Despacho 12734/2024
O Governo pretende dar início ao processo de elaboração do Plano Nacional de Restauro da Natureza, de modo a responder às obrigações no quadro da União Europeia, mas também numa lógica de interesse nacional onde importa agir de forma mais ativa na recuperação dos ecossistemas, acautelando as preocupações e o envolvimento de toda a sociedade.
A 24 de junho de 2024 foi aprovado o Regulamento (UE) 2024/1991 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao restauro da natureza, determinando um conjunto de metas e de medidas que visam a recuperação de habitats degradados e o combate à perda de biodiversidade no espaço europeu.
O Regulamento prevê um regime no âmbito do qual os Estados-Membros aplicam medidas de restauro com o objetivo de abranger, conjuntamente, pelo menos 20 % das áreas terrestres e, pelo menos, 20 % das áreas marinhas até 2030 e, até 2050, todos os ecossistemas que necessitam de restauro. Estão previstas metas específicas para:
Restauro dos ecossistemas terrestres, costeiros e de água doce (artigo 4.º);
Restauro dos ecossistemas marinhos (artigo 5.º);
Restauro dos ecossistemas urbanos (artigo 8.º);
Restauro da conectividade natural dos rios (artigo 9.º);
Restauro das populações de polinizadores (artigo 10.º);
Restauro dos ecossistemas agrícolas (artigo 11.º);
Restauro dos ecossistemas florestais (artigo 12.º);
Plantação de mais três mil milhões de árvores (artigo 13.º).
Este é um Regulamento da maior importância para enfrentar a crise ecológica que tem levado ao desaparecimento de espécies e à degradação dos ecossistemas. Contudo, está inerente uma grande complexidade ao nível da sua aplicação, tendo em conta as especificidades de cada país, mas também os esforços que serão necessários para garantir a execução das medidas previstas no médio e longo prazo.
O Regulamento determina (artigo 14.º) que cada Estado-Membro prepara um plano nacional de restauro e realiza investigação preparatória para identificar as medidas indispensáveis para cumprir as metas e as obrigações previstas.
Os Estados devem apresentar à Comissão Europeia um projeto de Plano Nacional de Restauro no prazo de 24 meses após a entrada em vigor do Regulamento, ou seja, até 18 de agosto de 2026.
O artigo 15.º, relativamente ao seu teor, determina que plano nacional de restauro deve abranger o período até 2050, com prazos intermédios correspondentes às metas e obrigações previstas, estipulando quais as secções que devem ser respondidas por parte dos Estados-Membros, incluindo a quantificação das áreas a recuperar, a descrição das medidas a serem tomadas e a sua calendarização.
O Regulamento não se cinge apenas aos ecossistemas e assume uma abordagem holística, pelo que o plano nacional deve integrar respostas articuladas ao nível da adaptação às alterações climáticas, da produção de energias renováveis ou da política agrícola e florestal, para além de considerar as especificidades de desenvolvimento dos territórios abrangidos.
Considerando que Portugal é dos países mais vulneráveis ao impacto das alterações climáticas, e face à intensificação de fenómenos climáticos extremos que tem reflexos, por exemplo, no agravamento do risco de incêndio, importa acautelar aspetos conexos de gestão da biomassa ou de proteção civil de modo a garantir a segurança de pessoas e bens.
Atendendo ao flagelo dos incêndios e aos impactos devastadores que têm tido em espaços naturais, incluindo em áreas protegidas e em sítios de Rede Natura 2000, mas também em zonas florestais de elevado valor ecológico e paisagístico, como sejam as matas nacionais, deverá ser dada particular atenção ao restauro dos habitats mais afetados nestes espaços nos últimos anos, em Portugal Continental e nas Regiões Autónomas.
Tendo em conta a relevância dos setores agrícola e florestal na gestão e coesão do território, é fundamental que as medidas de restauro dos habitats tenham em conta as especificidades destes setores. Importa acautelar a compatibilização com as atividades produtivas que ocorrem no território, assegurando a manutenção do seu potencial produtivo, não gerando encargos financeiros para os agricultores e produtores florestais, nem diminuindo os apoios que estão destinados no âmbito da PAC. O envolvimento dos agentes representativos destes setores é fundamental para assegurar a futura execução do plano sem gerar tensões sociais ou conflitos com os objetivos de conservação da natureza.
Há ainda aspetos relativos a investimento e monitorização que devem ser integrados no plano. Será crítico encontrar um modelo de financiamento, inclusivamente com novas soluções e instrumentos, que permitam assegurar a execução das medidas previstas. A Política Agrícola Comum não poderá financiar estes investimentos, uma vez que não estavam previstos aquando da sua aprovação.
A exigência imposta pelo Regulamento, de aplicação obrigatória, só poderá ter uma resposta eficaz se o processo de elaboração do plano nacional for capaz de assegurar a devida coordenação e articulação entre áreas setoriais. Por outro lado, importa conseguir mobilizar a sociedade em geral, incluindo universidades, associações de defesa do ambiente, organizações agrícolas e florestais, autarquias locais e representantes dos vários quadrantes da sociedade. É fundamental ter em conta as necessidades das comunidades locais e das partes interessadas para garantir o sucesso do plano.
Este processo é também uma oportunidade para inovar e mudar de paradigma ao nível do planeamento e da gestão dos recursos naturais. Ao longo das últimas duas décadas, Portugal foi preparando estratégias, planos e programas que constituíram um referencial para a concretização dos objetivos de conservação da natureza. São exemplos a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade 2030, os Planos de Ordenamento/Programas Especiais de Área Protegida ou os Planos de Gestão de sítios de Rede Natura 2000. Contudo, apesar dos respetivos méritos, a eficácia destes instrumentos também foi condicionada por atrasos, falta de recursos para a sua implementação, excesso de burocracia, deficit de compromisso por parte de entidades e agentes do território na respetiva aplicação.
O Plano Nacional de Restauro não pode ser apenas mais um instrumento que aumenta a complexidade de gestão do território, nem uma duplicação de trabalho já desenvolvido, por exemplo no levantamento de habitat prioritários, conforme já existe em alguns planos e programas ao nível das áreas classificadas. Ao invés, este plano deve ser um instrumento de orientação, de articulação e de coordenação de medidas a executar, previstas noutros planos e programas, potenciando a informação e o conhecimento já existente.
Este processo de planeamento terá uma forte dimensão geográfica pelo que implicará um grande esforço de produção ou sistematização de cartografia, especialmente nos levantamentos de habitats, de avaliação do estado ecológico, de distribuição de espécies, de verificação de condicionantes administrativas, de definição de medidas de restauro que serão específicas para cada território. Os requisitos geoespaciais deste plano têm de estar previstos desde o início dos trabalhos, bem como a partilha de informação e de responsabilidades na execução das tarefas necessárias.
Importa ainda ter em conta a realidade do espaço marinho sob jurisdição nacional. A sua vastidão levanta diversos desafios, seja em termos de levantamento do estado ecológico, da classificação enquanto área marinha protegida ou da recuperação de habitats mais degradados. Importa referir que estão em causa quatro subdivisões administrativas, nomeadamente: Continente, Madeira, Açores, Plataforma Continental Estendida. Para além do envolvimento do Estado Central há que acautelar as especificidades e autonomias das Regiões em causa.
Os diversos instrumentos de gestão territorial, seja à escala local ou regional, deverão integrar as medidas de proteção e restauro definidas no plano, havendo que assegurar a devida compatibilização, tendo também em conta as dinâmicas socioeconómicas que se registam ao longo do País. Há ainda que prever os desafios específicos de restauro de ecossistemas urbanos (artigo 8.º) o que irá requerer a ação dos municípios e o seu envolvimento no processo.
O Plano Nacional de Restauro configura um grande desafio em termos de planeamento e gestão dos valores naturais, mas representa também uma oportunidade para regenerar o potencial ecológico e socioeconómico de muitos territórios, importando criar condições para que o processo decorra de forma eficaz, participada e sustentada no melhor conhecimento disponível.
Uma última referência deve ser deixada para a necessidade de conseguir envolver a sociedade no processo, e em especial as gerações mais jovens que se preocupam cada vez mais com as questões ambientais e de ação climática. O Plano Nacional de Restauro, e em especial a sua aplicação no horizonte de 2050, só terá sucesso se existir um verdadeiro contrato intergeracional para proteger e valorizar os habitats prioritários. O restauro da natureza implica ainda um compromisso nacional que transcenda os ciclos eleitorais, havendo que procurar o maior consenso político possível.
Assim, determina-se:
1 - A constituição de uma Comissão Interministerial de Coordenação que terá a responsabilidade de supervisionar o desenvolvimento do processo de elaboração do Plano Nacional de Restauro da Natureza, sendo constituída por:
a) Ministra do Ambiente e Energia, que preside;
b) Ministro Adjunto e da Coesão Territorial;
c) Ministro da Economia;
d) Ministro da Agricultura e Pescas.
2 - A criação do Grupo de Trabalho para o Restauro da Natureza (GT-RN) com a missão de preparar o projeto de Plano Nacional de Restauro da Natureza, em conformidade com o Regulamento (UE) 2024/1991 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de junho de 2024.
3 - O GT-RN terá a seguinte constituição:
a) Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, que coordena;
b) Agência Portuguesa do Ambiente;
c) Direção Geral do Território;
d) Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos;
e) Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral;
f) Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural;
g) Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais;
h) Associação Nacional de Municípios Portugueses;
i) Representante da Rede de Conhecimento para o Restauro da Natureza;
j) Especialista em finanças e/ou economia ligada ao ambiente;
k) Representante da Região Autónoma dos Açores;
l) Representante da Região Autónoma da Madeira;
m) Membros de gabinetes ministeriais que tutelam as respetivas áreas governativas.
4 - Poderão ser constituídos subgrupos temáticos com vista ao desenvolvimento e aprofundamento de assuntos específicos, caso se revele necessário.
5 - O apoio técnico, logístico e administrativo necessário ao funcionamento do Grupo de Trabalho é assegurado pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
6 - Será criada uma Comissão de Acompanhamento dos trabalhos (CA) que terá como função monitorizar a evolução do plano e assegurar a devida discussão e reflexão temática, sendo constituída por:
a) Uma personalidade de reconhecido mérito, que preside;
b) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte;
c) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro;
d) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo;
e) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo;
f) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve;
g) Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA);
h) Instituto Hidrográfico;
i) Laboratório Nacional de Energia e Geologia;
j) Cinco organizações não governamentais de ambiente a designar;
k) Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP);
l) Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri);
m) Confederação Nacional de Agricultura (CNA);
n) Forestis - Associação Florestal de Portugal;
o) Fórum Florestal - Estrutura Federativa da Floresta Portuguesa;
p) Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais;
q) Direção-Geral dos Assuntos Europeus;
r) Outras entidades cuja participação poderá ser aprovada tendo por base o regulamento de funcionamento desta Comissão.
7 - Será criada uma Rede de Conhecimento para o Restauro da Natureza constituída por Universidades, Institutos Politécnicos, Laboratórios do Estado e Colaborativos, Centros de Investigação, Centros de Competência e outras entidades que disponham de conhecimento técnico e científico, bem como de valências de investigação, que possam contribuir para a fundamentação do Plano Nacional de Restauro.
8 - No prazo de 30 dias após entrada em vigor deste despacho será publicado o regulamento de funcionamento do Grupo de Trabalho, da Comissão de Acompanhamento e da Rede de Conhecimento para o Restauro da Natureza, prevendo também as interações entre estes órgãos.
9 - O Plano Nacional de Restauro será elaborado em articulação com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, respeitando a autonomia política e administrativa, bem como as respetivas decisões sobre a organização e a condução técnica dos trabalhos nas várias ilhas, assegurando o diálogo e a cooperação institucional.
10 - Será criado o Portal do Restauro da Natureza que funcionará como plataforma digital de apoio ao processo de planeamento, incluindo ferramentas de geovisualização, monitorização, reporte e participação pública, ficando sob responsabilidade do ICNF que se articulará com as várias entidades para a produção e atualização de conteúdos.
11 - Aos membros do Grupo de Trabalho e às pessoas que com ele colaboram não é devido o pagamento de qualquer remuneração ou abono pelo trabalho desenvolvido.
12 - O projeto de Plano Nacional de Restauro deve ser submetido à Comissão Europeia dentro do prazo regulamentar definido, ou seja, até 18 de agosto de 2026.
13 - O Grupo de Trabalho tem natureza temporária e extingue-se com a aprovação do Plano Nacional de Restauro por parte da Comissão Europeia.
14 - O Plano Nacional de Restauro deve ser sujeito a aprovação no âmbito da Comissão de Acompanhamento prevista no ponto 5.
15 - O Grupo de Trabalho definirá através de um cronograma os principais eixos de ações e medidas concretas, com estimativas orçamentais associadas e respetivas fontes de financiamento [i.e., Orçamento de Estado ou Fundo Europeu Estrutural de Investimento (FEEI)].
16 - O presente despacho produz efeitos a partir da data da sua assinatura.
15 de outubro de 2024. - O Ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida. - 16 de outubro de 2024. - A Ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho. - 16 de outubro de 2024. - O Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes. - 18 de outubro de 2024. - A Secretária de Estado do Mar, Lídia Maria Bulcão Rosa da Silveira Dutra.
318253353
Despacho 12734/2024, de 25 de Outubro
- Corpo emitente: Presidência do Conselho de Ministros, Economia, Ambiente e Energia e Agricultura e Pescas - Gabinete do Ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Gabinete da Ministra do Ambiente e Energia, Gabinete do Ministro da Agricultura e Pescas e Gabinete da Secretária de Estado do Mar
- Fonte: Diário da República n.º 208/2024, Série II de 2024-10-25
- Data: 2024-10-25
- Parte: C
- Documento na página oficial do DRE
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Sumário
Determina o processo de elaboração do Plano Nacional de Restauro da Natureza.
Texto do documento
Anexos
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