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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 3/2024, de 12 de Janeiro

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Sumário

Acórdão do STA de 19/10/2022, no processo n.º 77/22.8BALSB - Pleno da 2.ª secção Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: «I - No respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT. II - Nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o VPT da aquisição que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2024

Sumário: Acórdão do STA de 19/10/2022, no processo 77/22.8BALSB - Pleno da 2.ª secção Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos:

«I - No respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT.

II - Nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o VPT da aquisição que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição.»

Acórdão do STA de 19-10-2022, no Processo 77/22.8BALSB - Pleno da 2.ª secção

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 - RELATÓRIO

"Banco A..., S. A.", devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. n.º 464/2021-T - que julgou totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC, n.º 2021 8500001781, e correspondente acerto de contas n.º 2021 00002696712 referentes ao exercício de 2017, que apurou um montante de (euro) 367.434,90 a reembolsar, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, com base em oposição de acórdãos, apontando como decisões fundamento, as decisões arbitrais proferidas no âmbito do Proc. n.º 105/2021-T e 44/2021-T.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

"[...]

A. O presente Recurso tem como objecto a Decisão Arbitral proferida, em 26 de Abril de 2022, no âmbito do processo 464/2021-T, por Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa ("CAAD") - cf. certidão que se junta sob a designação de Documento 1 -, a qual julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo ora Recorrente com vista à anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") n.º 2021 8500001781 e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2021 00002696712, relativas ao exercício de 2017, nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

B. Estão em causa duas questões fundamentais de direito dirimidas naquela decisão arbitral (em oposição com duas decisões arbitrais respectivamente), correspondentes às duas seguintes correcções à matéria colectável em IRC resultantes do relatório final de inspecção tributária ao ora Recorrente por referência ao ano de 2017:

[IMAGEM]

C. O presente recurso baseia-se na contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito (no caso dos imóveis alienados e adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, para efeitos do artigo 64.º, n.os 2 e 3, do Código do IRC, é o VPT definitivo ou o preço constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT?), entre a Decisão Recorrida e Decisão Arbitral de 26 de Setembro de 2019, proferida no âmbito do processo 105/2019-T, disponível para consulta em https://www.caad.org.pt/ e já transitada em julgado.

D. Quanto a esta primeira contradição, verifica-se haver identidade da questão de direito, pois em ambos os arestos aqui em confronto a questão decidenda foi a de saber se, no caso dos imóveis alienados e adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, para efeitos do artigo 64.º, n.os 2 e 3, do Código do IRC, é o VPT definitivo ou o preço constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT- cf. pp. 17 e ss da Decisão recorrida (parte designada "a) Correções decorrentes das transmissões de imóveis adquiridos sobre arrematação Judicial") e pp. 12 e ss da Decisão arbitral proferida no processo 105/2019-T - doravante "Primeira Decisão Fundamento" - (parte designada "Deduções indevidas por aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC").

E. De facto, em ambas as Decisões Arbitrais, os colectivos foram chamados a decidir sobre se estando perante imóveis por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial, para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC, designadamente a alínea b) do seu n.º 3, há que atender ao VPT definitivo do imóvel (conforme defende o ora Recorrente e também o sujeito passivo da primeira decisão fundamento) ou se, atenta a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, se deverá atender ao preço constante do ato ou do contrato (conforme defendeu a AT nos dois casos).

F. Há também identidade das situações fácticas em causa nos autos, pois a Decisão Arbitral Recorrida apreciou a legalidade da liquidação adicional de IRC por referência ao exercício de 2017 do ora Recorrente, em resultado do Relatório de Inspecção Tributária, no que aqui releva, quanto à correção pelo adquirente dos imóveis quando adotou o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código IRC), no que respeita a imóveis adquiridos sob a forma de arrematação judicial (correcção essa no montante de (euro) 3.995.851,19).

G. Por sua vez, a Primeira Decisão Fundamento apreciou a legalidade da liquidação adicional de IRC por referência ao exercício de 2015 daquele Impugnante, em resultado do Relatório de Inspecção Tributária, entre outras questões, quanto à correção pelo adquirente do imóvel quando adotou o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC) no que respeita a imóveis adquiridos sob a forma de arrematação judicial.

H. Não obstante as Decisões Arbitrais aqui em confronto terem decidido a mesma questão fundamental de direito, assentando em iguais pressupostos de facto e aplicando o mesmo normativo legal, resultam das mesmas soluções jurídicas totalmente opostas.

I. Na Decisão recorrida, o Tribunal Arbitral concluiu que "Portanto, no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT, conforme o citado artigo 64.º do CIRC, não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do ato ou contrato, conforme a norma que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT." - v. p. 22.

J. Fundamenta ainda, em síntese, com o seguinte:

"Não encontramos nem letra nem na teleologia o artigo 64.º do CIRC fundamentação suficiente para concordar com a pretensão de que ele contém uma regra específica de determinação do valor patrimonial tributário definitivo diferente da regra do artigo 12.º do CIMT, para apuramento do valor tributável em sede de IRC, como defende o Requerente respaldado na decisão constante do Proc.º 105/2019-T, do CAAD. [...]

Referindo a norma que as transmissões em causa são as do número anterior e que o número anterior se refere ao valor tributário definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, então não restam dúvidas de que o CIRC não contém qualquer conceito de valor patrimonial tributário definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correções do artigo 64.º[...]" v. p. 20. - sublinhados nossos.

K. Já na Primeira Decisão Fundamento, o Tribunal Arbitral concluiu que "[...] uma interpretação conjugada das disposições do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC e da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não pode conduzir à fixação de um sentido e alcance da lei que não tem na norma do artigo 64.º, n.º 3 a mínima correspondência verbal.

Para a determinação do lucro tributável, esta norma prevê acréscimos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da alienação do imóvel, e deduções correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição. O entendimento formulado pela Autoridade Tributária, a pretexto de uma interpretação conjugada de normas, ignora completamente estes critérios e passa a ter como assente um outro, não expresso na lei, e que resulta de uma disposição que é aplicável à determinação do valor patrimonial tributável para efeitos de IMT e não à determinação do lucro tributável para efeitos de IRC. [...]" v. p. 16 - sublinhados nossos.

L. Esta, por seu turno, tem como fundamentação essencial a que se segue:

"[...] Um aspecto que interessa, antes de mais, fazer notar é que as disposições em causa têm um distinto campo de aplicação.

O artigo 12.º do Código do IMT destina-se a fixar o valor tributável relativamente ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (artigo 2.º), podendo incidir simultaneamente com o imposto do selo (artigo 3.º), constituindo-se a obrigação tributária no momento em que ocorrer a transmissão.

Ao contrário, o artigo 64.º do Código do IRC pretende determinar as correcções a efectuar para o apuramento do lucro tributável, quando haja lugar à transmissão onerosa de imóveis,

[...]

Não se vê, de todo o modo, a que título é que esta regra específica da determinação do valor tributável para efeitos de IMT opera a derrogação do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, implicando o afastamento da fórmula que aí se encontra prevista para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa.

Compreende-se que nas situações consideradas na falada norma da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não subsistam as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transações, pelo que não se torna necessário comparar o valor declarado com o valor patrimonial (cf. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, Coimbra, 2010, pág. 211). No entanto, a ratio legis que torna justificável essa solução para a fixação do valor tributável em IMT não tem de ser transposta para as correcções a efectuar no âmbito do apuramento do lucro tributável em IRC, nem pode justificar a revogação parcial do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC apenas para os casos em que funcione a excepção à regra geral da determinação do valor tributável para efeitos de IMT. [...]" v. pp. 15-16 - sublinhados nossos.

M. Verifica-se, portanto, estar-se perante duas decisões que, versando sobre situações fácticas idênticas, sejam totalmente antagónicas entre si, pelo que deve assim o presente recurso ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos,

N. Devendo o mesmo ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, ser revogada a Decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, no mesmo sentido que a Primeira Decisão Fundamento.

O. O presente recurso baseia-se ainda numa segunda contradição, sobre outra questão fundamental de direito (a de saber se, nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente, ou o VPT da aquisição é o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição), entre a Decisão Recorrida e Decisão Arbitral de 14 de Março de 2022, proferida no âmbito do processo 44/2021-T, disponível para consulta em https://www.caad.org.pt/ e também já transitada em julgado.

P. Também aqui há identidade da questão de direito, portanto, em ambos os arestos aqui em confronto, a mesma foi a de saber se, para efeitos de aplicação do artigo 64.º do Código do IRC, estando em causa imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada (comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente), ou o VPT da aquisição é o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição - cf. pp. 22 e ss da Decisão recorrida (na parte "b) Correções decorrentes da não utilização do VPT definitivo nem do valor do ato à data de aquisição") e pp. 69 e ss da Decisão arbitral n.º 44/2021-T - doravante "Segunda Decisão Fundamento" - (dentro da parte "(ii) VPT para efeito de apuramento do resultado tributário sem ter havido recurso ao procedimento previsto no artigo 139.º, do CIRC (arts 64.º, do CIRC e 12.º-4, Regras 15.ª e 16.ª, do CIMT)").

Q. De facto, em ambas as Decisões Arbitrais, os colectivos foram chamados a decidir sobre a posição do Recorrente - Requerente em ambos os processos arbitrais em causa - quanto à forma de apurar o seu resultado fiscal ao abrigo do artigo 64.º do Código do IRC, quanto a imóveis que foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros.

R. Verifica-se igualmente identidade das situações fácticas nos casos em causa, pois a Decisão Arbitral recorrida apreciou a legalidade da liquidação adicional de IRC por referência ao exercício de 2017 do ora Recorrente, em resultado do Relatório de Inspecção Tributária, no que aqui releva, quanto à correção pelo adquirente dos imóveis quando adotou o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros do Recorrente.

S. Por sua vez, a Segunda Decisão Fundamento apreciou a legalidade da liquidação adicional de IRC por referência ao exercício de 2016 do ora Recorrente, em resultado do Relatório de Inspecção Tributária, no que aqui releva, quanto à correção pelo adquirente dos imóveis quando adotou o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros do Recorrente.

T. Assim, e como não podia deixar de ser, na Decisão recorrida e na Decisão fundamento, foi dado como provado que o ali Requerente - aqui Recorrente -, ao aplicar o artigo 64.º do Código do IRC no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, utilizava como valor de aquisição dos referidos imóveis o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente.

U. Não obstante as Decisões Arbitrais aqui em confronto terem decidido a mesma questão fundamental de direito, assentando em iguais pressupostos de facto e aplicando o mesmo normativo legal, resultam das mesmas soluções jurídicas totalmente opostas.

V. Efectivamente, na Decisão recorrida, o Tribunal Arbitral conclui que "[...] como o momento da aquisição se verifica quando o Banco adquire o bem imóvel objeto do contrato, os valores a considerar como sendo os valores patrimoniais tributários, dado o disposto [sic] no artigo 64.º do CIRC, são os correspondentes aos VPT que serviram ou serviriam de base à liquidação de IMT devido pelas respetivas aquisições, pelo que bem andou a AT em corrigir os valores de aquisição quando correspondente aos valores das prestações vincendas porque a isso se opõe uma mais adequada leitura do artigo 64.º [...]

Já atrás deixámos dito que no entender do Tribunal, nas situações de rescisão de contrato de leasing, com a consequente retoma dos imóveis que constituem o seu objeto, em circunstância nenhuma se pode considerar estarmos perante uma transmissão [...]" v. p. 25 - sublinhados nossos.

W. Ora, a Decisão Recorrida, fundamenta ainda, em síntese, com o seguinte:

"[...] Diz o querente [sic], em sua defesa, [...] a resolução do contrato de locação financeira equivale à extinção do direito do locatário e à recuperação da propriedade plena pelo locador". "Trata-se de uma situação semelhante à da extinção de qualquer outro direito real, como por exemplo o direito de usufruto".

Começando a análise por esta última afirmação, discorda-se da conclusão de que a consolidação que se verifica no usufruto corresponda, para efeitos fiscais, a uma transmissão.

Neste sentido, subscrevendo a tese que no entender do Tribunal mais se coaduna com a lei, ao contrário da posição do Requerente para efeitos do artigo 64.º do CIRC, a consolidação da propriedade com o usufruto não se configura como uma transmissão [...]

Face a tal posição, o argumentário do Requerente soçobra quando defende que a rescisão do contrato de leasing é equivalente a uma transmissão, aliás, como refere também a decisão proferida no Procº n.º 1752/15.9BEPRT [...]

Já atrás deixámos dito que no entender do Tribunal, nas situações de rescisão de contrato de leasing, com a consequente retoma dos imóveis que constituem o seu objeto, em circunstância nenhuma se pode considerar estarmos perante uma transmissão, nem sequer na perspectiva contabilística como se entendeu também no citado processo do TAF do Porto. [...]" v. pp. 22-25- sublinhados nossos.

X. Já na Segunda Decisão Fundamento, o Tribunal Arbitral concluiu que "[...] a resolução do contrato de locação financeira equivale a uma transmissão onerosa, a favor do locador, de direitos reais sobre imóveis e, consequentemente, o valor do ato ou contrato para efeitos do disposto no artigo 64.º, do CIRC, será o equivalente ao valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário e que corresponde ao valor das rendas vincendas à data da resolução e não ao valor de aquisição originário do imóvel.[...]" v. pp. 72-73-sublinhados nossos.

Y. Esta, por seu turno, tem como fundamentação essencial a que se segue:

"[...] Ora é certo que os imóveis objeto de locação financeira mantêm-se na esfera de domínio (propriedade) do locador.

70 Todavia, aquela norma (artigo 64.º, do CIRC) abrange na sua previsão quaisquer transmissões onerosas de direitos reais sobre imóveis (sublinhado nosso) [i.e., no original].

71 A esta luz e sendo evidente, no caso de locação financeira, que o direito de propriedade do locador não é pleno mas limitado pelo ónus de locação, a extinção deste pela resolução do contrato provoca a recuperação plena daquele direito por parte do locador.

[...] não sendo também irrelevante para esta conclusão a circunstância de que só com a resolução do contrato de locação financeira é que os imóveis objeto do mesmo passam ou devem passar a integrar e a ser tratados contabilisticamente como ativos do locador/proprietário. Até então o débito estava registado contabilisticamente, numa rubrica de crédito, o valor pelo qual foi adquirido o imóvel e na qual se creditavam as rendas que iam sendo faturadas durante a vigência do respetivo contrato. Só com a resolução é debitado, numa conta de ativos tangíveis para venda, o valor do imóvel por contrapartida do crédito da rubrica na qual se registava o capital em dívida." v. pp. 72-74 - sublinhados nossos.

Z. Consequentemente, existindo duas decisões que, versando sobre situações fácticas (não apenas idênticas, mas até) iguais, sejam totalmente antagónicas entre si, deverá assim o presente recurso ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos,

AA. Devendo o mesmo ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, ser revogada a Decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, no mesmo sentido que a Segunda Decisão Fundamento.

VI. PEDIDO

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as consequências legais e, em consequência:

[] ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; e

[] ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, ser revogada a Decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente."

O recurso foi admitido por despacho de 07-06-2022.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º n.º 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

"[...]

I. Em causa no presente recurso está a decisão arbitral proferida no processo 464/2021-T CAAD que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação parcial do ato de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2021 8500001781 e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 00002696712, respeitantes ao exercício de 2017.

II. O Recorrente defende que o Acórdão arbitral recorrido entra em contradição com «a Decisão Arbitral de 26 de Setembro de 2019, proferida no âmbito do processo 105/2019-T», quanto à questão «de saber se no caso dos imóveis alienados e adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, "o valor que serviu de base à liquidação do IMT", para efeitos do artigo 64.º, n.os 2 e 3, do Código do IRC, é o VPT definitivo, por um lado e conforme foi decidido na Decisão Fundamento, ou o preço constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, por outro e conforme foi decidido na Decisão Recorrida».

III. O Recorrente advoga, ainda, a existência de contradição com a «Decisão Arbitral de 14 de Março de 2022, proferida no âmbito do processo 44/2021-T», quanto à questão «de saber se, à luz do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e posteriormente alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente, por um lado e conforme foi decidido na Decisão Fundamento, ou o VPT da aquisição é o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição, por outro por um lado e conforme foi decidido na Decisão Recorrida».

IV. Constitui entendimento reiterado pela jurisprudência desse douto STA que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos é necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (ii) haja identidade na questão fundamental de direito, (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta (iv) que a oposição decorra de decisões expressas e não implícitas e (v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

V. Requisitos que, manifestamente, não se encontram reunidos para que se tenha por verificada a alegada contradição entre o Acórdão arbitral recorrido e o Acórdão fundamento, proferido no processo 105/2019-T.

VI. O Tribunal a quo apreciou a legalidade da correção efetuada pela Inspeção Tributária atinente aos imóveis adquiridos em dação ou arrematação judicial, a qual considerou, para efeitos da determinação do resultado tributário na respetiva transmissão, o VPT definitivo à data da aquisição, nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC e das regras constantes no n.º 4 do artigo 12.º do CIMT.

VII. Em desacordo com a correção, o Requerente arbitral, ora Recorrente, sustentou na ação arbitral o entendimento, coincidente com a que havia sustentado em sede inspetiva, de que o adquirente do imóvel está sempre obrigado a considerar como valor de aquisição para efeitos fiscais o VPT definitivo à data da alienação.

VIII. No que respeita à aplicação da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIRC, invocou o Requerente que o VPT a considerar é o VPT definitivo, e que este valor, o qual decorre da última avaliação efetuada ao imóvel, não deve ser confundido com o valor tributável para efeitos de IMT, não se reporta ao momento da aquisição, mas sim aquando da alienação, e, sempre que seja superior ao valor do contrato, é o que deve ser utilizado pelo adquirente para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC.

IX. O Tribunal a quo consignou que o «Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), previsto no Decreto-Lei 298/92, de 31 de dezembro», equacionando a questão a decidir nos seguintes termos:

«A primeira parcela das correções, no montante de (euro)3 995 851,19, diz respeito a imóveis alienados que antes haviam sido adquiridos por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial.

[...]

Ou seja, enquanto o Requerente entende que o referencial de comparação como alienante, mesmo no caso das aquisições em dação em pagamento ou ao estado ou arrematação judicial, é o VPT definitivo que consta na matriz à data da alienação, a AT considera que esse referencial é antes o valor do contrato, como resulta do artigo 64.º, n.º 3, alínea a) do CIRC dada a necessidade de conjugação desta norma com a regra constante na subalínea 16.ª, do n.º 4, do artigo 12.º do CIMT.».

X. O Tribunal a quo decidiu a questão submetida à sua apreciação aduzindo a seguinte fundamentação:

«A violação da lei que o Requerente imputa à liquidação tem que ver com a divergência na interpretação do artigo 64.º do CIRC no que se refere unicamente à noção de valor patrimonial definitivo (VPT) a considerar nas correções decorrentes da determinação do seu n.º 2 quando o sujeito passivo se encontra na posição de alienante.

Em geral, quando falamos de VPT definitivo, temos que pensar imediatamente nas regras do Código do IMI que é o diploma de referência no que respeita à determinação do valor dos imóveis para efeitos tributários, nomeadamente no artigo 7.º, deste diploma legal onde encontramos a definição legal de VPT.

Como ajuda a uma correta definição do conceito aqui em análise, há, primeiramente, que ter em conta que no quadro do novo sistema de avaliação patrimonial criado pelo Decreto-Lei 287/2003 "definitivo" era uma mera contraposição aos VPT "transitórios" que antecediam a sua fixação.

A noção final de VPT resulta da consideração do disposto também nos artigos 38.º a 46.º e 76.º do Código de IMI, ou seja, só depois de terem transitado em julgado as avaliações efetuadas nos termos do Código temos o VPT definitivo.

Todavia, diversos diplomas derrogam este conceito de VPT atentas as especificidades dos factos tributários que estejam em causa e consoante as finalidades da tributação em cada um dos impostos, e essa circunstância comprova-se desde logo por via do artigo 12.º do CIMT, para efeitos de liquidação de IMT, mas que também acontece, a nosso ver, no caso do artigo 64.º do CIRC em relação aos imóveis adquiridos por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial quando o respetivo valor de aquisição for inferior ao VPT.

Não encontramos nem letra nem na teleologia o artigo 64.º do CIRC fundamentação suficiente para concordar com a pretensão de que ele contém uma regra específica de determinação do valor patrimonial tributário definitivo diferente da regra do artigo 12.º do CIMT, para apuramento do valor tributável em sede de IRC, como defende o Requerente respaldado na decisão constante do Proc.º 105/2019-T, do CAAD.

Com efeito, dispõe o n.º 2 do artigo 64.º do CIRC que para efeitos de determinação do lucro nas transmissões onerosas de imóveis referidas no n.º 1, sempre que o valor do contrato seja inferior ao VPT definitivo, então é esse o que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante.

Todavia, o sujeito passivo deve efetuar "uma correção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato" que, por força do corpo no n.º 2 deste artigo 64.º, terá que ser o valor que serviu ou serviria de base para a liquidação do IMT.

Então, nos termos da lei, qual é o valor patrimonial definitivo que deve servir de base à liquidação de IMT sempre a ela haja lugar?

Aqui, obviamente, rege a norma decorrente do artigo 12.º do CIMT que prevê na regra 16.ª do n.º 4 que para efeitos desse imposto (IMT) o valor a considerar nos casos de aquisição de imóveis por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial, é o valor do contrato, pelo que para efeitos do artigo 64.º do CIRC temos que aceitar como valor patrimonial definitivo o que serve ou serviria de base à liquidação de IMT na alienação destes imóveis.

E entende-se a derrogação da regra geral nestes casos, para efeitos de IMT, porque como decidiu o Ac. proferido no Proc.º 01508/12, de 05/11/2014, do STA, "as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transações não existirão, por regra em condições normais, quando o facto tributário sujeito a imposto for a aquisição de imóveis ou direitos sobre eles ao Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais." E, citando José Maria Fernandes Pires (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pág. 211/213), acrescentava: "pelas mesmas razões referidas, a Lei manda alargar a sua aplicação a outras aquisições sujeitas a imposto em que essas entidades intervenham. É o caso das arrematações judiciais ou administrativas de bens imóveis". Referindo a norma que as transmissões em causa são as do número anterior e que o número anterior se refere ao valor tributário definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, então não restam dúvidas de que o CIRC não contém qualquer conceito de valor patrimonial tributário definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correções do artigo 64.º

Por outro lado, temos que ter em atenção o sentido da determinação do valor para efeito de IRC.

Se está em causa uma diferença (e, como se escrevia no Preâmbulo do Decreto-Lei 287/2003, é isso que está em causa: "os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável") não faz sentido o VPT ser o mesmo na data da aquisição e da alienação. O lucro tem de ser a diferença entre o preço de compra (antes) e o preço de venda (depois) - não pode ser determinado ao mesmo tempo. Se em vez de dois valores houver só um, não pode, por definição, haver lucro.

No fundo, acolhendo a pretensão do Requerente uma parte do seu ganho - a diferença entre o que pagou para adquirir os imóveis em hasta pública e a avaliação do VPT - não seria tributado. Na verdade, só seria tributada a diferença entre a avaliação do VPT (um valor atualizado) e o preço de venda que conseguisse por esses imóveis (algo mais do que o tal VPT).

Portanto, no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT, conforme o citado artigo 64.º do CIRC, não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do ato ou contrato, conforme a norma que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT.

E esta posição interpretativa tem também respaldo nas teses defendidas no Processo 1752/15.9BEPRT, de 15/06/2016 do TAF do Porto; no Proc.º 180/2015-T, de 17/11/2015, do CAAD; e no Proc.º 169/2018-T de 24/12/2018, do CAAD; Proc.º 1508/12, de 05/11/2012 e Proc.º 0816/08.8BECBR, de 21/11/2019, ambos do STA.».

XI. Nestes termos e conforme referido na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, é patente e notório que a razão da divergência entre o entendimento do Requerente e da AT, que foi acolhido na decisão recorrida, se prende com o momento a atender para efeitos de determinação do VPT definitivo, sustentando a Requerente que é relevante a data da alienação, sendo que os SIT defendem que a data a considerar, quanto ao sujeito passivo adquirente, é a data da aquisição.

XII. Questão esta que não foi apreciada na ação arbitral proferida no processo 105/2019-T, no âmbito da qual a Requerente arbitral, sociedade que exercia a atividade de compra e venda de imóveis e construção de edifícios e que no exercício objeto de inspeção adquiriu imóveis em processo de execução fiscal, apenas alegou que era aplicável, naquele caso, o disposto no artigo 64.º do CIRC, e não o disposto na regra 16.ª do n.º 4 do Artigo 12.º do CIMT.

XIII. Tendo o Acórdão fundamento consignado que «a Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., de que resultaram correções à matéria coletável em IRC no valor de (euro) 1 250 690,50, respeitantes à não aceitação como gastos para efeitos fiscais das despesas de deslocação de administradores e funcionários ao Brasil e a não dedução da diferença entre os valores patrimoniais tributáveis e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados no período de tributação, em aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC».

XIV. Refere o Acórdão fundamento:

«Deduções indevidas por aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC

7 - Tendo adquirido dois imóveis em processo de execução fiscal, a Requerente, para apuramento do resultado tributável de 2015 acresceu a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da transmissão, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea a), e deduziu a diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea a).

Deste modo, e como resulta da matéria de facto dada como assente (alíneas E) e F)), em relação a um imóvel, a Requerente acresceu o valor de (euro) 50.356,20, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário ((euro) 165.356,20) e o valor da transmissão ((euro) 115.000,00), e deduziu o valor de (euro) 91.356,20, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário (euro) 165.356,20) e o valor da aquisição (74.000,00). Em relação a um outro imóvel, a Requerente acresceu 0,00, por não se verificar uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário ((euro) 860.810,00) e o valor da transmissão ((euro) 937.500,00), e deduziu o valor de (euro) 622.850,00, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário ((euro) 1.197.850,00) e o valor da aquisição ((euro) 575.000,00). Sendo que, neste caso, a diferença de montantes registada relativamente ao valor patrimonial tributário resulta do facto de este valor se encontrar fixado em (euro) 1.197.850,00, à data da aquisição, e em (euro) 860.810,00, à data da venda, por efeito de um pedido de avaliação.

A Autoridade Tributária entende, no entanto, que, por força da subalínea 16. do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, nas situações em que os imóveis são adquiridos em arrematação judicial, o valor é o do preço constante do acto ou do contrato, não se enquadrando nas situações normais de mercado, pelo que o sujeito passivo deve registar o valor da aquisição na rúbrica de inventários e ter em conta esse valor numa futura transmissão do imóvel para efeito do apuramento do lucro tributável, não havendo que ter em consideração a diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição.».

XV. In casu, a IT procedeu às correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis na estrita observância do que dispõe a alínea b) do n.º 3 artigo 64.º do CIRC para apuramento do resultado fiscal do exercício, pois bem concluíram os SIT que «na perspetiva do adquirente, o momento a ter em conta, para efeitos de apuramento do VPT definitivo é o da aquisição do bem que, quando alienado, pode ou não resultar numa dedução no âmbito do apuramento do lucro tributável».

XVI. A IT não aceitou a dedução da diferença entre os valores patrimoniais tributáveis e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados no período de tributação, em aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC.

XVII. Pelo que, não foi apreciada a mesma questão fundamental de direito em idênticas situações de facto, inexistindo qualquer oposição de soluções jurídicas.

XVIII. Acresce referir que a decisão recorrida, no sentido de enquadrar a factualidade apurada no § 16º do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT é totalmente coincidente com a jurisprudência recente vertida no acórdão do STA de 21-11-2019, proferido no processo 0816/08.0BECBR 0558/17.

XIX. Assim, a decisão recorrida quando rejeita o entendimento do Requerente, sustentado na decisão arbitral proferida no processo 105/2019-T, no sentido de que «o artigo 12.º do Código do apenas estabelece as regras aplicáveis à determinação do valor tributável (e não do valor patrimonial tributário) para efeitos de IMT», é totalmente conforme com a jurisprudência do mais alto tribunal da jurisdição tributária - esse douto STA.

XX. Resulta, pois, plenamente demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 152.º do CPTA.

XXI. No entanto, por mera hipótese e sem conceder, caso entenda esse douto STA conhecer do mérito da decisão, cumpre salientar que a AT mantém o entendimento propugnado na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, no sentido da legalidade da correção efetuada pela Inspeção Tributária, nos termos melhor explicitados na decisão arbitral recorrida, a cujo teor se adere na totalidade.

XXII. Quanto à questão respeitante aos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o Requerente invocou como fundamento o Acórdão proferido no processo 44/2021-T, o qual incorre em manifesto erro de julgamento.

XXIII. O dissídio que está na origem da correção apreciada pelo Tribunal a quo decorre de diferentes entendimentos sobre a determinação do valor de aquisição de bens imóveis alienados na sequência de rescisão antecipada dos contratos de locação financeira.

XXIV. O Requerente arbitral, ora Recorrente, defende que o valor de aquisição corresponde ao montante das rendas vincendas (montante em dívida no momento da rescisão antecipada do contrato) aquando da rescisão do contrato, ao passo que os SIT consideram que é o valor de aquisição originário dos imóveis alienados.

XXV. Em consonância com tal entendimento, os SIT consideram também que, para efeitos do ajustamento a efetuar pelo adquirente do imóvel, decorrente da adoção do VPT definitivo para a determinação do lucro tributável, aquando da alienação, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC, o VPT a comparar com o valor de aquisição é o VPT definitivo à data da aquisição e não à data da alienação.

XXVI. Os fundamentos subjacentes à posição dos SIT prendem-se com os efeitos jurídicos e fiscais dos contratos de locação financeira, que não comportam a transmissão do imóvel locado para o locatário, portanto, a rescisão do contrato permite ao locador recuperar a disponibilidade de utilização do bem, mas não constitui face à lei uma nova aquisição do bem, desta feita, ao locatário.

XXVII. Efetivamente, um imóvel locado nunca deixa de ser propriedade do Requerente durante a vigência dos contratos de locação financeira, portanto, a rescisão antecipada do contrato não é equiparável a uma aquisição para efeitos do IMT e igualmente para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC, pese embora, do ponto de vista contabilístico, o bem imóvel seja reintegrado no ativo da locadora.

XXVIII. Todavia, o valor de "reintegração" do bem no ativo não será certamente o montante em dívida à data da rescisão do contrato, pois tal montante incorpora a componente relativa ao financiamento concedido ao locatário.

XXIX. Pelo que, como bem conclui o RIT: «Assim, ao contrário do que argumenta o banco, o valor de aquisição do bem não pode ser o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada dos contratos, uma vez que esse não é o momento em que o locador adquire juridicamente a propriedade sobre o bem objeto de locação. Por conseguinte, também não tem lógica comparar esse valor com o VPT do imóvel (locado) na data da sua alienação a terceiro, devendo o valor de aquisição ser comparado com o VPT existente à data da aquisição do bem, uma vez que a transmissão do bem para o banco ocorreu nessa data.».

XXX. Ora, o Acórdão recorrido perfilhou o entendimento dos SIT, bem como aderiu à jurisprudência vertida na sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 1752/15.9BEPRT, fundamentando cabalmente a rejeição da argumentação do Recorrente, nos termos melhor explicitados na douta decisão arbitral, que se reproduz integralmente.

XXXI. Assim, a fundamentação legal que sustenta a decisão arbitral recorrida, a cujo teor se adere na totalidade, não padece de qualquer vício de ilegalidade, pelo que deve ser mantida.

XXXII. Ao contrário do Acórdão fundamento, o qual incorre em errónea interpretação do artigo 64.º do CIRC, como, aliás, resulta da argumentação expendida na Resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral e do RIT.

XXXIII. Limitando-se o Tribunal arbitral a fundamentar a sua decisão no entendimento perfilhado no Acórdão proferido no processo 371/2017-T, o qual para além de ter sido declarado nulo pelo TCA, por vício de incompetência material em razão do valor, foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional interposto pela AT e pelo MP.

XXXIV. O Acórdão recorrido deve, por tudo o exposto, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser rejeitado ou ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Arbitral na ordem jurídica, assim se fazendo Justiça."

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que na primeira situação apontada nos autos (processos 105/2019-T e 464/2021-T) não existe identidade de situações fácticas pelo que, não estão reunidos os requisitos para o conhecimento do mérito do presente recurso nesta sede, referindo que, em relação à segunda situação (processos 464/2021-T e 44/2021-T), mostram-se preenchidos os requisitos para o conhecimento do presente recurso pelo STA, devendo ser fixada jurisprudência no sentido propugnado na Decisão Arbitral recorrida e julgar-se improcedente o recurso.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.

*

2 - FUNDAMENTOS

2.1 - DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

"...

1 - Factos dados como provados

a) O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), previsto no Decreto-Lei 298/92, de 31 de dezembro.

b) Com referência ao exercício de 2017 foi objeto de exame à escrita daquele exercício, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, do qual resultaram diversas correções em sede de IRC e de Imposto do Selo ("IS"), conforme se constata do respetivo de relatório de Inspeção Tributária (RIT) junto aos autos.

c) Das correções efetuadas no exame e constantes do Relatório final junto, que aqui se dá por reproduzido e com base no qual as partes assentam os fundamentos e os seus argumentos, relevam para o presente pedido de pronúncia arbitral unicamente as seguintes, no valor de (euro)4 549 786,59:

Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do art. 64.º do CIRC)

A - Imóveis adquiridos sob a forma de arrematação judicial (euro)3.995.851,19 (pág. 30/118 do PA e Anexo 9 do Relatório)

B - Imóveis com não utilização do VPT definitivo nem do valor do ato à data de aquisição (euro)299.803,55 (Pág. 34/118 e Anexo 10 do Relatório)

C - Imóveis adquiridos antes da vigência do artigo 64.º do CIRC (euro)254.131,85 (pág. 35/118 e anexo XI do Relatório)

d) O Requerente exerceu o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, o que fez, por escrito, em 07.04.2019, conforme documentos incluídos no processo administrativo instrutor, tendo a AT mantido a sua posição conforme pág. 92 e seguintes do Relatório Final datado de 8/04/2021.

e) Com base nas diversas correções enumeradas no relatório, nas quais se incluem aquelas cuja legalidade é sindicada neste processo arbitral, a AT efetuou a liquidação de IRC acima identificada, referente ao exercício de 2017, onde apurou, ainda assim, um reembolso de (euro) 367 434,90 (doc. 1), face à Declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente.

2 - Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Não existem outros factos com relevo para a decisão do mérito da causa que devam considerar-se como não provados.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e dos que constam do processo administrativo.

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes no que tange à matéria de facto, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cf. artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada."

Por sua vez, o primeiro acórdão fundamento (processo 105/2019-T) relevou a seguinte matéria de facto:

"[...]

A) A Requerente exerce a actividade de compra e venda de imóveis e construção de edifícios;

B) Relativamente ao exercício do ano 2015, a Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201701583, de que resultaram correções à matéria coletável em IRC no valor de (euro) 1 250 690,50, respeitantes à não aceitação como gastos para efeitos fiscais das despesas de deslocação de administradores e funcionários ao Brasil e a não dedução da diferença entre os valores patrimoniais tributáveis e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados no período de tributação, em aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC;

C) Não concordando com os termos e fundamentos das correções efetuadas, a Requerente apresentou reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho do Director adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, de 16 de Novembro de 2018, praticado ao abrigo de subdelegação de competências;

D) O Relatório de Inspecção Tributária não aceitou para efeitos fiscais as despesas de deslocação ao estrangeiro inscritas na conta 625112 - deslocações e estadas, no valor de (euro) 46.129,00, com o seguinte fundamento:

"Verifica-se que os gastos para serem dedutíveis devem estar devidamente documentados, residindo na necessidade de comprovação das despesas realizadas e nesse caso o contribuinte deve fazer prova dos gastos incorridos. Para que um custo comprovado seja dedutível fiscalmente em sede de IRC, não basta a apresentação de documentos justificativos/facturas, é necessário demonstrar que os mesmos contribuíram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do artigo 23.º do CIRC";

E) Na declaração de modelo 22 do IRC relativa ao ano de 2015, a Requerente inscreveu, relativamente ao prédio urbano ..., adquirido em 26 de Março de 2014, o valor patrimonial tributário ((euro) 165.356,20), o valor da aquisição (74.000,00) e o valor da venda realizada em 26 de Janeiro de 2015 ((euro) 115.000,00), e, em função desses valores, acresceu no campo 745 o montante de (euro) 50.356,20 e deduziu no campo 772 o montante de (euro) 91.356,20;

F) Na mesma declaração de modelo 22 do IRC, a Requerente inscreveu, relativamente ao prédio urbano ..., adquirido em 23 de Abril, de 2014, o valor patrimonial tributário à data da escritura ((euro) 1.197.850,00), depois corrigido para (euro) 860.810,00, valor correspondente à avaliação entretanto requerida, o valor da aquisição ((euro) 575.000,00) e o valor da venda realizada em 3 de Dezembro de 2015 ((euro) 937.500,00), e, em função desses valores, acresceu 0,00 no campo 745 e deduziu no campo 772 o montante de (euro) 622.850,00;

G) O Relatório de Inspecção Tributária considerou que, no caso de arrematação judicial de imóveis, por força da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, o sujeito passivo deve registar os imóveis na rúbrica inventários pelo valor da respectiva aquisição, relevando este valor numa futura transmissão dos imóveis para efeitos do apuramento do resultado tributável, não havendo assim que atender à diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição; e, nesse sentido, operou a correcção do lucro tributável em (euro) 714.206,20, correspondente à soma das deduções inscritas pelo sujeito passivo no campo 772 do quadro 07 da declaração de modelo 22:

H) Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária, por remissão para a informação elaborada pela Divisão de Justiça Administrativa, manteve os fundamentos constantes do Relatório de Inspecção Tributária para justificar as correcções do lucro tributável;

I) A Agência ... emitiu duas facturas recibo em nome da Requerente, com data de 22 e 25 de Dezembro de 2015, no montante de (euro) 20.929,00 e (euro) 25.000,00, respectivamente, referente a despesas de deslocação ao estrangeiro;

J) Por escritura pública data de 23 de Abril de 2015, a Requerente adquiriu no âmbito do processo de insolvência n.º 211/11.3TYLSB, do 2.º juízo do tribunal de comércio de Lisboa, um prédio urbano pelo valor de 1.197.850,00;

K) Por escritura pública datada de 26 de Março de 2014, a Requerente adquiriu no âmbito do processo de insolvência n.º 898/11.7TLBPDL, um prédio urbano pelo valor de 74.000,00.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária. Os factos constantes das alíneas J, K e L encontram-se provados pelos documentos n.os 4, 7 e 8 juntos com a petição inicial."

Por seu lado, o segundo acórdão fundamento (processo 44/2021-T) relevou a seguinte matéria de facto:

"[...]

i) O Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas ("IRC") n.º 2020 ... e demonstração n.º 2020 ... relativas ao ano de imposto de 2016, tendo sido notificado do despacho de indeferimento da mesma, de 14-10-2020 da unidade dos grandes contribuintes (cfr PA e documentos juntos);

ii) O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), previsto no Decreto-Lei 298/92, de 31 de dezembro;

iii) As correções efetuadas com referência ao exercício de 2016 foram as seguintes:

[IMAGEM]

iv) Na sequência de tais correções, o Requerente foi notificado, em 05.02.2020, do ato tributário de liquidação mencionado anteriormente, em (i) e documentado, que apura um montante de IRC a reembolsar de (euro) 18.623.278,68;

v) A AT procedeu [no que releva para a apreciação do presente pedido de pronúncia arbitral - PPA] com base no entendimento de que as perdas por imparidade relativas a suprimentos e prestações acessórias, constituídas no período de tributação de 2016, não integrariam o conceito de "aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal" e que, como tal, não foram fiscalmente aceites

vi) Nos citados suprimentos e prestações acessórias atribuídos à ..., S. A., à ... SGPS, S. A., à ... - Processamento Alimentar, SGPS, S. A. e à ..., SGPS, S. A., [como o demonstram os respetivos contratos e acordos celebrados entre o Requerente, os demais bancos envolvidos e aquelas sociedades (Cf., respetivamente, Anexos I, II, III e IV do documento n.º 3]), estava em causa a reestruturação financeira e societária de sociedades participadas por aqueloutras sociedades, quais sejam, a ..., S. A., ..., S. A., ... e Filhos, SGPS, S. A. e os Grupos ..., ... e ... & Filhos, respetivamente (.)".

vii) Em todos os casos considerou-se que as empresas participadas tinham potencial de desenvolvimento e de valorização, sendo inegável o interesse do Requerente no processo de reestruturação financeira e societária das mesmas, designadamente ao nível da recuperação dos créditos que (o requerente) detinha nessas sociedades.

viii) No caso da sociedade B... - Sociedade Imobiliária de ..., Lda. (B...), estavam em causa perdas por imparidades reforçadas pelo Requerente durante o exercício de 2016 tendo por base a perda de valor daquela sociedade (cf. Anexo VI do documento n.º 3).

ix) Em novembro de 2016, a B... procedeu à alienação do edifício sito em Paço d'Arcos pelo montante de (euro) 5.200.000,00.

x) A constituição de provisões para menos valias de outras aplicações decorre do Aviso 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, o qual dispõe no seu n.º 1, parágrafo 2.º, alínea e), que "As instituições de crédito e as sociedades financeiras, incluindo as sucursais de instituições com sede em países não pertencentes à União Europeia, umas e outras adiante designadas por instituições, são obrigadas a constituir provisões, nas condições indicadas no presente aviso, com as seguintes finalidades: e) Para menos-valias de outras aplicações (...)".

xi) Para efeitos do cálculo das perdas por imparidade/provisões para menos-valias de outras aplicações preceitua o parágrafo 1.º do n.º 11 do Aviso 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, que tais provisões "(...) devem corresponder ao total das diferenças apuradas entre o custo das aplicações, nomeadamente as decorrentes da recuperação de créditos, e o respectivo valor de mercado, quando este for inferior àquele.", disposição aquela que o artigo 28.º-C do Código do IRC reproduz quando este remete para o Aviso do Banco de Portugal ao estabelecer no seu n.º 5 que "O regime constante do presente artigo, em tudo o que não estiver aqui especialmente previsto, obedece à regulamentação específica aplicável".

xii) O Requerente deduziu no campo 772 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos referente ao exercício de 2016 a quantia de (euro) 6.347.572,70 [(euro) 4.329.379,67+(euro) 2.018.193 - Cfr III. 1.1.6., do mapa de correções mencionado supra, em (iii)], a título de "(.) correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do art. 64.º, do CIRC";

xiii) Os serviços de inspeção tributária discordaram dos valores apurados pelo Requerente, decorrentes da adoção do VPT definitivo, promovendo a reversão da referida correção no citado montante de (euro) 6.347.572,70 ((euro) 4.329.379,67 relativos a "Recuperação Habitação e Outros", acrescidos (euro) 1.218.454,71 e (euro) 799.738,32 relativos a "Recuperação de Leasing", no primeiro caso relativamente a "imóveis objeto de contratos de locação financeira imobiliária celebrados em 2016" e no segundo caso "outras situações") - cf. p. 42/175, p. 43/175 e p. 45/175, respetivamente, do Documento n.º 4 -...

xiv) Entendendo que "nos casos em que os imóveis foram adquiridos por dação em pagamento, o valor patrimonial tributável a considerar será o que se encontrava legalmente determinado à data de aquisição daqueles e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (VPT ou quantia em dívida) e...

xv)...por outro lado, se os imóveis foram arrematados judicialmente o valor tributável corresponderá ao valor da arrematação e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis" - cf. p. 42/175, p. 43/175 e p. 45/175, respetivamente, do Documento n.º 4.

xvi) Entende ainda a AT, para os casos em que os imóveis foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, "o valor de aquisição dos bens imóveis a considerar deverá ser o valor da transmissão onerosa ocorrida no momento em que o banco efetuou a aquisição do imóvel e não o valor das rendas vincendas aquando da rescisão do contrato por parte do locatário." (cf. p. 45/175 do documento n.º 4)

xvii) Para efeitos de determinar se, relativamente a estes imóveis, havia lugar à correção prevista no artigo 64.º do Código do IRC, o Requerente considerou como valor de aquisição o valor constante da escritura de dação ou do auto de adjudicação do imóvel, comparando-o com o valor patrimonial tributário definitivo à data; quando o valor de aquisição era inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel, o Requerente procedeu à dedução da diferença.

xviii) Do relatório da inspeção tributária, em cujas conclusões se fundou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa citada, consta designadamente, o seguinte:

[IMAGEM]

[...]"

Motivação

20 Relativamente à fixação da matéria de facto, deverá preliminarmente ser assinalado que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim e apenas o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe e impõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.os 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

21 Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo, para além da citada, outra factualidade que seja relevante para a correta composição da lide arbitral.

22 Para a convicção do Tribunal foram essenciais os documentos juntos aos autos, a cópia do processo administrativo instrutor, com o relatório e conclusões dos serviços de inspeção tributária e que esteve na base do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e da consequente liquidação (transcrevem-se supra, nos factos provados, excertos relevantes para o objeto do pedido) e a posição das partes espelhadas nos respetivos articulados, tudo analisado de forma crítica por este colégio arbitral de modo a concluir que a controvérsia espelhada nos autos não é de facto mas essencialmente de direito."

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2.2 - DE DIREITO

2.2.1 - Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. n.º 464/2021-T - que julgou totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC, n.º 2021 8500001781, e correspondente acerto de contas n.º 2021 00002696712 referentes ao exercício de 2017, que apurou um montante de (euro) 367.434, 90 a reembolsar, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, com base em oposição de acórdãos, apontando como decisões fundamento, as decisões arbitrais proferidas no âmbito do Proc. n.º 105/2021-T e 44/2021-T.

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é [...] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - doravante identificado pela sigla "RJAT");

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. n.º 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível "que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. n.º 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. n.º 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279.º pp. 400/403.)".

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:

A Recorrente começa por identificar a questão fundamental de direito, objecto de contradição entre a Decisão Recorrida e a Decisão fundamento proferida no processo 105/2019, na conclusão D., da seguinte forma: "no caso dos imóveis alienados e adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, para efeitos do artigo 64.º, n.os 2 e 3, do Código do IRC, é o VPT definitivo ou o preço constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT".

Pois bem, na decisão arbitral recorrida, a matéria em apreço foi introduzida da seguinte forma:

"A primeira parcela das correções, no montante de (euro)3 995 851,19, diz respeito a imóveis alienados que antes haviam sido adquiridos por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial.

Alega o Requerente que procedeu às correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis na estrita observância do que dispõe a alínea b) do n.º 3 artigo 64.º do CIRC para apuramento do resultado fiscal do exercício, considerando, como é seu entendimento, como valor de aquisição o VPT definitivo à data da alienação.

A AT, com uma leitura diferente sobre o que está disposto naquele artigo 64.º do CIRC, efetuou correções no citado montante defendendo que "Sempre que se estiver perante situações previstas no n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, os valores normais de mercado não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e quando estivermos perante imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, ou mediante arrematação judicial ou administrativa, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, conforme consta expressamente da redação do artigo 64.º do CIRC, não é o VPT definitivo, mas sim o valor constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT.".

Ou seja, enquanto o Requerente entende que o referencial de comparação como alienante, mesmo no caso das aquisições em dação em pagamento ou ao estado ou arrematação judicial, é o VPT definitivo que consta na matriz à data da alienação, a AT considera que esse referencial é antes o valor do contrato, como resulta do artigo 64.º, n.º 3, alínea a) do CIRC dada a necessidade de conjugação desta norma com a regra constante na subalínea 16.ª, do n.º 4, do artigo 12.º do CIMT.

Esta matéria já se encontra tratada na jurisprudência, tanto judicial como arbitral, sem, contudo, o entendimento final ter reunido consenso(1), embora com tendência maioritária. ...".

Por seu lado, na decisão arbitral fundamento no âmbito do Proc. n.º 105/2019-T começou por ser ponderado o seguinte:

"...

Tendo adquirido dois imóveis em processo de execução fiscal, a Requerente, para apuramento do resultado tributável de 2015 acresceu a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da transmissão, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea a), e deduziu a diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea a).

Deste modo, e como resulta da matéria de facto dada como assente (alíneas E) e F), em relação a um imóvel, a Requerente acresceu o valor de (euro) 50.356,20, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário ((euro) 165.356,20) e o valor da transmissão ((euro) 115.000,00), e deduziu o valor de (euro) 91.356,20, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário ((euro) 165.356,20) e o valor da aquisição (74.000,00). Em relação a um outro imóvel, a Requerente acresceu 0,00, por não se verificar uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário ((euro) 860.810,00) e o valor da transmissão ((euro) 937.500,00), e deduziu o valor de (euro) 622.850,00, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário ((euro) 1.197.850,00) e o valor da aquisição ((euro) 575.000,00). Sendo que, neste caso, a diferença de montantes registada relativamente ao valor patrimonial tributário resulta do facto de este valor se encontrar fixado em (euro) 1.197.850,00, à data da aquisição, e em (euro) 860.810,00, à data da venda, por efeito de um pedido de avaliação.

A Autoridade Tributária entende, no entanto, que, por força da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, nas situações em que os imóveis são adquiridos em arrematação judicial, o valor é o do preço constante do acto ou do contrato, não se enquadrando nas situações normais de mercado, pelo que o sujeito passivo deve registar o valor da aquisição na rúbrica de inventários e ter em conta esse valor numa futura transmissão do imóvel para efeito do apuramento do lucro tributável, não havendo que ter em consideração a diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição.

Esse critério encontra-se em consonância com o exposto no Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, publicado sob a égide da Autoridade Tributária, em que se refere que, na situação particular em que o imóvel é adquirido mediante arrematação judicial por valor inferior ao valor patrimonial tributário, não se procede à correcção do valor da aquisição no campo 772 do quadro 07 da declaração modelo 22, visto que, à luz da referida disposição do Código do IMT, o valor da aquisição que releva é o preço do acto ou do contrato e não o valor patrimonial tributário (Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, edição da Autoridade Tributária e Aduaneira, 2016, págs. 289-290).

Para dilucidar a questão interessa ter presentes, por conseguinte, as referidas disposições dos artigos 64.º do Código do IRC e 12.º do Código do IMT. ...".

Nesta sequência, as duas decisões arbitrais apontadas procedem à transcrição do art. 64.º do CIRC e do art. 12.º do CIMT, referindo a decisão arbitral recorrida que:

"...

A noção final de VPT resulta da consideração do disposto também nos artigos 38.º a 46.º e 76.º do Código de IMI, ou seja, só depois de terem transitado em julgado as avaliações efetuadas nos termos do Código temos o VPT definitivo.

Todavia, diversos diplomas derrogam este conceito de VPT atentas as especificidades dos factos tributários que estejam em causa e consoante as finalidades da tributação em cada um dos impostos, e essa circunstância comprova-se desde logo por via do artigo 12.º do CIMT, para efeitos de liquidação de IMT, mas que também acontece, a nosso ver, no caso do artigo 64.º do CIRC em relação aos imóveis adquiridos por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial quando o respetivo valor de aquisição for inferior ao VPT.

Não encontramos nem letra nem na teleologia o artigo 64.º do CIRC fundamentação suficiente para concordar com a pretensão de que ele contém uma regra específica de determinação do valor patrimonial tributário definitivo diferente da regra do artigo 12.º do CIMT, para apuramento do valor tributável em sede de IRC, como defende o Requerente respaldado na decisão constante do Proc.º 105/2019-T, do CAAD.

Com efeito, dispõe o n.º 2 do artigo 64.º do CIRC que para efeitos de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imóveis referidas no n.º 1, sempre que o valor do contrato seja inferior ao VPT definitivo, então é esse o que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante.

Todavia, o sujeito passivo deve efetuar "uma correção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato" que, por força do corpo no n.º 2 deste artigo 64.º, terá que ser o valor que serviu ou serviria de base para a liquidação do IMT.

Então, nos termos da lei, qual é o valor patrimonial definitivo que deve servir de base à liquidação de IMT sempre que a ela haja lugar?

Aqui, obviamente, rege a norma decorrente do artigo 12.º do CIMT que prevê na regra 16.ª do n.º 4 que para efeitos desse imposto (IMT) o valor a considerar nos casos de aquisição de imóveis por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial, é o valor do contrato, pelo que para efeitos do artigo 64.º do CIRC temos que aceitar como valor patrimonial definitivo o que serve ou serviria de base à liquidação de IMT na alienação destes imóveis.

E entende-se a derrogação da regra geral nestes casos, para efeitos de IMT, porque como decidiu o Ac. proferido no Proc.º 01508/12, de 05/11/2014, do STA, "as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transações não existirão, por regra em condições normais, quando o facto tributário sujeito a imposto for a aquisição de imóveis ou direitos sobre eles ao Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais." E, citando José Maria Fernandes Pires (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pág. 211/213), acrescentava: "pelas mesmas razões referidas, a Lei manda alargar a sua aplicação a outras aquisições sujeitas a imposto em que essas entidades intervenham. É o caso das arrematações judiciais ou administrativas de bens imóveis". Referindo a norma que as transmissões em causa são as do número anterior e que o número anterior se refere ao valor tributário definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, então não restam dúvidas de que o CIRC não contém qualquer conceito de valor patrimonial tributário definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correções do artigo 64.º

Por outro lado, temos que ter em atenção o sentido da determinação do valor para efeito de IRC.

Se está em causa uma diferença (e, como se escrevia no Preâmbulo do Decreto-Lei 287/2003, é isso que está em causa: "os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável") não faz sentido o VPT ser o mesmo na data da aquisição e da alienação. O lucro tem de ser a diferença entre o preço de compra (antes) e o preço de venda (depois) - não pode ser determinado ao mesmo tempo. Se em vez de dois valores houver só um, não pode, por definição, haver lucro.

No fundo, acolhendo a pretensão do Requerente uma parte do seu ganho - a diferença entre o que pagou para adquirir os imóveis em hasta pública e a avaliação do VPT - não seria tributado. Na verdade, só seria tributada a diferença entre a avaliação do VPT (um valor atualizado) e o preço de venda que conseguisse por esses imóveis (algo mais do que o tal VPT).

Portanto, no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT, conforme o citado artigo 64.º do CIRC, não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do ato ou contrato, conforme a norma que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT.

E esta posição interpretativa tem também respaldo nas teses defendidas no Processo 1752/15.9BEPRT, de 15/06/2016 do TAF do Porto; no Proc.º 180/2015-T, de 17/11/2015, do CAAD; e no Proc.º 169/2018-T de 24/12/2018, do CAAD; Proc.º 1508/12, de 05/11/2012 e Proc.º 0816/08.8BECBR, de 21/11/2019, ambos do STA. ...".

Pela decisão arbitral fundamento no âmbito do Proc. n.º 105/2019-T foi relevado o seguinte:

"...

Um aspecto que interessa, antes de mais, fazer notar é que as disposições em causa têm um distinto campo de aplicação.

O artigo 12.º do Código do IMT destina-se a fixar o valor tributável relativamente ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (artigo 2.º), podendo incidir simultaneamente com o imposto do selo (artigo 3.º), constituindo-se a obrigação tributária no momento em que ocorrer a transmissão.

Ao contrário, o artigo 64.º do Código do IRC pretende determinar as correcções a efectuar para o apuramento do lucro tributável, quando haja lugar à transmissão onerosa de imóveis, estipulando, no essencial, as seguintes regras: (a) os alienantes e adquirentes devem adoptar os valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões; (b) quando o valor do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar para determinação do lucro tributável; (c) nesta última hipótese, ou seja, quando o valor o contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário, o sujeito passivo alienante efectua uma correcção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor constante do contrato; o sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável relativamente ao imóvel.

Por efeito das referidas regras das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, no caso em que haja lugar à ulterior transmissão de imóveis que tenham sido antes adquiridos, o sujeito passivo, na condição de alienante, acresce no campo 745 do quadro 07 a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor do contrato de venda, e, na condição de adquirente, deduz no campo 772 do quadro 07 a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor do contrato de compra.

Certo é que o artigo 12.º do Código do IMT fixa uma regra própria para a fixação do valor tributável relativamente a imóveis adquiridos mediante arrematação judicial, fazendo-o coincidir com o preço do acto ou do contrato, significando que, nesse caso, fica afastada a regra geral do n.º 1 desse artigo, não havendo que tomar em consideração o valor patrimonial tributário. Isto é, em geral, o IMT incide sobre o maior dos valores a considerar de entre o valor do contrato ou o valor patrimonial tributário (n.º 1). Salvo se a aquisição ocorrer no âmbito de uma arrematação judicial (ou em qualquer dos outros casos elencados na subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º), caso em que não há que estabelecer qualquer termo de comparação com o valor patrimonial tributário, entendendo-se como valor tributável para efeito do pagamento do imposto é o do próprio preço do contrato.

Não se vê, de todo o modo, a que título é que esta regra específica da determinação do valor tributável para efeitos de IMT opera a derrogação do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, implicando o afastamento da fórmula que aí se encontra prevista para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa.

Compreende-se que nas situações consideradas na falada norma da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não subsistam as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transações, pelo que não se torna necessário comparar o valor declarado com o valor patrimonial (cf. JOSÉ MARIA FERNANDES Pires, Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, Coimbra, 2010, pág. 211). No entanto, a ratio legis que torna justificável essa solução para a fixação do valor tributável em IMT não tem de ser transposta para as correcções a efectuar no âmbito do apuramento do lucro tributável em IRC, nem pode justificar a revogação parcial do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC apenas para os casos em que funcione a excepção à regra geral da determinação do valor tributável para efeitos de IMT.

Por outro lado, uma interpretação conjugada das disposições do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC e da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não pode conduzir à fixação de um sentido e alcance da lei que não tem na norma do artigo 64.º, n.º 3 a mínima correspondência verbal. Para a determinação do lucro tributável, esta norma prevê acréscimos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da alienação do imóvel, e deduções correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição. O entendimento formulado pela Autoridade Tributária, a pretexto de uma interpretação conjugada de normas, ignora completamente estes critérios e passa a ter como assente um outro, não expresso na lei, e que resulta de uma disposição que é aplicável à determinação do valor patrimonial tributável para efeitos de IMT e não à determinação do lucro tributável para efeitos de IRC.

Não podendo entender-se como válida a interpretação seguida pela Administração Tributária, à luz das regras de hermenêutica jurídica, o pedido mostra-se ser procedente nesta parte. ...".

Com este pano de fundo, em função do que ficou exposto, temos que as situações factuais que envolvem as decisões arbitrais referidas são substancialmente idênticas, sendo manifesto que tais decisões em confronto deram resposta divergente à questão que a recorrente erigiu como decidenda no presente recurso para uniformização de jurisprudência: "no caso dos imóveis alienados e adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, para efeitos do artigo 64.º, n.os 2 e 3, do Código do IRC, é o VPT definitivo ou o preço constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT".

Com efeito, a decisão arbitral recorrida conclui que no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT, conforme o citado artigo 64.º do CIRC, não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do ato ou contrato, conforme a norma que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT enquanto a decisão arbitral fundamento no âmbito do Proc. n.º 105/2019-T pugna pela aplicação da fórmula prevista no art. 64.º n.º 3 do CIRC para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa.

A Recorrente coloca depois uma outra questão fundamental de direito, objecto de contradição, agora entre a Decisão Arbitral Recorrida e a Decisão Arbitral de 14 de Março de 2022, proferida no âmbito do processo 44/2021-T, Decisão fundamento 44/2021-T (a de saber se, nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente, ou o VPT da aquisição é o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição).

Nesta sede, a decisão arbitral recorrida aponta, além do mais, que "... no entender do Tribunal, nas situações de rescisão de contrato de leasing, com a consequente retoma dos imóveis que constituem o seu objeto, em circunstância nenhuma se pode considerar estarmos perante uma transmissão, nem sequer na perspetiva contabilística como se entendeu também no citado processo do TAF do Porto.

Já no que refere à questão do que se considera ser o valor patrimonial definitivo, é aqui inteiramente aplicável o que ficou dito sobre as anteriores correções em contratos de aquisição de imóveis em processos judiciais, ou seja, o valor a considerar é como estabelece o n.º 1 do artigo 64.º, o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento da aquisição, porque no momento da rescisão do contrato, com a consequente consolidação do direito e propriedade, não há qualquer transmissão. A transmissão relevante dos contratos de leasing nestas circunstâncias é que ocorreu com a aquisição inicial do imóvel para o ceder mediante contrato ao locatário de tal contrato.

Entende-se, pois, não existir qualquer violação do artigo 64.º do CIRC por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira. ..."

Já na Decisão arbitral fundamento no âmbito do Proc. n.º 44/2021-T, considerou-se, designadamente, que: "... Ora é certo que os imóveis objeto de locação financeira mantêm-se na esfera de domínio (propriedade) do locador.

70 Todavia, aquela norma (artigo 64.º, do CIRC) abrange na sua previsão quaisquer transmissões onerosas de direitos reais sobre imóveis (sublinhado nosso).

71 A esta luz e sendo evidente, no caso de locação financeira, que o direito de propriedade do locador não é pleno mas limitado pelo ónus de locação, a extinção deste pela resolução do contrato provoca a recuperação plena daquele direito por parte do locador.

[...] não sendo também irrelevante para esta conclusão a circunstância de que só com a resolução do contrato de locação financeira é que os imóveis objeto do mesmo passam ou devem passar a integrar e a ser tratados contabilisticamente como ativos do locador/proprietário. Até então o débito estava registado contabilisticamente, numa rubrica de crédito, o valor pelo qual foi adquirido o imóvel e na qual se creditavam as rendas que iam sendo faturadas durante a vigência do respetivo contrato. Só com a resolução é debitado, numa conta de ativos tangíveis para venda, o valor do imóvel por contrapartida do crédito da rubrica na qual se registava o capital em dívida. ..."

Ora, também aqui, temos que as situações factuais que envolvem as decisões arbitrais referidas são substancialmente idênticas, estando em causa analisar a forma de apurar o resultado fiscal ao abrigo do artigo 64.º do Código do IRC, quanto a imóveis que foram adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, apontando-se que o Requerente (que é o mesmo nos dois processos), ao aplicar o artigo 64.º do Código do IRC no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, utilizava como valor de aquisição dos referidos imóveis o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente, verificando-se que, não obstante as Decisões Arbitrais aqui em confronto terem decidido a mesma questão fundamental de direito, assentando em iguais pressupostos de facto e aplicando o mesmo normativo legal, resultam das mesmas soluções jurídicas totalmente opostas, pois que, da decisão arbitral recorrida rematou no sentido de que o valor a considerar é como estabelece o n.º 1 do artigo 64.º, o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento da aquisição, porque no momento da rescisão do contrato, com a consequente consolidação do direito e propriedade, não há qualquer transmissão. A transmissão relevante dos contratos de leasing nestas circunstâncias é a que ocorreu com a aquisição inicial do imóvel para o ceder mediante contrato ao locatário de tal contrato, não existindo qualquer violação por parte da AT da norma apontada, sendo que a decisão arbitral fundamento no âmbito do Proc. n.º 44/2021-T concluiu que "[...] a resolução do contrato de locação financeira equivale a uma transmissão onerosa, a favor do locador, de direitos reais sobre imóveis e, consequentemente, o valor do ato ou contrato para efeitos do disposto no artigo 64.º, do CIRC, será o equivalente ao valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário e que corresponde ao valor das rendas vincendas à data da resolução e não ao valor de aquisição originário do imóvel.[...]".

Por último, diga-se que em qualquer das situações não se pode afirmar que a orientação perfilhada no acórdão arbitral recorrido esteja de acordo com jurisprudência recente e consolidada do S.T.A., no que diz respeito às questões de direito que ora nos ocupam.

Em conclusão, em qualquer dos casos, mostram-se reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 25.º n.º 2 do R.J.A.T. e no art. 152.º do C.P.T.A., pelo que se passará ao conhecimento do mérito do recurso.

*********

2.2.2 - Do Mérito do Recurso

Avançando, no que diz respeito à primeira questão enunciada nos autos, ou seja, "no caso dos imóveis alienados e adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, para efeitos do artigo 64.º, n.os 2 e 3, do Código do IRC, é o VPT definitivo ou o preço constante do ato ou do contrato, conforme determina a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT", temos que a primeira das normas apontadas - art. 64.º do CIRC - afasta-se da contabilidade e do preço declarado pelos contribuintes, na medida em que dispõe que o preço de venda (para cálculo das mais valias imobiliárias do vendedor) será o maior entre o VPT e o preço declarado (mesmo que real, evidentemente).

Na verdade, como é sabido os factos tributários em IRC assentam, em geral, nos preços reais e efectivos das transacções, tal como são declaradas pelas partes - e documentadas pela contabilidade, não podendo escamotear-se que em relação aos imóveis há uma enorme distorção a esta regra geral, até porque deparamos, em geral, com transacções que envolvem valores elevados e, sobretudo, porque nas transmissões de imóveis, comprador e vendedor podem ter um interesse alinhado em potencialmente defraudar o Estado, através da manipulação do preço, declarando no contrato um preço inferior ao real, que permite ao vendedor poupar IRC e ao comprador poupar IMT.

Nesta sequência, surge o modelo descrito no art. 64.º do CIRC para ambos os contraentes, de acordo com o qual o VPT (quando superior ao preço do contrato) prevalece, em imposto de rendimento (CIRC), para o "alienante e adquirente" (n.º 1 e 3 da norma apontada).

Pois bem, no que concerne à aplicação do modelo no caso dos autos importa notar que o n.º 2 da norma em apreço determina que para efeitos de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imóveis referidas no n.º 1, sempre que o valor do contrato seja inferior ao VPT definitivo, então é esse o que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante, sendo que o sujeito passivo deve efectuar "uma correcção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato" que, por força do corpo no n.º 1 do art. 64.º, tem que ser o valor que serviu ou serviria de base para a liquidação do IMT.

Ora, é neste ponto que a decisão arbitral recorrida, e bem, introduz na discussão a norma decorrente do artigo 12.º do CIMT que prevê na regra 16.ª do n.º 4 que para efeitos desse imposto (IMT) o valor a considerar nos casos de aquisição de imóveis por dação em pagamento ou ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, mediante arrematação judicial ou administrativa, ou adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos de revitalização sob controlo judicial, é o valor do contrato, pelo que para efeitos do art. 64.º do CIRC temos que aceitar como valor patrimonial definitivo o que serve ou serviria de base à liquidação de IMT na alienação destes imóveis (cf. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág. 549, em anotação ao art. 64.º).

Aliás, a decisão arbitral recorrida encontra a razão de ser da posição assumida no Ac. deste Supremo Tribunal de 05-11-2014, Proc. n.º 01508/12, www.dsgi.pt, onde se aponta que "as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transacções não existirão, por regra em condições normais, quando o facto tributário sujeito a imposto for a aquisição de imóveis ou direitos sobre eles ao Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais." E, citando José Maria Fernandes Pires (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pág. 211/213), acrescentava: "pelas mesmas razões referidas, a Lei manda alargar a sua aplicação a outras aquisições sujeitas a imposto em que essas entidades intervenham. É o caso das arrematações judiciais ou administrativas de bens imóveis".

Assim sendo, referindo a norma que as transmissões em causa são as do número anterior e que o número anterior se refere ao valor tributário definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, então não restam dúvidas de que o CIRC não contém qualquer conceito de valor patrimonial tributários definitivo diferente daquele que serve de base à liquidação de IMT e que deve servir de base às correcções do art. 64.º

Deste modo, em termos de determinação do valor para efeito de IRC, temos de concluir que no respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT.

Note-se que este Supremo Tribunal, no âmbito do Ac. de 21-11-2019, Proc. n.º 0816/08.0BECBR 0558/17, www.dgsi.pt, com referência a esta mesma matéria, entendeu que se justificava a aplicação do disposto no parágrafo 16 do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor a atender ao preço constante do contrato, para efeitos de IMT e, consequentemente, para efeitos de IRC.

Neste domínio, cabe ainda ter presente que a decisão fundamento no âmbito do Proc. n.º 105/2021-T reconhece que o artigo 12.º do Código do IMT fixa uma regra própria para a fixação do valor tributável relativamente a imóveis adquiridos mediante arrematação judicial, fazendo-o coincidir com o preço do acto ou do contrato, significando que, nesse caso, fica afastada a regra geral do n.º 1 desse artigo, não havendo que tomar em consideração o valor patrimonial tributário. Isto é, em geral, o IMT incide sobre o maior dos valores a considerar de entre o valor do contrato ou o valor patrimonial tributário (n.º 1) e bem assim que nas situações consideradas na falada norma da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não subsistam as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transacções, pelo que não se torna necessário comparar o valor declarado com o valor patrimonial (cf. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, Coimbra, 2010, pág. 211), mas depois, sem grande convicção, alude a uma derrogação do n.º 3 do art. 64.º do CIRC, quando o que está em causa é precisamente a aplicação de tal norma e o funcionamento da fórmula que aí se encontra prevista para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa.

No que concerne à segunda questão em equação nos autos, ou seja, saber se, nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente, ou o VPT da aquisição é o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição, cabe adiantar que o presente recurso não conhece melhor sorte.

Na verdade, o próprio árbitro presidente que subscreveu a decisão fundamento no âmbito do Proc. n.º 443/2021-T já abandonou a posição aí defendida, tal como se alcança da decisão arbitral n.º 15/2022-T, onde começou por constatar o óbvio, ou seja, no âmbito dos contratos de locação financeira imobiliária, a locadora adquire um bem (imóvel, no caso), para o ceder ao locatário - que o poderá comprar decorrido o prazo acordado, sendo que, findo o contrato (e não exercendo o locatário a faculdade de compra), o locador (requerente) pode aliená-lo, entre outras coisas, o que significa que os imóveis (dados à locação) são propriedade da requerente.

Por outro lado, a resolução dos contratos de locação não provoca a transmissão jurídica da propriedade - que sempre foi do locador (requerente) -, mas a extinção dos direitos e obrigações associados à locação financeira imobiliária: pagamento de rendas, disponibilização da coisa...; ou seja, no momento da resolução do contrato de locação financeira não há qualquer transmissão de direitos reais sobre o imóvel, mas tão-só o retomar da plena posse do mesmo (e não da propriedade plena), para depois dizer que, em termos fiscais, a norma em causa - art. 64.º do CIRC - só é adequadamente interpretada quando se foca o tema da locação no momento inicial de aquisição do imóvel - para o cálculo do preço de aquisição aquando da sua ulterior venda.

Deste modo, andou bem a decisão arbitral recorrida ao apontar que como o momento da aquisição se verifica quando o Banco adquire o bem imóvel objecto do contrato, os valores a considerar como sendo os valores patrimoniais tributários, dado o disposto no art. 64.º do CIRC, são os correspondentes aos VPT que serviram ou serviriam de base à liquidação de IMT devido pelas respectivas aquisições, pelo que bem andou a AT em corrigir os valores de aquisição quando correspondente aos valores das prestações vincendas porque a isso se opõe uma mais adequada leitura do art. 64.º do CIRC, até porque, nas situações de rescisão de contrato de leasing, com a consequente retoma dos imóveis que constituem o seu objeto, em circunstância nenhuma se pode considerar estarmos perante uma transmissão, nem sequer na perspectiva contabilística.

Como se refere na tal decisão arbitral 15/2022-T "... O argumento de base contabilística esgrimido pela requerente não prova a sua tese: a contabilidade opera a ficção de que o imóvel é (considerado) propriedade do locatário - o que não corresponde à realidade do direito, mas à realidade prática, por utilização pacífica do bem e por assunção dos riscos da coisa. E sobretudo, não se pode fazer o silogismo absoluto da dependência do IRC sob a contabilidade. Desde logo, a dependência é parcial - isto é, há situações em que o IRC diverge da solução contabilística, sempre que o indique e tal ocorre quando o interesse fiscal não é tutelado na dependência face à contabilidade, mas em discrepâncias e divergências. O tema das cláusulas antiabuso - e o art. 64.º do CIRC é exemplo claro desse tipo de disposições - é um dos campos em que tal acontece: a aceitação acrítica da contabilidade pode desembocar numa menor tributação, melhor dito, numa tributação menos equitativa e justa - e então a lei fiscal afasta-se do comando contabilístico. É neste referencial que se deve ler o art. 64.º do CIRC, aplicado ao caso dos autos - prevalência de um valor normal (VPT) sobre o preço real. Assim, o valor de aquisição refere-se ao momento de compra do imóvel ao terceiro, para o dar à locação - só assim funciona a cláusula anti-abuso, como se viu; ainda que em termos contabilísticos se diga o oposto, assistindo-se a uma autonomia do IRC face à contabilidade, permitida pelo art. 17.º do CIRC. Além disso, a prevalência da substância não é um valor absoluto - o que prevalece é a composição entre a justiça e legalidade na tributação, descrita no art. 64.º do CIRC, ainda que se ceda na prevalência da substância, sendo certo, além disso, que o art. 11.º, n.º 3, da LGT não tem um conteúdo prescritivo, mas ou é considerada letra morta ou quanto muito um tópico para o legislador (e não para o intérprete), de atender à realidade económica na configuração do tipo e regras de incidência (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2014, p. 208 e Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2015, p. 361).

Deste modo, resta apenas reiterar, como se decidiu, que "o valor a considerar é como estabelece o n.º 1 do artigo 64.º, o que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento da aquisição, porque no momento da rescisão do contrato, com a consequente consolidação do direito e propriedade, não há qualquer transmissão. A transmissão relevante dos contratos de leasing nestas circunstâncias é que ocorreu com a aquisição inicial do imóvel para o ceder mediante contrato ao locatário de tal contrato.".

2.2.3 - Conclusões

I - No respeitante aos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais ou mediante arrematação judicial ou administrativa, ou ainda adquiridos no âmbito de processos de insolvência ou processos especiais de revitalização sob controlo judicial, o valor que serviu de base à liquidação de IMT não é o VPT definitivo, mas sim o preço constante do acto ou contrato, dando expressão ao art. 64.º do CIRC em conjugação com o que decorre da regra 16.ª do n.º 4 do art. 12.º do CIMT.

II - Nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, no caso dos imóveis adquiridos por rescisão antecipada do respectivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos referidos imóveis deve ser o VPT da aquisição que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT no momento dessa aquisição.

2.2.4 - DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».

É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.

Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a tramitação dos autos e o comportamento processual da ora Recorrente, mas também o elevado valor da causa (mais de 4 milhões de euros) e a utilidade económica dos interesses a ela associados, a complexidade das questões submetidas a juízo - que se situa na média -, considera-se adequado dispensar a Recorrente e Recorrida do pagamento de 90 % do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de (euro) 275.000, apenas sendo, deste modo, a pagar, para além do inicialmente devido, o valor de 10 % do dito remanescente, neste Supremo Tribunal Administrativo.

Note-se, finalmente e justificando a dispensa parcial, que a norma do citado n.º 7 do art. 6.º do RCP, referindo apenas a dispensa, deve ser interpretada no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de (euro) 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

.

3 - DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, nesta sequência, negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão arbitral recorrida nos segmentos descritos, uniformizando-se a jurisprudência nos termos descritos em 2.2.3..

Custas pela Recorrente, com dispensa de ambas as partes do pagamento de 90 % do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a (euro) 275.000.

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.

.

(1) (Num sentido, o Acórdão Processo n.º 1752/15.9BEPRT, de 15/06/2016 do TAF do Porto; Proc.º 180/2015-T, de 17/11/2015, do CAAD; Proc.º 169/2018-T de 24/12/2018, do CAAD. No outro sentido o Proc.º 105/2019-T, de 26/09/2019, do CAAD.)

Lisboa, 19 de outubro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

117220416

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5609931.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1992-12-31 - Decreto-Lei 298/92 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras.

  • Tem documento Em vigor 2003-11-12 - Decreto-Lei 287/2003 - Ministério das Finanças

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, aprova o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, altera o Código do Imposto do Selo, altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais e os Códigos do IRS e do IRC e revoga o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, o Código da Contribuição Autárquica e o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doaçõ (...)

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