Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2025
Revista n.º 4624/21.4T8GMR.L1.S1
Acordam, em Pleno da Secção Social, no Supremo Tribunal de Justiça:
I.
1 - AA intentou ação declarativa de anulação de cláusulas de convenções coletiva de trabalho contra o Banco Santander Totta, S. A., outras instituições bancárias, e ainda contra FSBI - Federação dos Sindicatos Independentes da Banca, Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e Sindicato Independente da Banca, pedindo, na parte que ora releva 1, a declaração de nulidade da cláusula 115.ª do ACT para o sector bancário, publicado no BTE n.º 29, de 08.08.2016 (doravante apenas designado por “ACT”), por violar o disposto nos artigos 3. °, n.º 3, a), 23.º, n.º 1, 24.º, n.º 1 e n.º 2, c), 25.º e 26.º, do Código do Trabalho, e nos artigos 13.º, 26.º e 59.º da CRP.
2 - Para tanto, invoca, em síntese 2:
- O Banco de Portugal deliberou, em 20.12.2015, pôr fim à atividade comercial do BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A., tendo 1.130 funcionários do extinto Banif sido integrados no Banco Santander Totta.
- Aos funcionários do Banco Santander Totta, de acordo com a cláusula 95.ª do ACT, é garantido, e já o era anteriormente, o pagamento do seu salário, por inteiro, no período de doença, sem qualquer limite temporal.
- A cláusula 115.ª do ACT, sob a epígrafe “Regime especial dos trabalhadores do Banco Santander Totta, oriundos do Banif”, veio excecionar deste regime os trabalhadores do Ex-Banif, que passaram a estar abrangidos, nesta matéria, pelo regime da Segurança Social, recebendo por isso apenas 1095 dias de subsídio de doença (art. 23.º do Dec. Lei 28/2004, de 04 de fevereiro), ao contrário dos demais trabalhadores do Santander Totta oriundos da CAFEB. 3
- Esta cláusula prevê tratamento desigual e discriminatório de trabalhadores na mesma entidade patronal, em infração aos arts. 13.º e 59.º, da CRP, e 24.º e 25.º, do CT.
- Pretendendo a reforma introduzida pelo referido ACT (publicado em agosto de 2016) fazer retroagir os seus efeitos a 01.01.2016, data da integração dos ex-trabalhadores do BANIF no Banco Santander Totta, por força da Resolução operada pelo Banco de Portugal em 20.12.2015, também são violados os princípios da não retroatividade das leis laborais e da não retroatividade dos acordos coletivos de trabalho, nos termos das disposições combinadas nos artigos 2.º e 478.º, do CT, e 12.º, n.º 1, do Código Civil, bem como da cláusula 123.º do ACT, que estabelece que da sua aplicação “não pode resultar prejuízo de condições de trabalho e de segurança social mais favoráveis que, à data da entrada em vigor, cada trabalhador tenha adquirido”.
3 - Os réus alegaram (art. 184.º, do CPT), sendo de destacar, das alegações do Banco Santander Totta, o seguinte:
- Os trabalhadores do BANIF estiveram sempre sujeitos ao regime de segurança social geral, nunca tendo beneficiado de um regime de previdência próprio.
- Quando, em 2016, foi publicado o ACT do Sector Bancário em causa, o Autor encontrava-se, nos termos da cláusula 12.ª do AE do BANIF, abrangido pelo Regime Geral de Segurança Social, sendo que a cláusula 115.ª do ACT de 2016 teve como único efeito a manutenção da aplicação do AE do BANIF neste particular, não representando qualquer inovação nem alteração ao quadro convencional aplicável ao Autor ou aos demais trabalhadores do BANIF transitados para o Banco Réu.
- Não ocorre violação do princípio da igualdade e não discriminação posto que a igualdade salarial, garantida pelo art. 59.º, da CRP, não respeita à sujeição ao regime de Segurança Social, mas apenas à remuneração do trabalho prestado, visando garantir iguais condições retributivas a trabalhadores que exercem as mesmas funções.
- O regime da cláusula 115.º, do ACT, encontra justificação objetiva, fundada na circunstância de os trabalhadores por ela abrangidos terem transitado de outra instituição bancária, sujeitos a um regime próprio, que as partes outorgantes no ACT entenderam ser de manter.
- Os trabalhadores sujeitos ao regime previdencial do ACT admitidos após 01.03.1996 contribuem para o fundo de pensões criado pela instituição com 5 % da sua retribuição base (cláusula 96.ª, n.º 1, do ACT), enquanto os trabalhadores do BANIF cujos contratos de trabalho foram transmitidos para o Banco Réu, não estão sujeitos a tal obrigação.
- Não se verifica a violação do princípio do tratamento mais favorável, pois, contrariamente ao que afirma o Autor, desde 2003 que a regra é a da supletividade da lei relativamente aos instrumentos de regulamentação coletiva (Art. 3.º, n.º l, do CT).
4 - Na 1.ª Instância, a ação foi julgada improcedente.
5 - Interposto recurso de apelação pelo A., bem como recurso subordinado pelo R. Banco Santander Totta, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), negando provimento a ambos os recursos, confirmou a decisão recorrida.
6 - O autor interpôs recurso de revista, reiterando o seu inconformismo pelo facto de a generalidade dos trabalhadores do Banco Santander Totta gozar de proteção na doença por tempo indeterminado, enquanto os trabalhadores oriundos do BANIF apenas têm direito ao regime da segurança social, ou seja, durante 1095 dias.
Alega o recorrente, essencialmente, que aos trabalhadores oriundos do Banif deve ser aplicável o regime dos trabalhadores do Santander Totta que se encontram em situação equiparada, nomeadamente os que foram admitidos antes de 03.03.2009, estando, portanto, abrangidos pelo regime segurança social do setor bancário de benefício definido.
7 - Foram apresentadas contra-alegações.
8 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do improvimento do recurso, em parecer a que as partes não responderam.
9 - Em face das conclusões da alegação de recurso, e inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), a única questão a decidir 4 consiste em determinar se a cláusula 115.ª do sobredito ACT é nula.
E decidindo.
II.
10 - Foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:
1 - O autor encontra-se filiado desde 01.11.2017 no SINDICATO NACIONAL DOS QUADROS E TÉCNICOS BANCÁRIOS - SNQTB [...].
2 - O autor era funcionário do [então designado] BANIF - BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S. A., que foi objeto de resolução por parte do Banco de Portugal, conforme deliberação de 20.12.2005 do Conselho de Administração do BdP, [...] por força da qual foram alienados ao BANCO SANTANDER TOTTA, S. A., «... os direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A.», o que incluiu a transmissão da posição contratual do BANIF nos contratos de trabalho de todos os trabalhadores que não desenvolviam a sua atividade nos Serviços Centrais (cf. anexo 3, n.º 1, alínea f), da referida deliberação), como era o caso do autor.
3 - As rés instituições de crédito foram outorgantes do acordo coletivo de trabalho entre várias instituições de crédito e a Federação dos Sindicatos Independentes da Banca - FSIB -Revisão global, publicado no BTE n.º 29, de 08.08.2016.
4 - O referido acordo coletivo foi, posteriormente, objeto de alterações publicadas no BTE n.º 1, de 08.01.2020 e no BTE n.º 9, de 08.03.2021.
5 - As rés instituições de crédito foram igualmente outorgantes do acordo coletivo de trabalho entre várias instituições de crédito e a Federação do Sector Financeiro - FEBASE - Revisão global, publicado no BTE n.º 29, de 08.08.2016.
6 - O referido acordo coletivo foi, posteriormente, objeto de alterações:
6.1. - publicadas no BTE n.º 10, de 15.03.2019, no BTE n.º 48, de 29.12.2019, e no BTE n.º 9, de 08.03.2021, no que respeita ao SBN - SINDICATO DOS TRABALHADORES DO SETOR FINANCEIRO DE PORTUGAL; e
6.2. - publicadas no BTE n.º 10, de 15.03.2019, n.º 47, de 22.12.2019, e n.º 9, de 08.03.2021, no que respeita ao SINDICATO DA BANCA, SEGUROS E TECNOLOGIAS - MAIS SINDICATO e ao SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO CENTRO.
III.
a) Considerações preliminares.
11 - “Entre o beneficiário ativo [isto é, o trabalhador [...] com direito potencial às prestações previdenciais de Segurança Social] e a entidade responsável pela gestão dessas prestações, constitui-se uma [...] relação jurídica de Segurança Social. [...] Se o beneficiário ativo é um trabalha dor por conta de outrem, a relação jurídica [...] tem carácter triangular, sendo constituída por três vértices: 1) o beneficiário ativo; 2) a entidade gestora das prestações, que pode ser pública [...] ou privada [...]; e 3) o empregador, que serve como elo de ligação para fechar os três vértices do triângulo” (Mário Silveiro de Barros, Direito da Segurança Social, Almedina, 2024, p. 47).
12 - Tradicionalmente, os trabalhadores bancários não se encontravam integrados no regime geral da segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, gozando de um regime próprio, constante dos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis ao sector, caracterizado pelo facto de as instituições bancárias não procederem a quaisquer descontos nas retribuições dos seus empregados e de não contribuírem para a Segurança Social estatal, ficando, todavia, obrigadas, em contrapartida, a suportar o pagamento das respetivas pensões de reforma.
Deste modo, ao permitir a manutenção de um regime privado de segurança social, o legislador aceitou que os bancos se substituíssem ao Estado (ainda que transitoriamente), assim se garantido também aos trabalhadores bancários não abrangidos pelo regime geral o direito constitucional à segurança social, consagrado no art. 63.º, n.º 1, da CRP (cf. Ac. desta Secção Social de 07.02.2007, Proc. n.º 06S3403).
A subsistência deste regime especial (à semelhança de outros regimes especiais) foi sucessivamente salvaguardada pelas diversas Leis de Bases da Segurança Social (cf. arts. 69.º da Lei 28/84, de 14/8, 109.º da Lei 17/2000, de 8/8, 123.º da Lei 32/2002, de 20/12, e 103.º da Lei 4/2007, de 16 de janeiro), sendo certo que o princípio da unidade, legalmente consagrado, “pressupõe uma atuação articulada dos diferentes sistemas, subsistemas e regimes de segurança social no sentido da sua harmonização e complementaridade” (Art. 16.º, da Lei 4/2007).
13 - Entretanto, o DL 54/2009, de 2 de março, determinou a inscrição dos novos trabalhadores bancários no regime geral de segurança social, assim se dando um passo decisivo na concretização da integração no sistema previdencial dos grupos socioprofissionais parcialmente abrangidos pelo sistema de segurança social, dispondo o seu art. 2.º que “[a]os trabalhadores do sector bancário contratados até ao dia anterior ao da entrada em vigor do presente decreto-lei e aos quais seja aplicável regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho vigente no sector, enquanto prestarem serviço em instituição em que vigore regime substitutivo, é aplicável o regime substitutivo vigente nessa instituição.”
Como se refere no preâmbulo do diploma: “na senda da harmonização do sistema de proteção social já introduzido para a função pública, foi dado um novo e recente impulso que tornou possível a obtenção de um consenso, no sentido da inscrição obrigatória de todos os novos trabalhadores no sistema de segurança social e da manutenção do regime de segurança social vigente para os atuais trabalhadores bancários”.
Aí se explicando ainda: “[A] proteção social dos trabalhadores do sector bancário teve a sua origem num acordo coletivo de trabalho para o sector celebrado em 1944. Este direito de segurança social privado convergiu, mais tarde, para um regime misto de proteção social. No entanto, existem há largos anos instituições bancárias às quais este regime misto se não aplica, e existem outras que, mais recentemente, têm vindo a optar por inscrever os novos trabalhadores no regime público de segurança social.”
14 - Aprofundando este processo evolutivo, o DL n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, procedeu à extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e à integração no regime geral de segurança social dos trabalhadores nela inscritos (nesse momento), para efeitos de proteção nas eventualidades de maternidade, paternidade e adoção e velhice.
Porém, como se explicita no seu preâmbulo, “[o] regime substitutivo de proteção social previsto nos instrumentos de regulação coletiva de trabalho aplicáveis no sector bancário continua a desempenhar um papel extremamente relevante na proteção social dos trabalhadores para efeitos de proteção nas eventualidades de doença, invalidez, sobrevivência e morte”, assim se mantendo “as regras constantes dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho aplicáveis no sector bancário de forma complementar ao regime geral de segurança social nas eventualidades ainda não integradas”.
15 - Por sua vez, o Código do Trabalho preceitua no art. 478.º, n.º 2, que “[o] instrumento de regulamentação coletiva de trabalho pode instituir regime complementar contratual que atribua prestações complementares do subsistema previdencial na parte não coberta por este, nos termos da lei” (em termos idênticos aos que já dispunha o art. 533.º, n.º 2, do CT de 2002).
16 - Resulta do antes exposto que todos os trabalhadores bancários admitidos após 3.03.2009 passaram a estar inscritos na Segurança Social e que, a partir de 04.01.2011, todos os trabalhadores que se encontravam inscritos na CAFEB foram igualmente integrados no regime geral da Segurança Social.
Em suma, a generalidade dos trabalhadores bancários encontra-se inscrita no regime geral da segurança social a partir de 2011, sem prejuízo de poderem beneficiar, ou não, de regimes complementares estabelecidos por instrumentos de regulamentação coletiva.
17 - No domínio da contratação coletiva, refira-se, em primeiro lugar, o Acordo de Empresa celebrado entre o BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A., o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, o Sindicato Independente da Banca e os trabalhadores ao serviço daquele Banco representados por estes Sindicatos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 33, de 08.09.2008 (doravante, apenas “Acordo de Empresa” ou AE), do qual se destacam as seguintes cláusulas:
- Cláusula 2.ª, n.º 4:
Aos trabalhadores do Banco abrangidos pelo presente acordo aplica-se, em todas as matérias nele não reguladas, o acordo coletivo de trabalho do sector bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.os 4, de 29 de janeiro de 2005, e 32, de 29 de agosto de 2007.
- Cláusula 12.ª (Regime de segurança social):
Todos os trabalhadores do Banco estão abrangidos pelo regime geral de segurança social.
- Cláusula 13.ª (Regime de pensão complementar):
1 - Os trabalhadores beneficiam ainda de um regime complementar de segurança social, constante dos planos de pensões de benefício definido ou de contribuição definida, previstos no presente acordo e doravante designados, no seu conjunto, por regime de pensão complementar.
2 - Os trabalhadores do Banco ficam abrangidos, em regra, pelos planos de contribuição definida, excetuando os trabalhadores que, estando ao serviço do Banco à data da entrada em vigor do presente acordo, tenham completado 60 anos de idade até 31 de dezembro de 2006, bem como os que tenham passado à situação de reforma e os pensionistas existentes àquela data, que mantêm o plano complementar de segurança social de benefício definido previsto no acordo coletivo de trabalho do sector bancário outorgado pelo Banco e pelos Sindicatos signatários e no Fundo de Pensões que o financia.
3 - [...]
4 - [...]
5 - [...]
- Cláusula 23.ª (Doença):
1 - Os trabalhadores ao serviço do Banco beneficiam do regime de proteção na doença, nos precisos termos que, em cada momento, se encontrem previstos no acordo coletivo de trabalho do sector bancário, outorgado pelo Banco e pelos sindicatos signatários deste acordo.
2 - A prestação de subsídio de doença a que os trabalhadores tenham direito, por força do disposto no número anterior, não poderá ser, segundo o grupo em que se encontravam colocados à data da passagem à situação de doença, de montante inferior ao do valor ilíquido da retribuição do nível 4, quanto aos trabalhadores do grupo I, ou do nível mínimo de admissão do respetivo grupo, quanto aos restantes.
18 - Há ainda a considerar o atual Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário5 (que revogou e substituiu o publicado no BTE, 1.ª série, n.º 4, de 29.01.2005, cujo texto consolidado foi publicado no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29.05.2011, com as alterações publicadas no BTE, 1.ª série, n.º 24, de 29.06.2011, e no BTE 1.ª série, n.º 8, de 29.02.2012), que consagrou o seguinte “Regime especial dos trabalhadores do Banco Santander Totta oriundos do BANIF”:
- Cláusula 115.ª (Segurança Social):
1 - Os trabalhadores do Banco Santander Totta, SA, transferidos do BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA, no âmbito e por efeito da Deliberação de Resolução do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015, ficarão abrangidos e ser-lhes-á exclusivamente aplicável o regime de segurança social previsto nas cláusulas 12.ª a 16.ª, 18.ª e 19.ª do acordo de empresa celebrado entre os Sindicatos subscritores do presente acordo e o BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 33, de 8 de Setembro de 2008, com as alterações previstas na cláusula seguinte.
2 - Aos trabalhadores abrangidos pela aplicação do regime previsto no número anterior não lhes será aplicável o regime de Segurança Social previsto no capítulo I do título V, cláusulas 92.ª a 103.ª, do presente acordo, independentemente da data da sua admissão.
- Cláusula 116.ª (Contribuição extraordinária):
1 - A contribuição extraordinária prevista nos números 6 a 10 da cláusula 15.ª do acordo de empresa celebrado entre os sindicatos subscritores do presente acordo e o BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 33, de 8 de setembro de 2008, será devida e calculada, a partir da data de entrada em vigor do presente acordo, nos termos dos números seguintes.
2 - Anualmente e como custo do exercício, o Banco Santander Totta, SA efetuará uma contribuição extraordinária para as contas individuais no fundo de pensões dos trabalhadores abrangidos pela aplicação do disposto na cláusula anterior integrados em planos de contribuição definida sempre que o ROE (return on equity) do banco, no exercício anterior ao da contribuição, seja igual ou superior à média dos ROE dos três maiores bancos comerciais com sede ou estabelecimento principal em Portugal, segundo o critério do ativo líquido.
3 - No caso em que se mostre devida, nos termos do número anterior, o valor da contribuição extraordinária será de 1 % do resultado líquido do Banco Santander Totta, SA, correspondente ao exercício do ano anterior, proporcional ao peso relativo da massa salarial dos trabalhadores abrangidos pela aplicação do disposto na cláusula anterior integrados em planos de contribuição definida na massa salarial global do banco, não podendo, em qualquer caso, o valor da contribuição extraordinária exceder 1 % da massa salarial desses trabalhadores.
4 - A contribuição extraordinária apenas será devida, se os pressupostos previstos nos números anteriores se verificarem, a partir do ano 2017, com referência ao exercício de 2016.
- Cláusula 117.ª (Fim da aplicação do acordo de empresa do BANIF):
O acordo de empresa celebrado entre os sindicatos subscritores do presente acordo e o BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 33, de 8 de Setembro de 2008, deixará de ser aplicável aos trabalhadores do Banco Santander Totta, SA, transferidos do BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA, no âmbito e por efeito da deliberação de resolução do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015, a partir da data de entrada em vigor do presente acordo, ressalvados os regimes previstos nas cláusulas 115.ª e 116.ª anteriores.
b) Regime de proteção na doença dos trabalhadores do Banco Santander Totta oriundos do BANIF.
19 - Na sequência da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banif, em 20.12.2015, o Banco Santander Totta adquiriu um conjunto de ativos e passivos do Banif, o que incluiu a transmissão da sua posição contratual nos contratos de trabalho relativos a todos os trabalhadores que não desenvolviam a sua atividade nos Serviços Centrais, como era o caso do autor (ponto n.º 2 da matéria de facto).
A transmissão de unidade económica é atualmente regulada pelo art. 285.º, do CT, cujo conteúdo radica no processo de transposição para a nossa ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2001/23/CE, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos.
Mais especificamente e com determinante relevância no caso sub judice, dispõe o art. 498.º, n.º 1, do mesmo diploma: “Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente até ao termo do respetivo prazo de vigência ou no mínimo durante 12 meses a contar da transmissão, salvo se entretanto outro instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial passar a aplicar-se ao adquirente”.
Deste modo, no período subsequente à integração dos trabalhadores oriundos do BANIF no Banco Santander Totta, estes continuaram abrangidos pelo sobredito Acordo de Empresa e, assim, sujeitos ao regime de Segurança Social aí consagrado.
20 - Como já se referiu, a cláusula 23.ª do AE estipulava que os trabalhadores do BANIF “beneficiam do regime de proteção na doença, nos precisos termos que, em cada momento, se encontrem previstos no acordo coletivo de trabalho do sector bancário, outorgado pelo Banco e pelos sindicatos signatários deste acordo”.
Deste modo, ao contrário do sustentando pelos réus, os trabalhadores do BANIF tinham direito exatamente ao mesmo regime de proteção na doença dos demais trabalhadores do sector bancário, sendo assim incorreto sustentar que o ACT de 2016 se limitou a manter o regime que já era aplicável aqueles trabalhadores antes da sua integração no Banco Santander Totta.
Vale, pois, concluir: (i) no respeitante ao regime de proteção na doença, por força desta cláusula, os trabalhadores do BANIF sempre tiveram direito ao regime sucessivamente previsto no ACT para o sector bancário; (ii) este quadro normativo era-lhes aplicável aquando da respetiva integração no Banco Santander; (iii) e continuou a sê-lo posteriormente, nos termos do sobredito art. 498.º, n.º 1, do CT.
c) Invalidade das implicações (nesta matéria) da cláusula 115.ª do atual ACT.
21 - A cláusula 115.ª do (atual) ACT - que é posterior ao momento da integração dos trabalhadores do BANIF no Banco Santander - estipula no seu n.º 1 que àqueles trabalhadores será “exclusivamente aplicável o regime de segurança social previsto nas cláusulas 12.ª a 16.ª, 18.ª e 19.ª do acordo de empresa”; e, conexa e complementarmente, no n.º 2, preceitua que “não lhes será aplicável o regime de Segurança Social previsto [...] [nas] cláusulas 92.ª a 103.ª do presente acordo [...], independentemente da data da sua admissão”.
Vale dizer que desta forma se desenhou um sistema diferente do anteriormente aplicável, o qual, ao estipular que aos trabalhadores em causa deixaria de ser aplicável a supracitada cláusula 23.ª do AE (cf. supra n.º 17), lhes retirou o regime de proteção de doença previsto, nomeadamente, na cláusula 95.ª do ACT, ao qual teriam direito, caso preencham os respetivos requisitos.
22 - Ora, tal conteúdo normativo viola, desde logo, o princípio da manutenção dos direitos adquiridos, consagrado na cláusula 123.ª do mesmo ACT, segundo a qual, “da aplicação deste acordo não pode resultar prejuízo de condições de trabalho e de segurança social mais favoráveis que, à data da sua entrada em vigor, cada trabalhador tenha adquirido”, princípio consagrado em termos mais amplos no art. 20.º das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (Lei 4/2007, de 16 de janeiro), disposição legal que - imperativamente - tutela os direitos adquiridos e os direitos em formação e é aplicável aos regimes do sistema previdencial, nos termos do seu art. 66.º, n.º 1.
Segundo o n.º 2 deste mesmo artigo 66.º, consideram-se direitos adquiridos os que já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais necessários ao seu reconhecimento; e direitos em formação os correspondentes aos períodos contributivos e valores de remunerações registadas em nome do beneficiário.
23 - Por outro lado:
Aos funcionários do Banco Santander Totta que gozam de proteção social em regime de benefício definido (trabalhadores admitidos até 01.01.2008, nos termos da cláusula 92.ª, n.os 2 e 3, do ACT) é garantido o pagamento do salário por inteiro no período de doença, sem qualquer limite temporal, de acordo com a cláusula 95.ª, do mesmo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT), cláusula alinhada com o que a tal propósito dispunha o anterior ACT 6.
Diferentemente, pelas razões já expostas, a aplicar-se a cláusula 115.ª do ACT aos trabalhadores oriundos do Banif, estes passariam a estar abrangidos pelo regime da Segurança Social, recebendo por isso o subsídio de doença apenas pelo período máximo de 1095 dias, nos termos do art. 23.º, do Dec. Lei 28/2004, de 4 de fevereiro.
O assim regulado nesta cláusula é ainda, pois, manifestamente incompatível com os ditames dos princípios da igualdade e da não discriminação, princípios de natureza imperativa e que assumem relevância estruturante no domínio da fixação do conteúdo dos IRCT, como emerge de toda a regulação ínsita no art. 479.º, do CT.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho: 7
“Nos termos desta norma, a legalidade das cláusulas do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho sobre igualdade e não discriminação deve ser verificada, nos 30 dias subsequentes à respetiva publicação, pela entidade administrativa competente [...]. Caso detete uma ou mais cláusulas discriminatórias, a CITE notifica os outorgantes [...] para que procedam à alteração [...] no prazo de 60 dias [...]. Se durante esse prazo não forem feitas as alterações, a Cite remete a sua apreciação para o Ministério Público, para efeitos de promoção de ação judicial de declaração de nulidade das referidas cláusulas (art. 479.º, n.º 3).
Trata-se, pois, não propriamente de um novo limite ao conteúdo dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (porque um tal limite está obviamente compreendido na proibição de afastamento de normas legais imperativas, constante da alínea b) do n.º 1 do art. 478.º, já que as normas legais em matéria de igualdade e não discriminação são, obviamente, imperativas), mas de um limite cujo controlo foi agora reforçado com a obrigação de avaliação do conteúdo dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho [...]”.
24 - Infringindo normas legais absolutamente imperativas (também designadas como “normas imperativas fixas” 8), a cláusula em causa viola a alínea a) do n.º 1 do art. 478.º, do CT, artigo que, delimitando negativamente o conteúdo dos IRCT (ou, por outras palavras, estabelecendo as suas “condições de validade material” 9), proíbe a consagração de cláusulas contrárias a disposições legais de natureza imperativa.
Na parte em que dispõe no sentido de deixar de ser aplicável aos trabalhadores do Banco Santander Totta oriundos do BANIF a cláusula 23.ª do AE, a cláusula 115.ª do ACT é, pois, nula, nos termos do 280.º, n.º 1, do Código Civil (cf. ainda o art. 479.º, n.º 5, do CT).
Neste sentido se pronuncia expressamente aquela autora (ibidem, p. 292).
Por fim, refira-se que o art. 478.º, n.º 1, c), do CT, veda a inclusão de cláusulas com efeitos retroativos nos IRCT, exceto quando estejam em causa cláusulas com natureza pecuniária, como acontece no caso vertente, pelo que esta disposição legal não assume aqui qualquer relevância.
IV.
25 - Em face do exposto, acorda-se em declarar a nulidade da cláusula 115.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, publicado no BTE n.º 29, de 08.08.2016, na parte em que dispõe no sentido de deixar de ser aplicável aos trabalhadores do Banco Santander Totta oriundos do BANIF a cláusula 23.ª do Acordo de Empresa celebrado entre os Sindicatos subscritores daquele ACT e o BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 33, de 08.09.2008.
Transitado em julgado, publique-se no Diário da República, 1.ª série-A, e no Boletim do Trabalho e Emprego, nos termos do artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho.
1 Por decisão transitada em julgado, os RR. foram absolvidos da instância quanto aos demais pedidos formulados, em virtude de ter sido julgada procedente a exceção de cumulação ilegal de pedidos.
2 Todos os sublinhados e destaques são nossos.
3 Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
4 O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cf. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679.º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais não vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.
5 Publicado no BTE n.º 29, de 08.08.2016, como já se referiu.
6 ACT cujo texto consolidado foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 20, de 29 de maio de 2011 (com alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 24, de 29 de junho de 2011, e no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 8, de 29 de fevereiro de 2012).
7 Tratado de Direito do Trabalho, Parte III, 3.ª edição, Coimbra, 2020, pp. 289-290.
8 Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Coimbra, 2020, Parte I, 5.ª edição, P. 316, e Parte III, 3.ª edição, p. 284
9 Cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 2023, 22.ª edição, p. 858.
Lisboa, 15 de janeiro de 2025. - Mário Belo Morgado (relator) - Júlio Manuel Vieira Gomes - José Eduardo Sapateiro - Albertina Pereira.
119031917