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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8/2024, de 25 de Junho

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Sumário

O atestado médico de incapacidade multiuso, emitido para pessoas com deficiência de acordo com o Decreto-Lei n.º 202/96, de 21 de Outubro, é um documento autêntico, que, de acordo com o artigo 371.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 389.º, do Código Civil, faz prova plena dos factos praticados e percepcionados pela «junta médica» (autoridade pública) competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2024



Processo 3325/15.7T8SNT.L1.S1-A

Recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (arts. 688.º e ss do CPC)

Recorrentes: AA/BB

Recorrido: "Fidelidade - Companhia de Seguros, S. A."

Acordam em Pleno das Secções Cíveis e Social do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1 - AA e BB, cônjuges, propuseram acção declarativa sob a forma de processo comum contra "Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S. A." (depois: "Fidelidade - Companhia de Seguros, S. A."; doravante: "Fidelidade Mundial" e "Fidelidade"), pedindo a condenação da Ré:

(a) na verificação do sinistro que aportou à Autora mulher uma incapacidade absoluta e definitiva, por doença, traduzida numa IPP geral superior a 66,6%, para os efeitos estabelecidos nas coberturas complementares do seguro do “ramo vida”, titulado pela apólice n.º ...53, considerando-se excluídas, por nulas e inoponíveis as cláusulas das condições gerais, particulares e especiais do seguro, que não foram objecto de comunicação efectiva, cabal e atempada aos Autores, e ao seu reconhecimento;

subsidiariamente,

(b) na verificação do sinistro que aportou à Autora mulher uma IPP de 76% e uma incapacidade/invalidez absoluta e definitiva (ou total e permanente), com incapacidade total para o trabalho, reforma antecipada por invalidez e dependência de terceira pessoa, e ao seu reconhecimento pela Ré;

em qualquer um dos casos,

(c) a proceder, junto da "Caixa Geral de Depósitos", à amortização/pagamento imediato e integral do capital seguro que se mostre em dívida, à data da citação, exonerando total e definitivamente os Autores das obrigações por estes assumidas perante a instituição bancária por força do mútuo contratado em 29/5/2007;

(d) a pagar aos Autores as importâncias correspondentes a todas as quantias por estes pagas à "Caixa Geral de Depósitos", ao abrigo e por causa do plano prestacional de amortização do empréstimo concedido aos Autores, através desse contrato de mútuo, desde a data do sinistro até à citação, quantias que, em Outubro de 2014, totalizavam € 20 843,64, acrescidas de juros à taxa legal supletiva de 4%;

(e) a pagar aos Autores todas as quantias que estes venham a suportar na pendência da acção, por conta do contrato de mútuo referido, incluindo encargos bancários em geral, acrescidas de juros à taxa supletiva legal de 4%, sem prejuízo do disposto em (c) e do “encontro de contas a operar”.

Em síntese retirada das decisões finais das instâncias e dos documentos juntos, alegaram como fundamento: (i) celebraram em 29/5/2007 com a "Caixa Geral de Depósitos, S.A." um contrato de mútuo hipotecário para aquisição de habitação própria e permanente, no âmbito do qual, e por causa do mesmo, declararam aderir a um seguro colectivo do “ramo vida”, com a apólice n.º ...53; (ii) através do referido contrato de seguro, a Ré "Fidelidade Mundial" aceitou o risco de verificação dos seguintes sinistros: a) morte durante o prazo de empréstimo, no máximo até ao final do ano civil em que a pessoa segura complete 75 anos; b) invalidez absoluta e definitiva durante o prazo do empréstimo, no máximo até ao fim do ano civil em que a pessoa segura complete 65 anos de idade; (iii) aquando da subscrição do contrato de seguro apenas foi comunicado aos Autores que a Ré garantia o risco de invalidez absoluta e definitiva até aos 65 anos, nada tendo sido explicado ou comunicado acerca das condições especiais e particulares da apólice; (iv) em 5/5/2008, na sequência de uma consulta de reumatologia realizada em 21/4/2008, a Autora mulher foi submetida a uma cintigrafia óssea, tendo-se apurado que padecia de “espondilite e sacro-ileíte bilateral, com actividade inflamatória elevada. Patologia inflamatória de articulações periféricas, embora com actividade inferior à do esqueleto axial” (passando a ser seguida no Instituto Português de Reumatologia); (v) na sequência do agravamento dos sintomas e patologia, a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes da Segurança Social ("ISS, I.P., Centro Distrital de Segurança Social..."), em 22/5/2009, deliberou que a Autora padecia de “incapacidade permanente para o exercício da sua profissão/trabalho”, com efeitos reportados a 12/3/2009, sendo a doença principal causadora a “espondilartropatia inflamatória com envolvimento axial e periférico” e o “síndrome doloroso músculo-esquelético difuso no contexto de síndrome depressivo”; (vi) a Segurança Social atribuiu (16/6/2009) à Autora mulher uma pensão por “invalidez relativa” com início em 12/3/2009; (vii) em 7/12/2009 foi reconhecido à Autora uma “incapacidade permanente global” de 71% (definitiva desde 2009) e em 21/3/2011 uma “incapacidade permanente global” de 76% (definitiva desde 2011), de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro), através da emissão de “atestados médicos de incapacidade multiuso”; (viii) a Segurança Social, em 12/7/2011, atribuiu à Autora mulher o Complemento por Dependência do 1.º Grau; (vi) a Autora accionou junto da Ré a cobertura do risco pela invalidez absoluta e definitiva prevista na apólice; (ix) após solicitação de documentos, a Ré declinou a responsabilidade mediante carta de 29/9/2011; (x) a Autora mulher não ocultou qualquer informação clínica relevante à data da adesão ao seguro (29/5/2007), não sofrendo da patologia reumatológica que veio a ser diagnosticada em 2008, pelo que não houve quaisquer omissões ou inexactidões negligentes na declaração inicial de risco, o que seria, de acordo com a seguradora, razão para o não pagamento da indemnização solicitada em sede de cobertura complementar de “invalidez absoluta e definitiva” antes de perfazerem 65 anos.

2 - Citada, a Ré apresentou Contestação, deduzindo excepção por ilegitimidade do Autor marido, impugnando a matéria de facto e deduzindo reconvenção, na qual peticionou a anulação do contrato de adesão ao seguro com base no art. 429.º do CCom.; foi proferido despacho de admissão do pedido reconvencional.

Os Autores apresentaram Réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção.

3 - No âmbito do pedido reconvencional, após despacho de convite para assegurar o litisconsórcio necessário e dedução do incidente competente, foi requerida pela Ré e admitida por despacho a intervenção principal provocada da "Caixa Geral de Depósitos, S. A." como associada dos Réus.

Citada a Interveniente, apresentou articulado próprio.

4 - Foi requerida pela Ré a realização de prova pericial, que foi admitida e realizada pelo "Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.", com relatório do exame médico-legal (“perícia de avaliação do dano corporal em direito cível”) emitido em 7/3/2018 (processo n.º ...64). Apresentada reclamação pela Autora, foi emitido relatório com esclarecimentos em 5/12/2018. (Ref.as CITIUS...47 e...83.)

5 - Proferido despacho saneador e realizada audiência final, o Juiz... do Juízo Central Cível de Sintra proferiu sentença, decidindo o seguinte:

- julgar a acção procedente e, em consequência:

“a) Considero excluídas, por falta de comunicação e como tal inoponíveis aos Autores, as cláusulas que façam depender a efectivação da cobertura de outros critérios que não a verificação de uma IPP igual ou superior a 66,6% e idade inferior a 65 anos;

b) Julgo verificado o sinistro que aportou à Autora uma incapacidade absoluta e definitiva, traduzida numa IPG de 71%, desde 2009, condenando-se a Ré Companhia de Seguros Fidelidade Mundial S.A. a reconhecê-lo;

c) Condena-se a Ré a proceder ao pagamento do capital seguro em dívida, junto da tomadora de Seguro, exonerando os Autores das obrigações assumidas perante a Caixa Geral de Depósitos;

d) Condeno a Ré a pagar aos Autores as importâncias correspondentes a todas as prestações por estes pagas à CGD, ao abrigo do contrato de mútuo hipotecário celebrado em 29-05-2007, desde 2009 até à citação dos Réus, acrescidas de juros de mora à taxa de 4%, até à citação da Ré;

e) Condeno a Ré a pagar aos Autores todas as quantias que os mesmos tenham suportado na pendência da presente acção por conta do mútuo hipotecário celebrado em 29-05-2007”;

- julgar a reconvenção improcedente, absolvendo os Autores do pedido de anulação do contrato de seguro, formulado pela Ré;

- julgar improcedente a excepção de ilegitimidade (ad substantiam) do Autor marido.

6 - Inconformada, a Ré seguradora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que conduziu a ser prolatado acórdão, no qual, em sede de reapreciação da matéria de facto provada e não provada, se decidiu aditar os factos provados 41-A., 41-B., 44. e 45. e se julgou parcialmente procedente o recurso, tal como constante do dispositivo:

“a) Consideram-se excluídas, por falta de comunicação e como tal inoponíveis aos AA, as cláusulas que façam depender a efectivação da cobertura de outros critérios que não a verificação de uma IPP igual ou superior a 66,6% e idade inferior a 65 anos;

b) Absolve-se a Ré dos restantes pedidos;

c) Confirma-se a improcedência da reconvenção e absolvição dos AA/reconvindos do pedido reconvencional.”

7 - Inconformados, os Autores interpuseram recurso de revista para o STJ, tendo sido proferido acórdão (17/6/2021) que julgou improcedente a revista e confirmou o acórdão recorrido (Rel. FERREIRA LOPES).

8 - Transitado em julgado, e sem se resignarem, os Autores interpuseram desse acordão recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (doravante: RUJ) para o Pleno das Secções Cíveis do STJ, nos termos do disposto pelo art. 688.º do CPC, invocando a contradição com o Ac. do STJ proferido em 24/11/2016 (processo 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1, Rel. TAVARES DE PAIVA), cuja certidão com nota comprovativa do trânsito em julgado foi junta oficiosamente, após cópia disponibilizada pelos recorrentes do publicado na base de dados www.dgsi.pt.

Finalizaram as suas alegações com as seguintes Conclusões:

“1 - O douto Acórdão recorrido, de 17.06.2021, da 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, prolatado no processo 3325/15.7T8SNT.L1.S1, decidiu que “Um atestado médico multiuso emitido por uma Administração Regional de Saúde, por meio de Junta Médica para verificação de incapacidades, não pode ser considerado, para efeitos probatórios, um documento autêntico”, constituindo, diversamente, “… uma conclusão pericial, sujeita à livre apreciação do julgador (art. 389.º do CCivil)”;

2 - Por essa razão, e considerando não haver qualquer violação do direito probatório material, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa na decisão objeto de revista (normal), julgou insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça a matéria de facto fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, confirmando a decisão deste Tribunal;

3 - O Acórdão recorrido, ao decidir desta forma, está em contradição/oposição manifesta com o douto Acórdão proferido anteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1, da 2.ª Secção, datado de 24.11.2016, dado que, nesse Aresto, foi decidido, por referência ao documento “Atestado Médico Multiuso” que “Estamos perante um documento autêntico (art. 369 do C. Civil), sendo que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial respectivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (art. 371 do C. Civil), força probatória esta que só pode ser ilidida pela via da falsidade, o que, aqui, manifestamente não se verificou. (art. 372 n.º 1 do C. Civil).”;

4 - Acórdão anterior já transitado em julgado, como expressamente se invoca, sendo certo que o trânsito em julgado se presume, conforme decorre do n.º 2 do artigo 688.º do CPC;

5 - Verifica-se, por isso, o pressuposto legal plasmado no n.º 1 do artigo 688.º, i.e., que o Acórdão recorrido esteja “… em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”;

6 - O Acórdão fundamento pronunciou-se sobre a questão da natureza probatória do Atestado Médico Multiuso de forma expressa, como parte integrante do objeto da sua decisão, tanto assim que, com esse fundamento, revogou a decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto à fixação da matéria de facto, declarando que este último “… violou de forma expressa as apontadas regras do direito probatório material”;

7 - O Acórdão recorrido cometeu, assim, vício de violação de lei, ao decidir que o atestado médico de incapacidade multiuso, emitido por Junta Médica, não é um documento autêntico (conforme artigo 369.º, n.º 1, do Código Civil, CC), dotado de força probatória plena, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 371.º do CC, fazendo “prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”, considerando, diversamente, ser uma mera conclusão pericial, sujeita à livre apreciação do Tribunal, nos termos do artigo 389.º do CC;

8 - Os recorrentes, mui respeitosamente, partilham do entendimento vertido no douto Acórdão de 24.11.2016, prolatado no processo 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1, da 2.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Tavares de Paiva;

[...].”

Concluem os aqui Recorrentes pela procedência do presente RUJ e, em consequência, que seja decidido:

“a) Uniformizar-se jurisprudência no seguinte sentido:

“O documento denominado de “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, onde se atesta que a parte apresenta deficiências de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades constitui um documento autêntico, de acordo com o disposto no artigo 369.º do Código Civil, fazendo prova plena dos factos que ali se referem como sendo praticados pela autoridade ou oficial respetivo, assim como quanto aos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora, conforme dispõe o artigo 371.º do Código Civil, força probatória esta que só pode ser ilidida pela via da falsidade, nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 1, do Código Civil”.; e

b) Consequentemente, revogar-se o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos de processo 3325/15.7T8SNT.L1.S1, da 7.ª Secção, de 17.06.2021, tudo com as legais consequências.”

*

A Ré e Recorrida "Fidelidade" apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição, por intempestividade, do presente recurso e, caso assim não venha a ser entendido, a uniformização da jurisprudência no exacto sentido constante do acórdão proferido pelo STJ nos autos principais.

9 - Conclusos os autos ao Relator para exame preliminar, foi proferido despacho de admissão do RUJ pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator.

Foi sustentando existir contradição sobre a questão fundamental de direito relativa à “natureza jurídica do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”.

10 - Uma vez sem Reclamação, foi distribuído e, assumidos os autos e dados em vista para pronúncia (arts. 687.º, 1, 695.º, 1, CPC), foi emitido Parecer pelo Ministério Público, no sentido de ser lavrado acórdão para uniformização de jurisprudência (AUJ) com a seguinte formulação:

“Um atestado médico multiuso é um documento autêntico através do qual se faz prova plena de que determinados peritos, para determinada finalidade, fizeram uma avaliação do grau de incapacidade de determinado cidadão, sendo que a força probatória das suas respostas é fixada livremente pelo tribunal.”

11 - Foi redistribuído o Relator por Jubilação do anterior e, assumidos os autos e dados em nova vista, foi reiterado o anterior Parecer pelo Ministério Público.

Notificadas as partes desse Parecer, nenhuma se pronunciou.

12 - Por despacho proferido por Sua Excelência o Senhor Presidente Conselheiro do STJ, após despacho do aqui Relator, foi determinado que o julgamento do presente RUJ fosse feito conjuntamente pelo Pleno das Secções Cíveis e Social do STJ, “considerando o objecto do recurso”.

*

Colhidos os vistos simultâneos nos termos legais, com entrega do projecto de acórdão e das peças relevantes, e mantendo-se regular a instância, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E FUNDAMENTOS

1 - Questão prévia da amissibilidade do RUJ (art. 692.º, 4, 2.ª parte, CPC)

1.1 - O despacho liminar proferido pelo Relator no acórdão recorrido não deixou dúvidas sobre os critérios de aferição de admissibilidade do RUJ e a sua aplicação no caso concreto.

Decidiu pela sua admissão para efeitos de prossecução da instância (art. 692.º, 1, do CPC).

Transcreve-se:

“Da tempestividade do recurso.

Nos termos do art. 689.º, n.º 1 do CPC, o recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

No caso vertente, o acórdão foi proferido em 17.06.2021 tendo transitado em julgado no dia 01.07.2021. O prazo de 30 dias, que se iniciou no dia 02.07 completou-se a 16.09, por o prazo ter estado suspenso entre os dias entre 16.07 e 31.08 por efeito das férias judiciais. Os Recorrentes apresentaram o recurso no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo e tendo pago a multa devida, o recurso foi tempestivo.

Se se verificam os requisitos para a admissão do recurso.

Resulta do n.º 1 do art. 688.º do CPC que são três as condições ou requisitos indispensáveis para a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência:

- Que haja oposição entre acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão de direito;

- Que a oposição se verifique no domínio da mesma legislação;

- Que tenham transitado em julgado quer o acórdão anterior invocado como fundamento do recurso quer o acórdão recorrido (n.º 1 do art. 689.º).

É o primeiro requisito que importa apreciar, uma vez que não sofre dúvidas que se verificam os demais [...].

A mesma questão fundamental de direito, diz-nos Amâncio Ferreira, in Manual de Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 116, “deve considerar-se verificada quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, seja idêntico. [...] os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica devem ser coincidentes num e noutro caso, pouco importando que sejam diferentes os elementos acessórios da relação.

Do que resulta que o conflito jurisprudencial se verifica quando os mesmos preceitos são interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos.”

Este Tribunal por várias vezes foi chamado a pronunciar-se sobre este requisito, nomeadamente no Acórdão de 02.10.2014, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, (CJ AcSTJ, 2014, 3.º, pag. 45), assim sumariado:

I - Para que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através de recurso extraordinário, é indispensável que as soluções jurídicas acolhidas no acórdão fundamento, assentem na mesma base normativa, e correspondem a soluções divergentes da mesma questão fundamental de direito.

II - Verificam-se soluções divergentes da mesma questão fundamental de direito quando as soluções alegadamente em conflito:

a) Correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no mesmo instituto ou figura jurídica fundamental;

b) Têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;

c) A questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial para a solução do caso, ou seja, que integre uma verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto, não relevando os casos em que se traduza em mero obiter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica.

Cumpre ainda referir que o requisito de contradição jurisprudencial deve ser apreciado com rigor, de forma a obstar a um uso abusivo de um recurso que é de natureza extraordinária (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, pag. 471, e jurisprudência aí citada).

Daí que só deva concluir-se pela existência de oposição de julgados quando as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico, em ambas as situações, sejam idênticas, ou pelo menos, semelhantes no seu núcleo essencial (cf. Acórdãos do STJ de 08.02.2011, P. 153/04 e de 26.03.2015, P. 424/2001, entre muitos outros).

Postos estes princípios, é altura de reverter ao caso dos autos.

O acórdão recorrido foi proferido numa acção intentada pelos ora Recorrentes contra a Recorrida, na qual peticionaram a condenação desta, no que aqui releva:

[...]

(ii) na verificação do sinistro que aportou à Autora uma IPP de 76% e uma incapacidade/invalidez absoluta e definitiva com incapacidade para o trabalho, reforma antecipada por invalidez e dependência de 3.ª pessoa; em qualquer dos casos

(iii) a proceder, junto da Caixa Geral de Depósitos, à amortização imediata e integral do capital seguro que se mostre em dívida, exonerando total e definitivamente os AA. das obrigações por estes assumidas por força do mútuo contratado em 29-05-2007;

(iv) a pagarem aos Autores as importâncias correspondentes a todas as quantias por estes pagas à Caixa Geral de Depósitos ao abrigo do plano prestacional de amortização do empréstimo concedido aos Autores, desde a data do sinistro até à citação, e que em Outubro de 2014 totalizavam € 20 843,64, acrescida de juros à taxa legal supletiva;

(v) a pagar aos Autores todas as quantias que estes venham a suportar na pendência da presente acção, por conta do contrato de mútuo supra referido, incluindo encargos bancários, acrescida de juros à taxa supletiva legal.

Como fundamento alegaram, além do mais, que a Autora se encontra na situação de incapacidade prevista no contrato de seguro de ramo vida que subscreveram, associado ao contrato de mútuo que celebraram com a CGD, SA, tendo invocado um Atestado Médico Multiuso emitido pela Administração Regional de Saúde..., que atribuiu à Autora uma IPP de 76%, estando, pois, a Ré obrigada a amortizar o empréstimo junto daquela entidade bancária.

Considerou o acórdão que o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso não pode ser considerado, para efeitos probatórios, um documento autêntico, mas antes uma conclusão pericial, sujeita à livre apreciação do Tribunal. Em consequência, confirmou o acórdão da Relação de Lisboa que havia julgado improcedente a acção por não verificada a condição prevista na apólice, uma vez que a perícia médica a que foi sujeita na acção, realizada no IML, considerou estar a Autora afectada de uma IPP de 21,97514%,

No acórdão fundamento, proferido em 24.11.2016, no P. n.º 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1., estava em causa a seguinte situação:

Numa execução para pagamento de quantia certa, foi reclamado um crédito sobre os executados emergente de um contrato de mútuo, garantido por hipoteca;

Os executados deduziram oposição alegando não serem responsáveis pelo pagamento do empréstimo, uma vez que subscreveram um contrato de seguro, em que o Banco EE é beneficiário, aquando da celebração do contrato de mútuo;

Sucede que a executada foi vítima de um acidente vascular, ficando a padecer de uma incapacidade de 64%, assim preenchendo a condição da apólice, tendo acionado o contrato de seguro junto da seguradora, que, todavia, declinou a responsabilidade;

Sustentando a validade do contrato de seguro, os executados deduziram o incidente de intervenção principal da seguradora para ser condenada no cumprimento, pagando a parte em dívida do empréstimo contraído junto do banco EE;

A oposição foi julgada improcedente nas instâncias, tendo os executados recorrido de revista para o STJ, invocando violação do direito probatório material por a Relação não ter dado como provado, além do mais, que:

alínea d)“O executado ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 64%”.

O Supremo, no citado acórdão de 24.11.2016, reverteu a decisão, não admitiu o crédito reclamado, o que justificou nos termos seguintes:

“No que concerne ao facto sob a alínea d), seguimos também a posição da declaração de voto de vencido, porquanto afinal existe um documento emitido pela Administração Regional de Saúde, IP, Ministério da Saúde denominado “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, documento esse subscrito e assinado pelo Presidente da Junta Médica, datado de 07.08.2008, onde se atesta que o executado apresenta deficiências conforme o quadro seguinte que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL n.º 352/2007 de 23/10, lhe conferem uma incapacidade permanente de global de 64%.

Estamos perante um documento autêntico (art. 369.º do CCivil), sendo que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial respectivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (art. 371.º do CC), força probatória esta que só pode ser ilidida pela via da falsidade, o que, aqui, manifestamente não se verificou. (art. 372.º n.º 1 do C.Civil).

Tudo isto para dizer, que, no caso em apreço, o acórdão recorrido, ao não dar como provados os factos referenciados, violou de forma expressa as apontadas regras de direito probatório material.”

Verifica-se do exposto que os acórdãos em confronto assumiram entendimentos contrários sobre a mesma questão de direito, a natureza jurídica do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso emitido por uma Administração Regional de Saúde IP, Ministério da Saúde: documento autêntico para o acórdão fundamento; uma conclusão pericial, sujeita a livre apreciação do tribunal, para o acórdão recorrido.”

1.2 - Ao Relator assiste, em especial, a faculdade de rejeitar um RUJ quanto à sindicação dos requisitos e ónus recursivos, gerais e especiais, do art. 641.º, 2, 690.º, 688.º, 1, e 688.º, 3 - art. 692.º, 1, do CPC.

No entanto, tal despacho (ou acórdão confirmativo em conferência) não é definitivo e insindicável (não constitui “caso julgado formal”), pois não vincula o Pleno das Secções Cíveis: art. 692.º, 4, 2.ª parte, do CPC.

Assumindo o poder-dever de reapreciação da admissibilidade, atribuída legalmente ao Pleno, é de sufragar o entendimento plasmado no despacho liminar:

seja quanto à tempestividade do recurso (arts. 689.º, 1, 248.º, 138.º, 1 e 2, 139.º, 5, 149.º, 1 e 2, 613.º, 1 e 2, 628.º, CPC);

(ii) seja quanto ao preenchimento dos requisitos da contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito (decisiva para a solução de ambos os casos e integrante da ratio decidendi dos acórdãos em confronto) no domínio da mesma legislação (arts. 369.º-372.º e 388.º-389.º do CCiv.).

A essencialidade da questão de direito decidenda e a identidade substancial do núcleo essencial das situações fácticas que suportam a aplicação diferenciada do mesmo regime jurídico (art. 688.º, 1, CPC) são claras.

No acórdão recorrido, considerando-se que o referido “atestado médico de incapacidade multiuso” emitido pela Administração Regional de Saúde constitui uma conclusão pericial, sujeita à livre apreciação do tribunal, concluiu-se que o STJ não tem poderes para sindicar a decisão da Relação que desconsiderou o teor desse atestado em face da perícia médica a que a autora foi sujeita na acção, realizada no Instituto Nacional de Medicina Legal, que atribuiu à Autora um grau de incapacidade bastante mais reduzida do que a que foi fixada pela junta médica.

No acórdão fundamento, considerando-se que tal “atestado médico de incapacidade multiuso” emitido pela Administração Regional de Saúde tem a natureza de um documento autêntico nos termos legais (arts. 369.º, 371.º-372.º, CCiv.), concluiu-se que, por estarmos no domínio da chamada “prova vinculada”, abrangida pelos poderes de cognição do STJ (art. 674.º, 3, 2,ª parte, do CPC), a Relação, ao não dar como provada a incapacidade permanente global fixada nesse atestado médico, violou de forma expressa as regras de direito probatório material, o que conduziu à revogação dessa decisão pelo STJ e à sua substituição por outra decisão que considerou os referidos factos como provados.

Também é idêntico o quadro factual subjacente à aplicação do direito que esteve na base de ambos os acórdãos, uma vez que em ambas as situações se discutiu se, em face da incapacidade permanente fixada no “atestado médico” emitido pela Administração Regional de Saúde, o subscritor de um contrato de seguro de vida associado a um contrato de mútuo se encontrava ou não numa situação de invalidez absoluta e definitiva, para efeitos de verificação do sinistro coberto pelo respectivo contrato de seguro.

1.3 - Não se verifica a prolação de qualquer jurisprudência uniformizada sobre a matéria de direito probatório material que seja de sindicar para efeitos da (in)admissibilidade prevista no art. 688.º, 3, do CPC.

Estão verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, ainda que de natureza extraordinária (em especial, o art. 631.º, 1, do CPC).

2 - Objecto

Assente a bondade da decisão de admissão do RUJ, a questão fundamental de direito que constitui o objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência assenta em saber qual a natureza jurídica e a força probatória do “atestado médico de incapacidade multiuso”, emitido por uma Administração Regional de Saúde (Instituto Público integrado no Ministério da Saúde) - se uma prova assente em documento autêntico, com força probatória plena para todo o seu conteúdo, conforme foi defendido no acórdão fundamento; se uma prova com juízo (ainda que em parte) de carácter pericial, sujeita a livre apreciação do tribunal, conforme foi entendido no acórdão recorrido.

3 - Factualidade

3.1 - Foram considerados como provados os seguintes factos no processo que conduziu ao acórdão recorrido:

1 - Os Autores celebraram em 29-05-2007 com a Caixa Geral de Depósitos S.A. contrato de mútuo hipotecário para aquisição de habitação própria e permanente, ao qual foi atribuído o número PT...85.

2 - No âmbito do referido contrato de mútuo hipotecário, e por causa do mesmo, os Autores, por indicação da Caixa Geral de Depósitos, declararam aderir a um seguro colectivo do Ramo Vida, com a apólice n.º ...53, no qual é tomadora e beneficiária a Caixa Geral de Depósitos, pessoas seguras os Autores e seguradora a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial.

3 - O referido contrato consubstancia um seguro de grupo, subscrito pela CGD junto da Ré, para vigorar relativamente a uma universalidade de contratos da natureza e do tipo daquele que foi referido em 1.

4 - O contrato referido em 2. iniciou a sua vigência em 29-05-2007, sujeito a renovações anuais a 1 de Janeiro de cada ano, com a duração de 35 anos e 120 000,00€ de capital seguro.

5 - Nos termos da apólice n.º ...53 através do referido seguro a Companhia de Seguros Fidelidade obrigou-se a garantir o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário em caso de (i) morte até aos 75 anos; (ii) invalidez absoluta e definitiva até aos 65 anos.

6 - O referido contrato de seguro tem as condições Gerais e Especiais constantes do documento de fls. 52 e ss., as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas, e das quais consta, nomeadamente:

CONDIÇÕES GERAIS

Art. 2.º - Imposições Fundamentais

4 - As omissões e declarações inexactas ou incompletas feitas pelo Tomador de Seguro e/ ou pelas Pessoas Seguras, que alterem apreciação do risco, tornam nulas as garantias do contrato susceptíveis de por elas serem influenciadas. Fica, porém, ressalvado o direito aos valores de resgate sempre previsto nas condições particulares.

[...]

Art. 4.º - Riscos Seguráveis

O contrato abrangerá, conforme estipulado nas condições Especiais e Particulares:

1 - A cobertura principal, garantindo, isolada ou conjuntamente, os riscos de vida e morte e podendo ser integrada ou complementada por uma operação financeira;

2 - Coberturas complementares, garantindo em conjunto com a cobertura principal, riscos de danos corporais como a invalidez ou outros que possam afectar a vida humana.

[...]

Art. 9.º - Condições de Exigibilidade das Importâncias Seguras

Relativamente a cada Pessoa Segura as importâncias seguras só poderão tornar-se exigíveis após a apresentação dos seguintes documentos, além de outros previstos nas Condições Especiais:

RISCO DE MORTE

Certidão de óbito da Pessoa Segura

Certificado médico onde se declare as circunstâncias, causas, inicio e duração da doença ou lesão que provocaram a morte da Pessoa Segura.

RISCO DE INVALIDEZ

Atestado detalhado, passado por médicos que tratam e/ou trataram a Pessoa Segura, indiciando as circunstâncias, causas, início, natureza, evolução e provável duração do estado de invalidez.

Relatório circunstanciado sobre actividade exercida pela Pessoa Segura na data da ocorrência do estado de invalidez.

RISCO DE VIDA

Prova de vida da Pessoa Segura.

[...]

4 - A seguradora reserva-se o direito de solicitar outros elementos ou de proceder às averiguações que entenda convenientes para melhor esclarecimento da natureza e extensão das suas responsabilidades. Neste caso o custo dos elementos solicitados serão a cargo da seguradora.

[...]

RAMO VIDA

SEGUROS DE GRUPO

COBERTURA COMPLEMENTAR DE INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA

CONDIÇÕES ESPECIAIS

Art. 1.º - Garantia

Relativamente a cada Pessoa Segura, a Seguradora garante, em caso de invalidez Absoluta e Definitiva, causada por doença ou acidente, o pagamento do capital desta cobertura complementar, de valor indicado nas Condições Particulares.

Art. 2.º - Definições

Doença - Entende-se por doença toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, não causado por acidente e susceptível de constatação médica objectiva.

Acidente - Entende-se por acidente o acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade da Pessoa Segura e que nesta origine lesões corporais passíveis de constatação objectiva.

Invalidez Absoluta e Definitiva - A Pessoa Segura é considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de acidente ou doença, susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer a actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais.

Artigo 3.º - Exclusões

Além das exclusões referidas no art. 5.º das Condições Gerais, fica ainda excluído o risco de invalidez absoluta e definitiva resultante de:

[...].

3 - A invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença de que a pessoa Segura seja portadora à data da sua inclusão no seguro, não se encontra coberta a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato.

[...]”

7 - Aos Autores, aquando da subscrição do contrato de adesão, apenas foi comunicado que a Ré garantia o risco morte até aos 70 anos e o risco de invalidez absoluta e definitiva até aos 65 anos.

8 - Sendo que a propósito das garantias cobertas nada mais lhes foi dito ou explicado.

9 - Em 20-01-2009 o diagnóstico efectuado à Autora pela médica do Instituto Português de Reumatologia era de:

- espondilartropia inflamatória com envolvimento axial e periférico, que constitui doença crónica;

- síndrome doloroso musculo esquelético difuso no contexto de Síndrome Depressivo Crónico, com incapacidade para a realização da sua actividade profissional e rigidez matinal prolongada.

10 - Em 20-01-2009 a Autora estava a ser medicada com sulfassalazina, deflazacorte, aceclofenac, ciclobenzaprina e patoprazol.

11 - Em 27 de Outubro de 2009 foi detectado à Autora pela Médica do Instituto Português de Reumatologia o quadro de poliartralgia inflamatória envolvendo coluna cervical, lombar, articulações sacroilíacas, temporo-mandibulares, ombros, punhos, cotovelos, metacarpo-falangicas e interfalangicas das mãos, ancas, joelhos, tibiotársicas e pequenas articulações dos pés com rigidez matinal de 30 minutos, compatível com diagnóstico de espondilartropatia inflamatória com envolvimento axial e periférico, que constitui doença crónica.

12 - Segundo a mesma declaração do IPR a Autora apresentava dores musco esqueléticas difusas e cansaço fácil e prolongado, sintomatologia depressiva, compatíveis com a diagnóstico de síndrome doloroso musculoesqueletico difuso “fribromialgia-like”.

13 - Nas fases agudas da doença da Autora e mesma fica impedida de trabalhar, bem como de executar a generalidade das tarefas diárias.

14 - Mercê do quadro clínico que passou a evidenciar a Autora foi acometida de um quadro depressivo major, que determinou acompanhamento médico e medicamentoso.

15 - Submetida a Junta Médica a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes deliberou, em 22-05-2009, reconhecer a incapacidade permanente para o exercício da sua profissão/trabalho, tendo como doença causadora da incapacidade espondilartropatia inflamatória com envolvimento axial e periférico; síndrome musculo-esquelético difuso no contexto de síndrome depressivo, incapacidade essa com efeitos a partir de 12-03-2009.

16 - Em 16-06-2009 a Segurança Social atribuiu à Autora mulher, com efeito à data de 12-03-2009, pensão de invalidez.

17 - Por Junta Médica realizada no dia 21-03-2011 foi atribuída à Autora, de acordo com a TNI, uma incapacidade permanente global de 76%.

18 - Posteriormente, já em 2011, a Segurança Social deferiu a atribuição à Autora de pagamento de Complemento por Dependência do 1.º grau.

19 - A Autora, em Agosto de 2008 accionou junto da Ré a cobertura de invalidez absoluta e definitiva prevista na apólice do Seguro Vida Grupo n.º …53.

20 - Por comunicação de 17-09-2008, a Ré veio solicitar os seguintes documentos:

a) relatório anexo preenchido pelo Médico Assistente da Pessoa Segura, mencionando a data do diagnóstico da patologia que esteve na origem da invalidez;

b) documento da Caixa Geral de Aposentações (ou outro similar) com data da passagem definitiva à situação de reforma;

c) complemento de terceira pessoa.

21 - Por carta de 21-10-2008 a Fidelidade voltou a insistir junto da Autora pela junção do documento da Caixa Geral de Aposentações, ou outro similar com data da passagem definitiva à situação de reforma e complemento de terceira pessoa.

22 - Na sequência de reclamação da Autora veio a Ré Fidelidade, por carta de 07-11- 2008 insistir pela junção dos referidos documentos.

23 - Aquando da subscrição do contrato seguro apenas foram transmitidos aos autores o referido em 7. e 8. supra.

24 - A informação em causa foi prestada pelos funcionários da CGD que negociaram a formalização do empréstimo hipotecário.

25 - Até à ocorrência do sinistro e participação do mesmo os Autores nunca haviam contactado com qualquer funcionário da Companhia de Seguros Fidelidade Mundial.

26 - Por insistência da Ré a Autora veio a juntar ao processo a documentação emitida pela Segurança Social, que comprova a concessão de complemento por dependência de 1.º grau.

27 - Por carta de 29-09-2011 a Ré veio a declinar a sua responsabilidade informando

“Exma. Sra.,

Tomámos conhecimento, através dos elementos de instrução do nosso processo de sinistro, ora obtidos, da existência de omissões ou inexactidões negligentes na declaração inicial do risco, no que respeita à apólice identificada em epígrafe.

Tais omissões ou inexactidões traduzem-se no facto de V. Exa. ter omitido padecer de patologia reumatológica à data da adesão. Esta patologia não foi informada no questionário clínico, e caso a mesma tivesse sido informada teria determinado que esta Companhia de Seguros não tivesse celebrado o contrato com inclusão da cobertura por invalidez por doença relativa à patologia em causa.

Uma vez que o sinistro participado foi influenciado por facto relativamente ao qual houve omissões ou inexactidões negligentes, vimos pelo presente comunicar, em conformidade com o legal e contratualmente estabelecido, não nos será possível proceder ao pagamento da indemnização solicitada”.

28 - No relatório de cintigrafia óssea realizado à Autora no IPO e datado de 07-05-2008 refere-se “Dores osteoarticulares desde há 2 anos”.

29 - A espondilartropia inflamatória é uma doença natural, inflamatória e auto imune.

30 - A patologia reumatológica foi diagnosticada à Autora em meados de 2008, na sequência da cintigrafia óssea referida em 28.

31 - A Autora nasceu em...-...-1968.

32 - Desde a data do sinistro até hoje que os Autores procederam ao pagamento de 76 prestações de amortização do empréstimo contraído junto da CGD em 29-05-2007.

33 - A Autora AA propôs-se ao seguro ao Seguro de Vida Grupo - Protecção IAF, titulado pela apólice n.º 5 001 153 em 16 de Abril de 2007, data em que subscreveu o boletim de adesão constante de fls. 57, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

34 - Em tal boletim a proponente, de entre o mais, respondeu ao questionário clínico nele inserto.

35 - Ao preencher o mencionado questionário clínico inserto no boletim de adesão, à pergunta sobre se durante os últimos seis meses esteve doente com recurso a tratamento médico, constante do campo 1 do mesmo, respondeu “não” apondo um X na quadrícula a tal destinada.

36 - De igual forma respondeu à pergunta sobre se tomava algum medicamento regularmente.

37 - Às perguntas sobre antecedentes pessoais sobre se (i) sofre ou sofreu de reumatismo, gota, espondilose e sobre se (ii) sofre ou sofreu de doença das articulações (ossos, coluna, paralisias), respondeu em ambos apondo uma cruz no quadrado correspondente a resposta negativa.

38 - A Ré aceitou a proposta de seguro que a Autora lhe dirigiu tomando por boas e verdadeiras as respostas dadas ao questionário clínico.

39 - No boletim de adesão, assinado pela Autora, consta um campo com o seguinte teor “Declaro que tomei conhecimento das informações pré-contratuais que constam do documento que me foi entregue”, bem como um outro com o seguinte teor “Declaro ainda que respondi com verdade e completamente a todas as perguntas, consciente que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que possam induzir a seguradora em erro, tornam este contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que seja a data em que a Seguradora delas toma conhecimento”.

40 - Desde 2006, pelo menos, que a Autora tinha queixas de dores articulares, poliartralgia inflamatória, rigidez matinal e cansaço, sendo medicada e tratada para o efeito, tendo em 2008 sido reencaminhada para o Instituto Português de Reumatologia.

41 - A Ré Seguradora aceitou celebrar o contrato de seguro sem conhecer os antecedentes de saúde da Autora, referidos em 40.

41 - A. Caso a Ré Fidelidade, quando lhe foi disponibilizado o Boletim de Adesão subscrito pela A., para aceitação ou para recusa, tivesse, por via das respostas que esta aí lhe tivesse dado, tomado conhecimento das queixas referidas em 40., não teria aceitado celebrar o contrato de seguro nas condições em que o celebrou. (Facto aditado pela Relação.)

41 - B. Embora pudesse aceitar celebrar com a A. o dito contrato, para efeitos da cobertura de morte, e mesmo assim só o fazendo com um prémio de seguro mais oneroso, não aceitaria a cobertura de Invalidez Absoluta e Definitiva que pudesse advir à A. em consequência do posterior agravamento dessas queixas. (Facto aditado pela Relação.)

42 - Quando não está em períodos de crise a Autora faz uma vida autónoma, deslocando-se sem o auxílio de terceiros.

43 - Pela funcionária da Caixa Geral de Depósitos foi explicado à Autora os pontos básicos e mais importantes do contrato de seguro acabado de celebrar.

44 - Desde 5/5/2008, a autora sofre de espondilartropatia inflamatória com envolvimento axial e periférico, doença crónica e progressiva, que lhe causa, desde essa data, incapacidade permanente parcial de 21,97514%, calculada segundo a tabela nacional de incapacidade em direito civil e, em 7/3/2018, não necessitava de ajuda de terceira pessoa. (Facto aditado pela Relação.)

45 - Foi aos balcões da tomadora do seguro Caixa Geral de Depósitos que os A.A. celebraram o contrato de seguro que se discute nos autos, local onde foram preenchidos e assinados o boletim de adesão e o questionário clínico. (Facto aditado pela Relação.)

3.2 - Consultados os autos, verifica-se que os “atestados médicos” que se discute integram-se no facto provado 17. (2011) e, quanto ao atestado de 7/12/2009, corresponde ao doc. 9 junto com a petição inicial, referido na al. b) da 1.ª parte do dispositivo da sentença proferida em 1.ª instância: cfr. supra, ponto 5. do Relatório).

4 - Direito aplicável e uniformização jurisprudencial

4.1 - O “atestado médico de incapacidade multiuso” encontra-se previsto no DL 202/96, de 23 de Outubro, que estabelece o regime de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2.º da Lei 38/2004, de 18 de Agosto, para “efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade” (art. 1.º).

No respectivo art. 2.º, 1 (redacção introduzida pelo DL 291/2009, de 12 de Outubro), prevê-se:

"Sem prejuízo das competências específicas das juntas de saúde dos ramos das Forças Armadas e da Polícia de Segurança Pública e das juntas médicas da Guarda Nacional Republicana, a avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência compete a juntas médicas para o efeito constituídas."

À data da emissão dos “atestados médicos” (2009 e 2011), o n.º 2 (por força do mesmo DL 291/2009) do mesmo preceito prescrevia:

"As juntas médicas são constituídas no âmbito das administrações regionais de saúde por autoridades de saúde, sendo nomeadas por despacho do delegado regional de saúde, com a seguinte composição: a) Um presidente, dois vogais efectivos e dois vogais suplentes, sendo o presidente substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo 1.º vogal efectivo."

Depois da entrada em vigor das alterações operadas pelo DL 15/2024, de 17 de Janeiro, este n.º 2 foi revogado e assumiram vigência (1/1/2024) os n.os 5 a 12:

"5 - As juntas médicas de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência (JMAI) são criadas por iniciativa das Unidades Locais de Saúde, E. P. E. (ULS, E. P. E.), existindo, pelo menos, uma por cada agrupamento de centros de saúde ou ULS, E. P. E.

6 - As JMAI são constituídas por médicos especialistas, integrando um presidente, dois vogais efetivos e dois suplentes, sendo o presidente substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo 1.º vogal efetivo.

7 - O presidente tem, preferencialmente, competências em avaliação do dano corporal ou em deficiência e funcionalidade, ou comprovada participação em JMAI.

8 - As ULS, E. P. E., asseguram o apoio logístico e administrativo necessário ao funcionamento das JMAI.

9 - Para assegurar o funcionamento das JMAI, as ULS, E. P. E., de forma excecional e transitória, podem contratar, em regime de prestação de serviços, médicos especialistas, mediante autorização do membro do Governo responsável pela área da saúde.

10 - É dispensada a constituição de JMAI para a avaliação dos doentes oncológicos recém-diagnosticados que pretendam beneficiar da atribuição de um grau mínimo de incapacidade de 60 %, no período de cinco anos após o diagnóstico, sendo, nesses casos, competente para a confirmação da incapacidade e para a emissão do respetivo atestado médico de incapacidade multiuso (AMIM) um médico especialista da unidade de saúde onde foi realizado o diagnóstico, diferente do médico que segue o doente.

11 - As patologias e os critérios de cuja verificação depende a dispensa de constituição de JMAI para emissão de AMIM, em função de condições congénitas ou outras que confiram grau de incapacidade permanente, são definidos por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da segurança social e da saúde.

12 - O regime excecional previsto no n.º 9 vigora até 31 de dezembro de 2024, sem prejuízo da sua eventual prorrogação."

*

O art. 4.º, 1, do DL 202/96, em vigor à data da emissão dos “atestados médicos”, determinava:

"A avaliação da incapacidade é calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23 de Outubro, tendo por base o seguinte:

a) Na avaliação da incapacidade das pessoas com deficiência, de acordo com o definido no artigo 2.º da Lei 38/2004, de 18 de Agosto, devem ser observadas as instruções gerais constantes do anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, bem como em tudo o que não as contrarie, as instruções específicas constantes de cada capítulo ou número daquela Tabela;

b) Não se aplicam, no âmbito desta avaliação de incapacidade, as instruções gerais constantes daquela Tabela."

Segundo o art. 4.º, 2, também na versão em vigor à data dos factos pertinentes, “[f]indo o exame, o presidente da junta médica emite, por via informática ou manual, o respectivo atestado médico de incapacidade multiuso, o qual obedece ao modelo aprovado por despacho do director-geral da Saúde, em que se indica expressamente qual a percentagem de incapacidade do avaliado”.

Depois, com a alteração efectuada pelo DL 1/2022, de 3 de Janeiro, o AMIM passou a poder ser emitido em regra por via informática através de plataforma electrónica, também acessível por hiperligação através do portal ePortugal, sendo o respetivo procedimento regulado através de portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, após emissão de parecer prévio vinculativo do membro do Governo responsável pela área da modernização administrativa; podendo ser emitido por via manual apenas excepcionalmente, nas situações de falência do sistema informático ou nas situações em que o interessado não tenha a possibilidade de receber o AMIM desmaterializado ou de o desmaterializar, sem prejuízo do seu registo posterior obrigatório na referida plataforma eletrónica (arts. 4.º, 2, e 4.º-B, 1 e 2).

*

Nos termos do art. 4.º, 6 (introduzido pelo DL 174/97, de 19 de Julho), prescreve-se:

"Os atestados de incapacidade podem ser utilizados para todos os fins legalmente previstos, adquirindo uma função multiuso, devendo todas as entidades públicas ou privadas, perante quem sejam exibidos, devolvê-los aos interessados ou seus representantes após anotação de conformidade com o original, aposta em fotocópias simples."

4.2 - Sobre a prova documental, na espécie de “documento autêntico”, rege no que é pertinente o Código Civil.

Artigo 362.º

Noção

Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

Artigo 363.º

Modalidades dos documentos escritos

1 - Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.

2 - Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.

3 - Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

Artigo 369.º

Competência da autoridade ou oficial público

1 - O documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar.

2 - Considera-se, porém, exarado por autoridade ou oficial público competente o documento lavrado por quem exerça publicamente as respectivas funções, a não ser que os intervenientes ou beneficiários conhecessem, no momento da sua feitura, a falsa qualidade da autoridade ou oficial público, a sua incompetência ou a irregularidade da sua investidura.

Artigo 370.º

Autenticidade

1 - Presume-se que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço.

2 - A presunção de autenticidade pode ser ilidida mediante prova em contrário, e pode ser excluída oficiosamente pelo tribunal quando seja manifesta pelos sinais exteriores do documento a sua falta de autenticidade; em caso de dúvida, pode ser ouvida a autoridade ou oficial público a quem o documento é atribuído.

3 - Quando o documento for anterior ao século XVIII, a sua autenticidade será estabelecida por meio de exame feito na Torre do Tombo, desde que seja contestada ou posta em dúvida por alguma das partes ou pela entidade a quem o documento for apresentado.

Artigo 371.º

Força probatória

1 - Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.

2 - Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória.

Artigo 372.º

Falsidade

1 - A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.

2 - O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.

3 - Se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal, oficiosamente, declará-lo falso.

4.3 - O referido “atestado médido de incapacidade multiuso” consiste em documento na acepção prevista no art. 362.º do CCiv., enquanto escrito que, por regra e enquanto “atestado”, exprime uma declaração de ciência, sob a forma de documento narrativo (narração de factos e descrição de uma situação) 1.

Configura-se como um documento autêntico na medida em que (a) é exarado de acordo com as prescrições legais de carácter formal ("formalidades legais") e (b) provém de uma "autoridade pública nos limites da sua competência"2 - arts. 363.º, 2, e 369.º do CCiv., em referência aos arts. 2.º, 1 ("a avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência compete a juntas médicas para o efeito constituídas"), e 2, al. a) (à data dos factos relevantes), e 5 a 7 (versão actual), do DL 202/96.

“Autoridade pública” será toda a pessoa colectiva que seja titular em nome próprio de poderes (nomeadamente de autoridade) e deveres públicos, no intuito de assegurar a prossecução necessária de interesses públicos3, abrangendo todos aqueles (órgãos e pessoas singulares) que nela se integrem ou a representem e exercem as suas funções e competências em referência às atribuições e serviços de administração e gestão pública.

Neste contexto, releva que se possa ver, numa perspectiva institucional, a "entidade documentadora" a que faz referência o art. 371.º, 1, do CCiv. como "autoridade pública", a que se referem tais atribuições e serviços, exercidos em concreto pelo instrumento orgânico-subjectivo predisposto para o efeito de documentação.

Por isso, devemos considerar uma “autoridade pública” a junta médica (e os respectivos membros enquanto titulares de uma função pública), uma vez funcionalmente competente por lei no âmbito de actuação da “entidade” em que se integra, para a emissão do “atestado médico de incapacidade multiuso”, atendendo a ser:

(i) constituída no âmbito da atribuição das administrações regionais de saúde, no regime aplicável à data da emissão dos “atestados médicos”, tendo em conta que a administração regional de saude pertencia à "administração indirecta do Estado" enquanto “organismo periférico”/“instituto público” (v. arts. 1.º, 3.º, 5.º, 2, do DL 124/2011, de 29 de Dezembro: lei orgânica do Ministério da Saúde) 4;

e, agora,

(ii) criada no âmbito da atribuição das “unidades locais de saúde” (arts. 1.º, 1, 10.º, 1 e 4, DL 52/2022, de 4 de Agosto: Estatuto do Serviço Nacional de Saúde; arts. 1.º, 1, e 2.º, DL 102/2023, de 7 de Novembro), sendo esta uma “entidade pública empresarial” que constitui uma pessoa colectiva de direito público integrante da “administração indirecta do Estado”: art. 63.º, 1 e 2, DL 52/2002, arts. 2.º, 5.º, 2, 56.º e ss, do DL 133/2013, de 3 de Outubro5; v. também o art. 9.º, 2, do DL 124/2011. 6-7

4.4 - A força probatória do documento autêntico é determinada pelas regras do art. 371.º do CCiv.:

- plena, quanto aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e aos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade;

- relativa e sujeita à livre apreciação do julgador, quanto aos factos que correspondem a "juízos pessoais" dessa entidade.

4.5 - No caso de um “atestado médico de incapacidade multiuso”, com forma, conteúdo e finalidade delimitados pela lei, em que se afirma necessariamente "a percentagem de incapacidade do avaliado", uma vez presumida a sua “autenticidade” (força probatória formal: arts. 370.º, 1 e 2, 372.º (ilidível com base na “falsidade”), CCiv.; 446.º, 1, CPC), configuram-se com propriedade esses dois segmentos que o CCiv. tem em mente:

(i) por um lado, os factos que são praticados e percepcionados (como ocorridos na sua presença ou de que se certificou ou podia certificar-se8) pela autoridade pública-junta médica;

(ii) por outro lado, os juízos pessoais, de índole técnica, sobre a avaliação da deficiência e o grau de incapacidade.

Neste último segmento, seja a factualidade relevante de tal avaliação médica relevante para a incapacidade, seja a factualidade relativa à definição de tal “grau de incapacidade” - através de uma percentagem numérica utilizando algarismos -, não constituem factos directamente praticados ou observáveis (estão fora daquilo que se “pode atestar com base em percepções suas” 9) pela entidade ("documentadora", qualifica o CCiv.).

A avaliação médica da incapacidade corresponde a um diagnóstico assente na aplicação de conhecimentos dos membros da “junta médica” à condição de saúde da pessoa analisada, correspondente à formulação de a pessoa avaliada ser “portadora de deficiência”.

A percentagem de incapacidade fixada corresponde à subsunção dos factos resultantes dessa avaliação a determinada tabela de referência e suas instruções (gerais e específicas: anexo I do DL 352/2007, de 23 de Outubro, que aprova a aludida Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais).

Nesta medida, podemos mesmo considerar que este segmento do documento contém uma decisão da autoridade pública, integrada pelo conteúdo exigido pela lei, e, neste conspecto, configura um documento dispositivo com eficácia jurídica autónoma - incorpora nesta faceta uma declaração de vontade expressa nas circunstâncias legais e destinada a repercutir-se na esfera jurídica da pessoa avaliada10.

4.6 - Urge distinguir entre os factos referidos no “atestado médico de incapacidade multiuso” que correspondem à outorga do documento-atestado (à emissão da própria declaração, com aquela forma e com aquele conteúdo) e à percepção factual directa do presidente (quem emite a declaração) e dos membros da “junta médica” (por exemplo, a identificação do processo, o local em que a avaliação médica da pessoa identificada nesse atestado foi realizada, os elementos de identificação da pessoa avaliada, o ou os “atestados” anteriormente realizados) - prova plena nos termos do art. 371.º, 1, 1.ª parte, do CCiv.;

e os factos constantes desse documento que decorrem da apreciação pelos mesmos membros da “junta médica” no âmbito da respectiva competência especializada, ou seja, dos factos decorrentes do diagnóstico (incluindo o tempo de referência para a situação de incapacidade) e da respectiva determinação de um grau de incapacidade, no uso de conhecimentos científicos e, assim sendo, juízos de ordem pessoal assentes num “convencimento lógico-dedutivo” (e decisório, como se viu) susceptível de ser contrariado ou infirmado11.

De tal sorte que a força probatória material deste documento nesta segunda vertente não pode deixar de estar sujeita à regra do jogo da livre convição judicial da prova imposta pelo art. 371.º, 1, 2.ª parte.

Afirmação esta que é reforçada pela circunstância - de ordem sistemática no conjunto do direito probatório material (conteúdo da prova quanto às declarações constantes) - de tal atestado, nessa parte, corresponder verdadeiramente a uma resposta de sujeitos com "conhecimentos especiais que os julgadores não possuem", isto é, sujeitos actuando como “peritos” para o efeito do art. 388.º do CCiv. Razão pela qual não pode, neste segmento factual, num domínio em que a autoridade pública emissora do documento é simultaneamente detentora de uma qualificação especial em face da lei ("médicos especialistas": como refere agora o art. 2.º, 6, do DL 202/96), deixar de ser vista como averiguação e apreciação a cargo de peritos com conhecimentos especiais12; o que conduz a que as suas "respostas" sejam também objecto de livre apreciação do julgador (arts. 388.º e 389.º do CCiv.). 13

Ou seja: a declaração integrada em documento autêntico como juízo de valor técnico-científico e especializado, comum à declaração da prova constante da “perícia” produzida nos autos (nos termos dos arts. 467.º-489.º do CPC) mas sem o ser enquanto tal, só pode constituir-se com a força probatória relativa que é própria dessa prova pericial14; conjugando-se e aplicando-se para um mesmo resultado - documento autêntico com narração vinculativa e juízo pessoal dispositivo da "entidade documentadora" - os arts. 371.º, 1, 2.ª parte, e 389.º do CCiv.

4.7 - Em consequência, julgamos adequada a uniformização da jurisprudência nos seguintes termos, tal como será a final decidida:

O atestado médico de incapacidade multiuso, emitido para pessoas com deficiência de acordo com o Decreto-Lei 202/96, de 21 de Outubro, é um documento autêntico, que, de acordo com o artigo 371.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 389.º, do Código Civil, faz prova plena dos factos praticados e percepcionados pela “junta médica” (autoridade pública) competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.

5 - Reapreciação do acórdão recorrido (art. 695.º, 2, CPC)

5.1 - Sobre a questão controvertida, argumentou o acórdão recorrido assim como se transcreve.

“[...] alega a Recorrente que a Relação[,] ao aditar à matéria de facto o ponto n.º 44, baseado no relatório elaborado no Instituto de Medicina Legal (IML), um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, e assentar no mesmo a decisão revogatória da sentença, “pôs em crise a prova produzida por um documento autêntico” que foi determinante para a decisão da 1.ª instância.

Os documentos a que a Recorrente se refere são:

- Atestado Médico de Incapacidades Multiuso, emitido pelo Ministério da Saúde (Administração Regional de Saúde..., IP), por meio de Junta Médica para verificação de incapacidades, com o registo n.º ...09, em 7.12.2009, por meio da qual foi definitivamente reconhecido à A. mulher, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), uma incapacidade permanente global (IPG) de 71%, documento junto com a PI de fls. como doc. 9.;

- Atestado Médico de Incapacidades Multiuso, emitido pelo Ministério da Saúde (Administração Regional de Saúde..., ACES.), por meio da Junta Médica n.º ...11, em 21/03/2011, na sequência da realização de Junta Médica para verificação de incapacidades, por meio da qual foi atribuída à A.mulher, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), uma incapacidade permanente global definitiva de 76%, documento junto com a PI de fls. como doc. 10.

Está em causa determinar se se mostram preenchidos os requisitos para o accionamento do seguro Ramo Vida, em que é tomadora e beneficiária a Caixa Geral de Depósitos, seguradora a Companhia de Seguros Fidelidade SA, e os AA como segurados. A adesão dos Autores a este seguro ocorreu no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca que celebraram com a Caixa Geral de Depósitos.

Nos termos da apólice do contrato de seguro, a Seguradora obrigou-se a garantir o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário, designadamente, em caso de invalidez absoluta e definitiva até aos 65 anos.

De acordo com a apólice, “a Pessoa Segura é considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de acidente ou doença, susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer a actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais”.

É nesta parte que as instâncias divergiram.

A sentença considerou que o estado da Autora é de invalidez absoluta e definitiva, conclusão que formou a partir dos atestados médicos de incapacidade multiuso emanados dos serviços da Administração de Saúde...

A Relação baseou-se no relatório do Instituto de Medicina Legal..., segundo o qual “desde 5/5/2008, a autora sofre de espondilartropatia inflamatória com envolvimento axial e periférico, doença crónica e progressiva, que lhe causa, desde essa data, incapacidade permanente parcial de 21,97514%, calculada segundo a tabela nacional de incapacidade em direito civil e, em 7/3/2018, não necessitava de ajuda de terceira pessoa.”

Diz a Recorrente que o acórdão ao considerar o teor deste relatório pôs em crise a força probatória de um documento autêntico. Nesta medida, defende, a Relação incorreu em violação do direito probatório material.

Vejamos.

Como é sabido, são limitados os poderes do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto, como decorre do n.º 3 do art. 674.º do CPC:

“O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Princípio que a jurisprudência do STJ vem reiterando constantemente, de que é exemplo o Acórdão de 09.03.2021, P. 4872/09:

“I - A matéria de facto só pode ser alterada pelo Supremo quando se verifique algum dos fundamentos previstos na parte final do n.º 3 do art. 674;

II - É definitivo o juízo da Relação sobre prova sujeita a livre apreciação.”

Igualmente se decidiu no Acórdão de 12.07.2018, P. 701/14:

“Está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhes sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada.”

Dito isto, adianta-se desde já que carece de razão a Recorrente quando sustenta que a Relação desrespeitou as normas que regulam a força probatória dos atestados médicos multiuso que deram a Autora como afectada de uma IPP de 71%.

O art. 362.º do CCivil dá-nos a noção de prova documental: “…a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir uma pessoa, coisa ou facto.”

Documento autêntico é aquele que, emanando da entidade competente para o fazer, atesta os actos praticados por essa entidade e aqueles decorrentes das percepções da entidade documentadora, fazendo prova plena, sendo que os meros juízos pessoais do documentador não são abrangidos por esta prova plena (arts. 369.º e 371.º do CC).

Ora, um atestado médico não atesta, não certifica factos; trata-se sim de uma conclusão pericial. Daí que não integre um documento autêntico, como decidiu o Acórdão do STJ de 24.06.2010, P. 600/09, in www.dgsi.pt:

“Um atestado médico não é feito com base na percepção factual directa do médico, mas sim com base na sua opinião derivada da respectiva competência pericial. O médico não atesta factos, faz diagnósticos. Donde tal relatório não possa ser considerado um documento autêntico. Tanto assim que a força probatória dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, art. 389.º do CCivil.”

Neste sentido decidiram os Acórdãos do STJ de 12.01.2010 P. 429-C/1995, e de 06.02.2019, P. 639/13, acessíveis em dgsi.pt, constando do sumário deste último: “A força probatória das juntas médicas é fixada livremente pelos tribunais, e estes não estão impedidos de atribuírem maior força probatória a outros meios de prova.”

O que está em causa é, por conseguinte, não apurar a força probatória de um documento autêntico, mas a força probatória de um relatório pericial.

Prova que deve ser feita no processo, sujeita ao contraditório.

Tratando-se de prova pré-constituída, a parte contrária tem o direito de impugnar, tanto a respectiva admissão como a sua força probatória (art. 415.º do CPC).

A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (art. 389.º do CCivil).

O meio de prova adequado para aferir da situação de incapacidade é a pericial, por estar em causa a apreciação de factos que exigem “conhecimentos especiais que os julgadores não possuem…” (art. 388.º do CCivil).

A forma de realização da perícia está prevista no art. 467.º do CPC, dizendo o n.º 3 que “as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos do diploma que as regulamenta.”

Este diploma é a Lei 45/2004 de 19.0, de acordo com o qual as perícias médico-legais deverão obrigatoriamente ser realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, só excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, o podendo ser por entidades terceiras.

O Instituto de Medicina Legal... era, assim, a entidade com competência legal para realizar a perícia médico-legal à Autora (cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2.º, pág. 312: “A redação do n.º 3 (do art. 467.º), mostra claramente que, tratando-se de perícia médico-legal, é ela obrigatoriamente realizada por médicos do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, ou por peritos médicos por estes contratados [...]”.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil anotado, I, pag. 534, “a obrigatoriedade de realização de perícias médico-legais no INML não constitui restrição dos direitos processuais das partes, porquanto esta instituição tem autonomia e independência técnico-científica, estando numa posição de equidistância perante as partes, sendo que os seus peritos garantem um padrão de elevada qualidade científica.”

Movemo-nos, por conseguinte, no âmbito de prova sujeita a livre apreciação do julgador e não, como pretende a Recorrente, perante prova vinculada.

Tendo o acórdão recorrido optado por valorar, por decisão fundamentada, a perícia realizada no INML em detrimento dos atestados médicos de incapacidade multiuso, a Relação não infringiu qualquer norma de direito probatório material, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar tal decisão”.

*

Ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, a decisão do STJ está em conformidade com o predito quanto à força probatória do referido “atestado médico de incapacidade multiuso” no segmento do documento que se encontra submetida a apreciação probatória livre (própria de juízo pericial), que era justamente a pretensão que motivou essencialmente a revista interposta no processo pelas partes agora Recorrentes em RUJ.

Em síntese: a percentagem de incapacidade fixada à pessoa avaliada no “atestado médico de incapacidade multiuso” constitui facto resultante de prova documentada mas sujeita a livre apreciação do tribunal, que não configura, nesse âmbito, prova legal e “vinculada” a que tenha o julgador que obedecer aquando da sua valoração, particularmente quando confrontada com a prova constante de perícia médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses e consequente definição da matéria de facto para subsequente aplicação do direito; conduzindo-se à conclusão do acórdão da Relação: “A autora sofre de uma doença crónica e progressiva, que lhe causa uma incapacidade permanente parcial de 21,97514%, sendo que os eventuais agravamentos que já tenha sofrido [...] não podem ser considerados como definitivos, para efeitos de preenchimento daquele conceito contratual de invalidez absoluta e definitiva. Isto porque a factualidade provada não permite concluir que a autora padece de invalidez absoluta e definitiva, não se verificando o risco garantido pelo contrato de seguro celebrado.”

5.2 - A apelação dos Recorrentes aspirou à reapreciação da matéria de facto no âmbito do exercício dos poderes-deveres funcionais atribuídos pelo art. 662.º, 1 e 2, do CPC.

O acórdão proferido em 2.ª instância decidiu aditar o facto provado 44., considerando o relatório de avaliação médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (7/3/2018), acrescidos dos depoimentos dos respectivos “peritos” (cite-se: “Ficamos, pois, com o relatório elaborado pelo INMLCF, I.P., consolidado pelos esclarecimentos apresentados pelos Srs. Peritos desse Instituto, quer na sequência de reclamação quer em sede de audiência final. E não tem o tribunal elementos probatórios complementares ou conhecimentos técnicos que lhe permitam desvalorizar esse relatório, que se mostra objectivo, imparcial e revelador de análise concreta da doença sofrida pela autora.”), e desconsiderando (por inadmissibilidade processual) um relatório e depoimento de “perito em avaliação de dano corporal”, sem prejuízo - note-se, nesse contexto de apreciação - das deliberações e atestado que fundaram, em especial, os factos provados 15. a 18. (reconhecimento da incapacidade).

Esse aditamento teve reflexo na qualificação da incapacidade da Autora - “permanente parcial” em vez de “definitiva”, “sendo que - rematou o acórdão do TRL, como já se viu - os eventuais agravamentos que já tenha sofrido [...] não podem ser considerados como definitivos” - para efeitos de (não) preenchimento do conceito negocial de “invalidez absoluta e definitiva” e não verificação do “risco garantido pelo contrato de seguro celebrado” nessa “cobertura suplementar” (cfr. facto provado 6.).

A revista subsequente estribou-se na aplicação do art. 674.º, 3, 2.ª parte, e 682.º, 2, 2.ª parte, do CPC, visando a revogação do acórdão do TRL na parte do aditamento do facto provado 44., que foi a base da decisão de direito no que respeita à cobertura do seguro correspondente à situação de invalidez.

5.3 - O art. 662.º constitui a norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, traduzida numa convicção própria de análise dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se encontrem disponíveis no processo.

Começa tal atribuição por estar plasmada na prescrição-matriz da competência de reavaliação factual do n.º 1, sem dependência de provocação pelas partes em sede de recurso para esse efeito:

"A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."

Esta intervenção começa por ser uma tarefa de reponderação da decisão proferida sobre a factualidade em face dos factos assentes, da prova já produzida e plasmada nos autos e, bem assim, por documentos supervenientes que imponham ou (extensivamente) sejam susceptíveis (pela sua aptidão probatória) de impor uma decisão diversa da obtida em 1.ª instância.

Depois, o n.º 2 do art. 662.º, 2, do CPC estabelece verdadeiros poderes-deveres funcionais e qualificados (a lei diz "deve ainda, mesmo que oficiosamente") sempre que, aquando da reapreciação da prova sujeita à livre apreciação, não resulte uma convicção segura e fundamentada - antes uma dúvida fundada - sobre a prova dos factos, uma vez confrontada com a motivação e a decisão reflectidas na 1.ª instância. Nomeadamente ganham protagonismo as als. a) e b), claramente ordenadas a possibilitar à Relação a resolução de dúvidas que se afiguram perceptíveis quanto ao apuramento da verdade de certos e determinados factos alegados pelas partes, criando, dessa forma, condições de igualdade com a 1.ª instância na observação directa da fonte de prova ou no acesso a novos meios de prova15 e, assim, fazer verdadeira e autónoma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados e formar a sua própria convicção, em resultado, se for o caso, das provas que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa16; por isso, estamos verdadeiramente perante deveres processuais de carácter vinculado, impostos para “proceder a um (verdadeiro) novo julgamento da matéria de facto, em ordem à formação da sua própria convicção, designadamente verificando se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” possuía razoáveis tradução e suporte no material fáctico emergente da gravação da prova (em conjugação com os mais elementos probatórios constantes do processo)” 17, que não dependem de iniciativa das partes (nem são direito potestativo que lhes assista) 18 - são (ou podem-devem ser) exercidos oficiosamente e aspiram à formulação de um resultado judicativo próprio.

Vista globalmente, esta é uma intervenção que está de acordo com uma filosofia clara e reforçada pelo CPC de 2013, em que, sem abdicar do princípio do dispositivo, “o tribunal também está comprometido com a verdade dos factos e daí que, por força do princípio do inquisitório, alguns desses factos possam vir a ser provados por mor da sua intervenção”, no contexto de um processo “trialógico”, “um processo de partes perante um juiz activo” 19.

Ora.

O STJ não pode sindicar, em princípio, o uso feito das competências probatórias atribuídas pelo art. 662.º, 1 e 2, tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662.º ("Das decisões da Relação previstas nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.").

Porém, esta solução não impede, abrigado no fundamento da revista previsto no art. 674.º, 1, b), do CPC, que se verifique se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu o exercício de tais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes - tudo conjugado como sindicação de errores in procedendo.

Serão sempre situações manifestas e objectivas de vício processual; mas são situações que, mesmo que residuais e muito limitadas, atentos os poderes do STJ, não podem ser ignorados, se assim for, na sindicabilidade da revista. 20

Por outro lado, o exercício desses poderes legais pode ainda ser sindicado no âmbito do "erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa", tendo por fundamento "ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova" (errores in judicando relativos à identificação, interpretação e aplicação de normas do direito probatório material) - arts. 674.º, 1, a), 3, 2.ª parte, 682.º, 2.ª parte, CPC21.

5.4 - É justamente nesta segunda frente de “erro de direito”, alegadamente excludente do art. 662.º, 4, do CPC, que os Recorrentes censuram a convicção do tribunal quanto ao novo facto provado 44., não se conformando com a forma como o tribunal da Relação, ao invés da 1.ª instância, valorou de forma privilegiada a prova constante da avaliação do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (desconsiderada justamente em 1.ª instância), em detrimento da alegada e invocada força probatória plena e vinculada dos “atestados médicos de incapacidade multiuso” emitidos em 2008 e 2009 - em causa está a diferente fixação da percentagem de incapacidade e seu reflexo na qualificação da invalidez - e, nessa senda, optando de forma expressa: “os Serviços de Medicina Legal [...] formularam juízo pericial distinto, em relatório fundamentado, com tal densidade que não se vê empalidecido pelo juízo formulado pela junta médica dos serviços de Segurança Social”.

Neste âmbito, precisemos que o art. 662.º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida. 22

Sempre - nunca é demais sublinhar - com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663.º, 2, para o art. 607.º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização - inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento - da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância23.

Pois bem.

Aqui cumpre apenas decidir se essa convicção subjectiva e nova motivação objectiva, traduzida em novo facto levado à materialidade apurada como provada, se encontra ferida pela violação de regra legal que fixe a força probatória de determinado meio probatório, tendo em vista os referidos “atestados médicos” em confronto com o relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses quanto ao grau de incapacidade da pessoa avaliada.

A resposta é negativa.

A Relação regeu-se para decidir sobre essa nova decisão da matéria de facto no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que tenha desrespeitado os limites da força probatória dos meios de prova considerados para o aditamento do facto provado 44., tendo em conta a aplicação dos arts. 371.º, 1, 2.ª parte, e 389.º do CCiv.

Neste campo, os juízes em segundo grau empreenderam e traduziram na decisão sobre a matéria de facto pertinente o seu próprio juízo, com racionalidade crítica e coordenação entre as provas produzidas num contexto de prova livre e não tarifada; como tal, sem nenhuma hierarquia de valoração ou vinculação no apuramento da existência do facto; sem nenhum impedimento para atribuírem valoração superior entre meios de prova subjugados ao mesmo âmbito de livre apreciação - âmbito no qual se encontra, como vimos, o segmento dispositivo dos “atestados médicos de incapacidade multiuso” que descrevem a avaliação da condição de saúde e, em particular, fixam o respectivo grau de incapacidade da pessoa avaliada.

A actuação decisória sobre a matéria de facto foi processualmente lícita (art. 607.º, 4, 5, 1.ª parte, 663.º, 1 e 2, CPC) e insindicável nos termos dos arts. 662.º, 4, 674.º, 3, 1.ª parte ("O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista …"), e 682.º, 2, do CPC.

Logo.

Não há como deixar de concluir pela aplicação da irrecorribilidade ope legis em revista do acórdão proferido na Relação quanto à decisão tomada sobre a matéria de facto em face da prova disponível nos autos, atenta a natureza e a força probatória bivalente dos “atestados médicos de incapacidade multiuso” disponíveis nos autos enquando documentos autênticos.

Não há como deixar de concluir que os Recorrentes não logram a revogação do acórdão aqui recorrido, que está em conformidade quanto à força probatória com o segmento normativo antes uniformizado, improcedendo as suas Conclusões relativas à questão controvertida neste RUJ.

III) CUSTAS

Os Recorrentes ficam vencidos na pretensão corporizada neste RUJ.

Considerando os critérios legais impostos pelo art. 527.º, 1 e 2, do CPC, condenam-se os mesmos nas respectivas custas nesta instância.

IV) DECISÃO

Pelo exposto, acorda o Pleno das Secções Cíveis e Social do STJ em:

1 - Julgar improcedente o recurso extraordinário interposto e confirmar o acórdão recorrido;

2 - Uniformizar jurisprudência com o seguinte teor:

O atestado médico de incapacidade multiuso, emitido para pessoas com deficiência de acordo com o Decreto-Lei 202/96, de 21 de Outubro, é um documento autêntico, que, de acordo com o artigo 371.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 389.º, do Código Civil, faz prova plena dos factos praticados e percepcionados pela “junta médica” (autoridade pública) competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.

*

Custas desta instância a cargo dos Recorrentes.

*

Após trânsito em julgado, remeta-se certidão para publicação na 1.ª Série do Diário da República (arts. 687.º, 5, 695.º, 1, CPC).

*

O Sumário a cargo do Relator corresponde ao segmento de uniformização decidido no recurso.

*

1 ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 506-507.

2 Requisitos sublinhados por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 362.º”, Código Civil anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 321.

No direito italiano, em face do congénere art. 2699 ("Atto pubblico") do Codice Civile, v. a mesma saliência de requisitos exposta, exemplificativamente, por PASQUALINA FARINA, La querela civile di falso. II. Profili teorici e attuativi, Roma Tre-Press, Roma, 2018, págs. 109-110.

3 V. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de direito administrativo, Vol. I, 3.ª ed., colaboração de Luís Fábrica/Carla Amado Gomes, Jorge Pereira da Silva, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 753 e ss (756, para as “categorias” de pessoas colectivas públicas, incluindo o Estado, os institutos públicos e as “entidades públicas empresariais”), 792 e ss (para os “serviços públicos”) e 359 e ss (para os institutos públicos como entidades da “administração estadual indirecta”.

4 Sobre esta natureza pública, à luz deste regime, v. o Ac. do STJ de 30/11/2017, processo 1329/14, Rel. ROSA RIBEIRO COELHO, in www.dgsi.pt (“O atestado em causa está previsto no DL n.º 202/96, de 23.10, republicado pelo DL n.º 291/2009, de 12.10 [...]. Como se lê no seu art. 1.º, este diploma rege a avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei, designadamente na Lei 38/2004, de 18.8, para facilitar a sua plena participação na comunidade. As pessoas com deficiência devem apresentar os respetivos requerimentos de avaliação de incapacidade através de estruturas públicas da saúde - nomeadamente o delegado de saúde da sua residência habitual - com vista à sua submissão a uma junta médica, após o que o presidente desta emite o atestado médico de incapacidade multiuso, em que se indica expressamente qual a percentagem de incapacidade do avaliado, tudo isto de acordo com os arts. 3.º e 4.º do diploma referido. Trata-se, pois, de um atestado previsto na lei para um fim vinculado, de interesse público, o que justifica a intervenção de um sector específico da Administração Pública para garantir a eficácia das medidas de apoio a deficientes.”; sublinhado nosso).

5 V. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, Volume I, Introdução, atos de comércio, comerciantes, empresas, sinais distintivos, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, págs. 258-259, 262-263, RICARDO COSTA, “Órgãos de empresas públicas: entre o interesse público e o direito societário”, Diálogos com Coutinho de Abreu. Estudos oferecidos no aniversário do Professor, org.: Alexandre de Soveral Martins et alii, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 835-836.

6 Sendo o Estado “a pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa” e a administração indirecta do Estado constituída pelo “conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada à realização de fins do Estado”, exercida, portanto, por pessoas colectivas públicas distintas do Estado (v. arts. 182.º e 199.º, d) ("Dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma.") da CRP) - DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de direito administrativo cit., págs. 220-221, 228, 347-350.

7 Ainda quanto a direito comparado pertinente, na Ley de Enjuiciamiento Civil (1/2000, de 7 de Janeiro), o art. 317, que elenca os "documentos públicos" para "efeitos de prova no processo", refere expressamente aqueles que, "com referência a arquivos e registos de órgãos do Estado, das Administrações públicas ou de outras entidades de Direito público, sejam emitidos por funcionários habilitados para dar fé de disposições e actuações daqueles órgãos, Administrações ou entidades" (n.º 6.º). E o art. 319, 1, confere-lhes "força probatória plena do facto, acto ou estado de coisas que documentem, da data em que se produz essa documentação e da identidade dos notários e demais pessoas que, se for necessário, nela intervenham". E o art. 1216 do Código Civil refere "documentos públicos" como sendo emitidos por "funcionário público competente, com as solenidades requeridas pela lei". O que conduz a doutrina a asseverar que a lei serve para determinar que os "documentos públicos" no seu âmbito estrito legal são apenas aqueles que são emitidos pelos funcionários enumerados pelo art. 317, “já que, e ainda que um funcionário intervenha[,] não será documento público o emitido por quem não está previsto como tal na norma” (JOSÉ MARÍA ASENCIO MELLADO, “Artículo 317”, Ley de Enjuiciamiento Civil comentada y com jurisprudencia, coord.: José María Asencio Mellado, La Ley/Wolters Kluver, Madrid, 2013, pág. 287, enfatizado nosso).

8 JOSÉ ALBERTO DOS REIS, “Artigo 530.º”, Código de Processo Civil anotado, Volume III, Artigos 487.º a 549.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 364, 366-367, VAZ SERRA, “Provas (Direito probatório material)”, BMJ n.º 111, 1961, págs. 131, 134-136, 138.

9 VAZ SERRA, “Provas (Direito probatório material)”, loc. cit., pág. 137.

10 Com proveito, v., para a distinção narrativo vs. constitutivo-dispositivo, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil cit., págs. 506-507, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, págs. 270-272 e nt. 16.

11 Assim, LUÍS PIRES DE SOUSA, Direito probatório material comentado, Almedina, Coimbra, 2020, sub artigo 371.º, págs. 136-137.

12 MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, colaboração de Antunes Varela, revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, págs. 262-263, para a “prova pericial”.

13 É neste enquadramento de prova pericial que vemos, com igual conclusão e consequência sobre a livre apreciação judicial, várias pronúncias do STJ, nomeadamente na determinação da incapacidade resultante de acidente de trabalho (mobilizando “laudo” de junta médica para “perícia” diligenciado no processo): Acs. de 8/2/2024, processo 8223/17, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA (“atestado médico de incapacidade multiuso” e perícia médico-legal; v. ponto VI. do Sumário), 8/6/2021, processo 3004/16, Rel. LENOR RODRIGUES, 25/11/2020, processo 288/16, Rel. CHAMBEL MOURISCO, 6/5/2020, processo 1085/10, Rel. ANTÓNIO LEONES DANTAS, 6/2/2019, processo 639/13, Rel. JÚLIO GOMES, 26/9/2018, processo 25552/16, Rel. GONÇALVES ROCHA, 12/10/2017, processo 19505/15, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO (também para a consideração de prova livre do “atestado médico de incapacidade multiuso”), 14/7/2016, processo 605/11, Rel. ANA LUÍSA GERALDES, 28/1/2015, processo 22956/10, Rel. MÁRIO BELO MORGADO, 24/6/2010, processo 600/09, Rel. BETTENCOURT DE FARIA (relatório clínico emanado de um médico em funções num estabelecimento hospitalar público), e 20/5/2003, processo 1149/03, Rel. PONCE DE LEÃO (exame médico do Instituto de Medicina Legal).

14 Convergem neste princípio interpretativo de prova de livre apreciação, na aplicação da 2.ª parte do art. 371.º, 1, do CCiv. (“juízos pessoais (simples apreciações) do documentador”), ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil cit., pág. 522 e nt. (2) - pág. 523: “ao mesmo princípio devem considerar-se sujeitas as declarações emitidas nos documentos por peritos (designadamente médicos) que hajam intervindo na confecção do documento, seja a pedido das partes [...], seja por iniciativa do notário” (sublinhado nosso).

Neste encalce, com clara identidade com o nosso caso, v. o recente Ac. do STJ de 20/6/2023, processo 19606/18, Rel. JORGE LEAL, qualificando o “atestado médico de incapacidade multiuso” como “prova documental emitida por médicos, no exercício das suas habilitações específicas, o que consubstancia prova documental contendo juízo pericial, sujeita a livre apreciação (artigos 362.º, 388.º e 389.º do Código Civil)”. Com proximidade para a qualificação e força probatória gizadas, v. ainda o Ac. do STJ de 24/10/2019, processo 8319/09, Rel. HÉLDER ALMEIDA, in www.dgsi.pt (“Na outorga notarial de uma procuração em que intervieram dois peritos médico-legais que declararam atestar a idoneidade psíquica e mental do uso pleno das suas faculdades por parte do outorgante, apenas estão cobertos pela força probatória plena os factos relativos à referida intervenção dos peritos e as declarações que os mesmos prestaram em tal acto notarial - art. 371.º, n.º 1, do CC; a atestação por parte dos mesmos clínicos está sujeita à livre apreciação do julgador nos termos do disposto no art. 389.º do CC.”: ponto III. do Sumário).

15 JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 662.º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, págs. 170-171, 174-175.

16 V. Ac. do STJ de 7/9/2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.

17 FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 537, completando: “Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1.ª instância”.

18 Por todos, v. ABRANTES GERALDES, “Art. 640.º”, pág. 198, “Art. 662.º”, págs. 341-342, Recursos em processo civil, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022.

19 URBANO LOPES DIAS, “Limites do poder cognitivo do juiz - nas instâncias e no STJ”, Blog do IPPC, 3/4/2017, https://blogippc.blogspot.com/2017/04/limites-do-poder-cognitivo-do-juiz-nas.html, pág. 5.

20 V., como elucidação significativa, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2013”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36, ID., “Dupla conforme e vícios na formação do acórdão da Relação”, de 1/4/2015, in https://blogippc.blogspot.com/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html; ABRANTES GERALDES, “Art. 662.º”, págs. 362-364, “Artigo 674.º”, págs. 474-475, “Art. 682.º”, págs. 507-509, Recursos… cit.; JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Art. 662.º”, pág. 177, “Artigo 674.º”, pág. 232, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit.

Na jurisprudência do STJ, v., exemplificativamente, os Acs. de 11/2/2016, Processo 907/13, Rel. ABRANTES GERALDES, 26/11/2019, processo 431/14, Rel. PEDRO LIMA GONÇALVES, 5/7/2022, processo 400/18, Rel. RICARDO COSTA, 6/9/2022, processo 3714/15.7T8LRA.C1.S1, Rel. GRAÇA AMARAL, e 17/10/2023, processo 1088/12, Rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO, sempre in www.dgsi.pt.

21 V. ABRANTES GERALDES, “Artigo 662.º”, págs. 335-336 (“a Relação tem poderes que tanto podem determinar a assunção de factos segundo regras imperativas de direito probatório, como a desconsideração de factos cuja prova tenha desrespeitado essas mesmas regras”), “Artigo 674.º”, págs. 468-469, “Artigo 682.º”, págs. 503-504, 505, 507-508, Recursos… cit., JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Art. 662.º”, pág. 177, “Artigo 674.º”, pág. 232, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit.

22 V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403.

23 V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção…”, loc. cit., págs. 33-34, 36, ABRANTES GERALDES, “Artigo 662.º”, Recursos… cit., págs. 333 e ss.

Lisboa, 23 de Maio de 2024. - Ricardo Costa (Relator) - José Ferreira Lopes - João Cura Mariano - António Barateiro Martins - Luís Espírito Santo - Jorge Arcanjo - Nuno Ataíde das Neves - José Luiz Ramalho Pinto - Domingos José Morais - Manuel Aguiar Pereira - Afonso Henrique - Isabel Salgado - Jorge Leal - Maria Amélia Ribeiro - José Eduardo Sapateiro - Emídio Francisco Santos - Nelson Borges Carneiro - Luís Correia de Mendonça - Leonel Serôdio - Maria do Rosário Gonçalves - Paula Mayor de Carvalho - Henrique Antunes - Maria de Deus Damasceno Correia - Maria dos Prazeres Beleza (Não considero todavia, que se trate de um documento autêntico, da autoria de uma autoridade pública.) - Maria Clara Sottomayor - Mário Belo Morgado - Júlio Gomes - Maria da Graça Trigo - Pedro de Lima Gonçalves - José Sousa Lameira - Fátima Gomes - Graça Amaral - Maria Olinda Garcia - Catarina Serra - António Oliveira Abreu - Maria João Vaz Tomé - António Magalhães.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5789779.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1996-10-23 - Decreto-Lei 202/96 - Ministério da Saúde

    Estabelece o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei.

  • Tem documento Em vigor 2004-08-18 - Lei 38/2004 - Assembleia da República

    Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência.

  • Tem documento Em vigor 2004-08-19 - Lei 45/2004 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses.

  • Tem documento Em vigor 2007-10-23 - Decreto-Lei 352/2007 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Aprova a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, revogando o Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, e aprova a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, publicando-as em anexo.

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