Ao abrigo dos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei 121/2015, de 30 de junho, a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim apresentou junto do Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP, I. P.) o pedido de registo da produção tradicional “Camisola Poveira - Póvoa de Varzim” no Registo Nacional de Produções Artesanais Tradicionais Certificadas.
Considerando que o referido pedido de registo mereceu o parecer positivo da Comissão Consultiva para a Certificação de Produções Artesanais Tradicionais, nos termos da competência que lhe foi atribuída pelo n.º 1 do artigo 8.º do mesmo diploma;
Considerando que, tendo sido tornado público este pedido de registo através do Aviso (extrato) n.º 3421/2022, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 35, de 18 de fevereiro de 2022, foi apresentada uma única declaração de oposição no prazo fixado para o efeito, a qual foi considerada improcedente;
O presidente do conselho diretivo do IEFP, I. P., ao abrigo das competências que, em razão da matéria, lhe foram conferidas pelo n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 121/2015, de 30 de junho, determina o seguinte:
1 - É aprovada a inclusão da produção tradicional “Camisola Poveira - Póvoa de Varzim” no Registo Nacional de Produções Artesanais Tradicionais Certificadas, sendo titular do registo, enquanto entidade promotora, a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim;
2 - A síntese do caderno de especificações que suporta o referido registo, incluindo a delimitação geográfica da área de produção, consta do anexo ao presente despacho.
3 - A entidade promotora deverá, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei 121/2015, de 30 de junho, proceder ao registo da denominação da produção, sob a forma de indicação geográfica, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI, I. P.);
4 - O processo de certificação da produção artesanal tradicional “Camisola Poveira - Póvoa de Varzim”, uma vez registada como indicação geográfica, deverá observar as disposições fixadas no Decreto-Lei 121/2015, de 30 de junho, designadamente nos artigos 14.º a 17.º e 19.º
19 de fevereiro de 2024. - O Presidente do Conselho Diretivo, Domingos Ferreira Lopes.
ANEXO
I - Produção Tradicional objeto de registo: Camisola Poveira - Póvoa de Varzim
II - Entidade Promotora requerente do registo: Câmara Municipal da Póvoa de Varzim
III - Apresentação sumária: A produção tradicional em apreço refere-se a uma icónica peça de traje festivo masculino, feita em lã, no seu tom natural de ovelha branca, decorada com emblemáticos bordados a ponto de cruz que ostentam uma iconografia própria e marcante pelas suas cores preto e vermelho. A Camisola Poveira conta com mais de um século de existência, embora tal como muitas outras produções artesanais tradicionais se encontre atualmente deslocada da sua função original, de agasalho dos pescadores poveiros, sendo reconhecidamente um dos ex-libris da Póvoa de Varzim e constituindo um património histórico e cultural facilmente identificado pelas suas características únicas e identitárias.
IV - Resumo do enquadramento histórico e delimitação geográfica da área de produção
Desde o século XVIII que, em cenas de naufrágio ilustradas em tábuas votivas, são conhecidas representações de pescadores poveiros envergando camisolas brancas e catalães vermelhos. Em vários registos pictóricos posteriores é percetível o seu corte reto - semelhante às antigas túnicas e camisas, atilhos para fechar a abertura do decote e bordados a preto e vermelho.
A partir do século XIX, esta peça de traje ganhou já uma simbologia identitária de Póvoa de Varzim e dos seus pescadores ao ser descrita em publicações diversas e ilustrada em pinturas, gravuras e fotografias. O corte da “Camisola Poveira” é, por si só, significativo e identitário, contudo, são os bordados que mais rapidamente captam a atenção.
No final do século XIX, e tal como se encontra inequivocamente documentado, a camisola de lã seria usada de forma generalizada pelos pescadores poveiros, uso esse que foi quase totalmente interrompido por ocasião do grande naufrágio de 27 de fevereiro de 1892, visto que a tragédia vestiu por longos anos a comunidade piscatória de negro. Outros fatores, como a introdução de novas matérias têxteis e de novas modas, terão também tido influência para que o uso da camisola tenha diminuído substancialmente.
É pela mão de António dos Santos Graça, etnógrafo poveiro, que a camisola ressurgirá de um período de quase esquecimento. Entusiasta da cultura popular, ao selecionar a indumentária para o Grupo Folclórico Poveiro, vulgo “Rancho Poveiro”, que criou em 1936, António dos Santos Graça colocou em evidência esta peça de traje, que se destacava pela sua singularidade, tanto mais que fazia parte do traje masculino de outrora.
Além do “Rancho Poveiro”, principal meio de divulgação, o processo que permitiu que esta peça de traje ultrapassasse a dimensão local, remete-nos em particular para o segundo terço do séc. XX, quando a mesma contou com importantes meios de divulgação, nomeadamente os seguintes: representação da Camisola Poveira na exposição “Artes e Técnicas da Vida Moderna” (Paris, 1937); publicação de uma fotografia de um pescador poveiro na revista “National Geografic” (1938), no contexto de uma exposição dedicada à indústria da pesca, que se realizou precisamente na Póvoa de Varzim; representação na “Exposição do Mundo Português” (Lisboa, 1940); integração desta peça de vestuário no guarda-roupa do filme “Ala-Arriba”, realizado por Leitão de Barros em 1942, cujo argumento foi baseado na obra “O Poveiro” de António dos Santos Graça e que foi premiado no Festival de Veneza, o que contribuiu para a divulgação da “Camisola Poveira”, assim como para a sua valorização comercial.
Na sua difusão nacional e internacional há a considerar o facto de a mesma constituir uma peça de traje cómoda, alegre, original, fácil de executar e, em simultâneo, possuir afinidades com as camisolas de lã em moda a partir da década de 20 do século passado, aspeto que motivou uma lenta e progressiva utilização por locais e visitantes.
O sucesso comercial chegou nos anos 50 a 70, período em que a “Camisola Poveira”, graças às suas características, conheceu uma notável divulgação dentro e fora do país, com a exportação de milhares de camisolas e outros artigos associados. Neste período, devido à grande procura, algumas das mulheres que produziam a camisola, para além de a tricotar na totalidade utilizando agulhas, começaram a utilizar máquinas de tricotar domésticas para a confeção da camisola, de modo a agilizar o processo.
Nos anos 80 este comércio e artesanato entram em progressivo declínio, com a queda da procura e o envelhecimento e desinteresse dos promotores. Paulatinamente, a atividade foi-se extinguindo, com grande mágoa de muitos defensores do património poveiro, para quem a “Camisola Poveira” era um ícone local. Foi ainda nesta década que o Museu de História e Etnografia da Póvoa de Varzim organizou uma exposição subordinada ao tema “O Traje Poveiro” que esteve patente na Póvoa de Varzim, na sede da Associação Comercial em 1981. Esta exposição foi posteriormente montada em Lisboa, onde esteve patente, entre novembro de 1983 e abril de 1984, no Museu Nacional do Traje. A exposição “O Traje Poveiro” passou ainda por França, Alemanha e Brasil.
Foi, assim, emergindo a consciência da necessidade de promover a divulgação da camisola e da existência de um nicho de mercado onde esta tinha possibilidades de venda, o que se veio a consubstanciar em diversas iniciativas promovidas ao longo dos anos que contribuíram para manter viva a “Camisola Poveira”.
Mais recentemente, em 2015, o Museu de Etnologia, em Lisboa, realizou, no âmbito do workshop “Malhas da Pesca”, a exposição “Da Matéria aos usos: Malhas de lã da Póvoa de Varzim”. Nesse mesmo ano a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, através do próprio Posto de Turismo e do Museu Municipal, para assinalar o “Dia Mundial do Turismo” organiza a exposição “Camisola Poveira - uma história com marca”, dando a conhecer a história deste produto icónico, a sua confeção, a sua evolução e a sua valorização cultural.
Nos últimos anos tem-se assistido, como resultado de algumas iniciativas encetadas pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim e que contribuíram para a recuperação do orgulho identitário e do interesse local por esta peça tradicional, a um gradual aumento de pessoas a produzir a camisola poveira e interessadas em aprender a arte que os seus antepassados produziam e usavam no seu dia-a-dia.
A produção da “Camisola Poveira” está territorialmente associada, fundamentalmente, aos limites geográficos da freguesia da Póvoa de Varzim, de acordo com o mapa anterior à reforma administrativa de 2013, atualmente integrada na União de Freguesias da Póvoa de Varzim, Beiriz e Argivai de acordo com o mapa posterior à reforma administrativa de 2013, pertencentes ao concelho da Póvoa de Varzim, distrito do Porto.
No entanto, define-se como delimitação geográfica da área de produção da “Camisola Poveira”, no quadro do presente caderno de especificações, todo o concelho da Póvoa de Varzim, na perspetiva de possibilitar o alargamento e a disseminação desta atividade por uma área de abrangência geográfica mais ampla e permitindo que um maior número de pessoas procurem nesta atividade um modo de subsistência, encarando-a como profissão principal ou como um complemento de outras profissões, fator indispensável à manutenção desta produção artesanal tradicional e ao seu desenvolvimento futuro.
V - Breve caracterização do produto “Camisola Poveira - Póvoa de Varzim”
A “Camisola Poveira” é uma camisola retangular de mangas compridas. A gola é em estilo “mandarim” e o decote é de abertura simples, o qual é fechado por um ou três cordões feitos com o mesmo material da camisola. Os motivos bordados na estrutura das camisolas, são fundamentalmente dispostos na parte frontal, assim como nas mangas, e de forma residual também nas costas.
A lã usada tradicionalmente na produção da “Camisola Poveira” e dos seus bordados era lã natural de ovelha. Em meados do século XX, com o aumento de produção da camisola, esta lã ficou de tal maneira associada às camisolas que passou a ser conhecida no mercado como “lã poveira”, matéria-prima utilizada sem concorrência até à segunda metade do século XX, altura em que o boom da industrialização têxtil introduziu os fios sintéticos no mercado, baixando o preço da matéria-prima.
No entanto, apesar de se ter assistido nos anos 70 do século XX à introdução da fibra sintética e também do algodão, e de forma a respeitar a origem histórica desta camisola, na sua produção deve ser exigido que o fio usado seja exclusivamente de lã de ovino.
Já no tocante aos motivos nela bordados, destinados a produzir um efeito decorativo, pode ser utilizada quer a lã de ovino, quer fios em algodão mercerizado ou fios que contenham na sua composição fibras sintéticas.
Assim, com o objetivo de refletir e assegurar a sua originalidade histórica, reforçado pelo reconhecimento generalizado mais comum do produto (camisola de lã poveira), as matérias-primas usadas na produção da “Camisola Poveira” devem obedecer às seguintes características:
Na camisola: fio 100 % lã de ovino ou lã virgem de ovino, com espessura de 2mm (± 1mm) a 5mm (± 1mm), no tom natural da lã;
Nos bordados: fio 100 % lã de ovino ou lã virgem de ovino, fio composto de lã de ovino e de fibras sintéticas em percentagens variáveis, fio 100 % sintético ou fio de algodão mercerizado.
As cores permitidas para a “Camisola Poveira” e os seus bordados são as usadas tradicionalmente e com maior frequência (tom natural da lã na camisola e o vermelho e preto nos bordados), sem prejuízo da possibilidade do uso de cores mais escuras na camisola, com o correspondente ajustamento das cores dos bordados, nas condições estabelecidas no capítulo inovação.
Na “Camisola Poveira” os bordados decorativos costumam dispor um motivo central, lateralmente ao qual são colocados bordados simétricos ao longo da zona do tronco. As mangas também apresentam motivos bordados.
Os motivos e iconografia mais frequentes são detalhados e ilustrados no caderno de especificações, com referência às zonas da camisola onde podem ser aplicados, devendo ficar afastados uns dos outros, no mínimo, duas malhas de distância. Estes motivos foram recolhidos com base em fotografias antigas de camisolas, em esquemas de desenhos usados por antigos produtores e em diversas fontes bibliográficas e são os seguintes: “fauna marítima”, “barcos e apetrechos marítimos”, “nomes”, “siglas”, “motivos florais, animalistas, brasões e coroas”, “barras”, “motivos centrais”, “tremidinhos” e “castelinhos”.
Quanto às técnicas de produção, a manufatura da “Camisola Poveira” utiliza a técnica do tricot, tradicionalmente chamado no nosso país como malha. Por ser uma camisola tecnicamente simples, não mais do que o indispensável deste ofício é exigido ao artesão: montar malhas, ponto de meia, ponto de liga, aumentos e remates.
A camisola começa pela produção de 4 peças separadamente - frente, costas e duas mangas, as quais são cosidas manualmente no final. Não obstante, a frente e as costas são unidas até à largura pretendida para a gola, cerzindo as malhas. A união superior da frente e das costas não deverá ser cosida. O direito da camisola é maioritariamente feito em ponto de meia, sendo apenas usada a combinação com o ponto de liga para o desenho dos “castelinhos”, dos “tremidinhos” e início de cós e mangas. O avesso é todo feito em ponto de liga, exceto quando se está a trabalhar o avesso e se pretende fazer um ponto de liga no direito da camisola.
Apesar de em muitos casos se verificar integralmente a confeção manual, a máquina de tricotar doméstica não automatizada poderá ser usada para confecionar a frente, as costas e as mangas da camisola, tal como aliás vem acontecendo desde meados do século XX. O próprio repertório de atividades artesanais em vigor, publicado em anexo à Portaria 1193/2003, de 13 de outubro, e as respetivas notas explicativas, preveem na atividade artesanal 01.12 - Confeção de Artigos de Malha a possibilidade de os fios serem tricotados com duas ou mais agulhas apropriadas, ou com máquinas não automatizadas.
O bordado da “Camisola Poveira” é feito com o ponto de cruz, técnica transposta do bordado em tecido para a camisola. Ao bordar uma camisola, o artesão deverá seguir a verticalidade do ponto de meia da camisola, usando como referência de quadrícula uma malha ou duas, consoante a espessura do fio da camisola e motivo escolhido.
VI - Condições de inovação no produto e no modo de produção que garantam a preservação da identidade
As características e elementos identitários e, consequentemente, a imagem da “Camisola Poveira” estão intrinsecamente ligados à sua iconografia através dos motivos bordados em ponto de cruz, à sua forma, assim como à sua cor e à cor dos seus bordados.
Não desvirtuando as suas especificidades identitárias e tendo em consideração a necessidade de adaptação a novas tendências de procura e de moda mais atuais, e também para que esta produção artesanal tradicional não fique estagnada no tempo, torna-se essencial ponderar a sua inovação. Considerando a inovação um desafio e condição incontornável, importa estabelecer as condições que promovam essa inovação na produção da “Camisola Poveira” de forma responsável, sustentável e que garanta a identidade do produto.
São assim consideradas as condições de inovação abaixo descritas. Para determinadas condições de inovação admitidas, de forma a garantir uma proteção acrescida da tradição e das características identitárias, são referidas quais as características/elementos que não são passíveis de sofrer inovação:
É admitida a utilização de cores diferentes da mais usual, que é a cor natural da lã no caso da camisola e vermelho e preto no caso dos bordados. As condições para esta inovação, que no fundo é uma revisitação do que chegou a verificar-se a partir de meados do século XX, mas sempre de forma muito residual, estão definidas na tabela seguinte:
Condição de Inovação: cores | Camisola | Bordados |
Vermelho | Preto e branco | |
Azul-marinho | Branco e vermelho | |
Características/elementos que não são passíveis de sofrer inovação | Forma/estrutura da camisola e motivos bordados |
É admitida a criação de novos motivos bordados diferentes dos descritos/referenciados no caderno de especificações, desde que sejam inspirados nas tipologias e desenhados de acordo com as regras ali descritas.
Os novos motivos, antes de serem aplicados, devem ser submetidos a aprovação pela comissão de acompanhamento do processo de certificação da produção artesanal “Camisola Poveira - Póvoa de Varzim”, criada no seio do organismo de certificação ao abrigo do artigo 14.º do Decreto-Lei 121/2015, de 30 de junho.
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