Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2025
Acórdão do STA de 22 de janeiro de 2025, no Processo n.º: 115/24.0BALSB - Pleno da 2.ª Secção
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I - RELATÓRIO
I.1 - Alegações
I. A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. n.º 726/2023-T - que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido por “A... UNIPESSOAL LDA.”, tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...99 e anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (‘IRC’) com o n.º ...25 e da demonstração de acerto de contas n.º ...49, através das quais a Administração Tributária apurou um valor total a pagar de € 19.508,10 (dezanove mil, quinhentos e oito euros e dez cêntimos), valor este que inclui o valor apurado pela demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º ...49, no valor de € 2.375,14 (dois mil, trezentos e setenta e cinco euros e catorze cêntimos), a título de IRC do ano de 2018, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) ex vi n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro), com a alteração introduzida pela Lei 119/2019, de 18 de Setembro, com base em oposição de acórdãos, apontando como decisão fundamento, a decisão arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 168/2023-T.
II .Formulou, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e n.º 2 do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo 726/2023-T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com a decisão fundamento, proferida pelo Tribunal Arbitral CAAD no Processo 168/2023-T CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento que os efeitos da cessação do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao primeiro dia do período de tributação em que deixou de se verificar um dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC.
B. Em ambas decisões arbitrais aqui em confronto, e para o que releva para o presente recurso, a questão central consistia em determinar em que momento se produzem os efeitos da cessação do regime simplificado de determinação da matéria coletável por deixar de se verificar um dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC.
C. E, embora a questão de Direito sobre a qual recaíram as Decisões Arbitrais fosse exatamente a mesma, o certo é que, chamados a pronunciar-se sobre aquela questão - assente em factos iguais e num quadro normativo que não sofreu qualquer modificação relevante - os Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD alcançaram soluções jurídicas totalmente antagónicas.
D. Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu que:
«I - A (não) verificação do requisito do montante anual ilíquido de rendimentos não superior a € 200.000, para aplicação do regime simplificado, reporta-se ao ano imediatamente anterior, por remissão expressa da primeira parte da aliena a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código do IRC.
II - Os efeitos da cessação do regime simplificado de tributação somente deverão ocorrer no ano seguinte.»
E. Por seu turno, na Decisão arbitral proferida no processo 726/2023-T, convocado como fundamento, entendeu o seguinte:
«Os efeitos da cessação do regime simplificado de determinação da matéria coletável do IRC reportam-se ao primeiro dia do período de tributação em que deixou de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC.»
F. Estamos, portanto, repita-se, perante soluções antagónicas entre si - tomadas no âmbito de um quadro legal que não sofreu alterações significativas - as quais não podem, de todo, coexistir.
G. Também não é conhecida qualquer posição jurisprudencial deste Venerando Tribunal sobre a questão de direito em apreço.
H. Pelo que, mostrando-se claramente verificados os pressupostos do presente recurso, não apenas se legitima, como se impõe, a intervenção deste Supremo Tribunal para fixação do sentido jurisprudencial em sentido consonante com a posição firmada na Decisão Fundamento, por se afigurar a mais consentânea com o Direito. No que ao mérito diz respeito, importa referir que
I. Ao que aqui importa, dispõe o n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC o seguinte:
«Artigo 86.º-A - Âmbito de aplicação
1 - Podem optar pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, os sujeitos passivos residentes, não isentos nem sujeitos a um regime especial de tributação, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a € 200 000;
b) O total do seu balanço relativo ao período de tributação imediatamente anterior não exceda € 500 000;
c) Não estejam legalmente obrigados à revisão legal das contas;
d) O respetivo capital social não seja detido em mais de 20 %, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, por entidades que não preencham alguma das condições previstas nas alíneas anteriores, exceto quando sejam sociedades de capital de risco ou investidores de capital de risco;
e) Adotem o regime de normalização contabilística para microentidades aprovado pelo Decreto-Lei 36-A/2011, de 9 de março;
J. Deste modo, se o sujeito passivo preencher os requisitos cumulativos do artigo 86.º-A do CIRC, pode optar pelo enquadramento no regime simplificado de determinação da matéria coletável, passando a matéria coletável a obter-se através da aplicação dos coeficientes previstos no n.º 1 do artigo 86.º-B do CIRC.
K. Por outro lado, este regime cessa quando o sujeito passivo não cumprir com os requisitos do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC ou quando renunciar à aplicação do regime, nos termos do n.º 4 do referido artigo.
L. Sendo que, de acordo com o expressamente previsto na alínea a) do n.º 6 daquele artigo 86.º-A do CIRC,
«os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria colectável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 ou se verifique a causa de cessação prevista no número anterior».
M. Ora, entendeu o tribunal arbitral, na decisão ora recorrida, que, ultrapassados os montantes estabelecidos na alínea a) [ou alínea b)] do n.º 6 do artigo 86.º-A do CIRC, os efeitos da cessação só se reportam ao 1.º dia do período seguinte.
N. Formando tal entendimento nos seguintes termos:
«27 - Ora, estabelece este n.º 6 que os efeitos da não verificação dos requisitos do regime simplificado e como tal o enquadramento forçado no regime geral de tributação reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que ocorra um dos factos elencados nas alienas a) e b) do n.º 6.
28 - Para o presente caso releva apenas a parte inicial da alínea a).
29 - Pelo que os efeitos da cessação do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1.
30 - Optou, assim, o legislador por uma remissão para a alíneas a) a e) do n.º 1 do mesmo artigo.
31 - Remissão essa que determina que o requisito em análise é o seguinte: Tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a € 200.000.
32 - E neste ponto a norma da alínea a) do n.º 1 é clara, há que aferir se no ano anterior, e não no próprio período se se ultrapassou o montante anual ilíquido de € 200.000.»
O. Salvo o muito e devido respeito, tal interpretação e aplicação do direito não poderia revelar-se mais incorreta.
Vejamos,
P. Antes de mais, não é de somenos recordar que resulta do artigo 11.º da LGT que
«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.»
Q. O que significa que na interpretação das normas fiscais há que obedecer aos critérios reconhecidos pelo artigo 9.º do Código Civil, que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
R. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
S. Ora, no caso sub juditio, o n.º 6 do artigo 86.º-A do CIRC é cristalino e bem claro ao instituir que os efeitos da cessação se reportam ao 1.º dia do período de tributação em que deixe de se verificar algum dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 daquele artigo.
T. Recorde-se,
«6 - Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria colectável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 ou se verifique a causa de cessação prevista no número anterior;» Destaques nossos
U. E, portanto, a matéria aqui em apreço não colhe, a nosso ver, outra interpretação senão aquela que decorre da norma fiscal aplicável, que expressa inequívoca e plenamente o seu sentido.
V. Em suma, o legislador, de entre outros pressupostos, admitiu a opção pelo regime simplificado em circuitos económico-empresariais com fluxos de capitais de menor impacto, cujo os rendimentos ilíquidos anuais não ultrapassem os (euro) 200.000 e cujo total do seu balanço não exceda os (euro) 500.000, em cada exercício.
W. E apenas nestas condições.
X. Assim, o n.º 1 do artigo 86.º-A CIRC vem exigir, taxativa e cumulativamente, as situações que devam ser verificadas para que o sujeito passivo possa optar pelo regime simplificado.
Y. Deste modo, a norma delimita negativamente, através do apuramento quantitativo, as situações em que o regime é admissível,
Z. Mas, nada indica no sentido de, na ausência da verificação desse requisito, o exercício que passa a ser imputado ao regime geral seja o exercício posterior ao próprio exercício em que supera o valor - “ano n+1”.
AA. Pelo contrário, a norma, repita-se, é clara ao instituir que, tendo o sujeito passivo ultrapassado num qualquer período de tributação os montantes estabelecidos na alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC, faz cessar o regime por força da alínea a) do n.º 6 do referido artigo, retroagindo os seus efeitos ao primeiro dia do período de tributação em que se deixe de verificar alguns dos requisitos previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC.
BB. E a cessação prevista no n.º 6 do artigo em análise tem na sua construção independência jurídica relativamente ao n.º 1,
CC. É que, não obstante a lei referir o “período imediatamente anterior” para efeitos de admissibilidade do regime simplificado, não o pretende fazer, nem o faz, de nenhuma forma, para efeitos de cessação e derrogação do respetivo instituto.
DD. Pelo que, é hialino que o entendimento que a AT tem vindo a sustentar, consignado na decisão fundamento, encontra, desde logo, e ao contrário do que entendeu a decisão recorrida, perfeito acolhimento na letra da lei.
EE. Nesse mesmo sentido, pode ler-se na decisão fundamento que
«43 - Resulta claro do n.º 6 do artigo 86.º-A que em caso de renúncia, ela produz efeitos no próprio período de tributação, e não no período de tributação seguinte.
44 - E resulta também claro do mesmo preceito que, em caso de cessação, os efeitos desta se reportam ao 1.º dia do período de tributação do ano em que deixam de se verificar os requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A.»
FF. Além do mais, a decisão sob recurso não valorou cabalmente os restantes elementos interpretativos pertinentes, nomeadamente os já mencionados elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
GG. Relegando, assim, a importância do contexto, finalidade e estrutura da norma sob apreço, bem como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
HH. Neste conspecto, importa referir que o regime simplificado foi aditado pela Lei 2/2014, de 16 de janeiro que republicou o CIRC, não tendo o regime sofrido alterações quanto à operacionalização do regime, designadamente, no que está na base do presente litígio, quanto ao momento dos efeitos da cessação do regime.
II. E, nessa sequência, a Autoridade Tributária, tendo em vista o esclarecimento de eventuais dúvidas quanto à aplicação do regime, manifestou-se por meio da Circular n.º 6/2014 de 28 de março, nos seguintes termos:
«8 - O regime simplificado cessa quando:
i) O sujeito passivo renuncie à sua aplicação, devendo manifestar esta intenção na declaração de alterações a apresentar até ao fim do 2.º mês desse período de tributação.
ii) Neste caso, durante três anos não pode voltar a optar pela aplicação deste regime. ii) deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A;
iii) O sujeito passivo não cumpra as obrigações de emissão e comunicação das faturas previstas, respetivamente, no Código do IVA e no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 198/2012, de 24 de agosto.
9 - Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime reportam-se ao primeiro dia do período de tributação em que deixem de se verificar os referidos requisitos.»
JJ. Disponibilizando, ali, um exemplo prático:
«No início de 2014, o sujeito passivo A reunia as condições exigidas no n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC para ficar abrangido pelo regime simplificado nesse período de tributação. No dia 20 de fevereiro de 2014 formalizou a opção pela aplicação deste regime, na declaração de alterações. Porém, o montante ilíquido dos rendimentos constante das demonstrações financeiras relativas a este período de tributação foi de € 250.000,00, ultrapassando, assim, o limite previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º-A. Portanto, no período de tributação de 2014 não pode ficar abrangido pelo regime simplificado, ficando automaticamente enquadrado no regime geral. [...]»
KK. Adicionalmente, existem inúmeros pareceres técnicos da OCC que vão ao encontro do entendimento da AT sobre a interpretação e enquadramento do regime simplificado.
LL. Atente-se ao parecer PT20615 da OCC:
«[...] Uma das condições para que o sujeito passivo possa optar pelo regime simplificado é que este tenha obtido no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a € 200.000,00.
Pelo exposto, entende-se que o enquadramento no regime simplificado de tributação cessa no período em que se deixarem de verificar as condições necessárias, para o efeito, o que será o caso, se a entidade ultrapassar um valor anual de rendimentos de € 200.000,00.
Assim, se isso aconteceu no exercício de 2017, o sujeito passivo em análise passou a estar já neste ano enquadrado no regime geral de tributação, não sendo possível o apuramento da matéria colectável pelo regime simplificado.» Destaques nossos
MM. Significa isto que a interpretação da norma está sedimentada no ordenamento jurídico desde a sua entrada em vigor, no sentido em que a cessação do regime simplificado ocorre no período em que se deixem de verificar algum dos requisitos das alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC.
NN. Neste ponto, relembre-se, pedagogicamente, que a AT, por força do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, está legalmente vinculada às orientações genéricas constantes de circulares:
«1-A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.»
OO. Pelo que, uma qualquer interpretação que não a propugnada pela Recorrida colide frontalmente com o princípio da legalidade fiscal, da reserva legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos, e do princípio da proibição de atos não legislativos de interpretação e integração das leis, expressamente consagrado no artigo 103.º, n.os 2 e 3 da CRP.
PP. Mas mais, adotar outra interpretação diversa da defendida pela AT comprometeria seriamente a unidade e coerência do sistema jurídico-tributário.
QQ. Pelo que, mesmo a existir qualquer dúvida quanto ao momento em que a cessação do regime simplificado produz efeitos - o que, reitere-se, não sucede, uma vez que a norma aplicável expressa inequívoca e plenamente o seu sentido,
RR. seria necessário, por uma questão de coerência sistémica, adotar a interpretação de que em caso de cessação, tal como em caso de renúncia, os efeitos se reportam ao 1.º dia do período de tributação do ano em que deixam de se verificar os requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A.
SS. E isso mesmo entendeu a decisão fundamento, postulando que
«Se dúvidas houvesse quanto ao momento em que a cessação do regime simplificado produz efeitos, deveria, por uma razão de coerência sistémica, adotar-se uma interpretação segundo a qual em caso de cessação, tal como em caso de renúncia, os efeitos se reportam ao 1.º dia do período de tributação do ano em que deixam de se verificar os requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A.»
TT. Assim,
«se no ano “n-1” o total do balanço do sujeito passivo não exceder €500.000, e uma vez verificados os demais requisitos, ele pode formalizar a opção pelo regime simplificado no ano “n”. Todavia a permanência no regime simplificado depende do facto de o valor total do balanço no ano “n” (e em cada um dos anos subsequentes) ser efetivamente igual ou inferior a €500.000. É o que, no entender deste tribunal, resulta da conjugação das disposições contidas nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 86.º-A, e nos números 4 e 6 do mesmo artigo.»
UU. E o mesmo valerá, naturalmente, para o requisito referente ao montante anual ilíquido de rendimentos previsto na alínea a) do artigo 86.º-A do CIRC.
VV. Adicionalmente, a interpretação propugnada pela decisão sob recurso coloca em causa os objetivos do regime simplificado, bem como os limites que o legislador procurou acautelar.
WW. A introdução do regime simplificado em 2014, visou, por um lado, garantir mais simplicidade fiscal e desburocratização às MPME, e, por outro, atribuir-lhes uma tributação menos agressiva, de modo a impulsionar o tecido empresarial português que é esmagadoramente constituído por aquela tipologia de empresas.
XX. Contudo, este incentivo fiscal não é alheio a regras e requisitos, sem os quais se cairia num arbítrio que colocaria em causa quer os princípios gerais tributários, quer o próprio erário publico, lato sensu.
YY. Pois bem: como vimos, o legislador limitou a aplicação do regime a sujeitos passivos com rendimentos inferiores a €200 000 e balanço inferior a €500 000, conforme os requisitos estabelecidos, respetivamente, na alínea a) e b) do artigo 86.º-A do CIRC.
ZZ. Sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 86.º-A do CIRC, no período de início de atividade, o enquadramento
«faz-se, verificados os demais requisitos, em conformidade com o valor anualizado dos rendimentos estimado, constante da declaração de início de atividade».
AAA. Verificamos, assim, que, na ausência de valores económico-contabilísticos concretos, o legislador pretendeu, nos casos de início de atividade, discernir, por métodos estimativos, que valores expectáveis serão auferidos para os poder convenientemente enquadrar no regime simplificado,
BBB. ou seja, o legislador, assumindo um juízo de prognose póstuma, pretendeu apurar valores previsíveis que se enquadrem na delimitação quantitativa sobredita.
CCC. Mas, como se percebe quer pela dinâmica, quer pelos fundamentos que criaram o instituto em análise, para que o sujeito passivo beneficie da aplicação efetiva do regime simplificado deverão verificar-se os diversos requisitos definidos no n.º 1 do artigo 86.º-A durante o ano em que formaliza a opção pelo regime simplificado,
DDD. sendo que a permanência neste regime especial está dependente da verificação dos diversos requisitos em cada ano, sob pena da sua utilização indevida.
EEE. Como refere, e bem, a decisão fundamento
«37 - No caso dos limiares definidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 86.º-A, atendendo a que não é possível, dentro do prazo para a apresentação da declaração de alterações, saber-se qual o montante anual ilíquido de rendimentos nem o total do balanço desse ano, compreende-se que o legislador considere como ano de referência para que o sujeito passivo possa optar pelo regime simplificado o período de tributação imediatamente anterior.
38 - Todavia, a opção pelo regime simplificado não garante automaticamente ao sujeito passivo a aplicação do regime simplificado no ano em que formaliza essa opção.
39 - Para que o sujeito passivo beneficie da aplicação efetiva do regime simplificado deverão verificar-se os diversos requisitos definidos no n.º 1 do artigo 86.º-A durante o ano em que formaliza a opção pelo regime simplificado, e a permanência neste regime especial está dependente da verificação dos diversos requisitos em cada ano. É o que decorre do disposto nos n.os 4 e 6 do artigo 86.º-A do CIRC.» Destaques nossos
FFF. Isto vale por dizer que o entendimento vertido na decisão sob recurso é, com o devido respeito, totalmente contra legem.
GGG. Se o legislador prevê a admissibilidade da opção do regime simplificado no “ano n”, quando no “ano n-1” os rendimentos ilíquidos anuais apurados não superem (euro) 200.000 e o total do seu balanço não exceda (euro) 500 000,
HHH. então, por maioria de razão, no “ano n”, “ano n+1”, “ano n+3” e, assim, sucessivamente, para que ocorra a manutenção do regime simplificado, esses rendimentos e total de balanço terão, obrigatoriamente, de ficar aquém daqueles valores,
III. sob pena de se criar um vazio legal num determinado exercício económico, que poderia suscitar, no limite, uma situação de abuso de direito.
JJJ. E isto não é, de forma alguma, refutado pelo argumento trazido pela decisão de recurso, que afirma que
«com regras semelhantes e tendo sido estabelecido o mesmo limite de € 200.000,00, o próprio legislador permitiu a manutenção do regime simplificado em dois anos.»
KKK. É que, em matéria de IRS, o legislador dispôs, expressa e inequivocamente, que a aplicação do regime cessa apenas quando o montante seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutiva.
LLL. Veja-se o n.º 6 do artigo 28.º do Código do IRS:
«6 - A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos»
MMM. E tal não sucede em sede de IRC.
NNN. Assim, e presumindo, como dita o n.º 3 do artigo 9.º do CC, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cremos que, se o mesmo tivesse intenção de fazer cessar o regime simplificado apenas no período seguinte àquele em que é ultrapassado algum daqueles montantes (rendimentos anuais ilíquidos ou total de balanço), tê-lo-ia feito explicitamente como fez para o regime simplificado em sede de IRS.
OOO. E não só não o fez, como expressa e claramente instituiu que
«Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria colectável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1»
PPP. É, pois, clara a intenção do legislador em fazer cessar o regime simplificado no período corrente em que se deixem de verificar aqueles requisitos.
QQQ. Se assim não fosse, seria incompreensível a imposição legal dessa baliza numérica.
RRR. Por tudo quanto aqui ficou exposto, forçoso concluir que os efeitos da cessação retroagem ao primeiro dia do período em que se verifiquem as situações previstas no n.º 6 do artigo 86.º-A do CIRC.
a) Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre a decisão arbitral proferida no processo 726/2023-T e a decisão arbitral fundamento proferida no processo 168/2023-T, devendo o mesmo
b) ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser anulada a decisão arbitral (processo 726/2023-T), e substituída por Acórdão consentâneo com o disposto nos preceitos acima citados, à luz da doutrina da decisão fundamento.
I.2 - O recurso foi admitido por despacho de 04-09-2024.
I.3 - Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
I.4 - Contra-alegações
A Recorrida “A... UNIPESSOAL LDA.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“[...]
A) O Recurso apresentado pela Fazenda Pública (“RECORRENTE”) tem por objeto a douta Decisão Arbitral proferida no dia 25 de junho de 2024 pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no âmbito do Processo 726/2023-T CAAD, que julgou (i) procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e o ato de liquidação objeto do presente processo (liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC) n.º ...25 e da demonstração de acerto de contas n.º ...49, através das quais a Administração Tributária apurou um valor total a pagar de € 19.508,10 (dezanove mil, quinhentos e oito euros e dez cêntimos), valor este que incluí o valor apurado pela demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º ...49, no valor de € 2.375,14 (dois mil, trezentos e setenta e cinco euros e catorze cêntimos), a título de IRC do ano de 2018); (ii) procedente o pedido de juros indemnizatórios; e (iii) condenou a Administração Tributária a suportar integralmente as custas do processo;
B) A RECORRIDA entende que as referidas liquidações são ilegais na medida em que a Administração Tributária considerou, erradamente, inaplicável o regime simplificado de tributação na determinação da matéria coletável e, como tal, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral em Matéria Tributária e pediu a pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação acima identificados e da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...99 que os manteve na ordem jurídica, com todas as consequências legais, tendo o Tribunal Arbitral considerado o pedido totalmente procedente;
C) Não aceitando a douta Decisão Arbitral, veio a Fazenda Pública recorrer da mesma, utilizando como Decisão fundamento a Decisão Arbitral proferida no Processo n. ° 168/2023-T CAAD;
D) Não assiste qualquer razão à RECORRENTE, devendo o presente recurso ser considerado improcedente e a Decisão Arbitral confirmada;
E) Em primeiro lugar, deve o recurso ser rejeitado por não existir identidade entre a Decisão Arbitral recorrida e a Decisão Arbitral fundamento: a Decisão Arbitral recorrida analisa a verificação da alínea a) do artigo 86.º-A do Código do IRC. Já a Decisão Arbitral fundamento analisa a verificação da alínea b) do artigo 86.º-A do Código do IRC;
F) De facto, como bem identifica a Decisão Arbitral recorrida, no presente caso “Questiona-se a admissibilidade ou não da aplicação do regime simplificado, em sede de IRC, previsto no artigo 86.º-A do Código do IRC, no período de 2018, cujo valor dos rendimentos ilíquidos auferidos pela atividade empresarial do sujeito passivo excederam nesse mesmo exercício de 2018 o montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros)” - realce acrescentado. Tal não se verifica na Decisão Arbitral fundamento;
G) Não pode, assim, considerar-se haver identidade entre a Decisão Arbitral recorrida e a Decisão Arbitral fundamento, devendo o Recurso apresentado pela Fazenda Pública ser rejeitado;
H) No entanto, mesmo que assim não se entenda - o que não se concede - sempre se concluiria que o entendimento vertido na Decisão Arbitral recorrida é o correto;
I) De facto, a RECORRIDA manteve o regime simplificado no ano de 2018, porque cumpriu com os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC, relativamente ao período fiscal do ano imediatamente anterior, ou seja, 2017, e, portanto, em 2018 cumpre com os requisitos previstos no referido normativo legal, podendo, assim, optar pela aplicação do regime simplificado e ver a sua matéria coletável apurada nos termos desse mesmo regime;
J) Neste sentido decidiu o Tribunal Arbitral mais que uma vez, não só na Decisão Arbitral de 3 de novembro de 2022: “Os efeitos da cessação da aplicação do regime simplificado de determinação da matéria coletável, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código de IRC, ocorre quando deixam de se verificar os critérios elencados nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A dos quais o critério da alínea a) reportam-se ao período de tributação imediatamente anterior, tendo efeitos no primeiro dia do período de tributação da sua aferição, ou seja, o ano seguinte. Tendo o Sujeito Passivo cumprido com os critérios elencados nas alíneas do n.º 1 do artigo 86.º-A, no exercício relativo ao ano de 2018, no exercício do ano seguinte, em 2019 cumpre com os requisitos para poder optar pelo regime simplificado. Se no ano de 2019, ultrapassar os limites impostos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º-A, a cessação da aplicação desse regime por força da alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A produzirá efeitos no primeiro dia do período de tributação, ou seja, em 2020, e não no ano em que é ultrapassado”;
K) Como também na Decisão Arbitral de 13 de outubro de 2023: “Prevendo-se no n.º 6 do artigo 86.º-A do Código do IRC que Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que: Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 ou se verifique a causa de cessação prevista no número anterior. Assim, os efeitos da cessação do regime devem reportar-se ao 1.º dia do período de tributação em que se deixou de verificar o requisito previsto na alínea a), no caso concreto em análise. O requisito previsto na alínea a) não tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a (euro) 200 000 - só se verifica em 31.12.2019, quando se apura o rendimento anual ilíquido, pois, que se fosse apurado a meio do ano ou reportável ao exacto mês em que se ultrapassa o valor dos € 200.000, a norma não poderia fazer depender a aplicação do regime por referência ao montante anual - (Vide no mesmo sentido - CAAD, Proc. 392/2022-T, de 3.11.2022). O montante anual é o montante que é apurado ao final de um exercício fiscal. No caso sub judice, o exercício fiscal termina a 31.12 de cada ano. Verificando-se que o Requerente, em 31.12.2019, deixou de reunir uma das condições para a manutenção no regime simplificado, de acordo com a letra e o espírito das normas em análise, entende-se que, o 1.º dia do período de tributação em que deixou de verificar o requisito é o dia 1.01.2020.”;
L) Ora, não havendo quaisquer dúvidas de que a RECORRIDA cumpriu todos os requisitos necessários, no ano de 2017, para ser tributada de acordo com o regime simplificado, o que a própria Administração Tributária reconhece no seu Relatório de lnspeção, não se pode chegar a outra conclusão que não a de que a RECORRIDA deve manter o regime simplificado no ano de 2018, porque cumpriu com os requisitos do n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC, relativamente ao período fiscal do ano imediatamente anterior - ano de 2017 - , e, portanto, em 2018 cumpre com os requisitos elencados nesse normativo, podendo optar nesse mesmo ano por esse regime;
M) E, “[c]aso não tenha sido essa a intenção do legislador, de vincular a cessação do regime simplificado, ao momento em que o sujeito passivo ultrapasse o montante anual ilíquido de rendimentos dos 200.000,00€, no período fiscal em execução, tê-lo-ia dito expressamente, feito constar essa menção, contudo não o fez e estabeleceu vários critérios ao longo do artigo 86.º-A, que vinculam o enquadramento do regime simplificado de tributação ao período de tributação imediatamente anterior e não ao período de tributação em execução”;
N) E foi precisamente este o entendimento da Decisão Arbitral recorrida;
O) Conclui-se, portanto, que o facto de a RECORRIDA ultrapassar, no ano de 2018, o limite de € 200.000 estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC, não permite afastar a aplicação do regime simplificado de tributação com efeitos a 1 de janeiro de 2018;
P) Assim, não se pode chegar a outra conclusão que não a de que o entendimento vertido na Decisão Arbitral recorrida é o correto o único com acolhimento legal;
Q) Por fim, importa apenas fazer referência ao argumento da Administração Tributária relativo ao entendimento da Circular n.º 6/2014 de 28 de março; Ora, não existe melhor resposta que a dada pelo Tribunal Arbitral na Decisão de 13 de outubro de 2023 já citada: “As orientações genéricas ou administrativas consistem em regulamentos internos, de carácter genérico, nas quais a AT procede à uniformização da interpretação de normas tributárias. Como resulta da sua própria natureza, as Circulares não são vinculativas nem para os particulares nem para os tribunais. Na verdade, Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (principio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência - normas jurídicas primárias -, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida. - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.03.2013. [...] Assim, à luz do pensamento legislativo expresso naquela norma, a verificação do requisito referente ao rendimento anual reporta-se ao ano anterior. No caso concreto, tendo cessado a verificação do requisito em 2019, tal facto determinará o enquadramento do Requerente, no regime geral, em 2020, quando se verificar que no ano anterior, isto é, em 2019, cessou a aplicação do regime simplificado, por falta de cumprimento do requisito previsto na alínea a) do artigo 86.º-A do Código do IRC. [...] Assim, entende-se que ubi Lex non distinguit nec nos distinguere debemos, não sendo possível extrair da alínea a) do artigo 86.º-A do código do IRC o entendimento expresso na Circular no sentido de que, no ano em que se verifica a falta de verificação do requisito previsto, é aplicável o regime geral de tributação. Em consequência, o facto da Requerente ter ultrapassado o limite referente ao rendimento anual de €200.000, em 2019, não determina a aplicação do regime geral de tributação, em 1.01.2019.”;
R) Conclui-se, portanto, que o Tribunal Arbitral emitiu a Decisão Arbitral ora recorrida com o entendimento correto e único acolhimento legal;
S) Não colhe, assim, a argumentação da Administração Tributária, devendo o presente Recurso da Decisão Arbitral ser rejeitado por falta de identidade entre a Decisão Arbitral recorrida e a Decisão Arbitral fundamento ou, se assim não se entender, declarada improcedente, por infundada, confirmando-se a Decisão Arbitral recorrida.
Termos em que
Deve o presente recurso ser rejeitado por falta de identidade entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento ou, se assim não se entender, totalmente improcedente por ser infundada, confirmando-se, em consequência a decisão arbitral n.º 726/2023-T CAAD”
I.5 - Parecer do Ministério Público
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de estarmos perante uma oposição de Acórdãos, posto que em face de uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e perante similar factualidade, apontando que os efeitos da cessação dos requisitos condicionantes da aplicação do Regime Simplificado, apenas se produzem no ano seguinte, posto que é então que se pode avaliar o período de tributação imediatamente anterior, o que significa que o presente recurso não deve proceder, sendo de acolher a posição defendida na Decisão Recorrida.
I.6 - Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - De facto
Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:
“…
a) A Requerente é uma sociedade unipessoal, por quotas, dedicada a comércio a retalho de produtos eletrónicos.
b) A Requerente ficou enquadrada no regime simplificado de tributação de IRC quando iniciou a sua atividade em 2017.
c) No ano de 2019, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 de IRC, no Portal das Finanças, relativa ao período de tributação decorrido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2018.
d) Na Declaração Modelo 22 de IRC de 2018 foram declarados os rendimentos do período no valor total de € 271.423,46 (duzentos e setenta e um mil quatrocentos e vinte e três euros e quarenta e seis cêntimos) e volume de negócios no valor total de € 271.421,66 (duzentos e setenta e um mil quatrocentos e vinte e um euros e sessenta e seis cêntimos).
e) A Requerente foi alvo de inspeção tributária e em dezembro de 2022 foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária emitido no âmbito da Inspeção a que se refere a Ordem de Serviço n.º ...40.
f) Entenderam os serviços de inspeção que o apuramento da matéria coletável em 2018, através do regime simplificado, está incorreto, porque o sujeito passivo já não reunia as condições, previstas no n.º 1 e n.º 6 do artigo 86.º-A do Código do IRC.
g) A Requerente apresentou a Reclamação Graciosa que correu termos com o n.º ...99.
h) A Reclamação Graciosa com o n.º ...99 foi expressamente indeferida pela Requerida.
III.1.2. Factos não provados
14 - Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
15 - Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
16 - Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
17 - Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.”
Por sua vez, a decisão arbitral fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
[...]
a) A Requerente desenvolveu, no ano de 2018, atividade empresarial agrícola, pecuária, de silvicultura e de agroturismo;
b) A Requerente entregou, tempestivamente, a declaração anual (Modelo 22) de autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2018;
c) A Requerente é uma microempresa que, no ano de 2018, apurou pelo regime simplificado uma matéria coletável no valor de €13.651,22;
d) O valor total do balanço da Requerente em 31-12-2017 era de €434.455,64 e o valor total do balanço em 31-12-2018 era de €506.334,06;
e) A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa de âmbito parcial, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), para o ano de 2018, que se iniciou em 02-11-2022;
f) No âmbito do procedimento supra descrito os SIT constataram que o valor total do Balanço naquele exercício ultrapassou os 500.000,00 €, tendo, por isso, a Requerente sido automaticamente enquadrada no regime geral de IRC, em 01-01-2018, daí resultando a liquidação adicional ora contestada;
g) No dia 20/11/2022 foi a Requerente notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária no qual se encontrava vertida a correção ora impugnada, na qual lhe foi dada conta de que poderia exercer o Direito de Audição que lhe assiste nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, no prazo de 15 dias;
h) A Requerente optou por não exercer o direito de audição;
i) Em 25/12/2022, a Requerente foi notificada do RIT, o qual se dá por integralmente reproduzido;
j) Em consequência das conclusões do relatório da ação inspetiva, foi emitido o ato tributário de liquidação adicional de IRC, n.º 2022..., que apurou um valor a pagar de €15.905,69, o qual foi notificado à ora requerente em 04/01/2023;
k) A Requerente pagou integralmente o imposto resultante da liquidação adicional de IRC n.º 2022...;
l) Em 16/03/2023, a Requerente submeteu ao CAAD o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
§2. Factos não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.
§3. Motivação quanto à matéria de facto
18 - Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
19 - Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
20 - Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
II.2 - De Direito
I. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) ex vi n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro), com a alteração introduzida pela Lei 119/2019, de 18 de Setembro, respeita à decisão arbitral proferida no Proc. n.º 726/2023-T - que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido por “A... UNIPESSOAL LDA.”, tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...99 e anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (‘IRC’) com o n.º ...25 e da demonstração de acerto de contas n.º ...49, através das quais a Administração Tributária apurou um valor total a pagar de € 19.508,10 (dezanove mil, quinhentos e oito euros e dez cêntimos), valor este que inclui o valor apurado pela demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º ...49, no valor de € 2.375,14 (dois mil, trezentos e setenta e cinco euros e catorze cêntimos), a título de IRC do ano de 2018, com base em oposição de acórdãos, apontando como decisão fundamento, a decisão arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 168/2023-T.
II. Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é [...] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
III. Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:
[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária - doravante identificado pela sigla “RJAT”);
[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);
[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].
[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
IV. Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. n.º 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. n.º 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. n.º 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279.º pp. 400/403.)”.
V. Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:
- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;
- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
VI. Analisando:
A Recorrente começa por dizer que nas decisões arbitrais aqui em confronto, e para o que releva para o presente recurso, a questão central consistia em determinar em que momento se produzem os efeitos da cessação do regime simplificado de determinação da matéria colectável por deixar de se verificar um dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC e, embora a questão de Direito sobre a qual recaíram as Decisões Arbitrais fosse exactamente a mesma, o certo é que, chamados a pronunciar-se sobre aquela questão - assente em factos iguais e num quadro normativo que não sofreu qualquer modificação relevante - os Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD alcançaram soluções jurídicas totalmente antagónicas.
VII. Na verdade, a decisão arbitral sob recurso entendeu que:
«I - A (não) verificação do requisito do montante anual ilíquido de rendimentos não superior a € 200.000, para aplicação do regime simplificado, reporta-se ao ano imediatamente anterior, por remissão expressa da primeira parte da aliena a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código do IRC.
II - Os efeitos da cessação do regime simplificado de tributação somente deverão ocorrer no ano seguinte.»
Por seu turno, na Decisão arbitral proferida no processo 168/2023-T, convocado como fundamento, entendeu o seguinte:
«Os efeitos da cessação do regime simplificado de determinação da matéria coletável do IRC reportam-se ao primeiro dia do período de tributação em que deixou de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 86.º-A do CIRC.»
VIII. Ora, na decisão decorrida questiona-se a admissibilidade ou não da aplicação do regime simplificado, em sede de IRC, previsto no artigo 86.º-A do Código do IRC, no período de 2018, cujo valor dos rendimentos ilíquidos auferidos pela actividade empresarial do sujeito passivo excederam nesse mesmo exercício de 2018 o montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros), apontando que defender que é no próprio ano de 2018, ano em que a Requerente ultrapassou o valor de € 200.000,00, que deve cessar a aplicação do regime, é eliminar indevida e grosseiramente a expressão “no período de tributação imediatamente anterior” da letra da lei e interpretar a norma sem um mínimo de correspondência verbal.
Já para a decisão fundamento, para que o sujeito passivo beneficie da aplicação efectiva do regime simplificado deverão verificar-se os diversos requisitos definidos no n.º 1 do artigo 86.º-A durante o ano em que formaliza a opção pelo regime simplificado, e a permanência neste regime especial está dependente da verificação dos diversos requisitos em cada ano, referindo que “Se no ano “n-1” o total do balanço do sujeito passivo não exceder €500.000, e uma vez verificados os demais requisitos, ele pode formalizar a opção pelo regime simplificado no ano “n”. Todavia a permanência no regime simplificado depende do facto de o valor total do balanço no ano “n” (e em cada um dos anos subsequentes) ser efetivamente igual ou inferior a €500.000. É o que, no entender deste tribunal, resulta da conjugação das disposições contidas nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 86.º-A, e nos números 4 e 6 do mesmo artigo.”.
IX. Assim, enquanto numa decisão se entende que a cessação dos efeitos do regime simplificado só se produzem no ano seguinte à não verificação dos requisitos constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do citado art. 86.º-A, na outra decisão os efeitos da cessação reportam-se ao mesmo período em que a mencionada falta de requisitos se verifica.
É certo que na decisão recorrida está em causa o valor dos rendimentos o qual passou a exceder os € 200.000 (a que se refere a aludida alínea a) do n.º 1 do citado art. 86.º-A do CIRC), enquanto que na decisão fundamento está em causa o valor total do balanço que terá passado a exceder os € 500.000 (a que se refere a aludida al. b)).
No entanto, tal diferença não é relevante relativamente à questão em apreço, sendo incontornável a coincidência de regimes quanto às duas alíneas, independentemente do regime que vier a adoptar-se.
X. Por último, diga-se que não se pode afirmar que a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida esteja de acordo com jurisprudência recente e consolidada do S.T.A., no que diz respeito à questão de direito que ora nos ocupa.
Em conclusão, mostram-se reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 25.º n.º 2 do R.J.A.T. e no art. 152.º do C.P.T.A., pelo que se passará ao conhecimento do mérito do recurso.
XI. E já se adianta que, em nosso entender, merece provimento o presente recurso, devendo entender-se que a cessação dos efeitos do regime simplificado, por ultrapassagem dos limites quantitativos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC, opera em termos retroativos ao início do ano e não a partir do ano seguinte ao da mencionada ultrapassagem.
São várias as razões para concluir nesse sentido.
XII. Em primeiro lugar, razões de desiderato legislativo.
Com efeito, foi intenção manifesta da Comissão de Reforma do IRC de 2014 fazer cessar o estado de coisas que caracterizavam a 1.ª versão do regime simplificado de IRC.
Por isso, e designadamente, fez-se substituir o regime de opting out (responsável pela inclusão inusitada de sujeitos passivos que pretendiam a aplicação do regime geral) por um regime de opting in e, no que aqui interessa, procedeu-se à alteração dos termos em que o regime simplificado cessava, por ultrapassagem dos respetivos limites quantitativos de aplicação. Tal facto vinha permitindo situações muito ostensivas de elisão fiscal, com aplicação do regime no ano em que tais valores eram ultrapassados, verificando-se amiúde casos de concentração de proveitos nesse exercício fiscal.
XIII. As preocupações com a utilização abusiva do regime são, aliás, patentes no respectivo Relatório da Comissão de Reforma do IRC, de 2014, onde se encontra vertido, a p. 78, que: “Outro ponto crucial respeita aos aspetos relacionados com a eficiência económica e a indução de comportamentos que estes regimes podem ocasionar. Basta pensar, por exemplo, nos casos de entidades que criam sucessivas empresas sujeitas a regimes simplificados, nunca ultrapassando volumes de negócios ou de ativos que as afastem da respetiva aplicação.” (sublinhado nosso). E, mais adiante, a p. 81, prescreve-se como característica do regime apenas permitir o seu acesso às “entidades que…não deverão apresentar um volume de negócios superior a € 150.000 e um total do ativo superior a € 500.000” (note-se a ausência de qualquer referência a um “período de tributação anterior”) 1.
XIV. Em segundo lugar, está uma opção de política fiscal, traduzida na criação de um regime ex novo, dotado de soluções modernas - desligado, portanto, da sua antiga versão e, por isso, desligado de qualquer raciocínio de paridade com o (ainda actual) regime simplificado de IRS - opção essa que aponta exactamente no mesmo sentido.
Nesta sede, julgamos que a diferença na redação das soluções legislativas para a questão que aqui nos ocupa - face ao antigo regime e face ao regime do IRS - é, desde logo, bastante elucidativa da pretendida mudança de perspectiva.
XV. Assim - e numa solução que ainda tem equivalente no IRS - enquanto no antigo Regime Simplificado (revogado em 2010), dispunha o artigo 53.º, n.º 10 do Código do IRC que: “10 - Cessa a aplicação do regime simplificado quando o limite do total anual de proveitos a que se refere o n.º 1 for ultrapassado em dois exercícios consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25 % desse limite, caso em que o regime geral de determinação do lucro tributável se aplica a partir do exercício seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.”, já no novo Regime Simplificado saído da Reforma do IRC de 2014, passou a dispor o artigo 86.º-A, n.º 6 do Código do IRC que: “Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que: a) deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1”.
Ali, o legislador sublinhava a cessação ou desaplicação diferida para o ano seguinte da ultrapassagem dos limites; aqui - na solução actual, pós-Reforma do IRC de 2014 - destaca-se a desaplicação imediata e com efeitos retroactivos ao início do ano. E estranho seria que o legislador se tivesse socorrido de duas redacções tão distintas para, afinal, preconizar idêntica estatuição para a mesma hipótese legal.
XVI. Em terceiro lugar, julgamos que a própria leitura literal de todo o artigo (e não unicamente das mencionadas alíneas a) e b) do n.º 1), parece suportar a presente leitura.
Com efeito, é o próprio n.º 4 do artigo 86.º-A que expressamente vem acolher a tese da desaplicação imediata do regime quando prevê: “O regime simplificado de determinação da matéria coletável cessa quando deixem de se verificar os respetivos requisitos ou o sujeito passivo renuncie à sua aplicação.” (sublinhado nosso) - trata-se de o legislador a manifestar uma nítida pretensão de fazer cessar imediatamente o regime com a não verificação superveniente dos limites quantitativos que permitiram o enquadramento inicial no mesmo.
E é a partir desta premissa que, por fim, se poderá interpretar devidamente o subsequente n.º 6 do mesmo artigo: este último número vem reportar ao início do período de tributação a cessação da aplicação do regime; em termos retroactivos, portanto 2.
XVII. Em quarto lugar, sublinhe-se que a solução interpretativa aqui propugnada implica a forçosa necessidade de reconstrução da matéria tributável pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC; mas para essa eventualidade, o contribuinte tem ao seu dispor a contabilidade organizada - como se prevê no artigo 86.º-A, n.º 1, alínea e) do Código do IRC - a qual lhe permite o dito cálculo pelas regras gerais no próprio ano em curso, uma vez constatada a ultrapassagem daquele limite.
XVIII. Em quinto e último lugar, avocam-se ainda justificações de coerência intra-sistemática do próprio Código do IRC.
Desde logo, vislumbra-se uma preocupação em impedir o acesso imediato ao regime por motivações fiscais, por mera verificação dos ditos requisitos quantitativos - o que faz com que, nas condições de acesso ao mesmo se faça uma referência ao “período de tributação imediatamente anterior” (e a única exceção admitida a esta regra é a do início de actividade de um sujeito passivo - cf. artigo 86.º-A, n.º 2 do Código do IRC).
Ora, não se compreenderia que o legislador tivesse pretendido restringir tal acesso fiscalmente motivado para, uma vez lograda a aplicação do regime, permitir que o contribuinte nele permaneça quando já ultrapassou, no próprio ano, tais limites quantitativos,
E, por isso, a referência - constante do artigo 86.º-A, n.º 1, alíneas a) e b) do Código do IRC - feita ao “período de tributação imediatamente anterior” tem de ser unicamente considerada nas situações de entrada no regime. Donde, para efeitos de manutenção da aplicação do regime, a não verificação daqueles limites implica a saída imediata do mesmo e com efeitos retroactivos ao início do respectivo exercício fiscal (assim se evitando a aplicação simultânea do regime geral e do regime simplificado no mesmo exercício fiscal, por meio da cisão temporal do período de tributação).
XIX. Outra exigência do foro sistemático e que aponta no sentido da desaplicação imediata do regime advém de atentarmos na hipótese formulada pelo n.º 2 deste artigo 86.º-A do Código do IRC.
É que, a vingar uma leitura contrária (e vindo a revelar-se errada a previsão feita pelo sujeito passivo), este acabaria a beneficiar do regime simplificado durante o primeiro período de tributação, por muito que ultrapassasse aqueles limites quantitativos. Acresce que, como o artigo 86.º-A, n.º 6 do Código do IRC não prevê expressamente tal hipótese, estaríamos, ademais, diante de uma hipótese legal sem estatuição.
Ora, que o pressuposto do regime simplificado é a não ultrapassagem dos limites quantitativos acima identificados em qualquer momento vem precisamente confirmado por este n.º 2 do artigo 86.º-A: verificando-se errada a previsão feita pelo contribuinte, o regime cessa imediatamente e com efeitos retroactivos ao início da actividade (que é também o início do período do tributação 3).
XX. Acresce uma última incoerência resultante do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código do IRC, acaso interpretado no sentido de a cessação dos efeitos do regime apenas se produzir no ano posterior à ultrapassagem daqueles limites quantitativos.
Com efeito, quando consideradas as demais causas conducentes à desaplicação do regime (constantes das alíneas c), d) e e) do n.º 1 e n.º 5, todos do artigo 86.º-A) - e a vingar a tese sufragada na decisão arbitral recorrida relativamente aos limites quantitativos das alíneas a) e b) - passaríamos a ter um duplo regime de cessação dos efeitos do regime simplificado: a não verificação daquelas outras condições produziria a desaplicação imediata do regime, enquanto, por nítido contraste, a não verificação das condições quantitativas das alínea a) e b) produziriam unicamente uma desaplicação diferida. E tal, sem que alguma razão substancial verdadeiramente justifique tal diversidade de tratamento.
XXI. Em suma, a interpretação do artigo 86.º-A, n.º 6 quanto à verificação dos requisitos quantitativos das alíneas a) e b) do artigo 86.º-A, n.º 1 do Código do IRC, no que respeita à aplicação do regime, quando considerado para efeitos da fixação do momento da cessação da aplicação do regime simplificado, impõe que tal dispositivo se refere aos respetivos volumes quantitativos verificados no próprio período de tributação em curso, cessando imediatamente e com efeitos retroactivos ao início daquele período o respectivo regime com a ultrapassagem de tais limites quantitativos. E, por isso, a referência ao “período de tributação anterior” deve ser considerada exclusivamente para efeitos da verificação das condições de acesso ao regime - sobre isto, vd. GUSTAVO LOPES COURINHA, Manual do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, p. 174 e bibliografia citada, assim como RUI MARQUES, Código do IRC - anotado e comentado, Almedina, Coimbra, 2019, p. 706, nota 1956.
XXII. Por todo o exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso e, em conformidade, uniformizar jurisprudência no sentido de que a cessação dos efeitos do regime simplificado, por ultrapassagem dos limites quantitativos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC, opera em termos retroativos ao início do ano e não a partir do ano seguinte ao da mencionada ultrapassagem.
III. CONCLUSÕES
A cessação dos efeitos do regime simplificado, por ultrapassagem dos limites quantitativos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 86.º-A do Código do IRC, opera em termos retroativos ao início do ano e não a partir do ano seguinte ao da mencionada ultrapassagem.
IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em admitir o recurso e, conhecendo do respectivo mérito, conceder-lhe provimento, anulando a decisão arbitral recorrida.
Custas pela Recorrida.
Comunique-se ao CAAD.
1 Na versão inicial, o limite da alínea a) do artigo 86.º-A, n.º 1 situava-se nos € 150.000, tendo ulteriormente evoluído para os € 200.000.
2 Nas palavras da autora da única tese sobre o tema - de que temos conhecimento - pode ler-se: “Ademais, o legislador de 2013 - em consonância com o proposto pela comissão - pretendeu ser menos «benevolente», e nesse sentido a ultrapassagem, in casu, do volume de negócios - rectius, do «montante anual ilíquido» - resulta na saída imediata e com efeitos retroactivos.
Parece-nos que bem andou o legislador de 2013 ao estruturar o regime simplificado dessa forma, porquanto evita que na prática existam dois limites relativos ao volume de negócios/montante anual ilíquido de rendimentos - um de entrada e outro de permanência.” - ANA RITA BARBEDO, O Regime Simplificado de Tributação em IRC, Universidade de Lisboa, 2015, p. 109 - disponível em https//:repositório.ul.pt. Ainda na mesma obra, em nota de rodapé 462, pode ler-se: “…sendo certo que os efeitos de cessação do regime são retroactivos e resolutivos, o sujeito não será tributado à luz do regime simplificado em metade do exercício e no restante pelo regime geral, antes tudo se passará como se estivesse estado sempre enquadrado no regime geral, tendo inclusivamente de pagar PEC referente a esse exercício n.” (artigo 106.º, n.º 11, alínea d) a contrario sensu do Código do IRC, vigente à data dos factos).
3 Artigo 8.º, n.º 4, alínea c) do Código do IRC.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2025. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator por vencimento) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - vencido, nos termos do voto do Conselheiro Pedro Vergueiro - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (vencido, conforme voto anexo) - Anabela Ferreira Alves e Russo - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro - vencido, nos termos do voto do Conselheiro Pedro Vergueiro.
Voto de Vencido
Voto vencido porque, a meu ver, os efeitos da cessação da aplicação do regime simplificado de determinação da matéria colectável, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código de IRC, reportam-se ao período de tributação imediatamente anterior, tendo efeitos no primeiro dia do período de tributação da sua aferição, ou seja, o ano seguinte.
Em relação a esta questão, tem de dizer-se que o artigo 86.º-A foi aditado ao Código do IRC pela Lei 2/2014, de 16-01, que procedeu à reforma da tributação das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei 442-B/88, de 30-11, sendo que, para efeitos da elaboração da referida lei, a Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - 2013 (“Comissão”) publicou o Relatório Final, datado de 30-06-2013, o qual preconizava a adopção do regime simplificado de tributação direccionado a micro, pequenas e médias empresas, apontando que: “[...] Assim, propõe-se a introdução de um regime simplificado de tributação em sede de IRC para estas entidades, o qual tenha em atenção os circunstancialismos tradicionalmente presentes no modo como aquelas desempenham a sua actividade e adeque a sua tributação em função da sua realidade quotidiana. Para fomentar a adesão a este regime por parte das PMEs, a Comissão sugere ainda que a sua introdução no ordenamento jurídico-fiscal nacional seja acompanhada de um agravamento do pagamento especial por conta para as entidades que não estejam abrangidas pelo regime simplificado.”
No entanto, o Relatório Final da Comissão não esclarece qual a intenção do legislador no que respeita ao exercício em que a cessação do regime simplificado de tributação deve produzir efeitos e a posição que fez vencimento nada aponta nesta sede, ao contrário do que seria expectável, quando se faz apelo à manifesta intenção da Comissão de Reforma do IRC de 2014 fazer cessar o estado de coisas que caracterizavam a 1.ª versão do regime simplificado de IRC, aludindo-se à matéria do valor do volume de negócios e do activo superior e à ausência de qualquer referência a um “período de tributação anterior”, sendo que, no final, este elemento consta das als. a) e b) do art. 86.º-A n.º 1 do CIRC que aludem ao “período de tributação imediatamente anterior”, o que significa que a primeira razão invocada para sustentar a posição que fez vencimento não tem a virtualidade que lhe é conferida no domínio apontado, ficando aqui a nota de que o excerto apontado relativamente ao abuso diz respeito somente à fragmentação de actividades que, na sequência da reforma e da identificação dessa problemática, está neste momento resolvida no próprio artigo 86.º-A n.º 1, alínea d).
Por outro lado, é sabido que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cf. art. 9.º do C. Civil e art. 11.º da LGT; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4.ª edição, 1987, pág. 335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág. 181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C. T. Fiscal, n.º 174, 1996, pág. 363 e seg.).
O art. 86.º-A n.º 1 als. a) e b) do Código do IRC refere como critério de opção pelo regime simplificado de tributação, em sede de IRC, que os sujeitos passivos: “Tenham obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a (euro) 200 000” e bem assim que “o total do seu balanço relativo ao período de tributação imediatamente anterior não exceda (euro) 500 000” - artigo 86.º-A n.º 1 als. a) e b) do CIRC, apontando o seu n.º 6 alínea a) que: “Os efeitos da cessação ou da renúncia do regime simplificado de determinação da matéria coletável reportam-se ao 1.º dia do período de tributação em que: a) deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 ou se verifique a causa de cessação prevista no número anterior”.
Ora, com referência ao elemento literal, cabe notar que este n.º 6 é uma disposição incompleta que remete para as alíneas a) e b) que têm de ser lidas na íntegra e não de forma selectiva, sendo inequívoco que nessas alíneas alude-se claramente ao ano anterior.
É, com efeito, manifesto que a verificação do cumprimento dos requisitos estabelecidos no n.º 1 da norma apontada, nomeadamente o da alínea a), ocorre apenas no decurso do período de tributação seguinte, ou seja, no ano seguinte, quando já está a decorrer um novo período de tributação, produzindo efeitos nesse novo período, e não retroativamente ao ano anterior.
Na verdade, com uma outra leitura, as alíneas acima apontadas ficam desprovidas de sentido, dado que, aquilo que representam seria apenas provisório, pois que, o aparente enquadramento no regime simplificado ao abrigo das mesmas poderia ser sempre revisto, na medida em que, aquilo que seria determinante seria sempre o exercício presente.
Naturalmente, quando se avança para uma análise que se afasta da letra da lei, a situação torna-se algo mais complexa (sendo que a alusão ao disposto no art. 86.º-A n.º 4 do Código do IRC nada aporta em termos significativos que afaste a posição aqui perfilhada e imponha aquela que fez vencimento). Aliás, dizer que as tais referências ao “período de tributação imediatamente anterior” dizem apenas respeito ao cumprimento dos requisitos de acesso ao regime simplificado, carece de suporte material, dado que, se aquilo que interessa é o exercício em análise, não se percebe a necessidade de recorrer a quaisquer elementos relacionados com o exercício anterior, quando aquilo que permite, afinal, a aplicação do regime simplificado é o cumprimento dos requisitos para o efeito no exercício em análise.
Por outro lado, se outra tivesse sido a intenção do legislador, de vincular a cessação do regime simplificado, ao momento em que o sujeito passivo ultrapasse o montante anual ilíquido de rendimentos dos 200.000,00€, no período fiscal em execução, tê-lo-ia dito expressamente, tanto mais que, como vimos, começou por estabelecer vários critérios ao longo do artigo 86.º-A n.º 1 do CIRC, que vinculam o enquadramento do regime simplificado de tributação ao período de tributação imediatamente anterior e não ao período de tributação em execução.
Assim, entende-se que “ubi Lex non distinguit nec nos distinguere debemos”, não sendo possível extrair da alínea a) do artigo 86.º-A do CIRC o entendimento no sentido de que, no ano em que se verifica a falta de verificação do requisito previsto, é aplicável o regime geral de tributação.
Depois, a referência ao art. 86.º-A n.º 2 do CIRC não comporta qualquer novidade em relação ao regime anterior, sendo que não existe qualquer diferença relevante em relação ao CIRS que tem uma definição mais clara no que concerne aos efeitos da cessação da aplicação do regime simplificado.
Aliás, ao nível do elemento sistemático, é conhecido o alinhamento histórico com o IRS, verificando-se que aquilo que mudou foi só o requisito dos 75 % e dos dois anos consecutivos, nada se dizendo quando ao ano em que cessa. Se o legislador quis, de facto, alterar uma prática de anos, ou seja, algo que sempre foi assim e continua a ser de forma clara no IRS e de certo modo no IRC pela letra da lei, inequívoca na alínea a) e b), teria necessariamente de ter consagrado a mudança de outra forma.
Diga-se ainda que estamos perante uma norma de apoio e incentivo às pequenas empresas/empresários, que cessa a partir do momento em que no ano anterior se ultrapassa determinado valor, sendo evidente que, em sede de IRS, o legislador foi ainda mais além, pretendendo proteger, beneficiar e até incentivar os pequenos empresários em nome individual, mantendo-se a opção de tributação pelo regime simplificado por dois anos, salvo se o excesso ultrapassar 25 %.
Além disso, importa ter presente que o regime simplificado não tem grandes atractivos para as sociedades, sendo uma escolha consciente do legislador, o facto de se permitir que actividades sem custos ou custos residuais tirem partido do regime em apreço, além de que não está em causa apenas beneficiar o contribuinte, mas também a própria Administração Tributária, que pode concentrar os seus recursos noutros domínios. Ora, verifica-se que, com a aplicação da posição que fez vencimento, o regime simplificado poderá implodir, dado que, ao contrário daquilo que emerge da sua natureza, ficamos com uma situação de instabilidade, ineficiência, e ao fim ao cabo, os contribuintes e a Administração Tributária terão de continuar a fazer tudo o que faziam antes do regime simplificado, o que certamente impõe uma reflexão sobre o sentido de aplicação do aludido regime.
No que concerne à alusão às demais causas conducentes à desaplicação do regime (constantes das alíneas c), d) e e) do n.º 1 e n.º 5, todos do artigo 86.º-A), cabe apenas notar que nenhuma delas tem aplicação nos autos, estando apenas em causa a matéria das als. a) e b) do n.º 1 do art. 86.º-A do Código do IRC, sendo que nada impede que o legislador tenha entendido contemplar as diferentes situações de forma distinta, podendo mesmo ser essa a razão de ser da não transposição para o novo regime da fórmula assertiva anterior quanto aos efeitos da cessação da aplicação do regime simplificado.
Quanto ao mais, ao contrário de que se retira dos elementos que suportam a posição que fez vencimento, o regime simplificado não tem uma função antiabuso.
Assim, a possibilidade de uma sociedade guardar os custos para a altura em que estiver fora do regime simplificado não parece muito viável face ao regime que vigora em termos da periodização do lucro tributável (artigo 18.º do CIRC). Isto é, os custos que foram diferidos, dificilmente, a não ser que sejam inesperados, poderão ser reconhecidos.
Neste domínio, foi especificamente contemplado o caso das empresas de construção, no artigo 19.º do CIRC que assenta na percentagem de acabamento, pelo que diferir todos ou grande parte dos custos para um momento subsequente, não se afigura como algo susceptível de vingar.
Esta constatação reforça a essência do regime simplificado que tem sobretudo em vista contribuintes sem grandes gastos que legitimamente o aproveitam até ao momento em que, por lhes correr bem o negócio, passam, tranquilamente sem sobressaltos e indefinições, para a contabilidade organizada, no ano seguinte, como sempre foi.
Em suma, entende-se que se deveria fixar jurisprudência no sentido de os efeitos da cessação da aplicação do regime simplificado de determinação da matéria colectável, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 86.º-A do Código de IRC, reportam-se ao período de tributação imediatamente anterior, tendo efeitos no primeiro dia do período de tributação da sua aferição, ou seja, o ano seguinte, o que implicaria negar provimento ao recurso e manter a decisão arbitral recorrida.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2025. - Pedro Vergueiro.
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