a conta final de que fala o n.º 7 do artigo 6.º do RCP. No entanto, desconhece-se se os autos regressarão a este STA, pelo que, havendo uma condenação em custas importa decidir o requerido.

51-Continuando, a referida decisão judicial de dispensa, que tem natureza excecional, depende designadamente, segundo o estabelecido neste normativo da especificidade da situação, da complexidade da causa e da conduta processual das partes.

52-Como este STA já teve oportunidade de afirmar, “a dispensa (designadamente, total) só se justificará por forma excecionalnão sendo, pois, a regra-, só uma complexidade claramente inferior à comum permitirá uma dispensa integral do pagamento do remanescente” (cf. o ac. de 23.06.2022, proc. n.º 2048/20.0BELSB).

53-Importa, pois, apreciar se, para além do requisito relativo ao valor da causa que efetivamente se verifica uma vez que esta tem o valor tributário de EUR 30.000.000,00, existem razões objetivas para a dispensa do pagamento do remanescente, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes.

54-Relativamente à conduta processual das partes, não denotam os autos qualquer aspeto negativo a apontar. A aqui Recorrente não suscitou questões desnecessárias e não fez uso de expedientes dilatórios.

55-Já quanto à falta de complexidade do caso, importa, à míngua de critérios constantes no RCP, objetivar o grau de complexidade dos autos recorrendo, desde logo, aos critérios indiciários constantes do artigo 530.º, n.º 7, do CPC que dispõe que se consideram de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

56-De igual modo, haverá que concatenar estes critérios com uma adequada filosofia de justiça distributiva no âmbito da responsabilização/pagamento das custas processuais, conjuntamente com o princípio da proporcionalidade, concretamente na sua vertente de proibição do excesso, bem como com o direito de acesso aos tribunais.

57-Com efeito, ainda que não em termos absolutos, deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais designadamente da taxa de justiça, de acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2.º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º da Constituição.

58-Como se afirmou no ac. deste STA de 11.04.2018, proc. n.º 1486/15:

“A Constituição não consagra contudo a gratuitidade do serviço de justiça mas o princípio constitucional que vimos referindo implica que o Estado não pode estabelecer um regime de custas de tal modo gravoso que se torne obstáculo ao proclamado acesso impondolhe ainda o dever de criar os meios instrumentais que assegurem a todos a efectivação desse direito

Neste sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 182. E entre outros o acórdão:

do Tribunal Constitucional n.º 467/91 in DR 2.ª série de 2 de Abril de 1992.

A imposição assim da taxa de justiça surgindo como contrapartida da prestação de um serviço ao particular, face ao princípio do utilizador pagador, terá de ter presente face à natureza da taxa o sentido de correspondência e de equivalência e ainda o princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita bem como todo o sistema fiscal cf. artigos 103 e 266/2 da CRP.”

59-De igual modo, apontando para uma regra de proporcionalidade, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25.09.2007, processo 317/07:

“[...] o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa, permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício”.

60-Se é certo que nada impede que o montante das custas seja variável, a verdade é que o estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumente diretamente e sem limite na proporção do valor da ação, não foi o pretendido pelo legislador.

61-Tal como se refere no preâmbulo do 75/2000, de 9 de Maio, 35 781, de 5 de Agosto de 1946 e 108/2006, de 8 de Junho.">Decreto Lei 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais:

“O valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa” [sublinhados nossos].

62-Em síntese, nas ações de valor superior a EUR 275.000,00 para o apuramento do montante da taxa de justiça devida a final, o valor atribuído à ação não constitui critério absoluto, podendo ocorrer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que seria devida sempre que tal se justifique em função da complexidade da causa, da sua utilidade económica e da conduta processual das partes, devidamente ponderados os princípios da proporcionalidade e da igualdade.

63-Tendo presente os critérios indiciários supra apontados, verifica-se que:

-O comportamento processual das partes, em particular da ora Recorrente, pautou-se pelo cumprimento do dever de boa fé processual; e-A questão conhecida no recurso, embora existindo sobre ela divergência jurisprudencial, é de natureza adjetiva e não é especialmente complexa.

64-Porém, nos termos legais, a dispensa (designadamente, total) só se justificará por forma excecionalnão sendo, portanto, a regra-, e só uma complexidade claramente inferior à comum permitirá uma dispensa integral do pagamento do remanescente-o que não se afigura ser exatamente o caso (até pelo acionamento do julgamento por todos os juízes da Secção).

65-Em suma, considerando o concreto trabalho realizado neste processo, tudo ponderado, é de deferir o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça em 90 %, afigurando-se que esse montante das custas que o Estado irá arrecadar é o proporcional ao serviço prestado, devendo a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça nessa percentagem.

66-Anexa-se sumário, elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência todos os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em:

-Negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão do TCA Sul recorrido; e-Deferir parcialmente o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida formulado pela Recorrente, dispensando-o em 90 %.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo da dispensa deferida.

Notifique.

Lisboa, 25 de setembro de 2025.-Pedro José Marchão Marques (relator)-José Francisco Fonseca da Paz (vencido conforme declaração de voto)-Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (vencida conforme voto vencida)-Cláudio Ramos MonteiroAna Celeste Catarrihas da Silva Evans de CarvalhoHelena Maria Mesquita RibeiroCatarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves JarmelaAntero Pires SalvadorFrederico Macedo Branco (vencido conforme voto vencido).

Declaração de voto Discordo da posição que obteve vencimento, pois concederia provimento ao recurso pelas razões que sintetizo nos seguintes termos:

-O acórdão recorrido padece da nulidade de excesso de pronúncia, vertida na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.0 do CPC, quando considerou que foi cometida uma nulidade processual decorrente de, após a fase liminar, o juiz da 1.ª instância ter omitido despacho de aperfeiçoamento destinado a convidar a requerente a indicar os contrainteressados, uma vez que a nulidade processual invocada na apelação (cf., por exemplo, conclusão 16 da sua alegação) ser distinta dessa, consubstanciando-se na circunstância de o juiz, na fase liminar, em violação do n.º 5 do artigo 114.º do CPTA, não ter cumprido o seu dever de convidar a requerente a suprir a falta de indicação dos contra-interessados;

-O acórdão recorrido incorreu em nulidade processual, por infracção do princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º n.º 3, do CPC, dado que à ora recorrente não foi dada oportunidade de se pronunciar sobre a nulidade processual julgada procedente;

-Quanto à questão de fundo, mantenho a posição sustentada no, entre outros, Ac. deste STA de 30/3/2023-Proc. n.º 449/22.8BELRA, de que fui relator, e para cuja fundamentação remeto, continuando a considerar que o regime processual estabelecido, de modo bastante pormenorizado, para os processos cautelares nos artigos 114.º a 119.º do CPTA, não deixa espaço para a aplicação supletiva do CPC, nem, consequentemente, para a emissão de despacho de aperfeiçoamento após a fase dos articulados.

Fonseca da Paz Declaração de voto Vencida. Não acompanho a decisão embora reconheça que o legislador contribui activamente para gerar o confronto entre as interpretações em causaadmissão ou não de um despacho de aperfeiçoamento finda a fase dos articulados nos processos legalmente sujeitos a tramitação urgente, in casu, uma providência cautelar-e para que a questão não seja totalmente linear.

Com efeito, o legislador não é coerente no recorte que faz dos meios processuais urgentes, seja quando admite a intervenção de contrainteressados no processo cautelar (artigos 114.º, n.º 3, alínea d) e 115.º do CPTA), seja quando admite que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, em vez de corresponder a um meio de amparo jusfundamental como se dita na constituição, possa consubstanciar-se afinal apenas numa acção administrativa gratuita e de tramitação mais rápida (artigo 110.º, n.º 2 do CPTA). É aliás esta segunda vertente, legal e sistematicamente incompreensível, que explica a pressão crescente de instrumentalização e vulgarização desta via processual, pois não é difícil reconduzir à protecção de um direito com acolhimento na lei fundamental quase todas as lides administrativas! A tese que faz vencimento apoia-se num primeiro argumento pragmático:

o conhecimento da existência de contrainteressados numa providência cautelar só ocorre muitas vezes em fase posterior ao despacho liminar, ou seja, depois dos articulados, e uma solução diferente da que é adoptada no acórdão, que levaria à absolvição da instância, daria sempre lugar à propositura de uma nova acção. Não se nos afigura um argumento suficiente para legitimar a solução que se alcança. É possível contrapor que os efeitos do decurso do tempo sobre a utilidade e a tempestividade, assim como os custos da nova propositura do meio processual, correriam, na solução contrária (e devem correr), por conta do Requerente que dá causa à excepção dilatória. E desse uso incorrecto que o Requerente faz do meio urgente devem poder aproveitar as contrapartes e os contrainteressados.

A tese que fez vencimento também se apoia no argumento de que a urgência é estabelecida em favor dos requerentes dos meios urgentes e que o entorpecimento da tramitação acelerada, causado pelo despacho de aperfeiçoamento, só acarreta prejuízo aos interesses que o requerente pretende fazer valer com o uso do meio processual, sendo esse prejuízo proporcionalmente inferior àquele que decorreria de o mesmo ter de dar início a um novo processo. Também não acompanhamos este argumento. Primeiro porque não se nos afigura que seja transponível para o processo administrativo urgente (onde o interesse público não pode ser arredado ou esquecido) uma construção que provém de um processo de interesses particulares e paritários. Segundo, a urgência, sendo de base legal e não fixada segundo um critério casuístico, acolhe um interesse público que dita a tramitação e a resolução destes meios processuais de forma prioritária face aos restantes e por isso deve impor aos respectivos requerentes uma autoresponsabilização mais intensa. É essa autoresponsabilização que determina, em nosso entender, a solução contrária à que fez vencimento. Seja como forma de “penalização” do requerente que não faz um uso adequado do meio urgente, seja como garantia de uma alocação proporcional e eficiente de meios do sistema de justiça, impedindo que nestes casos de tramitação prioritária seja possível promover uma permanente reconfiguração da lide. A tramitação urgente e prioritária baseia-se numa intervenção do tribunal simplificada e concentrada em momentoschave:

no despacho limiar, que define substantiva e objectivamente a lide, e no julgamento. Ao permitir o aperfeiçoamento em momento processual posterior ao do despacho liminar está a impor-se ao Tribunal maior número de intervenções (como se de um processo normal se tratasse) e com isso a causar prejuízos ao correcto funcionamento do sistema de justiça, incluindo o funcionamento processualmente determinado na lei para estes meios processuais.

Suzana Tavares da Silva Declaração de voto Vencido Nada a opor relativamente à questão do remanescente.

No demais, adiro ao voto de vencido do Sr. Conselheiro Fonseca da Paz, em coerência com o decidido no Acórdão 260/24.1BEFUN, de 13.02.2025, de que fui relator, pelo que teria decidido divergentemente.

Frederico Macedo Branco 119692505

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6324971.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1946-08-05 - Decreto-Lei 35781 - Ministério da Educação Nacional - Secretaria Geral

    Aprova os estatutos da Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional.

  • Tem documento Em vigor 2000-05-09 - Decreto-Lei 75/2000 - Presidência do Conselho de Ministros

    Regulamenta a Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, que tem por objectivo estabelecer o regime de constituição e os direitos e deveres das associações representativas dos imigrantes e seus descendentes.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-08 - Decreto-Lei 108/2006 - Ministério da Justiça

    Procede à criação de um regime processual civil de natureza experimental, aplicável às acções declarativas entradas, a partir de 16 de Outubro de 2006, em tribunais a determinar por portaria do Ministro da Justiça.

  • Tem documento Em vigor 2008-02-26 - Decreto-Lei 34/2008 - Ministério da Justiça

    Aprova o Regulamento das Custas Processuais, procedendo à revogação do Código das Custas Judiciais e procede às alterações ao Código de Processo Civil, ao Código de Processo Penal, ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao Código do Registo Comercial, ao Código do Registo Civil, ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 28 de Agosto, à Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, e aos Decretos-Leis n.os 75/2000, de 9 de Maio, 35 781, de 5 de Agosto de 1946, e 108/2006, de 8 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 2012-02-13 - Lei 7/2012 - Assembleia da República

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