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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 7/2023, de 16 de Novembro

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Sumário

Acórdão do STA de 1 de Julho de 2021 no Processo n.º 48/21.1BALSB - Pleno da 1.ª Secção - Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: «Um contrato de utilização de espaço em mercado municipal em que foi estipulada, no âmbito da autonomia contratual das partes, uma cláusula que atribui apenas a uma delas (o Operador do espaço/loja) o direito de se opor à renovação do contrato no termo do prazo ou das suas renovações, é interpretável no sentido de vedar à contraparte o exercício desse mesmo direito de oposição à renovação.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2023

Sumário: Acórdão do STA de 1 de Julho de 2021 no Processo 48/21.1BALSB - Pleno da 1.ª Secção - Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: «Um contrato de utilização de espaço em mercado municipal em que foi estipulada, no âmbito da autonomia contratual das partes, uma cláusula que atribui apenas a uma delas (o Operador do espaço/loja) o direito de se opor à renovação do contrato no termo do prazo ou das suas renovações, é interpretável no sentido de vedar à contraparte o exercício desse mesmo direito de oposição à renovação.»

Acórdão do STA de 1 de Julho de 2021 no Processo 48/21.1BALSB - Pleno da 1.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - Relatório

1 - A..., LDA, devidamente identificada nos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta Secção do STA nos termos do artigo 152.º do CPTA. Alega, para o efeito, que o acórdão ora recorrido, proferido pelo TCAS em 29.10.2020, já transitado, está em contradição com o acórdão proferido igualmente por esse TCAS, em 10.05.2018 (Proc. n.º 229/11.6BELLE), também ele transitado em julgado, consubstanciando este último o acórdão fundamento.

2 - A A., ora recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cf. fls. 4 a 18 - paginação SITAF):

"I - O Acórdão recorrido (processo 343/11.8BELLE) e o Acórdão fundamento (processo 229/11.6BELLE) foram ambos proferidos pelo TCA Sul, respectivamente em 29.10.2020 e 10.05.2018, ambos já devidamente transitados em julgado, no âmbito da mesma situação fáctica e relativamente à mesma questão fundamental de direito, e decidiram de forma oposta, pelo que entre eles existe contradição que justifica a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA.

II - A situação fáctica no âmbito da qual os referidos Acórdãos se pronunciaram é exactamente a mesma ou seja:

Em ambos os casos o Mercado Municipal de Faro, SA, celebrou com operadores do Mercado Municipal de Faro um contrato de utilização do espaço exactamente do mesmo teor, designadamente o da sua cláusula 2.ª que previa um prazo de 12 meses renovável automaticamente até à sua caducidade em 11.12.2025, podendo ser denunciado pelo operador com 60 dias de antecedência relativamente a cada uma das renovações, sendo que em ambas as situações o MMF, SA, denunciou o contrato por carta de 13.11.2010 dirigida aos operadores com efeitos para 31.01.2011.

III - A questão fundamental de Direito em ambos os Acórdãos é a mesma, ou seja, a qualificação jurídica do contrato de utilização de espaço celebrado e respectivo regime jurídico aplicável, no sentido de saber se o aludido contrato, face ao disposto na sua cláusula 2.ª, n.º 1, pode ser denunciado (oposição à renovação) pelo Mercado Municipal de Faro, SA, antes do prazo da sua caducidade (11.12.2025) ou se tal faculdade está apenas reservada ao operador.

IV - Apesar de em ambos os Acórdãos ter sido entendido que o contrato em causa não se configura como contrato de arrendamento mas antes como contrato atípico sujeito às regras próprias de funcionamento dos centros comerciais, aliás na esteira da jurisprudência firmada pelo STJ sobre tal matéria (AC do STJ de 1.07.2010 - processo 4477/05.0TVLSB.L1.S1), a decisão desta questão fundamental foi oposta:

a) O Acórdão fundamento decidiu que o contrato não está sujeito às regras dos contratos de arrendamento, mas apenas as regras das suas próprias cláusulas acordadas em obediência ao princípio da liberdade contratual (artigo 405.º e 406.º do CC) e que, por isso, interpretada a cláusula 2.ª do contrato, de acordo com as regras dos artigos 236.º a 239.º do CC, este vigorará até ao dia 11 de Dezembro de 2025, podendo ser denunciado no final de cada uma das renovações apenas e só pelo operador.

b) O acórdão recorrido decidiu que, não obstante o n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato não prever a possibilidade de denúncia do contrato por parte do Mercado Municipal de Faro, SA, a mesma encontra-se prevista no artigo 1054.º do Código Civil, aplicável subsidiariamente, pelo que o mesmo Mercado Municipal de Faro, SA, podia opor-se à renovação do contrato, como o fez por carta de 13.11.2010.

V - Verifica-se assim que os referidos Acórdãos do TCA do Sul decidiram a mesma questão fundamental do Direito, no âmbito da mesma situação de facto, de forma oposta pelo que se verifica contradição insanável entre eles, que justifica, nos termos do artigo 152.º do CPTA, a admissão do presente recurso para prolação do Acórdão pelo Pleno da Secção deste Colendo Tribunal para uniformização de jurisprudência.

VI - A questão é relevante, não só para as dezenas de operadores no Mercado Municipal de Faro que negociaram e celebraram contratos nesta parte absolutamente idênticos e viram os Tribunais proferir decisões antagónicas, mas também para os milhares de operadores espalhados pelos Mercados Municipais dos diversos concelhos, o que justifica a uniformização da jurisprudência sobre esta matéria.

VII - A jurisprudência decorrente do Acórdão fundamento é a única que dá cumprimento ao princípio da liberdade contratual, prevista nos artigos 405.º e 406.º do CC, que decorre da qualificação jurídica dos contratos desta natureza (utilização de espaços em complexos comerciais) como contratos atípicos, subtraídos ao regime dos contratos de arrendamento por a eles se não coadunarem, na esteira da jurisprudência pacífica e firmada sobre os mesmos (vide AC. Acórdão do STJ citado), permitindo adequar os contratos às especificidades dos complexos comerciais como é o Mercado Municipal de Faro com mais de 50 operadores.

VIII - Pelo contrário, o douto Acórdão recorrido mostra-se contraditório na sua fundamentação uma vez que depois de aceitar que o contrato em causa "não comporta um contrato de arrendamento (...) mas antes um contrato atípico", entende que ao mesmo contrato se aplicam as regras próprias dos contratos de arrendamento previstas no artigo 1054.º do CC (direito de oposição à renovação) e ainda por entender, por um lado que as regras do arrendamento se aplicam a este contrato atípico subsidiariamente e ao mesmo tempo que tais regras, afinal, se lhe aplicam imperativamente (artigo 1080.º do C.C).

IX - O douto Acórdão recorrido violou ainda as regras previstas nos artigos 236.º e 238.º do CC por as não ter aplicado na interpretação da citada cláusula 2.ª do contrato em causa, no sentido que um declaratário normal apreenderia, ou seja, que o contrato deveria durar até 11.12.2025, a não ser, apenas, que o operador, e só este, o denunciasse antes dessa data.

XI - É, aliás, esta interpretação que também dá maior equilíbrio aos interesses de ambas as partes, sendo certo que, porque que os operadores tiveram que efectuar grandes investimentos com os acabamentos e equipamentos do espaço, tinham a legítima expectativa que o contrato se prolongasse (salvo a sua vontade) até 11.12.2025 a fim de poderem obter retorno do investimento feito o que naturalmente nunca ocorreria ao fim de 12 meses.

Termina pedindo que o presente recurso para uniformização de jurisprudência seja admitido e mereça provimento, "uniformizando a jurisprudência conforme ao Acórdão fundamento do TCA Sul de 10.05.2018 tirado no processo 229/11.6BELLE, determinando-se, face à contradição existente, a anulação do douto Acórdão recorrido e decidindo a questão controvertida".

3 - Devidamente notificada, veio a R., ora recorrida, Mercado Municipal de Faro, EM, produzir contra-alegações, que conclui da seguinte forma (cf. fls. 131 a 141 - paginação SITAF):

"1. No caso em apreço, a Recorrente defende a existência de contradição entre o acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Central Administrativo, a 29.10.2020 (que julgou improcedente a ação intentada pela Recorrente), e o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal a 10.05.2018, nos autos do processo 229/11.6BELLE.

2 - Sucede que, ao contrário do alegado pela Recorrente para fundamentar o presente recurso e a procedência da sua pretensão, não existe, em bom rigor, qualquer contradição entre os referidos acórdãos, pelo que presente recurso para uniformização de jurisprudência é, na verdade, inadmissível ao abrigo do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA.

3 - O facto de ambos os acórdãos em análise caracterizarem o contrato como um "contrato atípico de utilização de espaço público" não basta para que se possa concluir que estes acórdãos se debruçam sobre factualidade idêntica e, portanto, teriam de merecer a mesma solução jurídica.

4 - De resto, basta proceder à leitura e análise do acórdão fundamento, de 10-05-2018, para concluir que a tese da Recorrente falha desde logo num aspeto essencial: é que o motivo pelo qual a decisão entre estes dois acórdãos de jurisprudência diverge nada tem a ver com a natureza atípica do contrato em causa, mas sim com a prova que foi produzida no âmbito do processo 229/11.6BELLE relativamente à autonomia das partes na elaboração do contrato, que não foi provada ou sequer invocada pela ora Recorrente, e que levou a que, naquele outro processo, se tenha concluído pela prevalência da vontade das partes, e não - como aconteceu nestes autos - pela prevalência do regime legal aplicável.

5 - Concretizando melhor, a divergência de soluções entre o acórdão proferido nestes autos e o acórdão proferido no processo 229/11.6BELLE não resulta de um entendimento jurídico diferente para uma mesma factualidade.

6 - No caso concreto da ação da Recorrente, não foi invocado por esta em momento algum que o teor da cláusula em apreço teria resultado de uma negociação entre as partes, em que estas pretenderam impedir especificamente que o Recorrido pudesse denunciar o contrato antes do seu termo previsto para 2025.

7 - Essa prova foi realizada apenas (!) no âmbito do processo do acórdão fundamento, tendo, por isso, conduzido ao entendimento jurídico desse acórdão de que aquela cláusula não representa para o Recorrido "uma manifestação típica de abuso de direito por parte da recorrente" atendendo a que ficou demonstrado (nesse processo) que aquele específico sacrifício foi negociado e aceite pelo recorrido e, portanto, prevalecendo a vontade das partes ao abrigo do princípio "pacta sunt servanda".

8 - No caso dos autos, como já se destacou, não foi pretendido nem aceite pelo recorrido qualquer sacrifício, e muito menos foi produzida qualquer prova neste sentido - possibilidade legal que, de resto, atualmente já se encontra excluída.

9 - Por conseguinte, andou bem o acórdão recorrido ao limitar-se a subsumir o direito aos factos efetivamente provados neste processo, o que fez efetivamente com manifesto brilhantismo, e sem que qualquer reparo se lhe possa apontar.

10 - Neste sentido, não só não existe qualquer contradição entre estes dois acórdãos, como é manifesto que o acórdão recorrido não padece de qualquer erro de julgamento ao decidir que, ao abrigo do disposto no artigo 1080.º do CC, o Recorrido podia legitimamente denunciar ou opor-se à renovação do contrato, conforme fez a 13.11.2010.

11 - Por essa razão, não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 152.º, n.º 1 do CPTA para a admissibilidade do presente recurso, devendo ser declarada a sua inadmissibilidade com este mesmo fundamento.

Não prescindindo nem concedendo,

12 - Caso o presente recurso venha, porventura, a ser julgado admissível por V. Exas, é manifesto que sempre será de proferir acórdão de uniformização de jurisprudência que reflita o sentido decisório do acórdão recorrido, ou seja, que a circunstância de o contrato em apreço conferir expressamente ao Operador a possibilidade de denúncia não pode conduzir à imediata conclusão de que igual faculdade não se confere à Recorrida Mercado Municipal de Faro, devendo, nesses casos, aplicar-se o regime legal à data em vigor, sem prejuízo das alterações que lhe foram sendo introduzidas.

13 - Neste sentido, aplica-se, portanto, o disposto no artigo 1054.º do Código Civil em vigor à data da celebração do contrato, sem prejuízo da sua alteração com a Lei 6/2006, de 27/02, donde resulta expressa a possibilidade de qualquer das partes se opor à renovação do contrato.

14 - Como se não bastasse, e também conforme sustentou o acórdão recorrido, o artigo 1080.º do CC é inequívoco quanto à imperatividade das normas relativas à cessação do contrato, que o douto Tribunal descreve mesmo como um regime "vinculístico" e em que "mal se compreenderia que no quadro de um contrato sob o regime de direito público, outorgado por uma entidade dotada de poderes públicos, como é a ora Recorrida, uma empresa municipal que é concessionária da gestão e exploração do Mercado Municipal de Faro, tendo o contrato celebrado entre as partes por objeto a utilização de um espaço público, ficasse a entidade dotada de poderes públicos subtraída de um poder que é conferido a qualquer outorgante privado".

15 - Como se não bastasse, este acórdão é bem claro quanto à prevalência do regime vinculístico do artigo 1080.º do CC sobre a própria vontade das partes que se expressasse em sentido diverso - nomeadamente no sentido defendido pelo acórdão fundamento em apreciado anteriormente -, declarando expressamente que, nesses casos, "teria tal parte do clausulado do contrato do contrato de se considerar como não escrito, não podendo ter aplicação".

16 - Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.04.2020, proferido no processo 3189/17.6T8CSC.L1-7, onde se expôs que "As formas de cessação sofreram alterações terminológicas que lhes introduziu maior rigor (arts. 1079 e ss.), sendo o regime da cessação de natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário (art. 1080). Encontramos disposição em contrário no art. 1110, aplicável aos arrendamentos para fins não habitacionais. As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação; no que ao prazo respeita, porém, não havendo estipulação das partes, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.". (negrito e sublinhado nosso).

17 - O caso em apreço enquadra-se justamente nas situações em que se verifica a falta de estipulação das partes, pois não se previu contratualmente que o Recorrido poderia opor-se à renovação do contrato, pelo que lhe será aplicável o regime imperativo do artigo 1080.º do CC, onde o direito de oposição à renovação do Recorrido se encontra previsto e expressamente regulado.

18 - Termos em que, assim, o acórdão de uniformização de jurisprudência a proferir deverá perfilhar o entendimento do acórdão recorrido e não do acórdão fundamento, reiterando-se o já decidido nos presentes autos quanto à validade da oposição à renovação praticada pelo ora Recorrido".

Termina pugnando pela inadmissibilidade do presente recurso de revista, "por não verificação dos respetivos pressupostos legais previstos no n.º 1 do artigo 152.º do CPTA". Caso não seja esse o entendimento deste STA, defende que "sempre deverá este recurso ser julgado improcedente, determinando-se a manutenção do acórdão recorrido".

4 - A Digna Magistrada do MP junto deste Supremo Tribunal, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido "da admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência, devendo a mesma ser fixada no sentido da decisão proferida no acórdão fundamento, ou seja, no sentido de que, num contrato de natureza atípica, como o relativo à utilização de loja em centro comercial, prevendo-se expressamente numa das suas cláusulas a possibilidade de denúncia unicamente por parte do locatário, deve considerar-se que inexiste omissão de regulação do instituto da denúncia, mas antes o exercício da liberdade de fixação do conteúdo do contrato, nos termos do artigo 405.º do CC, devendo as partes conformar-se com o regime convencionado, na medida em que o mesmo excluiu a possibilidade de denúncia por parte do locador" (cf. parecer de fls. 143 a 150 - paginação SITAF). Uma tal pronúncia, objecto de contraditório, mereceu resposta discordante da R., aqui recorrida (cf. resposta de fls. 155 a 161 - paginação SITAF)

5 - Sem vistos, mas mediante envio prévio do projecto aos Senhores Conselheiros adjuntos, vêm os autos à conferência para decidir.

II - Fundamentação

1 - De facto:

A matéria de facto pertinente é a dada como provada no acórdão recorrido, que seguidamente se transcreve:

"A) A Autora dedica-se designadamente exploração de bares, snack-bares, pastelaria, cafetaria e afins (cf. docs. n.os 1 e 2 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

B) A Entidade Demandada é uma entidade concessionária responsável pela gestão e exploração do Mercado Municipal de Faro, em Faro, denominado inicialmente por MERCADO MUNICIPAL DE FARO, S. A. e actualmente por MERCADO MUNICIPAL DE FARO, EM. (cf. doc. n.º 1 da oposição do Processo 155/11.9BELLE);

C) Em 1 de Fevereiro de 2007, a Entidade Demandada, com a denominação de Mercado Municipal de Faro, S. A., acordou ceder e garantir a B..., Lda. que aceitou, a utilização do espaço correspondente à Loja ..., com a área de 50,30 m2, localizada no Mercado Municipal de Faro, nos termos e condições constantes no documento escrito, designado por "Contrato de Utilização de Espaço" (cf. doc. n.º 3 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

D) Na referida cedência foi estipulado o prazo de doze meses, contados desde a entrega do identificado espaço, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo interessado por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer uma das suas renovações nos termos da cláusula SEGUNDA, ponto 1 (cf. doc. n.º 3 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

E) Foi acordado entre o Mercado Municipal de Faro, SA. e B..., Lda., que a referida cedência caducará no termo do prazo da concessão dada à MMF, em 11 de Dezembro de 2025 nos termos da cláusula SEGUNDA, ponto 2 (cf. doc. n.º 3 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

F) A Factura n.º 50, de 5 de Janeiro de 2011 emitida pela Entidade Demandada em nome da Autora, enumera os seguintes itens: "Contrato de Utilização de Espaço no MMF", "Ocupação de Esplanada 30 m2" e "Arrecadações n.os 53 e 55", tudo no valor total de 202,27 (euro) (cf. doc. n.º 4 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

G) Por carta registada com aviso de recepção, de 13 de Novembro de 2010, a Entidade Demandada comunicou à Autora, que o Conselho de Administração do Mercado Municipal, EM., deliberou em 9 de Novembro de 2010 "[...] opor-se à renovação do Contrato de Utilização de espaço para a Loja n.º ..., outorgado em 2007-02-01, pelo que a partir de 31 de Janeiro de 2011 cessarão, para todos os efeitos legais, os direitos emergentes do mencionado contrato. [...] Por isso, e no seguimento do ora comunicado, solicita-se a V. Exas. que até à data supra identificada - 2011-01-31 - procedam à entrega do espaço actualmente ocupado, livre e devoluto de pessoas e bens e ainda nas condições em que foi entregue" (cf. doc. n.º 5 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

H) Pelo ofício de 1 de Fevereiro de 2011, a Entidade Demandada comunicou à Autora o seguinte: "Tendo sido verificado que após a cessação do contrato de utilização, operada em 31.01.2011, V. Exªs. permanecem nesse espaço, não o tendo desocupado e entregue livre e devoluto de pessoas e bens e ainda nas condições em que foi entregue vimos pela presente solicitar essa entrega, como única forma de evitar a sua desocupação coerciva e evitar a tomada de outras medidas, destinadas a remover deste Mercado Municipal ocupações indevidas e ilegais de lojas e outros espaços comerciais,

Essa desocupação deverá ocorrer no período máximo de 8 (oito) dias a contar da recepção da presente, decorrido o qual, persistindo a actuação ilegal sem mais delongas, com as medidas e intervenções atrás referidas.

Alertamos ainda para o facto de todos os custos, encargos e inconvenientes que essa actuação possa implicar para a V. empresa serão da V. inteira responsabilidade, sendo-vos igualmente imputados todos e quaisquer custos ou prejuízos em que o MMF EM incorra ou venha a incorrer por esse efeito" (cf. doc. n.º 6 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

I) Em 2 de Dezembro de 2010, a Autora informou designadamente a Entidade Demandada do seguinte: "Não podemos aceitar a vossa pretendida cessação de contrato, por não encontrarmos suporte legal e solicitamos a reponderação da vossa posição no sentido duma solução justa e razoável" (cf. doc. n.º 7 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

J) A Autora pagou a prestação do mês de Fevereiro de 2011 relativa à loja ...do Mercado Municipal de Faro, no valor de 202,27(euro) (cf. doc. n.º 8 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE);

K) Pelo ofício de 10 de Fevereiro de 2011, a Entidade Demandada comunicou à Autora o seguinte: "Informamos pela presente que de ora em diante não é permitida a colocação de esplanadas interior e exterior" (cf. doc. n.º 9 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE)".

2 - De direito:

2.1 - Nos presentes autos, a recorrente alega que sobre a mesma questão fundamental de direito - saber se é possível à ora recorrida, MMF, EM, opor-se à renovação do contrato de cessão de espaço no Mercado Municipal de Faro - existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

Vejamos se assiste razão à recorrente.

2.2 - Antes de mais, e em termos de enquadramento teórico, diga-se que, de acordo com o disposto no artigo 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, cuja apreciação é vinculada, são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do TCA ou do STA, ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão recorrido, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

Estes requisitos são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles constitui condição suficiente para não admitir o recurso de uniformização de jurisprudência.

Além destes requisitos legais, a jurisprudência, baseando-se na lógica deste tipo de recurso, formulou, logo no âmbito da LPTA, alguns princípios com ele relacionados cuja observância também se justifica no âmbito do CPTA, quais sejam: a) para cada questão em oposição deve o Recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; b) só é de admitir-se a existência de oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; c) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos (ver Acórdão do Pleno do STA de 04.06.13, Proc. n.º 0753/13).

2.3 - Apreciemos, agora, a admissibilidade do recurso interposto começando por analisar os pressupostos legais enunciados em a) e c). Assim, e desde já, a alegada contradição de julgados envolve dois acórdãos, ambos do TCAS, sendo o acórdão fundamento anterior ao acórdão recorrido (está, deste modo, preenchido o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 152.º); ambos transitaram já em julgado (al. c). Cumpre, então, analisar se, no caso sub judice, ocorre a identidade da questão fundamental de direito resolvida, em sentidos opostos, nos dois acórdãos em confronto (al. b)).

2.4 - O Acórdão do Pleno de 16.12.2015, Proc. n.º 1011/15, que se debruçou sobre esta questão do que seja a "identidade da questão fundamental de direito", delimitou-a do seguinte modo:

"XI. Este requisito implica que o conflito jurisprudencial expresso na contradição das soluções firmadas nos arestos terá de (i) corresponder a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo; (ii) ter na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo, sejam análogas ou equiparáveis; (iii) a alegada divergência assumir um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, haja integrado a verdadeira ratio essendi".

Com esta ideia em mente, vejamos, então, os dados do caso dos autos.

O acórdão recorrido debruçou-se, entre outras, sobre a questão da possibilidade de a recorrida Mercado Municipal de Faro, EM (MMF, EM), entidade concessionária responsável pela gestão e exploração do Mercado Municipal de Faro, opor-se à renovação do contrato de utilização de espaço/Lojas celebrado, em 16.12.2009, entre ela (então MMF, SA) e a ora recorrente. Foram as seguintes as questões identificadas para efeitos de apreciação e julgamento:

"As questões suscitadas pela Recorrente resumem-se em determinar se a decisão recorrida incorre em:

1 - Erro de julgamento de facto, em relação à alínea D), a qual deve ser alterada;

2 - Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação do ponto 1 da cláusula 2.ª do contrato, por a faculdade de denunciar o contrato apenas ser conferida ao locatário (operador);

3 - Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 133.º, n.os 1, 2, f) e 135.º, do CPA/91".

O espaço em questão é a Loja ..., com a área de 50,30 m2, localizada no Mercado Municipal de Faro.

Desse contrato constava uma cláusula 2.ª (cujo teor foi rectificado pelo acórdão do TCAS, uma vez que nela se falava em "operador" e na matéria de facto fixada na sentença do TAF de Loulé se falava em "interessado" para efeitos de oposição à renovação do contrato), segundo a qual apenas o "Operador" se pode opor à renovação do contrato. O conteúdo da cláusula é transcrito no acórdão recorrido, na parte em que trata do erro de julgamento de facto assacado à sentença. Aí se diz:

"O documento n.º 3 a que se refere a Recorrente, consta igualmente dos autos, a fls. 185 do processo físico.

Extrai-se do teor do n.º 1 da cláusula "Segunda", relativa ao "Prazo do Contrato", o seguinte, que ora se transcreve, por relevante para a decisão sobre o fundamento do recurso:

"1. Sem prejuízo do disposto no número dois desta cláusula, o presente Contrato de Utilização do ESPAÇO é celebrado pelo prazo de doze meses, contados desde a data de entrega do mesmo, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo OPERADOR, por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer das suas renovações." [negrito nosso].

No contrato celebrado estipulava-se que a cedência do espaço caducará no termo do prazo da concessão dada ao MMF, em 11.12.2025, tal como estipulado na cláusula 2.ª, ponto 2.

De acordo com o ponto G) da matéria de facto, "Por carta registada com aviso de recepção, de 13 de Novembro de 2010, a Entidade Demandada comunicou à Autora, que o Conselho de Administração do Mercado Municipal, EM., deliberou em 9 de Novembro de 2010 "[...] opor-se à renovação do Contrato de Utilização de espaço para a Loja n.º ..., outorgado em 2007-02-01, pelo que a partir de 31 de Janeiro de 2011 cessarão, para todos os efeitos legais, os direitos emergentes do mencionado contrato. [...] Por isso, e no seguimento do ora comunicado, solicita-se a V. Exas. que até à data supra identificada - 2011-01-31 - procedam à entrega do espaço actualmente ocupado, livre e devoluto de pessoas e bens e ainda nas condições em que foi entregue" (cf. doc. n.º 5 da petição inicial do Processo 155/11.9BELLE)".

O acórdão fundamento igualmente se debruçou sobre a legalidade de uma tal possibilidade. Eis como foram identificadas as questões a decidir:

"Como ressurge das conclusões expostas, as questões que importa resolver são a de saber:

- Se o contrato em apreço é regido pelas regras próprias de funcionamento que caracterizam os Centros Comerciais (conclusões 1.ª a 4.ª).

- Se por força do contrato o direito de denúncia ou oposição à renovação é exclusivo da recorrente não sendo configurável qualquer sacrifício para o recorrido que lhe confira igual direito de denúncia ou oposição à renovação por haver abuso de direito por parte da recorrente à luz do princípio pacta sunt servanda - demais conclusões".

Também no caso relatado nesse aresto se verificava a existência de um contrato de utilização de espaço/Lojas no Mercado Municipal de Faro, contrato celebrado em 11.06.2010, reportando-se à loja ..., com 110,51 m2.

Do contrato celebrado constava uma cláusula 2.ª em tudo idêntica à acima reproduzida, designadamente no seu n.º 1, para o que agora mais interessa.

"1. Sem prejuízo do disposto no número dois desta cláusula, o presente Contrato de Utilização do ESPAÇO é celebrado pelo prazo de doze meses, contados desde a data de entrega do mesmo, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo OPERADOR, por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer das suas renovações" (ponto A) da matéria de facto fixada na sentença do TAF de Loulé, para a qual remete o acórdão fundamento) [negrito nosso].

Foi igualmente acordado que a cedência/utilização em causa caducaria no termo do prazo de concessão dada à ora recorrida, em 11.12.2025.

Por fim, foi comunicada ao operador em causa a denúncia/oposição à renovação do contrato e foi pedida a entrega do espaço livre e devoluto de pessoas e bens e ainda nas condições em que foi entregue (Ofício de 20.01.2011 - ponto D) da matéria de facto).

Em face de todo o exposto, resulta claro que se verifica a alegada contradição quanto ao modo como o acórdão recorrido e o acórdão fundamento resolveram a mesma questão fundamental de direito.

Com efeito, o acórdão de que se recorre entendeu que a recorrida MMF, EM, podia opor-se à renovação do contrato, dado que, havendo uma omissão na regulação contratual, se aplicavam as normas (aliás, imperativas) do Código Civil (CC).

Já no acórdão fundamento, entendeu-se que o contrato que atribuiu a faculdade de oposição à sua renovação a apenas uma das partes veda essa faculdade à outra - não vislumbrando, portanto, qualquer omissão na regulação contratual -, pelo que esta cláusula contratual é uma expressão legítima da autonomia contratual e encontra a sua razão de ser na circunstância de o Operador ter de realizar avultados investimentos na loja que lhe foi cedida.

A esta conclusão não obsta a alegação da recorrida de que a divergência tem que ver com a prova que foi produzida no âmbito do Proc. n.º 229/11.6BELLE relativamente à autonomia das partes na elaboração do contrato (cf. contra-alegação 4.). É certo que a recorrida insinua que no processo que deu lugar ao acórdão fundamento teria havido uma indagação da vontade real das partes, concluindo-se que essa corresponderia à vontade declarada no clausulado contratual, enquanto que no acórdão recorrido não teria havido uma tal indagação, pelo que estaríamos única e exclusivamente perante questão meramente interpretativa relativa à melhor interpretação a dar à cláusula 2.ª A ser assim, não haveria, efectivamente, oposição. Mas tal insinuação não tem bases para se sustentar. Se tivesse havido indagação acerca da vontade real das partes isso mesmo teria de transparecer da matéria de facto provada no acórdão fundamento, o que não ocorre. Deste modo, em ambos os casos nos confrontamos com idêntica questão, qual seja, a da interpretação a dar a determinada cláusula contratual. Cláusula essa cujo texto é claro, transmitindo-nos, sem margem para dúvidas, a ideia de que o acordado (apenas o operador tem o direito a opor-se à renovação do contrato) materializa a vontade concordante das partes - sentido interpretativo que corresponde, aliás, à compreensão de um declaratário normal (de acordo com a teoria do declaratário normal acolhida no artigo 236.º do CC).

2.5 - No caso relatado nos autos constata-se a existência de um contrato denominado de "Contrato de Utilização de Espaço", celebrado em 16.12.2009, embora o acordo de cedência relativo ao espaço/loja em causa remonte a 1 de Fevereiro de 2007 (ponto C) da matéria de facto e teor do contrato reproduzido no acórdão recorrido), significando que os efeitos de contrato se produziram logo desde essa data. Desse contrato consta uma cláusula contratual relativa à faculdade de oposição à renovação do contrato celebrado entre a aqui recorrente e a recorrida, cláusula que apenas atribui essa faculdade ao Operador do espaço sito no Mercado Municipal de Faro. Trata-se de cláusula contratual que pode, à primeira vista, causar estranheza, não apenas por essa circunstância, de apenas uma das partes ter a referida faculdade, mas, de igual modo, em virtude de o prazo de vigência do contrato ser algo longo. Mas, se pode causar estranheza, não significa que essa cláusula não tenha sido livre e conscientemente convencionada entre as partes ou que seja necessariamente seja ilegal. Vejamos.

Estamos aqui em face de um contrato de cedência/utilização, contrato atípico, aliás assim qualificado pelas próprias partes, o que, todavia, não impede que se lhe possam aplicar as normas do arrendamento, especificamente, as de um contrato de arrendamento comercial (que cabe na categoria dos arrendamentos para fins não habitacionais). E isto, por se tratar de um contrato com o qual este específico acordo apresenta uma forte analogia.

Nesse regime dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, mais concretamente no artigo 1110.º, n.º 1, do CC, estabelece-se que, "as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamentos para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes". Daqui resulta que, contrariamente ao que é afirmado no acórdão recorrido, a lei não estabelece um qualquer regime imperativo nesta matéria. Cumpre sublinhar que o artigo 1080.º estabelece a natureza imperativa das "normas sobre resolução, caducidade e denúncia do arrendamento urbano", "salvo disposição legal em contrário" [negrito nosso]. Ora, justamente, o referido artigo 1110.º representa uma excepção a tal imperatividade, pelo que é de afastar a aplicação ao caso dos autos do artigo 1054.º do CC. Por assim ser, é juridicamente admissível a estipulação de uma cláusula com o teor do n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato em apreço. Quanto ao argumento, que se extrai no acórdão recorrido, de que o facto de se dar a uma das partes o direito de se opor à renovação do contrato não significa necessariamente que apenas ela a detenha, o mesmo não pode ser acolhido. É verdade que, em termos abstractos, decorre da lei que a outra parte poderia sempre pôr termo ao contrato com base nas regras gerais da resolução por incumprimento ou por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias. Mas não foi este o raciocínio do acórdão recorrido, que apenas entende que há como que uma lacuna (uma omissão) no texto contratual que seria resolvida com recurso às normas que convoca. Ora, não só já vimos que as mencionadas normas não se aplicam ao caso dos autos, como sempre a parte que se pretendia opor à renovação do contrato, não lhe sendo essa faculdade atribuída contratualmente, teria, não de utilizar este mecanismo jurídico, mas de resolver o contrato invocando o específico fundamento em que assentaria essa resolução. Sucede que tal não aconteceu. Em suma, não nos revemos no essencial da fundamentação do acórdão recorrido.

Cumpre, então, recapitular: em 2007 foi acordada uma cedência de espaço/loja no mercado municipal de Faro entre a, então, MMF, SA, e a A. da acção. Acordo formalizado em 16.12.2009 através de contrato denominado "Contrato de Utilização de Espaço". Referido contrato regula a questão da oposição à renovação, atribuindo-a apenas ao Operador, sem que resulte da matéria provada que haja uma qualquer omissão no mencionado clausulado. Assim, e à partida, o que vale é o disposto na claúsula 2.ª do contrato em apreço. A não ser que haja qualquer regra imperativa da qual resulte a invalidade da mencionada cláusula e da qual resulte, outrossim, que também a outra parte tem a faculdade de se opor à renovação. Ora, nem o MMF, EM, convoca qualquer argumento capaz de sustentar essa invalidade, nem o acórdão recorrido o faz, pois, como visto, se apoia numa imperatividade do artigo 1054.º do CC, preceito que não vale para o caso dos autos em virtude de existência de norma específica que se lhe aplicaria. Acresce a isto que a natureza administrativa do contrato não é de molde, em si mesma, a comprometer esta solução, pois só assim o seria se a simples natureza administrativa implicasse automaticamente a nulidade da cláusula. Em todo o caso, a decisão do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento não foram sensíveis a este aspecto, daí que o mesmo não transpareça nas alegações das partes.

Está, assim, plenamente demonstrado que a recorrente tem razão na sua pretensão recursiva, pelo que não se deve manter o acórdão recorrido, por se verificar erro de julgamento de direito, na parte em que considera que a cláusula 2.ª do contrato celebrado entre as partes não afasta a possibilidade, por parte da entidade pública contratante, de igualmente se opor à renovação do contrato.

Assim sendo, a uniformização da jurisprudência conflituante deve ser fixada nos seguintes termos, que seguidamente se reproduzem:

"Um contrato de utilização de espaço em mercado municipal em que foi estipulada, no âmbito da autonomia contratual das partes, uma cláusula que atribui apenas a uma delas (o Operador do espaço/loja) o direito de se opor à renovação do contrato no termo do prazo ou das suas renovações, é interpretável no sentido de vedar à contraparte o exercício desse mesmo direito de oposição à renovação".

III - Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo em declarar verificada a contradição de julgamentos e, em consequência, em conceder provimento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência, anulando o acórdão recorrido e julgando a acção procedente.

Cumpra-se o disposto no n.º 4, in fine, do artigo 152.º do CPTA.

Custas a cargo da recorrida.

Lisboa, 1 de julho de 2021. - A presente decisão foi adoptada por maioria (com o voto de vencida da Senhora Conselheira Suzana Tavares da Silva, que irá em anexo) pelos Senhores Conselheiros Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (Relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Jorge Artur Madeira dos Santos - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Cláudio Ramos Monteiro e vai assinada apenas pela Relatora, com o assentimento (voto de conformidade) dos Senhores Conselheiros adjuntos que votaram o projecto, de harmonia com o disposto no artigo 15-A (Recolha de assinaturas dos juízes participantes em tribunal colectivo) do DL n.º 10-A/2020, de 13.03 - preceito introduzido pelo DL n.º 20/2020, de 01.05.

Declaração de Voto

Vencida. O acórdão de cuja decisão discordamos confrontou-se com uma diferente interpretação jurídica dada pelo TCA Sul, em dois arestos, a uma cláusula contratual com idêntica redacção, constante de dois "Contratos de Utilização de Espaço" no Mercado Municipal de Faro celebrados entre dois "Operadores económicos" (uma cafetaria, no caso dos autos, e um talho, no caso do acórdão fundamento) e a Empresa Municipal "Mercado Municipal de Faro E. M.".

Em ambos os casos o contrato de "cedência do espaço" aos "operadores económicos" diz respeito a "lojas", ou seja, "locais de venda autónomos, que dispõem de uma área própria para exposição e comercialização dos produtos, bem como para a permanência dos compradores" (artigo 68.º, alínea a) do Decreto-Lei 10/2015).

E em ambos os contratos, com início em 2007 e 2009, respectivamente, se estipula que a cedência do espaço é celebrada por um prazo de 12 meses que se renova automaticamente por iguais períodos, salvo denúncia a efectuar pelo Operador com uma antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou a qualquer das renovações, caducando aquela cedência no termo do prazo da concessão, fixado em 11 de Dezembro de 2025.

A questão decidenda radicava em saber se a Empresa Municipal podia também opor-se à renovação do contrato mediante comunicação por escrito ao operador económico. No acórdão fundamento decidiu-se que tal não era possível, uma vez que o contrato se regia pelas "regras próprias de funcionamento que caracterizam os centros comerciais" e que, em face do teor do clausulado acordado e do princípio pacta sunt servanda, a oposição à renovação por parte da Empresa Municipal constituiria um abuso de direito. Já no acórdão recorrido, afirma-se que o contrato em questão, sendo "um contrato misto de arrendamento comercial e prestação de serviço", constitui um contrato administrativo cuja execução se rege pelo CPA e subsidiariamente pelo CC, e que o princípio do equilíbrio entre os direitos das partes determinaria que ambos poderiam opor-se à renovação (anual) do contrato.

O acórdão de que divergimos harmonizou jurisprudência no sentido de "O contrato de utilização de espaço em mercado municipal em que foi estipulada, no âmbito da autonomia contratual das partes, uma cláusula que atribui apenas a uma delas (o Operador do espaço/loja) o direito de se opor à renovação do contrato no termo do prazo ou das suas renovações, é interpretável no sentido de vedar à contraparte o exercício desse mesmo direito de oposição à renovação". E fundamenta essa decisão na aplicação ao contrato em apreço das regras dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, mais concretamente no artigo 1110.º, n.º 1, do CC., concluindo ainda que "a natureza administrativa do contrato não é de molde, em si mesma, a comprometer esta solução, pois só assim o seria se a simples natureza administrativa implicasse automaticamente a nulidade da cláusula" e afasta ainda outras soluções jurídicas para a questão por elas não transparecerem das alegações das partes.

Ora, não acompanhamos o decidido pelas seguintes razões.

Primeiro, é longa a tradição jurídica entre nós em matéria de regulamentação municipal de mercados e feiras, e embora essas infra-estruturas integrem o domínio privado municipal, elas cumprem e estão funcionalizadas à realização de um concreto interesse público: "funções de abastecimento das populações e de escoamento da pequena produção agrícola através da realização de actividades de comércio a retalho de produtos alimentares, predominantemente os mais perecíveis e de produtos não alimentares, podendo ser realizadas actividades complementares de prestação de serviços" (artigo 67.º, n.º 3 do Decreto-Lei 10/2015, de 22 de Maio)

Segundo, o interesse público que informa a regulação do funcionamento e exploração dos mercados municipais há tempo que deixou de ser exclusivamente municipal (e vertido exclusivamente nos regulamentos municipais de exploração dos mercados), passando a justificar a intervenção do Estado, primeiro com a aprovação do Decreto-Lei 340/82, de 25 de Agosto, que estava centrado em dois aspectos da defesa do consumidor (as condições sanitárias e as formas de ocupação dos espaços de venda), depois com a aprovação do Decreto-Lei 10/2015, de 16 de Janeiro (regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração), que consagrou um regime legal para a organização e exploração dos mercados municipais e, ainda, com a aprovação do Decreto-Lei 85/2015, de 21 de Maio (regime jurídico aplicável aos mercados locais de produtores), que trouxe novas exigências para a regulamentação dos mercados municipais e pôs em evidência (mais em evidência) o interesse público (e a sua permanente actualização) que estas infra-estruturas têm que cumprir.

Terceiro, o Decreto-Lei 10/2015, de 16 de Janeiro, aprovou, como já dissemos, um regime jurídico aplicável à exploração de mercados municipais. No artigo 72.º deste diploma legal pode ler-se que à "atribuição dos espaços no mercado municipal se aplica o disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 80.º"; e no n.º 4 desse artigo 80.º dispõe-se expressamente que "a atribuição de espaços de venda deve ser realizada com periodicidade regular, e ser aplicado a todos os lugares novos ou deixados vagos, podendo ficar sujeitos ao pagamento de uma taxa a fixar pelo município em regulamento, não podendo ser objecto de renovação automática, nem devendo prever condições mais vantajosas para o feirante cuja atribuição de lugar tenha caducado ou para quaisquer pessoas que com este mantenham vínculos de parentesco ou afinidade, vínculos laborais ou, tratando-se de pessoa colectiva, vínculos de natureza societária" (sublinhado nosso).

Quarto, podemos inferir das regras fixadas pelos diferentes municípios em matéria de atribuição de espaços de venda em mercados e acolhidas nas centenas de regulamentos municipais publicados entre nós ao longo das últimas décadas, que os princípios da concorrência, da precariedade do direito à ocupação do lugar, e da onerosidade mediante o pagamento de uma taxa (e não de uma renda) a título de contraprestação pela atribuição do direito fazem parte do acquis jurídico na regulação da matéria com que o acórdão se confrontou, estando também nestes contratos previsto o pagamento de taxas (pela atribuição, pela cessão e pelos serviços) pelos operadores económicos em questão.

Quinto, podemos inferir do regime jurídico contemplado, primeiro no Decreto-Lei 340/82 e agora no Decreto-Lei 10/2015, que o Estado chamou a si a regulação da exploração dos mercados, não apenas na parte relativa à higiene e segurança destes estabelecimentos, mas também para plasmar em lei os referidos princípios da concorrência, da precariedade da ocupação dos espaços de venda e da onerosidade mediante o pagamento de taxas; princípios que aqui se apresentam como dimensões concretizadoras do dever de protecção dos consumidores na vertente do acesso a estes bens segundo condições económicas reguladas.

Sexto, as especificidades da factualidade aqui subjacente, seja a celebração do contrato com os operadores económicos por uma empresa do sector empresarial local, posteriormente transformada em empresa municipal, seja o teor lacónico do Regulamento Municipal de Exploração do Mercado Municipal de Faro, não justificam um tratamento diferente da exploração e ocupação de espaços de venda no mercado de Faro. É que embora se desconheçam as vinculações que possam constar a este respeito do contrato de concessão de exploração daquela infra-estrutura pelo Município à referida empresa local (e que as Instâncias não averiguaram, centrando-se na tese da equiparação do mercado municipal a um centro comercial), a verdade é que o facto de estarmos perante um "mercado municipal" é, em si, suficiente para daí se retirar a subordinação da exploração daquela infra-estrutura às regras e aos princípios gerais informadores dessa actividade, como, de resto, bem concluiu o acórdão do tribunal de conflitos que analisou este concreto contrato (acórdão de 8 de Novembro de 2012, proc. 013/12, disponível em www.dgsi.pt).

Sétimo, o facto de a actividade exercida no espaço cedido ser uma cafetaria e não uma actividade de venda a retalho de produtos alimentares, e com isso estar incluída nas actividades complementares de prestação de serviços que a lei prevê no âmbito da definição de mercado municipal (artigo 67.º, n.º 3 do Decreto-Lei 10/2015), não é relevante para este efeito, uma vez que as actividades de natureza auxiliar ou complementar subordinam-se, segundo o legislador, ao mesmo regime jurídico em matéria de atribuição dos espaços.

Ora, estes são elementos suficientes para afastar uma interpretação jurídica do clausulado contratual no sentido de que a atribuição dos espaços (no caso, lojas) a operadores económicos no mercado municipal de Faro lhes confere o direito de, querendo, manterem o contrato pelo prazo de quase vinte anos, i. e., sem possibilidade de denúncia por parte da empresa municipal que explora aquela infra-estrutura pública em regime de concessão.

Assim, não acompanhamos a fundamentação do acórdão que sustenta que a interpretação das cláusulas dos contratos de cedência de espaços em mercados municipais se rege exclusivamente pela liberdade contratual das partes e pelos princípios de direito privado que regulam o arrendamento de espaços para fins não habitacionais, uma vez que esta é, em nosso entender, uma actividade regulada por vinculações de direito público, maxime pelos princípios da concorrência e precariedade do uso, que asseguram os objectivos de interesse público que estas infra-estruturas tradicional e legalmente estão vinculadas a cumprir. E também não podemos subscrever que nesta matéria possa ser dada prevalência plena à interpretação da vontade contratual das partes determinada segundo as regras do Código Civil, uma vez que a Entidade que cede o espaço se tem de subordinar às referidas vinculações de direito público, não podendo prevalecer uma teoria da boa-fé negocial relativamente a aspectos vinculados pela legalidade administrativa.

E igualmente não subscrevemos a decisão na medida em que, propõe uma uniformização de jurisprudência em sentido que desconsidera o interesse público associado aos princípios da concorrência e da precariedade na cedência de uso de espaços de venda em mercados municipais.

Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.

117057389

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5551375.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-08-25 - Decreto-Lei 340/82 - Ministério da Administração Interna

    Estabelece o regime de ocupação e exploração de lugares e estabelecimentos nos mercados municipais.

  • Tem documento Em vigor 2006-02-27 - Lei 6/2006 - Assembleia da República

    Aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas, e altera o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Registo Predial. Republica em anexo o capítulo IV do título II do livro II do Código Civil.

  • Tem documento Em vigor 2015-01-16 - Decreto-Lei 10/2015 - Ministério da Economia

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 29/2014, de 19 de maio, aprova o regime de acesso e de exercício de diversas atividades de comércio, serviços e restauração e estabelece o regime contraordenacional respetivo

  • Tem documento Em vigor 2015-05-21 - Decreto-Lei 85/2015 - Ministério da Agricultura e do Mar

    Estabelece o regime jurídico aplicável aos mercados locais de produtores

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