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Assento 14/94, de 4 de Outubro

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Sumário

NO DOMÍNIO DE VIGÊNCIA DOS CODIGOS DE PROCESSO CIVIL DE 1939, APROVADO PELO DECRETO LEI 29637, DE 28 DE MAIO DE 1939 E 1961, APROVADO PELO DECRETO LEI 44129, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1961 (CONSIDERADO ESTE ÚLTIMO ANTES E DEPOIS DA REFORMA NELE INTRODUZIDA PELO DECRETO LEI NUMERO 242/85, DE 9 DE JULHO), A ESPECIFICAÇÃO, TENHA OU NAO HAVIDO RECLAMAÇÕES, TENHA OU NAO HAVIDO IMPUGNAÇÃO DO DESPACHO QUE AS DECIDIU, PODE SEMPRE SER ALTERADA, MESMO NA AUSÊNCIA DE CAUSAS SUPERVENIENTES, ATE AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO FINAL DO LITÍGIO.

Texto do documento

Assento 14/94
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Manuel Fernando Perestrelo e mulher, Deolinda Rodrigues Perestrelo, ao abrigo do disposto no artigo 763.º do Código de Processo Civil (CPC), recorreram para o tribunal pleno do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1987, proferido nos autos de recurso de agravo em 2.ª instância com o n.º 75239, e certificado a fls. 8-9.

Invocaram, para tanto, a manifesta oposição deste aresto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com anterior Acórdão do Supremo de 18 de Novembro de 1958, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 81, pp. 426-430.

Admitido liminarmente o recurso pelo conselheiro relator, veio depois, em pleno da Secção, a entender-se que, in casu, concorriam os requisitos exigidos pelo artigo 763.º, n.º 1, do CPC, e, por isso mesmo, a determinar-se que o recurso seguisse os ulteriores termos.

Os recorrentes, nas alegações, pugnaram pela prolação de assento que declarasse que a especificação, a partir do momento em que não pudesse já ser objecto de reclamações ou de recurso, valeria como caso julgado formal (assento que, nesse caso, secundaria a posição adoptada pelo acórdão fundamento). A recorrida, nas contra-alegações, e por seu lado, argumentou que, a entender-se que existe efectivamente a apontada oposição, ao nível decisório, entre os dois arestos, então o assento a tirar deveria exprimir doutrina diametralmente oposta (a doutrina que fora acolhida no acórdão recorrido).

O Ministério Público, em bem elaborado parecer, propendeu para a formulação do seguinte assento:

A especificação e o questionário, transitados, não conduzem a caso julgado formal que obste à sua justificada alteração em fase posterior do processo.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2 - Reexaminado, a coberto do preceituado no artigo 766.º, n.º 1, do CPC, a questão já apreciada no acórdão do pleno da Secção (questão de admissibilidade do presente recurso), dir-se-á, e muito brevemente, o seguinte:

Verificam-se, na verdade, os requisitos impostos pelo artigo 763.º do CPC;
Mesmo o requisito que, à partida e quanto à sua existência, poderia suscitar algumas interrogações (o de a oposição de julgados se registar no domínio da mesma legislação) mostra-se efectivamente preenchido, e isto, basicamente, pelos seguintes motivos:

a) A «mesma legislação» a que se refere o artigo 763.º, n.º 1, do CPC - v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 407, p. 413 - não tem uma significação formal, mas antes substancial, podendo, assim, os acórdãos em colisão ser proferidos no domínio de diplomas legais distintos; ponto é que, não obstante isso, a normação de que arrancam para dar solução (divergente) à mesma questão fundamental de direito seja materialmente idêntica («pode até a disposição», escreve Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, reimpressão de 1989, p. 121, nota «não ter transitado ipsis verbis, desde que as alterações sejam irrelevantes»);

b) No caso em exame, o acórdão fundamento veio à luz na vigência do Código de 1939 e o acórdão recorrido foi tirado na vigência do Código de 1961; no entanto, e sem embargo disso, as disposições daquele primeiro Código a serem chamadas particularmente à colação, e para o caso, haverão de ser as dos artigos 515.º, 659.º, segunda parte, 672.º, segunda parte, 722.º, § 2.º, e 729.º, segunda parte, normativos a que vieram corresponder naquele segundo Código, respectivamente - e com as alterações irrelevantes quanto à regulação da questão fundamental de direito em causa -, as dos artigos 511.º, 659.º, n.º 2, 672.º, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2 (note-se ainda que, apesar das alterações, medio tempore, introduzidas nestes artigos 511.º e 659.º, n.º 2, do Código de 1961 pelo Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho, apesar disso, a regulação daquela questão manteve-se nos seus traços essenciais).

Resolvida assim, e de modo definitivo, a questão da admissibilidade do recurso para o tribunal pleno, impõe-se que se passe agora a averiguar os termos em que, à luz do quadro normativo a que precedentemente se fez referência, deverá o conflito jurisprudencial ser resolvido - e ser resolvido, nos termos dos artigos 2.º do Código Civil (CC) e 768.º, n.º 3, do CPC, com fixação de doutrina interpretativa com força obrigatória.

3 - Antes de mais, importa delimitar com rigor os termos desse mesmo conflito jurisprudencial.

No acórdão fundamento, entendeu-se, é certo, que «a peça especificação-questionário constitui um despacho sujeito a reclamação, cuja decisão é passível de recurso, e de toda essa disciplina processual decorre, em curial corolário que, não sendo tal despacho atacado pelas partes oportunamente, já o não pode ser na sequência do processo». No entanto, e no plano do recurso de revista então em apreciação, não estava em causa, e de modo algum, o questionário. Mas tão-somente uma alínea da especificação, a alínea a), onde se dera por assente que o autor da acção era filho ilegítimo da F. (sua mãe). E, assim, em tal acórdão, a questão fundamental de direito que em concreto efectivamente se veio a decidir teve apenas a ver com a especificação. De facto, aplicando de imediato ao caso o entendimento acima transcrito (que se referia também ao questionário), decidiu-se, nesse mesmo acórdão, que o conteúdo de tal alínea a) fora ilegitimamente alterado pela Relação, que, desse modo, ofendera o caso julgado que, quanto a ela, se formara.

Já no acórdão recorrido se tomou efectivamente, e em relação com o concernente caso sub judice, uma decisão concreta mais ampla, que veio a abarcar a especificação e as respostas ao questionário. Estava então em causa, na moldura do recurso de agravo interposto, o acórdão da Relação, que, na óptica dos recorrentes, não respeitara, «em parte, a matéria de facto, quer a especificada quer a constante das respostas aos quesitos». Ora, no acórdão recorrido, e conhecendo de tal questão, decidiu-se que «é ponto assento, na doutrina e na jurisprudência, que a fixação da especificação, com ou sem reclamação, e, bem assim, as respostas dadas pelo colectivo aos quesitos não conduzem a caso julgado formal que obste à sua posterior modificação».

Daqui se vê que entre os dois acórdãos, e quanto à mesma questão fundamental de direito, só se regista oposição de julgados quanto ao valor da especificação: com valor de caso julgado formal para o acórdão fundamento; sem esse valor para o acórdão recorrido.

Aliás, ainda que por absurdo se entendesse que o julgamento do acórdão fundamento se estendera também ao questionário, considerando-o igualmente coberto por caso julgado formal, ainda assim, e nesse ponto, se não registaria qualquer oposição de julgados. É que o acórdão recorrido se não pronunciou sobre o valor no processo do questionário, mas antes sobre o valor no processo das respostas ao questionário.

Delimitadas as fronteiras do conflito jurisprudencial, há, pois, que passar a buscar para ele a solução que legitimamente lhe caberá.

4 - O artigo 515.º do Código de 1939 previa a possibilidade de as partes reclamarem da especificação e de agravarem para a Relação do despacho que sobre essas mesmas reclamações se tivesse debruçado. O artigo 511.º do Código de 1961, na redacção vigente à época em que foi tirado o acórdão recorrido, manteve esses direitos processuais dos litigantes, com uma ressalva, porém: o recurso do despacho sobre as reclamações só podia agora ser interposto em simultâneo com o recurso que impugnasse a própria decisão final (não é assim feliz - sublinhe-se - a redacção dada a este preceito pelo Decreto-Lei 242/85, no passo em que especifica que do despacho sobre as reclamações não há recurso; é que, se não há recurso imediato e isolado, há, todavia, recurso diferido e conjunto; é, aliás, mais feliz o legislador do Decreto-Lei 242/85, no respectivo relatório, onde se limita a explicar que o que se eliminou foi «o recurso autónomo do despacho proferido sobre as reclamações»).

Por seu lado, o artigo 659.º, segunda parte, do Código de 1939 estipulava que, na sentença, o juiz tomaria em consideração os factos admitidos por acordo, os confessados e os que o tribunal colectivo tivesse dado como provados; faria depois o exame crítico das provas de que lhe competia conhecer e estabeleceria os factos que tivesse por provados. Paralelamente, o artigo 659.º, n.º 3, do Código de 1961, na redacção vigente ao tempo em que foi proferido o acórdão recorrido, preceituava que, na fundamentação da sentença, o juiz tomaria em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo desse como provados, fazendo ainda o exame crítico das provas de que lhe cumprisse conhecer.

Por seu lado, o artigo 672.º, segunda parte, do Código de 1939 - em total coincidência com o que depois viria a dizer o artigo 672.º do Código de 1961 - rezava assim:

Os [despachos] que recaírem unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo.

Por fim, os artigos 722.º, § 2.º, e 729.º, segunda parte, do Código de 1939 - em total coincidência com o que viria a constar dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de 1961 - dispunham sucessivamente que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do acto ou facto ou que fixe a força de determinado meio de prova», e que «a decisão da 2.ª instância, quanto à matéria de facto, não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no § 2.º do artigo 722.º».

Neste universo normativo - anuncie-se de imediato - assumem particular relevo, com vista à resolução do conflito jurisprudencial, as normas dos artigos 659.º, segunda parte, e 722.º, § 2.º, do Código de 1939 (a que se equivaleram, mais tarde, as normas dos artigos 659.º, n.º 2, e 722.º, n.º 2, do Código de 1961, na sua redacção originária, norma aquela do n.º 2 do artigo 659.º depois transferida, por influência do Decreto-Lei 242/85, e quanto ao trecho que aqui tem especial significação, para o n.º 3 desse mesmo artigo 659.º).

Dando, pois, notória relevância, no prosseguimento da análise, ao exame destas últimas normas, vejamos em que termos deverá ser proferido assento - sublinhando de novo que a doutrina a fixar por essa via não se poderá estender, e ao contrário do que opina o Ministério Público, à área do questionário. É que quanto a ele, especificamente quanto à questão de saber se o mesmo faz ou não caso julgado formal, não se regista oposição de julgados. A oposição, reitera-se ainda uma vez, tem a ver unicamente com a especificação, concretamente com a questão de saber se a mesma faz ou não caso julgado formal. De facto, aí, e só aí, se centra o conflito de decisões sobre o qual nos temos vindo a debruçar.

5 - No domínio do Código de 1939, e sobre esta problemática, pronunciou-se José Alberto dos Reis, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 85.º, p. 292, nos seguintes termos:

Falemos agora da especificação. O papel desta peça é semelhante ao do questionário. Recolhem-se na especificação os factos confessados, admitidos por acordo ou provados por documentos, em obediência a um princípio de boa disciplina processual. O processo chegou ao fim dos articulados; vai entrar-se na fase trabalhosa, exigente e pesada da instrução; a lei diz ao juiz: separe para um lado os factos já apurados e certos que interessem à decisão da causa, ponha para o outro os factos duvidosos, sobre os quais se torna necessário produzir prova. Em obediência a este ditame, inspirado num princípio de arrumação e de economia processual, o magistrado forma a especificação e prepara o questionário.

Portanto a função processual da especificação define-se assim: é uma peça que se destina a fixar os factos que, findos os articulados, devem considerar-se certos e que dispensam, consequentemente, a produção ulterior de prova.

Poderá, porém, avançar-se que, na altura do julgamento da causa, o juiz não pode socorrer-se senão de factos mencionados na especificação e dos factos dados como provados nas respostas aos quesitos?

De modo nenhum. A especificação e o questionário desempenham o seu papel; introduziram ordem, disciplina e regularidade no curso da instrução. Agora estamos perante o problema do julgamento. As regras que regulam, nesta fase, a actividade do tribunal são outras; o artigo 515.º nada tem que ver, directamente, com este problema. Os textos a aplicar encontram-se no artigo 653.º, relativamente à decisão da matéria de facto por parte do tribunal colectivo, e nos artigos 659.º e seguintes, relativamente à elaboração da sentença.

Ora o artigo 659.º contém este comando:
O juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, os confessados e os que o tribunal colectivo deu como provados; fará o exame crítico das provas de que lhe compete conhecer e estabelecerá os factos que considera provados; depois interpretará e aplicará a lei aos factos, concluindo pela decisão final.

Verifica-se, pois, que, enquanto o artigo 515.º do Código de 1939 visa apenas a arrumação na especificação dos factos até aí apurados e certos para que sobre eles as partes se não preocupem e, em princípio, com a produção de prova na subsequente fase de instrução, já o artigo 659.º do mesmo Código dispõe especificamente para a fase do julgamento, e em termos tais que possibilitam ao juiz o estabelecimento, em definitivo e ao nível da 1.ª instância, do derradeiro quadro fáctico, o qual não terá de respeitar necessariamente o que, em tempos pregressos, houver sido especificado. E isto, desde logo, porque a sua função é outra. Já não está em causa a definição das fronteiras instrutórias, mas antes a definição da base do facto de que, em última análise, se haverá de arrancar para o julgamento de mérito.

E, dado o papel fulcral desta tarefa, com que se procura, na resolução do litígio, realizar em concreto a ideia de direito, bem se compreende que a lei tenha querido dar ao julgador de 1.ª instância uma última oportunidade nesse domínio, a oportunidade de, em suma e na própria sentença final, corrigir ainda certos erros ou deficiências da especificação, de modo que o universo fáctico de que o juiz parte para julgar de mérito e fazer justiça venha a ser em absoluto conforme com os preceitos legais a que haverá de obedecer a sua fixação (quiz-se aqui dar prevalência, como tantas vezes sucede no nosso sistema legal, à vertente da justiça sobre a vertente da segurança, vertentes essas em que fundamentalmente se desdobra a ideia de direito; aliás e neste caso, a segurança em questão nem é uma segurança de ordem substantiva, mas de ordem meramente processual, e, por isso mesmo, merecedora de uma muito reduzida protecção, quando em confronto com a ideia de justiça).

O elemento lógico da interpretação, elemento lógico a que, no plano da hermenêutica normativa, o artigo 9.º, n.º 1, do CC dá particular relevo, e que aqui nem é contrariado pela textualidade do conjunto normativo em análise, impõe, pois e decisavamente, esta leitura.

Tal interpretação, feita imediatamente a partir do Código de 1939, vale, pois e igualmente, para quadro legal praticamente idêntico, para o quadro constante do Código de 1961 (quadro que, ao nível do seu núcleo duro, se manteve no essencial incólume, mesmo depois da reforma que neste último compêndio normativo foi introduzida pelo Decreto-Lei 242/85).

Tanto num como noutro corpo normativo, estabelece-se assim uma excepção à regra do artigo 672.º, a qual, num e noutro Código, estipula que os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm, à partida, força obrigatória dentro do processo (pontualiza-se aqui que, em boa técnica, não será inteiramente correcto configurar a disciplina da especificação a que se vem fazendo referência como uma excepção à regra processual sobre a formação de caso julgado formal, e isto porque a especificação, a ter carácter de definitividade no processo onde é lavrada, não implicaria, em rigor, caso julgado formal, é que, como salienta Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, p. 284, não se poderia falar aqui com a propriedade de um caso julgado dessa espécie, porquanto «o campo de aplicação deste restringe-se, conforme resulta a lei (artigo 672.º), às decisões sobre a relação processual», estando em causa na especificação uma resolução que não respeita «à relação processual, mas sim à matéria do próprio litígio e à forma como este deve ser decidido»; no entanto e porque a terminologia em causa está, de há muito, plenamente arreigada na doutrina e na jurisprudência, continuará aqui a ser utilizada em equação com a especificação, esclarecendo-se, porém, que o dizer-se que a especificação «fará ou não caso julgado formal» ou expressão equivalente valerá aqui como significando apenas que «terá ou não força obrigatória dentro do processo».

6 - Cabe ainda notar que a possibilidade de alterar a especificação nos termos preditos cabe de pleno à Relação, mesmo fora da moldura de recurso que especificamente, e junto dela, tenha vindo a impugnar o despacho da 1.ª instância incidente sobre reclamações deduzidas contra aquela peça do processo.

De facto, a Relação, quando solicitada, por via de recurso de apelação, a reestudar a sentença final - e ainda que não esteja em causa a revisitação crítica do apontado despacho decisor de reclamações de especificação -, bem pode, tal qual o juiz de 1.ª instância, subverter a especificação originária. Ponto é que venha a manter-se dentro da área de actuação prescrita no artigo 659.º, segunda parte, do Código de 1939 ou no artigo 659.º, n.º 2, do Código de 1961 (este último dispositivo, depois da reforma introduzida pelo Decreto-Lei 242/85, passou, na parte que aqui interessa considerar, para o n.º 3 do mesmo artigo 659.º).

E isto, pura e simplesmente, por determinação expressa dos artigos 713.º, segunda parte, do Código de 1939, e 713.º, n.º 2, do Código de 1961, que apontam, na moldura de recurso de apelação interposto da sentença final, para observância pela 2.ª instância daqueles outros preceitos: do artigo 659.º, segunda parte, do Código de 1939, e do artigo 659.º, n.º 2, do Código de 1961 (este último correspondente hoje, na parte que aqui releva, e depois da reforma de 1985, ao artigo 659.º, n.º 3).

E mesmo o próprio Supremo Tribunal de Justiça, embora em termos muito menos amplos, pode, no plano do recurso de revista, alterar, e de algum modo, a especificação. Basta, na verdade e para o efeito, que se registe uma das situações contempladas no artigo 722.º, § 2.º, para que remete o artigo 729.º, segunda parte, ambos do Código de 1939 (e aos quais correspondem, no Código de 1961, os artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2).

7 - De outra parte, a doutrina, de há muito, tem vindo a debruçar-se sobre o problema em análise.

José Alberto dos Reis, no domínio do Código de 1939, começou por entender - Código de Processo Civil Anotado, vol. III, p. 231 - que «a especificação e o questionário ficam definitivamente organizados depois de decididas as reclamações ou na 1.ª instância, ou na Relação, caso haja recurso» (v. ainda, no mesmo sentido, o que o ilustre processualista escreveu nessa mesma obra, vol. V, pp. 32-34). Depois, registou-se uma evolução no seu pensamento, e passou José Alberto dos Reis a entender que a especificação não tinha, em qualquer caso, carácter de definitividade. Foi esta última posição que inicialmente se registou na longa transcrição a que se procedeu de um comentário crítico do mesmo processualista ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1952, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 30, p. 279, in Revista da Legislação e de Jurisprudência, ano 85.º, p. 292.

Esta posição - que resultou de uma interpretação mais profunda do sistema processual então vigente, de uma interpretação que valorou devidamente, em termos funcionais e na economia do processo civil, quer o verdadeiro papel da especificação quer o verdadeiro papel do julgamento de mérito - mereceu depois o aplauso de José Osório, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano VII, pp. 207-209. E foi mais tarde seguida, já no domínio do Código de 1961, por Artur Anselmo de Castro, ob. cit., vol. cit., pp. 287-292; Rodrigues Bastos, Notas do Código de Processo Civil, vol. III, pp. 226 e 227, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pp. 427 e 429.

Neste mesmo sentido, se tem vindo a orientar decisivamente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça ao longo da seguinte série de acórdãos (enumeração que não pretende ser exaustiva):

a) Acórdãos de 2 de Fevereiro de 1960, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 94, p. 185, e de 21 de Fevereiro de 1961, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 104, p. 331 - proferidos ainda no tempo de vigência do Código de 1939;

b) Acórdãos de 16 de Novembro de 1962, Boletim do Ministério de Justiça, n.º 121, p. 224, de 4 de Fevereiro de 1975, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 244, p. 203, de 14 de Março de 1979, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 285, p. 316, de 3 de Fevereiro de 1981, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 304, p. 345, de 6 de Outubro de 1981, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 310, p. 259, de 5 de Julho de 1984, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 339, p. 370, de 14 de Julho de 1987, processo 74874, de 17 de Maio de 1988, processo 74730, de 26 de Janeiro de 1988, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 373, p. 483, de 24 de Janeiro de 1990, processo 77352, de 27 de Novembro de 1990, processo 79539, de 3 de Março de 1991, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 405, p. 394, de 5 de Março de 1991, processo 79800, e de 14 de Janeiro de 1993, Colectânea de Jurisprudência (Acórdãos do Supremo), ano I, p. 41 - proferidos já no tempo de vigência do Código de 1961 (os últimos mesmo já depois da revisão que neste corpo normativo foi introduzida pelo Decreto-Lei 242/85).

8 - Em relação às opiniões divergentes, importa considerar particularmente a posição de Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, reimpressão de 1990, pp. 651 e 652, que, aí e a esse propósito, escreve:

A especificação, uma vez transitada, faz caso julgado formal positivo, mas não negativo.

Faz caso julgado formal positivo, segundo entendemos. Isto quer dizer que, tendo o juiz, mal ou bem, considerado certo facto como confessado, admitido ou documentado, e por isso provado, transitada a especificação, não se pode mais discutir no processo que o facto reveste esta característica.

Mas não faz caso julgado formal negativo, não fica assente que os factos não insertos nele se não encontram (já nesse momento) provados. Esta a razão por que o artigo 659.º, n.º 2, manda o juiz basear a sentença em «os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito», e não os factos especificados. Os primeiros estão provados no processo, estejam ou não especificados. E assim, «tendo um facto sido admitido por acordo, embora não tenha sido incluído na especificação, deve ser considerado na sentença final».

Esta doutrina - sublinhe-se - foi mesmo acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 15 de Fevereiro de 1990, proferido no processo 78318. No entanto e à luz das considerações precedentes, este posicionamento interpretativo não pode agora ser aceite.

A especificação é, na lógica do quadro legal citado, uma condição de instrução, e não uma condição de julgamento. E esta visualização funcional da especificação não consente que se tracem neste domínio quaisquer linhas de clivagem. E, não o consente, porquanto a lei (v., muito em particular, os artigos 659.º, n.º 3, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de 1961, na redacção actual, e normativos correspondentes do Código de 1939) não faz, neste domínio, quaisquer distinções: a especificação não é visualizada, em segmento algum, como condição de julgamento; antes e em equação com a decisão final do litígio (que se pretende que seja a mais justa possível), ela é encarada, toda ela e neste plano, como algo de provisório, que pode sempre, e até ao trânsito em julgado da decisão final, ser revisto e corrigido, de modo que o quadro fáctico a subsumir à hipótese legal, com vista à resolução do litígio, seja, em qualquer caso e ainda que só no último momento, o mais perfeito possível.

9 - Até agora - e fora do quadro de reclamações e de recursos incidentes sobre os despachos que as tenham decidido - tem-se vindo a averiguar da possibilidade de correcção ulterior de especificação viciada por erro ou deficiência.

Em ordem, porém, a uma inteira e completa separação das águas, cabe ainda lembrar que a especificação pode também ser reformada noutras condições, isto é, pode ser reformada por meras causas supervenientes, e das quais são exemplo, entre outras, as seguintes situações:

1) A admissão de articulados supervenientes;
2) A arguição e declaração de falsidade de documento ou a revogação de confissão em que se tenham baseado factos especificados.

Precisado este último ponto, só resta concluir.
10 - Pelos motivos expostos:
A) Confirma-se o acórdão recorrido (com custas pelos recorrentes);
B) Formula-se o seguinte assento:
No domínio de vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961 (considerado este último antes e depois da reforma nele introduzida pelo Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho), a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio.

Lisboa, 26 de Maio de 1994. - Raul Domingos Mateus da Silva - Jaime Octávio Cardona Ferreira - Mário de Magalhães Araújo Ribeiro - Manuel Luís Pinto de Sá Ferreira - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - Fernando Adelino Fabião - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - António Joaquim Coelho Ventura - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - António de Sousa Guedes - José Sarmento da Silva Reis - José Santos Monteiro - Zeferino David Faria - José Joaquim de Oliveira Branquinho - Carlos da Silva Caldas - Gelásio Rocha - Adriano Francisco Pereira Cardigos - Francisco José Galrão de Sousa Chichorro Rodrigues - Mário Fernandes da Silva Cancela - Augusto José Mendes Calixto Pires - Fernando Machado Soares - Rogério Correia de Sousa - Mário Sereno Cura Mariano (com a declaração de que eliminava da redacção do assento a expressão «ao trânsito em julgado») - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Miguel de Mendonça e Silva Montenegro - João Augusto Gomes Figueiredo de Sousa - José Joaquim Martins da Fonseca - António César Marques - José Maria Sampaio da Silva - Ramiro Luís d'Herbe Vidigal - Roger Bennett da Cunha Lopes (com a declaração de que me parecia mais preciso substituir a expressão «até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio» por esta outra: «até à decisão final do litígio») - António Alves Teixeira do Carmo - Francisco Rosa da Costa Raposo - António Pais de Sousa - José Miranda Gusmão de Medeiros - António Manuel Guimarães de Sá Couto - Fernando Dias Simão - Mário Horácio Gomes de Noronha - José Martins da Costa (com a declaração de que me parece excessiva a afirmação feita no assento, em termos genéricos, da possibilidade de alteração da especificação «até ao trânsito em julgado da decisão final»; seria de aludir apenas à «decisão final», com a qual fica esgotado o «poder jurisdicional do juiz» (artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); a posterior intervenção do juiz está limitada a casos excepcionais e estranhos à questão em causa (artigos 667.º e seguinte do citado Código).

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/62092.dre.pdf .

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