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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8/2022, de 3 de Novembro

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Sumário

Ónus da prova, dever de informação e nexo de causalidade do intermediário financeiro, no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022

Sumário: Ónus da prova, dever de informação e nexo de causalidade do intermediário financeiro, no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

Recorrentes - AA e BB

Recorrido - Banco BIC Português, SA

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis,

I - Relatório

1 - AA e BB intentaram ação declarativa contra Banco BIC Português, S. A. (anteriormente BPN - Banco Português de Negócios, S. A.), pedindo, a título principal, a condenação da Ré a pagar-lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição inicial, perfaziam o montante de (euro)385 000,00, assim como os juros vincendos desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pedem a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato por adesão que a Ré invoque como fundamento da aplicação da quantia de (euro)300 000,00, que os Autores lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006, assim como a declaração de ineficácia em relação aos Autores da aplicação que a Ré haja feito daquele montante e, ainda, a condenação da Ré na restituição do valor de (euro)385 000,00, que representa a soma da quantia entregue à Ré e dos juros vencidos à taxa acordada, acrescida de juros legais vincendos desde a data da citação até integral cumprimento. Requereram ainda, em qualquer caso, a condenação da Ré no pagamento do montante de (euro)10 000,00 a título de danos não patrimoniais.

Alegaram que:

- foram clientes do BPN, na sua agência de ..., com uma conta de depósitos à ordem;

- em 10/04/2006, o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada;

- empregado do BPN sabia que o Autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro;

- o seu dinheiro, no montante de (euro)300 000,00 viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que os Autores soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa,

- sempre foi dito ao Autor que o capital era garantido pelo Banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;

- o Autor sempre esteve convencido numa aplicação segura da supra referida quantia e com as características de um depósito a prazo;

- caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não consentiria nem autorizaria;

- os juros foram sendo semestralmente pagos, até Nov/2015, o que transmitiu segurança aos Autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade;

- a partir da referida data, o BPN deixou de pagar os juros respetivos e, agora, atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que os Autores nem sabiam existir;

- os Autores não sabiam o que era a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que o BPN utilizava;

- foi completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os Autores nunca aceitariam se conhecessem os seus reais termos;

- o prazo de maturidade ocorreu em abril/2016 e o capital investido não foi restituído aos Autores, nem tem sido cumprido o pagamento dos juros acordados;

- os Autores, por efeito do incumprimento do BPN, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem;

- o BPN colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro e tem-lhes provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

2 - A Ré contestou, invocando que, ao tempo da respetiva subscrição, o instrumento financeiro em apreço era um investimento seguro, tendo o Autor marido sido informado das suas condições e de que não se tratava de um depósito a prazo.

3 - Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.

4 - Os Autores, inconformados, interpuseram recurso de apelação.

5 - O Tribunal da Relação de ... julgou a apelação parcialmente procedente, tendo sido alterada a decisão de facto e revogada a sentença, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia de (euro)300 000,00, assim como a importância líquida dos juros remuneratórios desde maio de 2016 e os respetivos juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4 % ao ano. A Ré foi absolvida do restante pedido.

6 - Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista.

7 - Os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

8 - O Supremo Tribunal de Justiça, considerando inverificado o incumprimento do dever de informação e, complementarmente, indemonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o dano alegado pelos Autores, concedeu a revista, revogando o acórdão recorrido e absolvendo a Ré dos pedidos.

9 - Inconformados com a decisão contida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, os Autores - AA e BB interpuseram recurso extraordinário para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência e à revogação daquele Acórdão, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal de 25 de outubro de 2018, proferido no processo 2581/16.8T8LRA.C2.S1.

10 - Nas suas alegações, os Autores/Recorrentes formularam as seguintes (transcritas) conclusões:

"I.

1 - O acórdão recorrido relativamente à mesma questão fundamental de direito está em oposição com o acórdão do STJ de 25/10/2018, no processo 2581/16.8T8LRA.C2.S1.

2 - Do Acórdão recorrido e do acórdão fundamento resulta uma factualidade dada como provada, equivalente, tendo no entanto merecido interpretações antagónicas.

3 - São duas as questões fundamentais a saber e ambas no âmbito da responsabilidade civil, decorrente do facto de o R. ter tido intervenção na colocação das obrigações da SLN, enquanto intermediário financeiro. E em concreto dois dos seus pressupostos: a ilicitude e o nexo causal.

II. Da ilicitude

4 - Estabelecendo um paralelismo entre as situações relatadas, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, verifica-se que o primeiro desconsidera de forma vertiginosa a factua-lidade dada como provada em sentido idêntico (cf. artigos 7.º, 8.º, 9.º, 11.º, e 12.º), e, que quanto a nós, nos parece inequívoca quanto à flagrante violação do dever de informação a que o Banco Réu estava adstrito.

5 - Sendo certo que, o Acórdão recorrido dispõe ainda, de factualidade muito mais sólida e relevante (cf. artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º), que lhe permitiria decidir de forma diferente, e no sentido do Acórdão fundamento.

6 - Mesmo dando-se de barato que possa ter existido alguma explicação sobre o teor das aplicações ao Autor, como defendeu o Acórdão recorrido, a verdade é que esta foi insuficiente e mostrou-se eivada de falsidade, pelo que é inverosímil que o Autor tivesse compreendido verdadeiramente o produto que estava a subscrever

7 - Aliás, atenta a matéria dada como provada, conclui-se que os Autores aplicaram o seu dinheiro sem saber em quê. Ninguém lhes explicou o que eram obrigações e não sabiam, nem sabem, o que são. Também ninguém lhes explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar o dinheiro no BPN. Sendo certo que, o Banco Réu prestou informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido.

8 - E não se diga que se tratavam de investidores experientes, pois em ambos os casos estamos perante investidores não qualificados, e perfil conservador.

9 - Mas se é verdade, que os funcionários do Réu não prestaram informação completa e leal acerca do produto que venderam ao Autor, que estava muito longe de ter o retorno assegurado como se fosse um produto do Banco, também não é menos verdade, que ao terem dito ao Autor que "O BPN garantia o pagamento destas Obrigações SLN", o Banco Réu assumiu de forma perentória uma dívida, perante os Autores.

10 - Para um declaratário normal, colocado na posição do Autor - que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, e que não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros, dizer-lhe que "o capital era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias", e sobretudo, dizer que era o BPN que garantia o reembolso do capital, significa que o capital lhe seria restituído a 100 % pelo BPN e, que estava a colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente Banco (art. 236.º, n.º 1 do CC).

11 - Como tal, perante a assunção da dívida por parte do BPN, é indiferente se a SLN era ou não dona do Banco, pois, a verdade é que desde a nacionalização, que o não é.

12 - Temos, pois, que o banco Réu assumiu perante o Autor aquando da aquisição do produto financeiro (2006), o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.

13 - Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante o autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.

14 - Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.

15 - Além de que, sendo o dito banco BPN responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800, n.º 1 do Código Civil), conclui-se que aquele violou os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.

16 - Caso contrário, entraríamos naquilo a que podemos chamar de "vale tudo", no âmbito das negociações efetuadas entre o Banco e os seus clientes, quando estivessem a promover os produtos financeiros, onde tudo era permitido aos Bancos, nomeadamente prestar as informações que lhe fossem mais convenientes, omitindo ou deturpando outras relevantes, sem que daí decorresse qualquer responsabilidade para os mesmos.

17 - Além de que, se seguíssemos a linha de pensamento do Acórdão recorrido, então de nenhuma validade tinham as disposições legais que regulam a dever de adequação e dever de informação a que estão adstritos os Bancos, sobretudo quando estamos a falar de clientes, com um perfil conservador, e que não têm qualificação nem conhecimentos para poder compreender os diversos tipos de produtos financeiros e os riscos que deles podem advir, como é o caso do Autor.

18 - Também o facto de o Autor ter já ter feito outros investimentos em aplicações financeiras, mostram qualquer aptidão em matéria financeira, pois como o próprio acórdão recorrido explica na matéria de direito, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiên-cia do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação, contrariando assim de modo evidente, a decisão do pleito.

19 - Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, como é o caso do Autor, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto.

20 - Assim, é evidente que o Acórdão recorrido desvirtuou a factualidade dada como provada, uma vez que o dever de adequação implica não só o conhecimento do cliente, o seu perfil, como também a capacidade de risco do investidor para aquele produto financeiro, elementos dos quais o Banco Réu era conhecedor, e que ignorou em absoluto.

21 - Outrossim, não bastava o Autor não saber o que eram obrigações, nem ninguém lhe ter explicado o que eram, como ainda, estavam em causa obrigações subordinadas, que têm como especificidade, o facto de o Autor, em caso de insolvência da sociedade SLN, só ser pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados - como resultava do disposto na alínea c) do art. 48.º do CIRE.

22 - O facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido ao Autor marido o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais vir a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.

23 - Não se pode esquecer também o prazo de 10 anos, prazo extremamente longo, pelo que, nunca ninguém poderia afirmar que no final desse mesmo prazo, o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa).

24 - E, não se pode dizer que não havia exemplo de insolvências de bancos (o que não é correto, pois já havia ocorrido com a Caixa Económica Faialense, no ano de 1986), quando a SLN nem sequer era o banco, mas sim uma empresa ou uma holding de empresas de vários ramos de negócio, com todos os riscos que isso envolve, designadamente de contágio entre elas.

25 - Todas estas informações eram necessárias à compreensão e formação da vontade do Autor no sentido de ter consciência suficiente da natureza e consequências do negócio que estava a realizar e de decidir realizá-lo, e que não foram transmitidas ao Autor.

26 - Mas repare-se que, esta necessidade de o Autor ser alertado para a possibilidade insolvência decorre de forma inequívoca da Nota Informativa.

27 - Ora, atendendo a que a Nota Informativa, é um documento superveniente (superveniência subjetiva), pois só agora chegou ao conhecimento dos AA. e adveio à sua posse e do seu mandatário, o que impossibilitou a sua apresentação anteriormente ao recurso, mas que se revela imprescindível, requer-se a junção de tal documento aos autos. Cfr. Nota Informativa

28 - A Nota Informativa do produto inicia logo com "advertência aos investidores", donde consta designadamente o seguinte: "Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE".

29 - Note-se que a as condições da emissão obrigacionista e a respetiva Nota Informativa em causa foram aprovados pelo Banco de Portugal, entidade competente para o efeito, uma vez que neste caso não estava sujeito às regras da CMVM. Isso pode-se ler logo no ponto 1.

30 - Em nenhum dos casos em presença (do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento) o Banco Réu provou ter fornecido cópia da Nota Informativa aos Autores, e muito menos provou ter-lhes dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).

31 - O facto de não ter provado que entregou aos Autores qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312.º-C e 312.º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação a prestar a investidor não qualificado, como era o caso do Autor.

32 - Portanto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, considerou factos não provados pela negativa, quando o ónus incumbia ao banco réu, demonstrando-se assim, incompreensível a sua posição.

33 - Ora, o Acórdão fundamento tem dos mesmos factos, até menos sólidos (face aos factos provados em 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º nestes autos), posição jurídica antagónica como se referiu.

34 - Considera que se mostra verificado o ilícito civil, por violação do dever de informação, visto que o produto que venderam ao Autor, estava muito longe de ter o retorno assegurado como se fosse um produto do Banco.

35 - Considerando mesmo que não foram fornecidas ao Autor informações de posse do Réu, para compreensão do risco do investimento proposto.

36 - É inequívoco que, a fundamentação seguida pelo Acórdão recorrido, não se coaduna com o quadro legal aplicável perante os factos que se mostram provados, que são idóneos a demonstrar que houve violação dos deveres de informação por parte do Banco Réu.

37 - No entanto, mais do que ter prestado informação insuficiente, e até mesmo falsa, o Banco Réu, assumiu perante o Autor a garantia do capital investido (assunção de dívida), estando por isso mesmo vinculado a esse compromisso contratual.

III. Do nexo de causalidade

38 - Defendeu o Acórdão recorrido, quanto ao nexo de causalidade que "É ao autor, enquanto cliente do BPN, que cabe provar que não teria realizado a subscrição da obrigação caso lhe tivesse sido prestada a informação alegadamente em falta. Pelo que não é possível estabelecer um nexo causal entre um putativo incumprimento dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro BPN, no âmbito de um contrato de receção e transmissão de ordens, e os danos que os clientes sofreram em virtude do incumprimento do dever primário de prestação, num outro contrato, celebrado entre estes clientes e a emitente da obrigação, a SLN - parecer citado, fls. 414 e 415".

39 - Por sua vez, o Acórdão fundamento, decidiu de forma visivelmente oposta, desde logo, porque na sua perspetiva, no caso evidenciado nos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão, mas antes, o que está em causa é uma situação hipotética.

40 - Entende que, face à factualidade dada como provada, e das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do apelante, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido.

41 - Assim, como refere o acórdão fundamento "... impõe-se concluir que se os funcionários tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida a A. muito provavelmente, com altíssima probabilidade, nunca teria subscrito aquela aplicação".

42 - Mais refere "isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos AA. e a conduta ilícita e culposa dos R. traduzida na violação dos deveres de informação e de boa fé contratual, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro".

43 - Por fim, o Acórdão recorrido, não deixou de mencionar que o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente, o que constitui uma circunstância anómala e não previsível, e não pela violação de qualquer dever de informação do Banco R.

44 - Acontece que, relativamente à previsibilidade da insolvência e da necessidade da mesma ter sido transmitida ao Autor, já nos pronunciamos em cima aquando da análise ao pressuposto da ilicitude, pelo que, sem mais delongas, reproduzimos na íntegra o que aí foi dito, para todos os efeitos legais.

Isto posto, cumpre referir,

IV.

45 - Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da atuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não atuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo, o interesse do investidor, seu cliente, e que, naturalmente, confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido pelo BPN, e foi assim que foi razoavelmente entendido pelo Autor.

46 - A decisão recorrida, face à factualidade dada como assente, ao entender que não o Banco Réu não violou os deveres de informação, e ao desconsiderar em absoluto o compromisso do BPN como garante do capital, nega de forma insofismável a tutela dos direitos e interesses dos clientes, que obrigam as instituições bancárias a adotar uma orgânica própria e muito especializada, de forma a poder responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas.

47 - Com o devido respeito, o acórdão recorrido, tal como aqueles que o antecedem no mesmo sentido, não fazem jus ao regime jurídico instituído para as instituições de crédito e do intermediário financeiro, pois as regras construídas em face daquelas previsões legais, assentam claramente na obrigação de assistência e no dever de colaboração das instituições de crédito para com os seus clientes, tutelando os seus direitos e interesses.

48 - Ao contrário, a tese do acórdão fundamento, a nosso ver, bem, entende que o Banco Réu ao propor a aquisição de ativos financeiros com a informação de capital garantido, responsabiliza-o na qualidade de intermediário financeiro, pelo reembolso do capital investido, sendo certo que, o mesmo violou os deveres de informação que sobre si impendiam.

49 - A resposta do acórdão fundamento, é consentânea com os preceitos legais em que se estriba e não desrespeita, pelo menos de forma, aos nossos olhos, tão flagrante, a essência dos deveres de informação, e dos ditames da boa-fé, padrão de diligência, lealdade e transparência, como a resposta que se deu no acórdão recorrido, que com o devido respeito e salvo melhor opinião, nos parece desrespeitar por completo e não colher fundamento em texto legal expresso nem no comando de orientação fundamental para a colmatação de tal desresponsabilização do Banco Réu.

50 - Violou assim com o devido respeito, no nosso entendimento, o acórdão recorrido o disposto nos artigos 590.º, 615.º, n.º 1, alínea d) e 672.º todos do CPC; artigos 227.º, 236.º, 483.º, 496.º, 562.º, 762.º, 798.º, 799.º, 800.º, 805.º do Código Civil; 7.º, 290.º, 204.º, 312.º, 314.º do CVM, entre outros.

51 - Assim, deve ser uniformizada jurisprudência sobre a questão da ilicitude, no sentido que, a informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda, constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu.

52 - Também, deve ser uniformizada jurisprudência, no sentido que, para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

53 - Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento e em consequência fixar-se jurisprudência no sentido propugnado e de acordo com o acórdão fundamento.

Termos em que deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso, fixando-se jurisprudência no sentido que:

- A informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda, constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu; e ainda

- Para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que o factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

E, ainda subsidiariamente,

- Fixar-se jurisprudência Uniforme, de acordo com outros fundamentos que melhor se entendam,

Mas sempre, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente a ação.

Assim se fazendo, inteira e sã."

11 - Os Recorrentes/Autores juntaram o Acórdão fundamento, de 25 de outubro de 2018, proferido no processo 2581/16.8T8LRA.C2.S1, assim como um documento (Nota Informativa respeitante à emissão de obrigações SLN 2006, aprovada pelo Banco de Portugal).

12 - A Recorrida/Ré apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação do aresto recorrido, sustentando, em suma, que entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido não existe uma total similitude dos factos considerados como provados, sendo, de resto, o Acórdão recorrido muito mais extenso na descrição da factualidade respeitante ao momento da contratação. No caso de ser admitido o Recurso de Uniformização de Jurisprudência a que responde, preconiza a uniformização de jurisprudência no sentido de que:

"a. O artigo 312., alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obriga, apenas à informação sobre os riscos endógenos, ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto; b. O nexo de causalidade está sujeito a prova nos termos gerais, não resultando abrangido pela presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil, recaindo o ónus da sua prova sobre quem dele beneficie."

13 - Nas suas contra-alegações, a Recorrida apresentou as seguintes (transcritas) conclusões:

"1 - A oposição de julgados pressupõe necessariamente um quadro factual de base que seja ele próprio semelhante ou equivalente. Só uma tal identidade permitirá que se possa avaliar em concreto de uma verdadeira oposição de julgados!

2 - Entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido não há uma absoluta similitude de factos dados como provados, sendo aliás o Acórdão Recorrido bem mais extenso naquilo que é a descrição da factualidade relativa ao momento da contratação.

3 - Analisados os concretos factos e confrontado o seu teor, logo se verifica que não estamos perante o mesmo enquadramento factual, sendo que um ultrapassa em muito o outro.

4 - Por esta razão, não vemos como possa ser recebido o presente recurso por a questão de direito em discussão ser, apesar de próxima, completamente diversa!

5 - O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário com objecto estritamente jurídico.

6 - Por natureza, não há nem pode haver qualquer tipo de discussão sobre a matéria de facto.

7 - O documento cuja junção os Recorrentes fazem é não apenas processualmente inadequada como completamente inadmissível!

8 - Num recurso de uniformização a junção de meios probatórios, ainda que supervenientes é sempre inadmissível.

9 - Deve, pois, e desde já, ser mandado desentranhar este inusitado documento.

10 - Acresce que, litigando com o mesmo ilustre mandatário, já por dezenas de vezes foi este mesmo documento junto a processos em que este interveio!

11 - Nada justifica a junção do documento nestes específicos autos, além do mais, simplesmente por não ser, de todo, um documento superveniente.

12 - A junção do documento em questão deverá assim ser liminarmente indeferida quer porque o disposto no artigo 651.º do Código de Processo Civil não tem aplicação no Recurso Para Uniformização de Jurisprudência, quer, assim não se entendendo, porque a sua junção não obedece aos requisitos do referido artigo 651.º, bem como aos do artigo 425.º também do CPC.

13 - Não adianta o Recorrente qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso...

14 - O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

15 - Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

16 - A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

17 - Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante - sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

18 - A SLN era titular de 100 % do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

19 - O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

20 - E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

21 - A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

22 - O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

23 - A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

24 - A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

25 - A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

26 - A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

27 - A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses - www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

28 - Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

29 - O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

30 - A interpretação das menções "sem risco" ou de "capital garantido" não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artigo 236.º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

31 - A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem "capital garantido" não implica necessariamente a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

32 - O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

33 - O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

34 - No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

35 - Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

36 - Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

37 - Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

38 - Dispunha sobre esta matéria o artigo 304.º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

39 - E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312.º n.º 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar".

40 - Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

41 - Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

42 - A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312.º-E n.º 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

43 - O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do n.º 2 do art. 312.º-E.

44 - São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

45 - A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

46 - Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

47 - O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de "capital garantido"), acrescido da respectiva rentabilidade.

48 - Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

49 - A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

50 - Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

51 - E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

52 - Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312.º-E n.º 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

53 - O artigo 312.º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

54 - Do elenco de factos provados de qualquer dos acórdãos em confronto não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

55 - A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

56 - No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa - juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei - à causalidade - nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

57 - Do texto do art. 799.º n.º 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

58 - E, de resto, nos termos do disposto no artigo 344.º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

59 - Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato - tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

60 - Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço - contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes - no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

61 - Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

62 - A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

63 - Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

64 - Estamos perante uma situação em que se configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

65 - Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

66 - O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

67 - É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

68 - O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

69 - A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

70 - No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

71 - O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

72 - Não basta afirmar-se genericamente, como os AA. parecem fazer, que eles não foram informados do risco de insolvência e que é essa causa do seu dano!

73 - Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

74 - Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

75 - E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

76 - E nada disto foi feito!

77 - A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

78 - A uniformizar-se jurisprudência sobre esta questão não poderá ela deixar de ser no sentido de que o nexo de causalidade está sujeito a prova nos termos gerais, não resultando abrangido pela presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil, recaindo o ónus da sua prova sobre quem dele beneficie.

79 - Prossegue o Recorrente alegando, ainda que de forma algo tímida, uma vez que apenas o refere de forma lateral - talvez por perceber que tal matéria dificilmente seria "uniformizável" - que o Banco-Réu terá uma obrigação própria de reembolso do valor investido pelos investidores fundada numa suposta garantia oferecida pelo Banco-Réu ao reembolso pela SLN - entidade emitente.

80 - Uma dita garantia tratar-se-ia inevitavelmente de uma fiança. Ora, tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628.º do C.C.

81 - No caso, vale o disposto no art. 327.º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.

82 - Da conjugação de ambas as disposições parece-nos manifesto que a garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição.

83 - Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220.º do C.C.

84 - Os subscritores de valores mobiliários estão numa situação de paridade entre si, não sendo possível a emissão dos mesmos com características ou garantias diferentes.

85 - Se o Banco-Réu tivesse prestado qualquer garantia, ela não poderia ser privativa dos AA.

86 - A declaração de uma garantia deve ser especifica e expressamente emitida, não sendo consentânea com declarações vagas e de sentido dúbio...

87 - A teoria de impressão do destinatário vale para a interpretação de declarações negociais, mas já não para avaliar, por si só, da efectiva existência de uma declaração negocial e concretamente de estarmos ou não perante uma expressão de uma vontade de vinculação pessoal.

88 - Mas não é esta susceptível de determinar se a declaração era negocial ou não, substituindo-se à vontade das partes de resto, a solução normativa do artigo 246.º do Código Civil parece vir exactamente de encontro.

89 - Se, e apenas se, a parte quiser vincular-se negocialmente, declarando algo nesse sentido, estaremos na presença de uma declaração negocial, seja para contratar ou previamente a um contrato.

90 - Será sempre essencial que seja criada uma aparência a um normal declaratário de que a parte está a emir uma declaração verdadeira tradutora da sua efectiva vontade negocial.

91 - Ou seja, a aparência em causa não se pode resumir à mera declaração, enquanto elemento externo, mas deve ser igual e paralelamente criada quanto à efectiva vontade da parte se vincular a efeitos práticos e jurídicos por aquela manifestação.

92 - Uma declaração negocial não resulta apenas da impressão do declaratário e do valor que lhe possa dar. Resulta antes de mais da vontade do declarante em se vincular negocialmente, o que não vislumbramos no caso!

93 - Em suma, a vinculação negocial não pode resultar da mera aplicação dos critérios do artigo 236.º do Código Civil, sendo que esta disposição serve apenas para interpretar as declarações de quem se quer efectivamente vincular.

94 - Nos presente autos falta a prova de que o Banco, ou o seu funcionário em seu nome, se queria vincular a uma obrigação jurídica.

95 - Sem uma tal prova, nem sequer fica demonstrado que a expressão transmitida aos clientes de que o produto teria capital garantido, correspondesse a uma declaração negocial. E com isso cai qualquer tipo de recurso à teoria da impressão do destinatário, apenas apta a determinar a interpretação de declarações negociais.

96 - Na falta de tal declaração negocial não haverá qualquer jurisprudência a fixar uma vez julgamos desnecessário fixar jurisprudência no sentido de que os contratos são para cumprir."

14 - A Recorrida juntou dois pareceres jurídicos.

15 - O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência foi admitido, liminarmente, a 29 de março de 2019, por despacho de fls. 172/178 dos autos, por se reconhecer que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação e se entender que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto às mesmas questões fundamentais de direito.

16 - De acordo com o referido despacho, que reconheceu a existência de oposição de julgados e admitiu o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência:

"A violação do dever de informação/existência de ilicitude

[...]

Deste modo, conclui-se, no acórdão recorrido pela inexistência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à ré.

[...]

No acórdão fundamento, com a aplicação das mesmas regras de direito julgou-se diversamente.

[...]

Não foi ilidida pelo réu a presunção de culpa que sobre si impende, como intermediário financeiro e banco - art. 314.º, n.º 2, do CVM - à data dos factos.

Concluiu, tal como se concluiu no aresto que seguiu, também aqui se verifica uma actuação culposa do Banco, que co-envolve a ilicitude da sua actuação.

O nexo de causalidade

No acórdão recorrido, foi decidido que a lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (arts 563.º e 799.º, conjugados com os arts 342.º e ss, todos do CC). E ainda que o art. 799.º do Código Civil aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade. Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano.

No acórdão fundamento, a questão do nexo de causalidade foi julgada de forma diversa. Ali se decidiu que a ilicitude na actuação do Banco não pode deixar de se reflectir no nexo de causalidade. E que a presunção de culpa do artigo 799.º envolve uma presunção de causalidade.

E ainda se conclui que, existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente do réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483.º, n.º 1, do Código Civil.

Mas ainda que se entenda que a causalidade não pode ser presumida a partir dos factos indiciadores da ilicitude e da culpa, sempre essa causalidade pode ser extraída dos factos que revelam a postura doa autores perante o risco, os seus objetivos nas operações bancárias ou seja o seu perfil de cliente.

Conclui o acórdão fundamento que, se os funcionários da ré tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida, o autor, muito provavelmente, com altíssima probabilidade nunca teria subscrito aquela aplicação. Ora isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos autores e a conduta ilícita e culposa do réu, traduzida na violação dos deveres de informação e da boa-fé contratual, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro."

17 - O Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça, cumprido que foi o disposto no n.º 1 do artigo 687.º ex vi artigo 695.º, do Código de Processo Civil, emitiu parecer no sentido da inexistência de presunção legal da ilicitude da conduta do intermediário financeiro e do nexo de causalidade entre esta conduta e o dano sofrido pelo investidor. Em vista da resolução do conflito jurisprudencial, sugere a seguinte formulação para o acórdão uniformizador de jurisprudência:

"A presunção de culpa prevista no artigo 314.º do CVM não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um mínimo de correspondência na letra da lei (cf. artigo 9.º n.º 2, do Código Civil)."

18 - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Questões a decidir

As questões a que se deve dar resposta são as seguintes:

- Se se verifica a contradição jurisprudencial entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento;

- Os deveres de informação e responsabilidade civil do intermediário financeiro pela sua violação;

- Fixar, para efeitos de uniformização de jurisprudência:

a) se o intermediário financeiro que não informa investidores-clientes não profissionais sobre o risco em que, em abstrato, pode vir a incorrer, decorrente do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas), viola - ou não - os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM;

b) a quem compete a prova dos pressupostos de responsabilidade civil do intermediário financeiro.

- No caso de se confirmar a contradição jurisprudencial mencionada supra e de se fixar jurisprudência, se a Ré/Recorrida violou ilícita e culposamente os deveres de informação que sobre si impendiam e se estão demonstrados os restantes pressupostos da responsabilidade civil.

Como questão prévia: Se os Autores/Recorrentes podem requerer a junção, no âmbito do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, de um documento (Nota Informativa respeitante à emissão de obrigações SLN 2006, aprovada pelo Banco de Portugal).

III - Fundamentação

Questão prévia: a junção de um documento pelos Autores/Recorrentes:

Os Recorrentes vieram requerer, com as suas alegações de recurso, junção de um documento denominado "SLN 2006 NOTA INFORMATIVA" de maio de 2006 (fls. 53 a 68), pretendendo demonstrar que a Recorrida violou o dever de informação, referindo que o mesmo é superveniente, porquanto só agora chegou ao conhecimento dos Autores.

A parte contrária contra-alegou, referindo que, num recurso de uniformização de jurisprudência a junção de meios probatórios, ainda que supervenientes, é sempre inadmissível, devendo "ser mandado desentranhar este inusitado documento".

Ora, não é admissível a junção desse documento, pois a matéria de facto já se encontra estabilizada nesta fase do litígio, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, importando apenas, para o caso, divergências sobre questões de direito.

Por outro lado, ainda que o documento seja superveniente, a sua junção no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência não é a sede própria para o efeito, não se aplicando o n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil.

Trata-se de um recurso extraordinário, em que se reaprecia um acórdão já transitado em julgado, devendo o requerimento de interposição conter a alegação do recorrente e ser apenas instruído com cópia do acórdão fundamento, com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição - artigo 690.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Deste modo, não se admite a junção do documento apresentado nas alegações dos Autores, pelo que deve ser ordenado o seu desentranhamento e a sua entrega aos Recorrentes, devendo estes ser condenados em multa, nos termos do disposto no artigo 443.º do Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Judiciais.

1 - A confirmação da contradição jurisprudencial

Nos termos do artigo 688.º, do Código de Processo Civil:

"1 - As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

2 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.

3 - O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça."

Porque se trata de um recurso extraordinário cujo prazo de interposição é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 689.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) que tem por finalidade apurar a alegada contradição jurisprudencial e, em caso afirmativo, decidir a questão controvertida, emitindo acórdão de uniformização sobre o conflito assim verificado, relevam os requisitos da indicada contradição, tal como tem sido entendida pela jurisprudência deste STJ, nomeadamente referida no Acórdão de 15 de novembro de 2018, processo 529/15.6T8BGG.G1.S1-A, e da qual, em síntese se exige:

- Que a contradição alegada se revele frontal nas decisões em equação (não implícita ou pressuposta), ainda que não se exija a verificação de uma contradição absoluta;

- Que a contradição alegada resulte das decisões em confronto, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta);

- Que ocorra identidade da questão fundamental de direito;

- Que se apure existir identidade do regime normativo aplicável; e

- Que se verifique existir uma essencialidade da divergência decisória para a resolução de cada uma das causas.

Atendendo, assim, às decisões alegadamente em oposição identificadas pelos recorrentes, vejamos se estão reunidas as condições indicadas.

1.1 - As questões alegadamente em contradição que fundamentam a admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência

Os Autores/Recorrentes, no seu requerimento de interposição de recurso de fls. 2 e ss., elegem duas questões fundamentais de direito carecidas de uniformização:

- "a informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu; e ainda"

- "para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita".

A Ré/Recorrida, por seu turno, pugna pela uniformização de jurisprudência no seguinte sentido:

- "O artigo 312.º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

- o nexo de causalidade está sujeito a prova nos termos gerais, não resultando abrangido pela presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil, recaindo o ónus da sua prova sobre quem dele beneficie".

1.2 - Análise dos termos em que a primeira questão foi apreciada nos acórdãos em confronto

No acórdão recorrido, a ação foi julgada improcedente por se considerar, perante a matéria de facto provada, que, nas circunstâncias concretas, não se verificou o incumprimento ilícito e culposo dos deveres de informação por parte da Ré/Recorrida.

Limitou-se a concluir - com base em factualidade materialmente idêntica - que a matéria de facto provada não permite depreender a falta ou deficiência de informação imputável à Ré/Recorrida e que, por isso, tenha incumprido os seus deveres - fls. 15 a 18.

No acórdão fundamento, perante matéria de facto muito semelhante, concluiu-se, muito diferentemente: pela violação ilícita e culposa dos deveres de informação por parte da Ré.

Das passagens relevantes do acórdão fundamento - pp. 36, 43, 50, 51 e 52 -, importa destacar as seguintes:

- "prestada uma informação deliberadamente incompleta, camuflando o risco do negócio com o intuito de convencer os clientes menos qualificados, como era o caso do A. de que a aplicação era tão segura como um depósito a prazo, com a vantagem de ter mais rendimento";

- "os factos provados e em particular os que acima destacámos, demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard de actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com a diligência e transparência [...] não respeitando, nem protegendo, o interesse do investidor, seu cliente, e que, naturalmente, confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um depósito a prazo junto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo";

- "ora, adoptando o padrão do declaratário normal cliente bancário [...] dado à segurança do seu aforro e, menos ou nada, ao risco de investimento, obter do banco, em que depositava confiança, a informação que a obrigação tinha "retorno garantido ... como se fora um depósito a prazo no próprio banco", sendo que até proporcionava remuneração superior, seria entendida tal declaração como informação que, em relação ao crucial aspecto do "retorno" incutia a confiança na ausência de risco como se fosse um depósito bancário";

- "foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: a segurança não era semelhante à de um depósito bancário, nem o banco, ante a insolvência da SLN, reembolsou o Autor [...] Não foram fornecidas ao Autor informações na posse do Réu, para adequação do risco do investimento proposto".

A questão jurídica relevante em que se manifesta a oposição - que não a mera aplicação do Direito ao caso concreto, que foi feita de forma divergente - surge, nos acórdãos em confronto, nas seguintes passagens:

No acórdão recorrido, assume-se expressamente - p. 14 - que a presunção de culpa "não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um "mínimo de correspondência" na letra da lei".

No acórdão fundamento, por seu turno, refere-se - p. 52 - um "aresto que vimos seguindo, também aqui se verifica uma "actuação culposa do Banco, que co-envolve a ilicitude da sua actuação, [...]", reproduzindo-se, logo de seguida, até ao final da p. 53, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2018 (proc. 753/16.4TBLSB.L1.S1). Anteriormente - p. 37 - havia considerado que a situação subjacente ao último acórdão era muito semelhante à dos autos. Conclui-se, no acórdão fundamento - p. 54 - que: "Na senda desta doutrina pode concluir-se que existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente do Réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483.º, n.º 1, do Código Civil. Mas ainda que se entenda que a causalidade não pode ser presumida a partir dos factos indiciadores da ilicitude e da culpa, sempre essa causalidade pode ser extraída dos factos que revelam a postura dos AA. perante o risco, os seus objectivos nas operações bancárias ou seja o seu perfil de cliente."

Como se confirma pelo exposto, o acórdão fundamento, diferentemente do acórdão recorrido, defendeu que a presunção de culpa coenvolve a de ilicitude.

1.3 - Análise dos moldes em que a segunda questão foi apreciada nos arestos em confronto

No acórdão recorrido, reputou-se, a título complementar, que a ação sempre improcederia em virtude de a matéria de facto não permitir concluir pela verificação do nexo de causalidade entre a conduta da Ré/Recorrida e a perda patrimonial sofrida pelos Autores/Recorrentes, na sequência da declaração de insolvência da sociedade emitente das obrigações subordinadas.

No acórdão fundamento, considerou-se que, no caso de não se admitir a inversão do ónus da prova, a matéria de facto consentia, em todo o caso, ao Supremo Tribunal de Justiça concluir pela verificação do nexo de causalidade entre a afirmada inobservância de deveres de informação pela Ré e a perda patrimonial sofrida pelos Autores.

1.4 - Confronto dos dois acórdãos

Confrontados os dois acórdãos impõe-se concluir que, perante factos análogos, se adotaram decisões diferentes:

- no que respeita à verificação/demonstração da ilicitude e à verificação/demonstração do nexo de causalidade;

- foram defendidas conceções diferentes sobre o conteúdo dos deveres de informação impostos ao intermediário financeiro perante investidores não profissionais, que se reportavam quer à intensidade quer à extensão;

Estando em causa o apuramento dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, reportados à ilicitude e ao nexo de causalidade, as decisões em confronto adotaram caminhos diferentes e soluções opostas, ou tendencialmente opostas, que são de extrema relevância e devem ser objeto de uniformização jurisprudencial, admitindo-se o recurso.

1.5 - Factualidade apreciada nos dois acórdãos em confronto

Os quadros factuais considerados no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento revelam, por outro lado, que existe, entre aquelas decisões, e no essencial, a exigida identidade substancial do núcleo factual, conforme se conclui pela análise dos factos provados em cada um dos arestos (cf. infra).

Em síntese, estão reunidos os pressupostos de que depende a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.

2 - Fundamentação de facto

A) Os factos do acórdão recorrido

Foi considerada demonstrada, no acórdão recorrido, a seguinte factualidade:

1.º Os autores foram clientes do réu (à data BPN - Banco Português de Negócios), na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º 384...01, onde movimentavam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2.º Em 10.4.2006, o autor subscreveu, junto dessa agência, seis "obrigações SLN 2006", cada uma no valor de (euro) 50.000,00.

3.º Aquando do referido em 2.º, o autor assinou o boletim de subscrição respectivo, o que fez de forma deliberada e consciente.

4.º Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a "SLN 2006 Boletim de Subscrição", datado de 10.4.2006, consta o seguinte:

«Natureza da Emissão

Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural com o valor nominal de (euro) 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» ...

«Prazo e reembolso

O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, a partir do 5.º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

Cupões Taxa anual nominal bruta

1.º semestres

4,5 %*

9 cupões seguintes Euribor a 6 meses + 1,15 %

Restantes 10 semestres

Euribor a 6 meses + 1,50 %

*Taxa anual efectiva líquida: 3,632 %

5.º As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, SA, que era, à data, titular de 100 % do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as acções integradoras do capital social daquele.

6.º A circunstância de a emitente do produto referido em 2.º ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, aliada às características específicas das obrigações - que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente - levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco.

7.º As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a SLN Valor era a maior accionista da SLN SGPS, sendo que esta detinha 100 % do BPN, pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco BPN e o risco daquelas aplicações SLN.

8.º A ré pretendia, à data, que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

9.º Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.

10.º À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

11.º O autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.

12.º O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).

13.º Os autores fizeram, por intermédio da ré ou junto desta, outros investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, designadamente, em fundos de investimento.

14.º Os autores têm estado impedidos de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas em 2.º

O acórdão da Relação aditou os seguintes factos:

15.º Os autores não sabiam o que são obrigações.

16.º O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações.

17.º Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.

18.º Ninguém explicou aos autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

19.º O BPN garantia o pagamento destas obrigações da SLN.

20.º Foram pagos os juros vencidos até Nov/2015, ficando por pagar os restantes juros até à maturidade (vencidos em Maio/2016).

B) Após a decisão do Tribunal da Relação, foi considerada como não provada a seguinte factualidade:

a) Que a gerente do Banco réu da agência de ... tenha dito ao autor, em Abril/2006, que tinha uma aplicação que correspondia exactamente a - no sentido de ser, verdadeiramente - um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN.

b) Que o autor, ao subscrever as referidas obrigações SLN 2006, não soubesse em concreto "o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa", estando convencido de estar a aplicar o seu dinheiro num depósito a prazo.

e) Que, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, cujo capital não era garantido pelo BPN, após explicação do mencionado em 1.6., não tivesse consentido e autorizado tal compra.

f) Que os autores nem soubessem que existia a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que era uma mera denominação de conta a prazo, que o banco réu utilizava.

g) Que os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo.

j) Quais as consequências advindas para os autores do facto de não poderem utilizar o dinheiro investido nas mencionadas obrigações.

C) Os factos do acórdão fundamento

O núcleo essencial dos factos provados no acórdão fundamento é constituído pelos seguintes factos:

2.º Em Outubro de 2004, o autor marido subscreveu, junto dessa agência, uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 50.000,00.

3.º Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias.

5.º O autor marido não pretendeu aplicar o seu dinheiro em produto de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que contactavam com ele, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que, ao subscrever a obrigação mencionada em 2., fê-lo no convencimento de que obteria a liquidez do seu capital quando o solicitasse e que lhe seriam pagos os juros contratados.

9.º A circunstância de a emitente do produto referido em 2.º ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, aliada às características específicas das obrigação - que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente - levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco (isto sem prejuízo da diferença advinda da existência e regime jurídico do Fundo de Garantia de Depósitos).

12.º Os autores fizeram outros investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários [...].

15.º À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

16.º Após o referido em 2.º foram sendo semestralmente pagos aos autores os juros devidos, o que lhes transmitiu segurança.

17.º Tal situação manteve-se até Maio de 2015, data em que cessou o pagamento dos juros e o Banco réu transmitiu que a responsabilidade pelo pagamento era da SLN.

3 - Fundamentação de Direito

3.1 - Enquadramento dos factos no regime dos valores mobiliários e bancário

Os investimentos referidos nos presentes autos ocorreram entre outubro de 2004 e 10 de abril de 2006, pelo que as normas aplicáveis são as constantes do Código de Valores Mobiliários, na redação anterior ao Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro (Declaração de Retificação n.º 117-A/2007, de 28 de dezembro (cf. artigo 12.º do Código Civil).

3.1.1 - Da operação de intermediação financeira

Comecemos por afirmar que a natureza jurídica da operação entre o Autor e a Ré deve ser qualificada como uma atividade de intermediação financeira, sem prejuízo do facto de o Banco ser também uma instituição de crédito.

Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição - que lhe foram transmitidas pelo Autor - das obrigações emitidas por uma terceira entidade - a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S. A. [artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1, alínea b) e 293.º, n.º 1, alínea a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei 486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (José Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, pp. 281-282 e, ainda, Direito dos Contratos Comerciais, 2009, p. 573), até porque a intermediação financeira tem sido definida como o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento (José Engrácia Antunes, Deveres e Responsabilidade do Intermediário financeiro - Alguns aspetos - Cadernos do MVM, n.º 56, p. 31).

Atendendo ao papel dos "denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura - cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários [...] dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados."

- José Luís Dias Gonçalves, in A Responsabilidade Civil dos Intermediários Financeiros - Breves Apontamentos, publicado na Revista de Direito da Responsabilidade - Ano 3, 2021, p. 856 -

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

3.1.2 - Da operação bancária

Como se disse, os Bancos são também instituições de crédito que podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira - cf. artigos 3.º, alínea a) e 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos e artigo 293.º, n.º 1, alínea a) do CVM.

Como instituição de crédito qualquer banco fica sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos artigos 73.º, 74.º e 75.º, na redação então em vigor, incumbindo aos seus administradores e empregados proceder, nas relações com os clientes (e nas relações com outras instituições), com diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados, bem como informar com clareza os clientes sobre os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos.

Assim:

Artigo 73.º (Competência técnica)

As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.

Artigo 74.º (Relações com os clientes)

Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

Artigo 75.º (Dever de informação)

1 - As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles.

2 - O Banco de Portugal regulamentará, por aviso, os requisitos mínimos que as instituições de crédito devem satisfazer na divulgação ao público das condições em que prestam os seus serviços.

3.2 - Os deveres de informação do intermediário financeiro

3.2.1 - Qualidade da informação

A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7.º do CVM.

Tal norma estabelece:

1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 - À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

O n.º 1 do referido artigo equipara, em termos gerais, a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Concretizando o sentido destas expressões, a informação a prestar deve: (i) compreender todos os elementos suscetíveis de influir no preço dos valores mobiliários; (ii) representar fielmente a realidade que se destina a refletir, não induzindo em erro os seus destinatários; (iii) ser oportunamente fornecida e atualizada quanto aos factos supervenientes que afetem o seu conteúdo; (iv) ser percetível para os seus destinatários; (v) apoiar-se em factos suficientemente comprovados e (vi) conformar-se com a lei, a ordem pública e os bons costumes.

Está aqui consagrado um padrão elevado de qualidade informativa.

Estes elevados padrões de qualidade são aplicáveis a toda a informação suscetível de influenciar as decisões dos investidores e ainda àquela especificamente dirigida às entidades reguladoras do mercado, seja qual for o meio de divulgação utilizado e ainda que inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco (artigo 7.º, n.º 2, do CVM).

- (José João de Avillez Ogando, Os Deveres de Informação Permanente no Mercado de Capitais, in ROA, ano 64, novembro de 2004, p. 223) -

As exigências indicadas são explicadas nomeadamente pela necessidade de "compensação dos desequilíbrios e assimetrias entre as partes, com o fito de manter o equilíbrio equitativo da relação jurídica", i.e., como uma decorrência do princípio da paridade jurídica. Assim, numa fase preliminar, o intermediário financeiro deve informar espontânea e detalhadamente o cliente sobre todas as características de cada instrumento financeiro cuja negociação seja equacionada, com vista a proporcionar uma decisão de investimento informada e esclarecida. Fala-se, sob esta perspectiva, de uma "transparência informativa" (Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Investimentos Mobiliários, Almedina, fevereiro, 2001, pp. 37 e ss).

3.2.2 - Dever de informação

O dever de informação do intermediário financeiro encontra previsão normativa em disposições legais do CVM, nomeadamente nas que se indicam e cuja interpretação conjugada é imposta para efeitos de apreensão do sentido do dever de informação.

O artigo 304.º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - [...].

5 - [...].

O artigo 309.º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - [...].

E o artigo 310.º, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no n.º 1 que "o intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efectuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente".

Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os "riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar", sendo que a "extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente" (artigo 312.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2).

Assim, tendo presente o disposto no artigo 304.º do CVM, sobre os intermediários financeiros impendem um conjunto de deveres: proteção dos interesses do cliente; proteção da eficiência do mercado; boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência; do conhecimento do cliente (know your costumer) e até sigilo profissional.

No que concerne à informação é importante realçar que, num primeiro momento, o intermediário financeiro - antes de contratar - tem o dever de recolha de informações sobre o conhecimento e a experiência do cliente em matéria de investimento tendo em vista o tipo específico de produto ou serviço, de forma a saber se o produto que oferece ao cliente, ou o serviço que lhe é solicitado, é adequado ao perfil do cliente visado.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 10/04/2018 (processo 753/16.4TBLSB.L1.S1), "O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para ajuizar se certa transação é adequada ao cliente - suitability test - impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência muito mais acentuado, devendo atuar como "diligentissimus pater famílias" não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve ..., a informação divulgada pelo intermediário financeiro deve ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio; e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes."

Do exposto resulta que o intermediário financeiro:

- tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar;

- tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar.

- cf. Ac. do STJ, de 25 de outubro de 2018 (processo 2581/16.8T8LRA.C2.S1) e Sofia Nascimento Rodrigues, obra citada -

Para além do cumprimento dos deveres de informação prévia (que antecede a celebração do negócio), o intermediário tem ainda o dever de informação sucessiva - dever de disponibilizar informação no decurso da execução contratual.

Quer no momento anterior à contratação, quer durante a execução do contrato, os deveres de informação devem sempre envolver a prestação de informação com clareza, lealdade e transparência, já que se destinam a fornecer aos clientes elementos fundamentais e caracterizadores dos produtos financeiros propostos.

"Deste modo, o intermediário financeiro deve prestar ao investidor toda a informação necessária para permitir uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada. A profundidade e a extensão das informações dependem do grau de conhecimento e experiência dos clientes que pretendam subscrever os instrumentos financeiros, devendo ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento do cliente (importando referir que o intermediário financeiro deverá informar-se dos conhecimentos e experiência do cliente, em matéria de investimentos, bem como dos objetivos por ele prosseguidos, devendo fazer compreender ao seu cliente (investidor) de forma clara e objetiva os riscos envolvidos nas operações propostas - artigo 304.º, n.º 3, do CVM), encontrando-se estabelecida uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente (falando-se em geometria variável no cumprimento do dever em causa, cf. Acórdão do STJ, de 4 de outubro de 2018)".

- Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, pp. 42/46 -

É isto que resulta inequivocamente do disposto no artigo 312.º do CVM, que pretende que o intermediário financeiro obtenha a informação preliminar relevante em relação ao cliente de modo a assegurar que toda a informação prestada subsequentemente seja adequada, porque completa e objetiva, na perspetiva do esclarecimento do cliente em concreto.

Daí que:

Como refere Gonçalo André Castilho dos Santos, em "A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente", Almedina, 2008, a p. 135, "são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (...) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele".

Como refere Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, pp. 42/46, "a dependência que os investidores não institucionais apresentam face aos intermediários financeiros para negociar valores mobiliários em mercado é não só um pressuposto legal mas uma verificação prática, com contornos expressivos. Com efeito, do estudo de mercado promovido pela CMVM relativamente ao «Perfil do investidor não qualificado português em valores mobiliários» resultou clara a influência que o gestor de conta exerce sobre esses investidores através da informação que presta. Tal permite afirmar que o comportamento dos intermediários financeiros tem um impacto directo muito significativo sobre as decisões dos investidores, pelo que representam um canal privilegiado por onde encetar a protecção destes. É também nesta perspectiva que deve entender-se o princípio geral consagrado no artigo 304.º, n.º 1, do Cód. VM segundo o qual os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes. Tal princípio caracteriza-se por impor ao intermediário financeiro não só o cumprimento das obrigações que assumiu para com os seus clientes mas também um especial dever de proteger os interesses destes, enquanto credores, nos contratos de intermediação financeira".

3.2.3 - Ponto de síntese

Em conclusão, a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.

Quanto ao âmbito dessa informação, nas palavras de Sofia Nascimento Rodrigues, na obra citada, "[...] Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art. 312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento 12/2000).

A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º 12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária".

3.2.4 - Sentido doutrinal e jurisprudencial

No sentido supra referido, podemos atentar o que referem alguns autores e bem assim várias decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça

3.2.4.1 - Na doutrina

António Pedro Azevedo Ferreira, em "A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura", Quid Juris, 2005, a pp. 652 a 654, refere que o dever geral de informar que impende sobre o banco é "forçosamente enquadrado pelo âmbito da relação negocial estabelecida entre o banco e o seu cliente, não incidindo sobre o banco relativamente a matérias que não tenham a ver, directa ou indirectamente, com tal relação. Isto é, o banco não está obrigado a tomar a iniciativa de informar o seu cliente sobre matérias que não tenham a ver com o âmbito do contrato bancário geral desenhado entre as partes, nomeadamente o banco não está obrigado a informar o cliente sobre eventuais oportunidades de negócio. Se, no entanto, o banco prestar tal tipo de informações, "motu próprio", fica naturalmente obrigado a agir com a correcção, a veracidade e a prudência que lhe são exigíveis por força da sua condição específica de profissional habilitado para o exercício da actividade, por força da confiança que tal facto inspira no cliente e por força de tal comportamento ser adoptado no âmbito de uma relação negocial de natureza vasta, complexa e diversificada. (...).

Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares: Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelos vectores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes".

Menezes Cordeiro, em "Direito Bancário", in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, p. 24, diz que o "Direito dos actos bancários é, fundamentalmente, um direito contratual: ele submete-se ao Direito das Obrigações, com os desvios ditados pela natureza comercial dos actos em causa e, ainda, com as especificidades propriamente bancárias, que tenham aplicação. Ao lado do Direito dos actos bancários, encontramos outras áreas normativas relevantes, (...) o que se poderá chamar de vinculações extra negociais, que incluem os deveres de informação e de lealdade pré contratuais e pós-eficazes (...) matéria que traduz o prolongamento dogmático dos deveres acessórios e pode ser considerada do tipo contratual".

Paulo Câmara, no Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, pp. 685 e 691, também afirma que a informação constitui, por um lado, "um instrumento de protecção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento" e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados"

Salienta o mesmo autor que "um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes".

3.2.4.2 - Na jurisprudência

Relativamente ao desenho do âmbito funcional do dever de informação, refere o Acórdão do STJ de 11.10.2018 (proc. n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1), in www.dgsi.pt, que:

"O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação (Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86).

Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto - o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento (cf., a propósito, Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs.).

Por outro lado, como adverte Paulo Câmara, "com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (...). Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (...)" (ob. cit pág. 684).

Também o Acórdão do STJ de 30.04.2019 (proc. n.º 2632/16.6T8LRA.L1.S1), in www.dgsi.pt se pronunciou sobre o tema do seguinte modo:

"O dever de informação que recai sobre o intermediário, e que se destina, do ponto de vista do investidor, a permitir uma decisão de investimento consciente e, do ponto de vista do mercado e por isso mesmo, a contribuir para o seu correcto e eficiente funcionamento (cf. n.º 1 do artigo 304.º do Código dos Valores Mobiliários, que impõe aos intermediários financeiros que orientem "a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado"), é de intensidade inversamente proporcional aos conhecimentos específicos detidos pelo investidor, isto é, relativos ao produto em causa [...].

Procura-se, assim, esbater o desequilíbrio de conhecimentos entre esse investidor não qualificado e a contraparte no contrato de intermediação; no caso, entre os autores e o Banco. O que naturalmente não significa que os investidores não devam usar de um grau de diligência, pelo menos, mediano, na obtenção dos elementos necessários à plena compreensão do produto que subscrevem; diligência essa que há-de ser avaliada em conjunto com a confiança que efectivamente depositem (ou não) no Banco a que recorrem e nos respectivos funcionários, a quem incumbirá avaliar (categorizar) o concreto cliente e a necessidade de informação a prestar-lhe, tendo também em conta a complexidade ou o risco do produto concreto. O dever de informação "não visa [...] conformar a actuação do investidor", como observa Gonçalo Castilho dos Santos, "A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente", Coimbra, 2008, pág. 116, "mas apenas disponibilizar-lhe a informação relevante" para a sua decisão.

Quer a jurisprudência, quer a doutrina salientam, do lado da instituição financeira, o dever de avaliar as características do investidor e de dosear proporcionalmente o grau de informação a prestar, sobre o concreto produto em negociação e, do lado do investidor, a exigência de diligenciar no sentido de obter as informações necessárias a uma tomada de decisão devidamente esclarecida [...]; embora o sistema, assente no objectivo de protecção do investidor e, por essa via, do mercado, seja antes de mais exigente com a imposição ao intermediário financeiro da obrigação de informação do investidor, mesmo que o investidor não tome a iniciativa de se informar".

4 - A responsabilidade civil do intermediário financeiro

4.1 - Enquadramento

4.1.1 - Disposições do CVM

O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que "os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública."

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que "A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação."

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (cf. Menezes Leitão, Atividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, AAVV, Direito dos Valores Mobiliários, vol. II, p. 147).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

4.1.2 - Disposições gerais do Código Civil

Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil:

- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;

- a ilicitude, desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.

O artigo 563.º do Código Civil prescreve que "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão", isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento.

Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

4.2 - Presunção de culpa e causalidade na violação de deveres de informação pelo Intermediário Financeiro no Código dos Valores Mobiliários.

Operando a aplicação das indicadas normas:

- podemos dizer que ocorre um facto ilícito quando a prestação de informação é errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária;

- a culpa, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal;

- nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º 2, do CVM); presunção que também resulta do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

- o dano: o prejuízo resultante do investimento nas obrigações;

- o nexo de causalidade: para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).

Isto significa que, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias poderiam não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano.

Ora, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.

Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.

E isto é assim porque não encontramos no regime do CVM norma aplicável à violação do dever de informação de indemnizar que consagre uma solução distinta da consagrada no Código Civil em sede da respetiva matéria já indicada.

No CVM apenas se estabelece uma presunção de culpa. E essa presunção de culpa não vem aí formulada em termos de se poder dela extrair uma ilação em termos de nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos.

Como refere o Acórdão do STJ, de 17/03/2016, "o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento".

Deste modo, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido não se presume, devendo ser demonstrado através da matéria de facto.

- cf., neste sentido, Acórdãos do STJ, de 24/01/2019 (processo 2406/16.4T8LRA.C1.S1, de 13/09/2018 (processo 13809/16.4T8LSB.L1.S1) e de 6/11/2018 (processo 6295/16.0T8LSB.L1.S1) -

Ora, sendo factos constitutivos do seu direito, compete ao Autor demonstrar a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que a culpa se presume, pelo que se pode concluir que a responsabilidade civil do intermediário financeiro pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos deveres legais ou contratuais bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido.

O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do "comportamento conforme à informação", que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais.

Ao adotar-se a posição indicada não se desconhece a existência de defensores de orientação diversa, nomeadamente de que a prova da ilicitude seria suficiente para se poder dar por comprovada a causalidade, como que assumindo que existe uma causalidade presumida a partir da prova da ilicitude do dever de informação.

Ainda assim, não é essa a solução que o legislador consagrou neste tema específico, sem prejuízo de poderem existir lugares paralelos no ordenamento jurídico onde a solução é normativamente acolhida e jurisprudencialmente aceite, como sucede na responsabilidade médica, v.g. para indicar apenas um exemplo.

5 - Se o intermediário financeiro que não informa investidores-clientes não profissionais sobre o risco em que, em abstrato, pode vir a incorrer, decorrente do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas) viola - ou não - os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM.

Como atrás se referiu, o intermediário financeiro está vinculado a um conjunto de deveres de entre os quais se destaca o dever de informação, que é decorrente do princípio da conduta transparente e leal.

E esse dever de informação implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor, sendo certo que o intermediário financeiro tem o dever de prestar todas as informações de que tenha sobre um produto financeiro, tomando a iniciativa do esclarecimento das características do produto financeiro, e não de prestar somente os esclarecimentos solicitados pelo investidor.

Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:

- As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente.

A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo.

As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.

- Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei 430/91, de 2 de novembro).

Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.

- o Fundo de Garantia de Depósitos encontra-se regulado nos artigos 154.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei 246/95, de 14 de setembro -

Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação.

6 - A resposta uniformizadora

Nestes termos e pelos fundamentos invocados:

a) Uniformiza-se a Jurisprudência nos seguintes termos:

1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

7 - A repercussão da resposta uniformizadora no Acórdão recorrido

Impõe-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostos ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação, como já anteriormente referido.

E, desde logo, se deve atender à influência que o gestor de conta exerce sobre o cliente (investidor) através da informação que presta, bem como compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações sobre o produto financeiro e não se colocar somente disponível para esclarecer e prestar as informações que o investidor (cliente) solicite.

7.1 - Vejamos a situação de facto ao nível do Acórdão recorrido, à luz do direito aplicável, tal como definido.

Em primeiro lugar importa afastar, desde já, no que se refere à matéria de facto, a hipótese de contradição entre os factos provados em 2.º, 3.º e 4.º e os factos provados em 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º aditados pelo Acórdão da Relação.

Assim, se é verdade que, quando subscreveu as obrigações, em 10/04/2006, o Autor assinou o respetivo boletim de subscrição de "forma deliberada e consciente" (facto 3.º), tal não significa que, ao ter assinado o boletim da referida forma, tivesse sido devidamente elucidado sobre a natureza do produto que subscreveu e estivesse consciente acerca de todo o seu conteúdo.

Por outro lado, mesmo que se defenda que existe uma confissão extrajudicial no boletim de subscrição (documento de fls. 21), a sua força probatória plena, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, sempre seria limitada apenas aos factos 2.º, 3.º (até "respectivo") e 4.º Daquela não se poderia concluir que, ao contrário dos factos provados de 15.º a 19.º, os Autores soubessem o que eram obrigações (v. 15.º), que o Banco tivesse explicado aos Autores o que eram obrigações (v. 16.º), que os Autores tivessem conhecimentos e experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram (v. 17.º), que alguém lho tivessem explicado corretamente (v. 17.º), que alguém tivesse explicado aos Autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN (v. 18.º) ou que o BPN não garantisse o pagamento das obrigações da SLN (v. 19.º).

Não existe, assim, contradição entre os factos provados em 2.º, 3.º e 4.º e os factos aditados pelo Acórdão da Relação nos pontos n.os 15.º a 19.º

Mais:

Dos factos provados resulta que:

- Os Autores foram clientes do BPN, na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º 384...01, onde movimentam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

- Em 10/04/2006, o Autor subscreveu, junto dessa agência, seis "obrigações SLN 2006", cada uma no valor de (euro)50 000,00, tendo assinado o boletim de subscrição respetivo, o que fez de forma deliberada e consciente.

- O Autor veio a subscrever seis obrigações subordinadas SLN, no valor de (euro)50 000,00 cada, tendo o Banco agido na sua qualidade de intermediário financeiro;

- As Obrigações SLN 2000 foram emitidas pela SLN, SGPS, S. A., que era, à data, titular de 100 % do capital social do "Banco réu (então BPN)", participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.

Deste modo, não só releva o perfil do cliente e o tipo de contratação que com ele foi estabelecida mas também o facto de o Banco BPN ter um claro interesse no resultado da operação de comercialização das obrigações emitidas pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S. A.

Encontra-se, também, provado que:

- "foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso." (facto provado e atrás indicado sob o ponto 7.).

- Tendo o Autor subscrito as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.

- O Autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da Ré que com ele contactaram.

- O Autor não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que era do conhecimento do Banco.

- Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou aos Autores o que eram obrigações, bem como, ninguém explicou aos Autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Ora, destes factos provados, à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta, incompleta, inexata e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos.

7.2 - A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.

Também não foram explicadas "as condições de reembolso, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso", isto é, nada foi dito em que consistia o endosso, apesar de se encontrar provado que "à data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta".

A informação incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.

Ao contrário da informação do Banco, porquanto se tratava de um empréstimo obrigacionista em que, em caso de falência ou liquidação do emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da emitente: "apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns" (Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, p. 137).

A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo - pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado - constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto.

Como já se deixou dito, o intermediário financeiro deve prestar "todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada" (artigo 312.º, n.º 1, do CVM). Além disso, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2, do CVM), o que significa que a "intensidade do dever de informação varia em função do tipo contratual e do perfil do cliente" (Acórdão STJ, de 11/10/2018), devendo o grau de conhecimentos e experiência reportar-se ao produto financeiro em causa. Por outro lado, não se deve ignorar que nas relações com os clientes "os intermediários devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência" (artigo 304.º, n.º 2, do CVM).

7.3 - Para resolver a situação suscitada no Acórdão recorrido é premente ir mais longe na análise do caso concreto, nomeadamente considerando os factos alegados e a situação fáctica com que o Tribunal tem de decidir.

Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes alegaram:

- que o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada.

Analisando.

A ser prestada esta informação, estaríamos em presença de uma informação falsa, porquanto, no caso das obrigações subordinadas não existe a garantia dos depósitos bancários a prazo, isto é, se o Autor constituísse um depósito a prazo no mesmo valor, em caso de falência do Banco, o Autor teria o reembolso de (euro)25 000,00, garantido legalmente (artigos 164.º e 166.º, n.º 1, do Decreto-Lei 298/92 de 31.12, na redação do Decreto-Lei 252/2003 de 17/10 - cf. Ac. STJ, de 23.3.2021, processo 1209/19.9T8STR.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt); pelo contrário, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que sucedeu, o Autor não tem garantia legal de reaver qualquer montante aplicado no produto (podendo, contudo, a final da liquidação, ser reembolsado).

Contudo, apesar da alegação dos Autores, esse facto não ficou provado no Acórdão recorrido.

Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes também disseram:

- que foi dito pelo Banco ao Autor que o reembolso do capital era garantido pelo BPN, o que se traduziria numa informação falsa.

Analisando, também nesta parte os Autores não lograram fazer a prova do que alegaram.

- Estas alegações dos Autores e o resultado fáctico será reanalisado novamente, em sede de análise da causalidade -

Ponto de síntese:

Considerando-se, assim, que os factos provados permitem configurar a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco, conclui-se pela existência da ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Banco.

Por outro lado, verifica-se a existência do dano e o Banco não demonstrou que não agiu com culpa, como se referiu esta presume-se nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil (sendo que estes pressupostos da responsabilidade civil não estavam colocados em crise no Acórdão recorrido).

7.5 - Importa agora verificar se está preenchido o requisito da existência, no Acórdão recorrido, do nexo de causalidade entre o facto ilícito - a prestação de informação incompleta, falsa e obscura - e o dano (a perda do capital investido na aquisição das obrigações).

7.5.1 - Como se referiu anteriormente, a prova da verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano compete ao Autor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, encontrando-se afastada a presunção de causalidade, no caso presente.

Apesar de ocorrer a violação do dever de informação (ilicitude) e de a culpa se presumir (artigo 304.º n.º 2, do CVM - na redação em vigor aquando da ocorrência dos factos), a obrigação de indemnizar não prescinde, pois, do preenchimento dos demais pressupostos - o dano e nexo de causalidade -, o que significa que, no caso vertente, haveriam de estar provados factos que permitissem estabelecer uma cadeia factual, que incluísse o ato ilícito que o desencadeou (isto é, a falta de informação sobre o produto subscrito) e que, naturalística e juridicamente, conduzisse ao dano (artigo 563.º do Código Civil), sendo que era sobre os Autores que recaía o ónus dessa prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) - (cf. Ac. STJ, de 30/04/2019 (processo 2632/16. 6T8LRA.L1.S1).

Com efeito, dispõe o artigo 563.º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano [...], sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: "para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)" (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi "conditio sine qua non" do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo 409/09.4YFLSB).

7.5.2. atentemos nos factos provados e não provados.

No que respeita ao nexo de causalidade, os Autores alegaram:

- "... o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (artigo 6.º da petição inicial);

- se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria" (artigo 8.º da petição inicial);

- pelo que os AA. desconheciam e nem podiam conhecer, que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido (artigo 17.º da petição inicial).

Todavia, os Autores não lograram provar qualquer destes factos; alguns foram expressamente dados como não provados (cf. alíneas a), e) e g) dos factos não provados).

Assim, não se verifica que qualquer facto dado como provado tenha operado, no plano meramente factual, como conditio sine qua non do dano, maxime, que as deficiências da informação do BPN tenham funcionado como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital.

Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações.

Falece, assim, a relação de causalidade adequada entre a ilicitude por violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital.

Deste modo, embora com fundamentos não coincidentes, o recurso não pode proceder.

IV - Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos invocados, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

A. Uniformizar a Jurisprudência nos seguintes termos:

1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

B. Não admitir a junção do documento requerida pelos Recorrentes, com a alegações de recurso, ordenando-se o seu desentranhamento e condenando-se os Recorrentes na multa, que se fixa em 1 UC.

C. Negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique e, oportunamente, publique-se na 1.ª série do Diário da República.

Lisboa, 6 de dezembro de 2021. - Pedro de Lima Gonçalves (relator) - Maria Rosa Oliveira Tching - Maria do Rosário Morgado - Fátima Gomes - Acácio Luís Jesus das Neves - Oliveira Abreu - Fernando Augusto Samões - Raimundo Manuel da Silva Queirós - Ricardo Alberto dos Santos Costa - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - António Santos A. Geraldes - Fernando Pinto de Almeida - Manuel Tomé Soares Gomes - José Rainho - Olindo dos Santos Geraldes - Alexandre Reis - António José Moura de Magalhães (com declaração de voto) - Graça Amaral (vencida nos termos da declaração de voto da Ex.ª Conselheira Maria Olinda Garcia) - Maria Olinda Garcia (vencida nos termos da declaração anexa) - Nuno Manuel Pinto Oliveira (vencido, nos termos da declaração junta) - José Bernardo Domingos (vencido nos termos do voto junto) - Fernando Jorge Dias (subscrevo a declaração da Ex.ª Conselheira Olinda Garcia) - João LM Bernardo (vencido nos termos do voto que junto) - Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração que junto) - Maria Clara Sottomayor (vencida parcialmente na alínea A) do dispositivo e totalmente vencida na alínea C), nos temos de declaração de voto que junto) - Maria da Graça Franco Frazão (votei parcialmente vencida conforme declaração junta) - Maria José Vaz Tomé (votei vencida, conforme declaração anexada.) - Ilídio Sacarrão Martins (voto a decisão, mas de acordo com a declaração de voto que junto) - Henrique Araújo - Presidente.

***

Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

DECLARAÇÃO DE VOTO

1) Afirma-se no AUJ que "a informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações."

Sem prejuízo de concordar com a consideração de que a informação foi incompleta pelo facto de o Banco não ter explicado ao autor a posição de uma obrigação subordinada em caso de graduação de créditos num processo de insolvência da entidade emitente, não posso, no entanto, aceitar a invocação que o acórdão faz da matéria de facto provada nos factos 15.º e 16.º ("Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações) para fundamentar a incompletude da informação." É que se deu como não provado que "o autor, ao subscrever as referidas obrigações SLN 2006, não soubesse concretamente o que era ..." (facto não provado b)), o que, dada a contradição, inviabiliza uma decisão jurídica com base no facto de que o autor não sabia o que eram as obrigações SLN 2006 (cf. no sentido de que essa contradição pode funcionar entre factos provados e não provados, ver Ac. STJ de 6.2.2020, proc. n.º 2251/12.6TBVNG.P1.S1, no site do ECLI, e Ac. STJ de 20.5.2010, proc. n.º 2655/04.8TVLSB.L1.S1, no site do IGFEJ).

Afirma-se, também, que não foram explicadas "as condições de reembolso ..., que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso", isto é, nada foi dito em que consistia o endosso, apesar de se encontrar provado que "à data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta".

Todavia, não ficou clarificado que o autor não soubesse o que era o endosso e que essa informação se revelasse necessária para uma tomada de posição esclarecida do autor em relação ao investimento.

Refere, por outro lado, o AUJ que "a informação foi obscura porque, nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (o investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN."

Porém, os factos 15.º e 16.º ("Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações"), dada a contradição, atrás assinalada, com o facto não provado b, não se mostram relevantes para a demonstração da violação dos deveres de informação, e concretamente para a sua qualificação como "obscura".

E o facto 18.º "(Ninguém explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN") também não. Com efeito, os autores não provaram que desconheciam que a SLN era uma empresa (artigo 5.º da petição - facto não provado alínea b)), que o autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente Banco (artigo 7.º da petição-facto não provado, apesar de eliminado dos não provados), que os AA. não sabiam o que era a SLN, pensando que era uma denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava (artigo 15.º da petição-facto não provado alínea f)). Além de que não provaram, também, que o autor não soubesse qual era a entidade emitente do produto que subscreveu ou que não lhe tivesse sido explicado que as obrigações tinham sido emitidas pela SLN, que era uma entidade distinta do BPN. Ora, só depois de provadas estas circunstâncias era possível avaliar se as informações que constam do facto 18.º se revelavam necessárias em ordem a desfazer alguma confusão que permanecesse no espírito do autor sobre a distinção entre o BPN e o SLN e sobre a diferença entre investir numa ou noutra entidade.

Como assim, e no projecto que apresentei como relator, circunscrevi a ilicitude nos seguintes termos: ao informar apenas o autor de que o reembolso do capital era garantido "porquanto não era produto de risco", sem quaisquer esclarecimentos adicionais o funcionário do Banco, que sugeriu o produto ao autor, estava a prestar-lhe informação que o induzia a investir (pois, ao autor, que não pretendia investir em "produtos de riscos", dizia, precisamente, que o produto não era "produto de risco"); desse modo, estava a prestar-lhe uma informação que não era completa, nem clara, nem objectiva, e que era susceptível de influenciar a decisão do autor, que não pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco", que não estava em condições de avaliar, com precisão, os riscos do investimento, a não ser que lhos explicassem devidamente (facto 12.º) e que não possuía conhecimentos nem experiência suficientes para compreender o tipo de investimento que estava a fazer (facto 17.º). A informação só seria completa e esclarecedora se o intermediário tivesse informado o autor de que, sendo as obrigações subordinadas, apenas podia exercer o respectivo direito de crédito após a satisfação integral dos demais credores do emitente por dívida não subordinada, pelo que tais obrigações representavam um maior risco potencial pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os credores privilegiados e sobre os créditos comuns, se podia dar como certa a inviabilidade de os obter em processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respectivos juros (cf. Ac. STJ de 7.2.2019, proc. n.º 31/17.1T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt).

Em consequência, sem prejuízo da ilicitude estar comprovada, para o que consta do ponto 2., teria preferido o seguinte:

"Se o Banco intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco)", sem outras explicações, designadamente, sem lhe explicar a posição de uma obrigação subordinada em caso de graduação de créditos num processo de insolvência da entidade emitente, prestou, nesse caso, uma informação que não era completa, nem objectiva, nem clara, susceptível de influenciar a decisão desse investidor (art. 7.º, n.º 1 do CMV)".

2) Também não acompanho o segmento de uniformização do ponto 3., que julgo ser inócuo para a averiguação do nexo de causalidade.

Quanto ao ponto 4., apesar de o sufragar, seria de acentuar que a decisão de investir (ou não) deverá estar primordialmente reportada à averiguação dos factos. Logo, teria ponderado neste ponto a integração, na parcela relevante, do segmento que antes se discutira nos projectos anteriores:

"Para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelo investidor, torna-se, também, necessário que este demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, importando que o nexo causal seja analisado através da demonstração que decorre da matéria de facto".

António Magalhães.

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Proc. n. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A - Recurso para Uniformização de Jurisprudência

Declaração de voto

1 - Concordo com a existência de incumprimento dos deveres do réu, ou seja, com a existência de um comportamento ilícito, como bem se afirma no presente acórdão. Porém, já não acompanho a posição maioritária quanto ao entendimento de que o réu não teria demonstrado o requisito do nexo de causalidade. Atendendo ao que se encontra assente nos pontos 9.º, 11.º e 12.º da factualidade provada, seria de concluir que a omissão ilícita da informação devida privou o autor da possibilidade de expressamente rejeitar a subscrição de um produto de risco (pois encontra-se provado que não pretendia subscrever esse tipo de produto), sem a qual não teria sofrido o dano. Penso ainda que, no juízo de apuramento deste pressuposto, não se deve atender à factualidade não provada, pois o que não é provado não adquire relevo normativo (nem positivo, nem negativo). Assim, a meu ver, o acórdão recorrido devia ser revogado.

2 - No que respeita ao segmento de uniformização de jurisprudência, concordo com a sua formulação.

Maria Olinda Garcia.

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PROCESSO 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A

DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido, pelas razões seguintes:

1 - O acórdão e em especial o segmento uniformizador deveriam dizer algo sobre os critérios relevantes para averiguar se a violação de deveres de informação é condição sine qua non da decisão de investir - e, em consequência, do dano patrimonial do investidor.

Os termos em que está redigido o n.º 4 do segmento uniformizador causam ou podem causar a impressão de que deve exigir-se do investidor uma prova directa, e uma prova directa de um processo psíquico hipotético (daquilo que teria decidido, se tivesse sido devidamente informado) - e os termos em que está redigido o n.º 3 em nada contribuem para a desfazer.

Ora os deveres de esclarecimento ou de informação do intermediário financeiro destinam-se a dar ao investidor uma oportunidade de decidir de forma consciente, livre e responsável e, ainda que não se destinassem a dar ao investidor uma oportunidade de decidir, sempre a prova directa de que o investidor não teria tomado a decisão de investir, ou de que teria tomado uma decisão de investir de conteúdo distinto, é uma prova impossível.

Em termos práticos, a afirmação de que, ainda que haja violação de deveres de esclarecimento e informação, o cliente tem o ónus da prova de que a violação de deveres é condição sine qua non da decisão de investir, significaria que a violação de deveres de esclarecimento ou de informação, ainda que seja ilícita e que seja imputável ao intermediário financeiro por dolo ou por culpa grave, não seria nunca facto constitutivo de um dever de indemnizar.

2 - O problema da impossibilidade da prova poderia resolver-se em Portugal como se resolveu na Alemanha ou na Itália - através de uma presunção, fáctica (1) ou normativa (2), de que a decisão de investir foi condicionada pela violação dos deveres do intermediário financeiro (3).

O contra-argumento de que "não é essa a solução que o legislador consagrou neste tema específico" não pode ser razoavelmente sustentado: ainda que as disposições do direito alemão ou do direito italiano sejam semelhantes, sejam em tudo semelhantes, às disposições do direito português, o Supremo Tribunal Federal alemão e a Corte di cassazione italiana desenvolveram critérios sistemática e teleologicamente adequados de distribuição do risco da falta de prova.

O facto de terem sido violados deveres de esclarecimento ou de informação lesa o direito do investidor de decidir consciente e livremente, através de uma ponderação pessoal dos prós e dos contras - daí que, de acordo com o fim de protecção da disposição infringida ou violada, deva colocar-se a cargo do intermediário financeiro o ónus de provar que, "ainda que tivesse cumprido o seu dever de informação - que não tivesse incorrido no comportamento ilícito -, o [investidor] teria a mesma conduta" (4) (5).

Em todo o caso, mesmo que não quisesse chamar-se para aqui uma presunção, sempre o problema se poderia resolver como se resolveu em França - através da reconstrução do dano do investidor como dano da perda de uma chance ou de uma oportunidade de decidir sobre o investimento, não concluindo nenhum contrato, ou concluindo um contrato de conteúdo distinto (6).

3 - O raciocínio desenvolvido para confirmar a decisão do acórdão recorrido é elucidativo acerca do autêntico estado de necessidade em relação à prova em que se encontra o investidor.

Estando em concreto presentes todos os elementos potencialmente relevantes para a prova da condicionalidade (7), o acórdão concluiu que a presença de todos os elementos relevantes era insuficiente: ainda que o investidor não tivesse tido a possibilidade de identificar a categoria - obrigações - ou a espécie - obrigações subordinadas - do instrumento financeiro, ainda que não tivesse tido a possibilidade de conhecer as características do instrumento financeiro obrigações subordinadas, ainda que não tivesse tido a possibilidade de individualizar a entidade emitente e ainda que não tivesse tido a possibilidade de compreender, no contexto sócio-económico em que a operação foi realizada, o risco de perda do capital investido, o intermediário não foi condenado a indemnizá-lo.

O investidor não teria conseguido provar que a violação (ilícita) de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da decisão de investir (8).

O resultado é, na minha opinião, de todo em todo insustentável:

Independentemente da extensão da violação de deveres, independentemente da gravidade da ilicitude e independentemente da gravidade da culpa do intermediário (ou seja, ainda o intermediário tenha actuado com dolo, e com dolo de lesão!), o investidor confrontar-se-á sempre com um obstáculo, e o obstáculo é intransponível - exige-se-lhe que faça uma prova que o investidor não pode fazer; exige-se-lhe que faça a prova de que tomaria uma decisão que não tomou, e de que tomaria uma decisão que não tomou se tivesse uma informação que não teve!

4 - Interpretado o n.º 4 em termos de exigir ao investidor a prova directa de um processo causal hipótético, entendo que o alcance da uniformização de jurisprudência deverá limitar-se aos contratos concluídos até ao termo do prazo para a transposição da Directiva n.º 2004/39/CE, de 21 de Abril de 2004, ou seja, aos contratos concluídos até 31 de Janeiro de 2007 (9).

O facto de o contrato de intermediação financeira entre os Autores, agora Recorrentes, e o Banco BPN - Banco Português de Negócios, SA, ter sido concluido em 10 de Abril de 2006 explicará a ausência de um reenvio prejudicial; ainda que explique e, porventura, justifique a ausência de reenvio, determina que o alcance da uniformização deva restringir-se.

Entre os limites à autonomia dos Estados-membros na transposição das directivas está o princípio da efectividade (10)- e, de acordo com o princípio da efectividade, a prova da relação de condicionalidade entre a violação do dever e o dano do investidor não deve ser nem impossível, nem (tão-pouco) demasiado difícil (11). Ora o n.º 4 do segmento uniformizador, ao sustentar que, "[p]ara estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir [...], incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir", faz com que a prova da relação de condicionalidade se torne de todo em todo impossível:

"... aí onde um dever de informação decorrente da directiva relativa aos mercados de instrumentos financeiros tenha sido violado, a regra básica deve ser a de que existe uma relação de condicionalidade entre a violação da regra e o dano, atendendo a que, de outro modo, a protecção dos investidores pretendida pela directiva pode revelar-se praticamente ilusória" (12).

Lisboa, 6 de Dezembro de 2021

Nuno Manuel Pinto Oliveira.

(1) Como sugere o acórdão do Supremo Tribunal Federal alemão de 11 de Fevereiro de 2014 - II ZR 273/12.

(2) Como sustentam os acórdãos do Supremo Tribunal Federal alemão de 3 de Dezembro de 2007 - II ZR 21/06 -, de 8 de Maio de 2012 - XI ZR 262/10 -, de 13 de Dezembro de 2012 - III ZR 70/12 -, de 23 de Abril de 2013 - XI ZR 318/10 - ou de 11 de Fevereiro de 2014 - II ZR 273/12 - e os acórdãos da Corte di cassazione italiana de 16 de Fevereiro de 2018 - n.º 3914 -, de 28 de Fevereiro de 2018 - n.º 4727 -, de 15 de Junho de 2020 - n.º 11549 - ou de 31 de Agosto de 2020 - n.º 18153.

(3) Como sustentam, p. ex., os acórdãos da Corte di cassazione italiana de 16 de Fevereiro de 2018 - n.º 3914 -, de 28 de Fevereiro de 2018 - n.º 4727 -, de 15 de Junho de 2020 - n.º 11549 - ou de 31 de Agosto de 2020 - n.º 18153 -, a inobservância dos deveres de informação dos intermediários financeiros faz com que a decisão do investidor deixe de ser, como deveria, uma consciente, livre e responsável.

(4) Cf. António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto, "Compra e venda de empresas. A venda de participações sociais como venda de empresa (share deal)", in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 137.º (2007), págs. 76-102 (97 - nota n.º 112).

(5) Cf. designadamente Claus-Wilhelm Canaris, "Die Vermutung 'aufklärungsrichtigen Verhaltens' und ihre Grundlagen", in: Claus-Wilhelm Canaris. Gesammelte Schriften, vol. III - Privatrecht, de Gruyter, Berlin/Boston, 2012, págs. 1085-1107; Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 1388-1389 e 1060-1064; António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto, "Compra e venda de empresas. A venda de participações sociais como venda de empresa (share deal)", cit., pág. 97; ou Margarida Azevedo de Almeida, "A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros", in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424 (421-422).

(6) Vide, p. ex., os acórdãos da Chambre commerciale da Cour de cassation de 4 de Fevereiro de 2014 - n.º 13-10.630 -, de 17 de Março de 2015 - n.º 13-25.142 - ou de 3 de Maio de 2018 - n.º 16-16.809 - e o acórdão da Chambre civile de 20 de Maio de 2020 - n.º 18-25.440.

(7) Os factos provados sob os n.os 15, 16 e 17 demonstram que o investidor, em função do seu grau de conhecimento e experiência, não teve a possibilidade de identificar a categoria do instrumento financeiro - obrigações - ou a especíe - subordinadas; o facto provado sob o n.º 16 demonstra que o investidor não teve a possibilidade de conhecer as características do instrumento financeiro obrigações subordinadas; o facto provado sob o n.º 18, que não teve a possibilidade de individualizar a entidade emitente ou, ainda que não emitente, responsável pelo reembolso do capital investido; e os factos provados sob os n.os 9. 12 e 17, que o investidor não teve a possibilidade de compreender, no contexto sócio-económico em que a operação foi realizada, o risco de perda do capital ou dos rendimentos.

(8) Entre as razões por que o acórdão terá concluído que a presença de todos os elementos relevantes para a prova da condicionalidade era insuficiente está o facto de ter desvalorizado os factos provados e valorizado, porventura em excesso, os factos não provados - atendeu, p. ex., à circunstância de ter sido dado como não provado "[q]ue os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo" [alínea g)] ou "[q]ue, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, cujo capital não era garantido pelo BPN, [...] não tivesse consentido e autorizado tal compra [alínea e]] e desatendeu ou, em todo o caso, desvalorizou a circunstância de ter sido dado como provado que "[o] autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido[,] e [de] que lhe seriam pagos os juros" (n.º 11), que "[o] autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco" (n.º 12) ou que "[o autor] tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada)" (n.º 12).

(9) Cf. art. 70.º da Directiva 2004/39/CE, de 21 de Abril de 2004).

(10) Cf. acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 30 de Maio de 2013 - processo C-604/11 (Genil 48 SL e Comercial Hostelera de Grandes Vinos SL contra Bankinter SA e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA) -, em cujo parágrafo 57 se diz: "embora o artigo 51.º da Directiva 2004/39 preveja a imposição de medidas ou de sanções administrativas contra as pessoas responsáveis por uma violação das disposições adoptadas em aplicação desta directiva, não precisa que os Estados-Membros devem prever consequências contratuais no caso da celebração de contratos que não respeitam obrigações que decorrem das disposições de direito nacional que transpõem o artigo 19.º, n.os 4 e 5, da Directiva 2004/39 nem quais poderiam ser essas consequências. Ora, na inexistência de legislação da União na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro regular as consequências contratuais da violação dessas obrigações, sem prejuízo do respeito dos princípios da equivalência e da efectividade [...]".

(11) Em termos semelhantes, ainda que para um caso de responsabilidade civil do produtor, vide o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 21 de Junho de 2017, no processo C-621/15 (L. W. e outros contra Sanofi Pasteur) - n.º 28: "... não [se] exige que o lesado apresente, em todas as circunstâncias, provas certas e irrefutáveis da existência do defeito do produto e da existência de um nexo causal entre este último e o dano incorrido, mas permite[-se] ao juiz, se for o caso, concluir que essa existência está provada, baseando-se num conjunto de indícios cuja gravidade, precisão e concordância lhe permitam considerar, com um grau suficientemente elevado de probabilidade, que essa conclusão corresponde à realidade".

(12) Cf. Danny Busch, "The Private Law Effect of MiFID: The Genil Case and Beyond", in: Danny Busch/Guido Ferrarini (coord.), Regulation of the EU Financial Markets. MIFID II and MiFIR, Oxford University Press, 2017 (n.º 20.30). - com a concordância de Federico della Negra, MiFID and Private Law. Enforcing EU Conduct of Business Rules, Hart Publishing, Oxford/Portland (Oregon), 2018, págs. 191-193, ou de Marnix Wibo Wallinga, EU Investor Protection Regulation and Liability for Investment Losses. A Comparative Analysis of the Interplay between MiFID & MiFID II and Private Law, Springer, Heidelberg/New York/Dordrecht/London, 2020, esp. nas págs. 354-356.

***

RUJ n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A

Declaração de voto

*

Quanto à questão do nexo de causalidade, que é fulcral no presente recurso de uniformização, considero que a tese plasmada no Acórdão fundamento, de que fui relator, é correcta e deveria ter merecido acolhimento no Pleno do STJ. Tal não sucedeu e nessa medida aceito o veredicto da maioria. Porém considero que, no caso dos autos, se impõe fazer algumas observações.

Desde logo e quanto à questão da ilicitude da conduta do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação, entendo que os factos dados como provados não deixam margem para qualquer dúvida sobre a existência de tal requisito. E ao contrário da tese que fez vencimento, entendo que o nexo causal também está demonstrado. Na verdade, mesmo para quem não admita a existência de uma presunção de causalidade assente na demonstração da violação dos deveres de informação (ilicitude), do dano e da culpa (presumida do intermediário), os factos assentes no acórdão recorrido, são mais do que suficientes para se ter como demonstrado o nexo de causalidade, como bem se observa nos votos de vencido dos Exmo.s Juízes Conselheiros João Bernardo, Olinda Garcia e Nuno Oliveira. Consequentemente votaria pela procedência do RUJ, revogando o acórdão recorrido e no mínimo acolheria uma formulação muito próxima da sugerida pelo Sr. Cons. João Bernardo, no tocante ao segmento uniformizador, nos seguintes termos:

Nos contratos de intermediação financeira, uma vez demonstrada, pelo cliente, a violação dos deveres de informação por parte do intermediário, este responderá pelos danos resultantes da perda de capital, a menos que os produtos que intermediou encerrem, por natureza, esse risco ou que, relativamente aos outros, demonstre ter o cliente agido totalmente esclarecido de que, ainda assim, a perda de capital poderia ocorrer.

Lisboa, em 6 de dezembro de 2021.

Bernardo Domingos.

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Voto de vencido:

1 - Votei vencido, quer quanto à decisão do recurso, quer quanto aos pontos 1 e 4 da vertente uniformizadora.

2 - Entendo que resulta dos factos apurados, constantes, nomeadamente, dos n.os 7 ("As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia ... nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança financeira em causa, a sua solidez ... e assegurar que tinha um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio banco") 9.º ("Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré ... a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido, porquanto não era produto de risco) ... e que podia dispor do capital quando assim o entendesse ...", 11.º "O autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura ... cujo reembolso do capital era garantido ..." e 12.º "O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco"), a relação de causalidade entre o facto do réu e o prejuízo que adveio ao autor constante do não recebimento do que investiu.

3 - Na verdade, ele não investiria se não fosse o envolvimento garantístico proporcionado pelo réu e a conduta deste foi causa adequada de que tal prejuízo se verificasse.

Noutra perspetiva da causalidade, o banco criou claramente uma esfera de risco no seio da qual se verificaram os danos que agora são invocados.

4 - Os factos que transcrevi e, bem assim, os constantes dos pontos 5.º (a entidade emissora era titular de 100 % do capital do banco, 8.º "A ré pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital ..." e 19.º "O BPN garantia o pagamento destas obrigações da SLN") encerram, a meu ver, uma particularmente intensa violação do princípio da boa fé contratual, conduzindo, também por aí à responsabilização do banco.

5 - Que, por sua vez, ainda é intensificada, quer pela qualidade pessoal do autor (um ingénuo nestas negociações), quer pela realidade então vivenciada, caracterizada pela total confiança do cidadão comum na "palavra" dos bancos. Estávamos mesmo antes da crise de 2008/2009 e ninguém acreditava que um banco falhasse ao compromisso que está no ponto 19.º do elenco dos factos provados.

6 - Acresce que o autor deve ser considerado consumidor, atenta a definição, já vigente ao tempo, do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31.7, tendo por aí, além do mais, direito à "qualidade dos bens e serviços" e à "reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais" - alíneas a) e f) do artigo 3.º

...

7 - No que respeita à uniformização jurisprudencial, entendo que a imposição de esclarecimento nos termos pormenorizados no texto do acórdão e, bem assim, a evidência da causalidade quando se perde um capital que se tem como certo pela própria entidade bancária, justifica antes a responsabilização desta, com a ressalva para os casos em que o cliente da intermediação financeira, está bem esclarecido.

De fora devem ficar, naturalmente, também os casos em que os produtos pela sua própria natureza sejam de risco claro (p. ex. ações, futuros, etc.). Aí a entidade bancária não assegurará a manutenção do capital.

8 - Ademais, louvo-me no teor do voto de vencido do Senhor Conselheiro Nuno Oliveira.

9 - Iria, então, para a uniformização nos seguintes termos:

Nos contratos de intermediação financeira, o intermediário responde pelos danos resultantes da perda de capital, a menos que os produtos que intermediou encerrem, por natureza, esse risco ou que, relativamente aos outros, demonstre ter o cliente agido totalmente esclarecido de que, ainda assim, a perda de capital poderia ocorrer.

Lisboa, 6.12.2021.

João L M Bernardo.

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PROC 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

DECLARAÇÃO DE VOTO

I. O dissenso jurisprudencial de que aqui se cura tem o seu ponto fundamental na questão de se saber se o normativo inserto no artigo 314.º do CVM encerra em si uma presunção de culpa que se alarga à de ilicitude e de causalidade.

Partiu-se para o efeito do princípio que ambos os Acórdãos estariam em oposição, na medida em que o Acórdão recorrido entendeu que tal presunção não seria abrangente, e o Acórdão fundamento decidiu em sentido diverso.

Temo que a questão essencial não esteja a ser devidamente analisada, na medida em que, residindo esta, necessariamente, tendo em atenção o disposto no artigo 688.º, n.º l do CPCivil, na diversa ratio essendi dos Arestos em confronto, nenhuma divergência aqui existe que possa convocar a uniformização pretendida.

Se não.

A situação de facto é idêntica nos dois Acórdãos, mas enquanto o Acórdão recorrido entendeu que da materialidade apurada não se poderia retirar, quer a ilicitude - consubstanciada na violação do dever de informação - quer o nexo de causalidade entre a actuação do agente banco e o dano ocorrido, o Acórdão fundamento entendeu que houve violação do dever de informação e por isso concluiu pela ilicitude do comportamento do Banco, e foi mais além, ao presumir ter havido nexo de causalidade entre aquele comportamento e o dano ocorrido, de onde ter concluído pela existência de todos os pressupostos da responsabilidade civil daquele, conducente ao dever de indemnizar decorrente do preceituado no artigo 314.º do CVM.

Quer dizer, um e outro Acórdão descartaram qualquer presunção alargada quanto aos pressupostos da responsabilidade civil consubstanciados no artigo 314.º do CVM, para além da culpa aí expressamente prevenida, tendo-se limitado a subsumir os factos dados como provados de forma diversa, pois nos dois Arestos se considera que os Autores têm de demonstrar o nexo de causalidade, tendo o Acórdão fundamento, neste conspecto, introduzido um plus, socorrendo-se das regras da experiência, fazendo retirar do comportamento do Banco as razões para que o Autor não tivesse subscrito o capital investido, se o dever de informação tivesse sido pontualmente cumprido sic «Ora, das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do apelante, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido. Na verdade está demonstrado que na data dos factos foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias.».

Esta presunção, fáctica, de inadmissível laboração por este STJ, diga-se, como é do conhecimento geral, não pode ser aqui sancionada porque se trata de matéria abrangida por caso julgado material, sem embargo de poder e ter de ser chamada à colação, por razões imperiosas relacionadas com a ratio decidendi da questão em tela, não pode conduzir sem mais a uma presunção de direito aplicado, soit disant, isto é, não se poderá concluir sem mais, porque o Tribunal presumiu a ocorrência de um facto, que esse mesmo órgão decisor concluiu que o artigo 314.º do CMV continha uma presunção alargada à ilicitude e nexo de causalidade, antes pelo contrário: resulta inequivocamente da argumentação do Acórdão fundamento que ali se fez exigir a alegação e prova dos factos consubstanciadores da ilicitude e do nexo de causalidade, apenas, se dispensando os atinentes à culpa, a qual se presume, como especificamente de dispões naquele mencionado normativo.

Aliás, estes elementos são facilmente descortináveis, quer da supra extractada retórica argumentativa do Aresto, quer do seu sumário, podendo-se constatar que naquela se chamou à colação as teorias da inclusão dos elementos consubstanciadores da responsabilidade civil, patrocinadas além do mais por Menezes Cordeiro, sem que, contudo, a final, por elas tenha vindo a optar em sede de conclusão final.

Assim sendo, não obstante a problemática em discussão tenha necessidade de vir a ser uniformizada, a mesma não encontra o seu terreno fértil nos dissídios sub judice, porquanto inexiste a apontada desconformidade jurisprudencial que convoque o disposto no artigo 688.º do CPCivil.

Nestes termos não aceitaria a uniformização.

II. Tendo a maioria aceite a uniformização, mas considerando haver necessidade de uniformizar a questão em equação, embora, repita, não estivessem reunidos in casu os pertinentes requisitos formais, pronunciando-me sobre o fundo da questão, não posso acompanhar a fundamentação, quanto à inexistência de nexo de causalidade.

Entendo que da factualidade provada - factos 3º, 5º, 1 Iº, 12º, 14º, 19º e 20º, resulta o nexo de causalidade, o que foi afirmado pela Relação, quer através da prova directa, quer através de presunção o resulta vítreo do teor de fls 328 do Acórdão, quando aí se afirma o seguinte: «Quanto ao nexo causal entre o facto e o dano, este não só se deve ter por abrangido pela presunção do art.º 799.º, n.º 1 do CC1, como se encontra amplamente provado.

Como tem salientado a jurisprudência, atendendo ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos AA. está demonstrado quando em face dos sobreditos factos podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, estes não teriam investido naquelas aplicações. Resulta evidente que se esses deveres tivessem sido devidamente cumpridos os AA. não teriam realizado tal aplicação de capital e, assim, não teriam sofrido os riscos e prejuízos subsequentes, pelo que a causa do prejuízo não foi a nacionalização da instituição bancária (ou de forma ainda mais abrangente a crise financeira de 2008), pois o prejuízo dos AA. decorre da informação enganosa prestada.».

Face a todo o exposto, teria revogado o Acórdão recorrido e repristinado a sentença de primeiro grau com a condenação da Ré nos termos aí consignados, subscrevendo apenas os pontos 1, 2 e 3 do segmento uniformizador, pelo que uniformizaria a jurisprudência do seguinte modo:

1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312º n.º 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco", sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

Ana Paula Boularot.

***

Declaração de voto

1 - Votei a favor do projeto de acórdão apresentado pela Relatora originária, Conselheira Maria João Tomé, no qual se propôs a revogação do acórdão recorrido e se condenou o Banco, intermediário financeiro, a pagar uma indemnização aos autores. Aí se defendeu, com sólida argumentação, para a qual remeto, que a presunção de culpa contida no artigo 304.º-A, n.º 2, do CVM (correspondente ao artigo 314.º, n.º 2, do CVM, na versão em vigor ao tempo da prática dos factos) abrange também presunções legais de ilicitude e de causalidade.

2 - Estou, portanto, vencida parcialmente no presente Acórdão de Uniformização quanto ao segmento uniformizador e totalmente vencida quanto à decisão do acórdão recorrido.

2.1 - Subscrevi a orientação que veio a ser aprovada no presente Acórdão Uniformizador quanto ao conteúdo, extensão e alcance do dever de informação com reflexo no n.º 2 do segmento uniformizador, que votei favoravelmente.

2.2 - Quanto à 1.ª parte do n.º 1 do segmento uniformizador, segundo a qual o investidor tem o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação legalmente impostos, votei-a favoravelmente, com a especificação de que o âmbito deste ónus incide apenas sobre os factos ou situações da vida integradores do conceito jurídico de incumprimento dos deveres de informação, na medida em que entendo ser dificilmente concebível que uma violação de deveres jurídicos, que se presume culposa, não seja também ilícita no plano objetivo.

2.3 - Quanto ao nexo de causalidade:

a) Fiquei vencida nos n.os 1, 2.ª parte, e 4 do segmento uniformizador, na medida em que entendo que o legislador consagrou no artigo 314.º, n.º 2, do CVM uma presunção legal de causalidade;

b) Subscrevi o n.º 3 do segmento uniformizador, por entender que na economia do Acórdão constitui uma afirmação neutra, que não se opõe à minha posição sobre a presunção legal de causalidade;

c) Fiquei vencida na decisão do acórdão recorrido, cuja revogação defendi, por entender que, mesmo sem o auxílio de uma presunção legal de causalidade, resulta demonstrado, nos factos do caso concreto, o nexo de causalidade entre o incumprimento dos deveres de informação e o dano.

Os fundamentos da minha posição são os seguintes:

3 - O Direito dos Contratos, com base no princípio de boa fé enquanto regra de conduta positivada no Código Civil de 1966 (artigos 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil), tem conhecido uma evolução que progressivamente foi abandonando a conceção liberal de uma negociação dura entre as partes, em que cada uma faz a defesa egoística dos seus interesses, para uma atenção à justiça contratual, visível também no princípio do equilíbrio das prestações (artigo 237.º do Código Civil) e numa aplicação jurisprudencial crescente da anulação de negócios jurídicos com base em dolo (artigo 253.º do Código Civil) ou por usura (artigo 282.º do Código Civil).

No direito bancário, como ramo do direito especial, todas estas considerações, que determinaram já uma evolução de todo o direito dos contratos, adquirem um estatuto jurídico de relevo que foi expressamente adotado pelo legislador e vertido nos textos legislativos, sem que se torne necessário ao intérprete apelar a critérios substanciais de justiça para proteger os interesses do investidos não qualificado.

A proteção do cliente está expressa na letra da lei (artigos 304.º, n.º 1, 1.ª parte, e 309.º, n.º 3, ambos do CVM), de uma forma inovadora, como a principal finalidade das normas do Código de Valores Mobiliários. Note-se que o legislador a elenca em primeiro lugar e só depois a eficiência dos mercados, o que não pode deixar de significar um afloramento de um princípio de altruísmo e de solidariedade para com a parte mais fraca dos contratos bancários. Por isso, votei favoravelmente o primeiro projeto, por entender que, no artigo 314.º, n.º 2, do CVM, o legislador quis precisamente consagrar, para além de uma presunção de culpa, uma presunção de ilicitude e uma presunção de causalidade, em termos tais que provada uma factualidade que configure violação do dever de informação, se presumiria não só a censura ético-jurídica do comportamento do Banco, no plano subjetivo, como decorre do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, mas também a desconformidade objetiva à ordem jurídica (ilicitude) e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano (artigo 563.º do Código Civil). Não faz sentido, em termos lógico-jurídicos, que a presunção de culpa não inclua uma presunção de ilicitude e uma presunção de causalidade, sobretudo num domínio em que o legislador (nacional e europeu) quis corrigir a assimetria informativa entre o intermediador financeiro e o cliente não profissional, exigindo àquele elevados padrões de diligência profissional e deveres de cuidado com os interesses da contraparte. Mas não se trata de um mero interesse privado do cliente. Todo o Direito Bancário foi construído em função da necessidade de proteger a confiança como requisito essencial do funcionamento da economia e da vida em sociedade. Existe, pois, também um interesse público na proteção da confiança dos investidores-consumidores nas instituições bancárias, quando estas atuam na sua veste de intermediárias financeiras.

4 - Quanto ao ónus da prova da ilicitude, esta questão não levanta especiais problemas probatórios, demonstrados que estejam (como constitui ónus da prova do autor) factos que consubstanciem uma violação dos deveres de informação. Será, aliás, dificilmente concebível que uma violação de deveres, ainda que com culpa meramente presumida, não seja ilícita no plano objetivo.

Mas já assim não é quanto ao ónus da prova do nexo de causalidade. Nesta sede, cabendo o ónus da prova da causalidade ao cliente, sem o auxílio de uma presunção legal, aquele fica envolvido nas teias de uma prova diabólica de factos negativos e interiores ao seu psiquismo, para o qual dificilmente conseguirá apresentar provas diretas e externas a declarações proferidas pelo próprio. Na prática, a sua chance de obter ganho de causa fica reduzida à valoração que o tribunal venha a fazer do seu depoimento de parte, meio de prova com pouca tradição no nosso sistema. Mais: nalguns casos o gestor de conta, funcionário do Banco, nem sequer está contactável para testemunhar ou não faz um testemunho isento. A presunção legal seria, pois, um instrumento fundamental para se obter a solução justa e equitativa do caso, de acordo com a teleologia da lei. O receio de que uma presunção legal pudesse favorecer clientes que investiram com conhecimento de causa não constitui um argumento decisivo. Por um lado, não tem sido essa a situação social típica que surge nos tribunais e, por outro, sempre seria relativamente fácil para o Banco ilidir a presunção e para os tribunais destrinçar, de modo casuístico, essas situações daquelas que carecem de proteção. Com efeito, seria substancialmente menos exigente para o Banco ilidir essa presunção de causalidade, demonstrando pelo histórico do cliente que este estava habituado a investir em produtos de risco e que tinha conhecimentos sobre a matéria, do que para o cliente provar o nexo de causalidade através de um facto negativo como exige a tese que fez vencimento (n.º 4 do segmento uniformizador).

Penso, pois, atendendo ao teor literal do preceito (artigo 314.º, n.º 2, do CVM) e à ratio legis do regime jurídico em causa - assumidamente protecionista em relação ao cliente não qualificado - que o legislador consagrou uma presunção legal de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano da perda de capital. Para além de considerações linguísticas em torno das expressões "dano causado" ou "dano originado", que remetem para uma ligação causal entre a violação do dever de informação e o dano sofrido pelo investidor, entendo que, tendo em conta a teleologia do regime em discussão, o legislador, conhecedor das dificuldades probatórias deste requisito da responsabilidade civil, quis vir em auxílio da parte mais fraca do contrato, presumindo o nexo de causalidade.

A tese do acórdão que fez vencimento, rejeitando a presunção legal de causalidade e impedindo ao julgador o recurso à presunção normativa do comportamento conforme à informação, deixa os investidores não profissionais sujeitos a uma prova diabólica e, na prática, dependentes da aleatoriedade do que for a pré-compreensão do julgador, o que não deve suceder num Estado de Direito, em que as decisões judiciais devem decorrer apenas da lei e não do subjetivismo judiciário.

O nexo de causalidade tem sido o requisito da responsabilidade civil mais obscuro e complexo, porque se situa no mundo das conexões naturalísticas, as quais são, por vezes, inacessíveis ou não demonstráveis de forma cabal, sobretudo quando incidem sobre o comportamento humano. A prova da causalidade surge, pois, como a mais controversa para o resultado de uma lide. São de louvar os esforços da doutrina e da jurisprudência na criação de construções dogmáticas ou jurídico-práticas destinadas a facilitar a prova do nexo de causalidade, para que este pressuposto da responsabilidade civil não se converta numa prova diabólica ou quase impossível para o lesado: a) a tese do escopo da norma violada, que tem em conta a finalidade das normas - no presente caso, a tutela informativa do cliente ou a tese do bem jurídico que aqui se reporta à tutela da formação da vontade negocial do cliente e da sua autodeterminação; b) a tese das esferas de risco, que propõe a flexibilização, em geral, do nexo de causalidade, por referência a esferas de risco, partindo da pergunta "é possível aquele dano integrar-se no risco gerado por aquele comportamento?", remetendo para um critério de possibilidade; c) todas as variantes da teoria da causalidade adequada, que baseiam o nexo de causalidade num juízo de probabilidade ou numa formulação negativa.

A doutrina e a jurisprudência, como reconhece o Acórdão que fez vencimento, sempre foram muito ricas neste aspeto e criaram instrumentos variados para facilitar o ónus da prova ao lesado. Se na ciência jurídica já há muito são aplicadas presunções, de facto ou normativas, para a prova do nexo causal, por maioria de razão, devem estas presunções ser aplicadas em relação à responsabilidade do intermediário financeiro. Julgo, pois, que, a esta luz, não resulta compreensível nem lógica a exclusão da doutrina do comportamento conforme à informação, a que procede o presente Acórdão uniformizador nos seus fundamentos, e que tem sido utilizada na responsabilidade médica, área em que se discute também, de forma intensa, a questão do nexo de causalidade. Esta doutrina poderia consistir aqui num contributo importante para a jurisprudência, até porque assenta numa presunção de racionalidade dos cidadãos e das suas opções, à qual é perigoso os tribunais fugirem. Corre-se o risco de os tribunais, para indagarem se o investidor teria ou não subscrito os produtos financeiros, caso soubesse da informação correta, acabarem por julgar a personalidade ou o modo de ser do sujeito - por exemplo, é ambicioso, descuidado ou precipitado? - o que considero inaceitável.

5 - No caso do acórdão recorrido, que deu origem à uniformização, ficou provado que o cliente era um investidor não profissional sem conhecimentos na área financeira (facto provado n.º 12) e que lhe foi transmitida, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse (facto provado n.º 9); o autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros (facto provado n.º 11); os autores não sabiam o que eram obrigações (facto provado n.º 15.º), o Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações (facto provado n.º 16); os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou corretamente (facto provado n.º 17); ninguém explicou aos autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN (facto provado n.º 18); o BPN garantia o pagamento destas obrigações da SLN (facto provado n.º 19).

Neste quadro fáctico, qualquer que seja a tese que se defenda a propósito do nexo de causalidade, decorre com clareza uma relação de causalidade naturalística e normativa entre o facto ilícito e culposo praticado pelo Banco - a violação do dever de informação - e o dano. Resulta até, a meu ver, uma certa incoerência do Acórdão que fez vencimento, que, a um tempo reconhece que o Banco prestou ao autor uma informação incompleta, inexata e obscura, sem atender à qualidade dos autores e aos seus conhecimentos, e a outro, nega o nexo causal entre os factos ilícitos e culposos imputados ao Banco e o dano sofrido pelo investidor, por entender que não ficou provado que o investidor não teria subscrito o produto financeiro em causa, se estivesse na posse da informação verdadeira - a prova diabólica ou impossível de um facto negativo.

A decisão do presente caso concreto, negando provimento ao recurso, deixa, assim, de reparar o dano ao lesado e de sancionar, em via acessória ou lateral, o Banco, por um comportamento que reconhece ser um ilícito grave e culposo. O acórdão que fez vencimento, para negar o nexo causal, fundamentou-se na relação entre os factos alegados pelos autores e os factos não provados, desvalorizando o que efetivamente se deu como provado e as presunções de facto tiradas pelo Tribunal da Relação em matéria de livre apreciação da prova. Entendo, a este propósito, que considerações ligadas a uma aparente contradição entre factos não provados e factos provados, provenientes de vicissitudes do que foi alegado, pelos autores, e da forma como foi alegado, não são suficientes para apagar a força dos factos provados na determinação da verdade judiciária relevante para o processo de aplicação da norma, nem relativizam a sua tendencial coincidência com a verdade material. O Direito, e também o Direito Processual, estão ao serviço das pessoas e da justiça.

Maria Clara Sottomayor.

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Declaração de Voto

Recurso para Uniformização de Jurisprudência 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A

Votei favoravelmente os segmentos 1. e 3. da decisão uniformizadora e desfavoravelmente os segmentos 2. e 4. da mesma decisão pelas razões que, em seguida, apresento de forma sucinta:

Votei desfavoravelmente o segmento 2. por entender que a prova da falta ou inexatidão da informação não foi feita quando, em casos com o dos autos, se verifica que o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto, aditando - com base em prova testemunhal ou mediante uso de presunção judicial - factos essenciais (pontos 15. a 18.) que se encontram em contradição com factos dados como provados (pontos 3. e 4.) - com base em prova documental - pelo Tribunal da 1.ª instância, factos estes que foram mantidos pela Relação. Com efeito, e na impossibilidade de, em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, se determinar a anulação do julgamento de facto para resolução da contradição factual assinalada, afigura-se que se teria de dar prevalência à prova que assenta em documento particular assinado pelo investidor, de forma deliberada e consciente, prova essa dotada de força probatória plena nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil e não contrariada nos termos do artigo 347.º do mesmo Código;

Votei desfavoravelmente o segmento 4. (com o sentido resultante da fundamentação do acórdão, na parte respetiva) por entender que, concluindo-se, como se concluiu na posição que fez vencimento no acórdão, que o intermediário financeiro violou o dever de informação, então - pelas razões desenvolvidamente apresentadas na declaração de voto do Exmo. Senhor Conselheiro Nuno Pinto Oliveira - não seria de censurar, por não padecer de ilogicidade, o juízo feito pelo Tribunal da Relação segundo o qual, em tal situação, o investidor não teria tomado a decisão de investir (a não ser que o intermediário financeiro tivesse provado o contrário, o que não sucedeu);

Em consequência, votei favoravelmente pela manutenção da decisão do acórdão recorrido, mas com fundamento em falta de prova da violação do dever de informação, e não, como entendeu a posição que fez vencimento, com fundamento em falta de prova do nexo de causalidade.

A terminar, e pelo exposto, considero que o presente recurso para uniformização de jurisprudência revela, de forma patente, as limitações inerentes ao modelo processual adoptado no Código de Processo Civil vigente. Na verdade, num caso, como o dos autos - em que estão em causa diversas questões de significativa complexidade - tal modelo, ao pressupor que, em cada momento, o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de se pronunciar sobre uma única questão e ao pressupor também que essa questão é suficientemente simples para ser resolvida na dicotomia de sim ou não, apresenta-se como inadequado para o efeito uniformizador pretendido.

Tal modelo processual apresenta-se também, a meu ver, como inadequado para a reapreciação do caso concreto que deu origem ao acórdão recorrido, à luz da decisão uniformizadora proferida, uma vez que - ao não ser possível anular o julgamento da matéria de facto, determinando-se a expurgação da mesma de contradições insanáveis - permite que a decisão de direito venha a assentar em decisão de facto não isenta de deficiências.

Maria da Graça Trigo.

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Declaração de voto que apresento, na qualidade de 1.ª Relatora vencida, com base no texto do projeto de AUJ exposto ao Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça a 28 de janeiro de 2020

I - Duas questões prévias

1 - Ausência de obrigação de reenvio prejudicial(1)

Trata-se da questão de saber se deve - ou não - ponderar-se o reenvio, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, de uma questão prejudicial ao TJUE. Para que o reenvio prejudicial se justifique, é necessária a verificação cumulativa de dois pressupostos: que o órgão jurisdicional nacional tenha dúvidas sobre a interpretação ou a validade de normas de Direito da União Europeia; e que uma decisão - da competência exclusiva do TJUE - sobre tais dúvidas se afigure indispensável para uma adequada resolução do caso pendente perante o órgão jurisdicional nacional.

Estando em causa, no caso sub judice, a interpretação ao art. 314.º - na redação anterior ao DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro de 2007 -, atual art. 304.º-A, do CVM, o Supremo Tribunal de Justiça não se encontra obrigado ao reenvio prejudicial. Na verdade, diferentemente de muitas outras normas do Direito dos Valores Mobiliários e do Direito Bancário, o preceito do art. 314.º não é Direito Europeu, não resulta da transposição da DSI (Diretiva n.º 93/22/CEE, do Conselho, de 10 de maio de 1993, relativa aos Serviços de Investimento, transposta para a ordem jurídica interna pelo DL n.º 232/96, de 5 de dezembro) - ulteriormente revogada pela DMIF I (Diretiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril, relativa aos Mercados de Instrumentos Financeiros, transposta para a ordem jurídica interna pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro de 2007) que, por seu turno, foi revogada pela DMIF II (Diretiva n.º 2014/65/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, transposta para a ordem jurídica interna pela Lei 35/2018, de 20 de julho). Apesar das muitas alterações que o CVM foi sofrendo desde a sua versão originária (DL n.º 486/99, de 13 de novembro), quase todas ocasionadas pela ulterior transposição de diretivas europeias, não houve mudanças significativas em matéria de responsabilidade civil, porque o Direito Europeu é parco a este respeito.

Não se preenche, deste modo, no caso em apreço, o primeiro pressuposto da justificação do reenvio prejudicial(2) (obrigatório ou facultativo). Assim, e ainda que o Supremo Tribunal de Justiça tenha, naturalmente, em atenção o Direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE e o princípio da interpretação conforme com o sentido, a economia e os termos das normas europeias, afigura-se desadequado o reenvio prejudicial, por não ser esse o mecanismo idóneo para dar resposta aos problemas de interpretação de normas de Direito interno.

2 - Conflito de leis no tempo

Várias leis se sucederam no tempo entre a prestação de informações pelo intermediário financeiro ao investidor-cliente antes da subscrição das obrigações SLN 2006, a verificação dos danos patrimoniais alegados e a interposição/resolução do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência. Surgiu, deste modo, um conflito de leis no tempo, a resolver necessariamente antes de se proceder à aplicação das leis aos factos da causa.

A função social do Direito é, fundamentalmente, ordenadora-estabilizadora de condutas e de expectativas de conduta. A regra jurídica primária é, antes de mais, uma regra de conduta (regula agendi), destinada justamente a orientar a conduta dos seus destinatários. Não podendo orientar essa conduta antes de ser posta em vigor, também não pode servir de critério de apreciação de uma conduta adotada antes do seu início de vigência(3).

Muito frequentemente, o legislador nada diz sobre a lei aplicável a situações em que se suscita um problema de conflitos de lei no tempo, não estabelecendo disposições transitórias de caráter formal ou material. Vigora, pois, o princípio da não retroatividade da lei, competindo à jurisprudência determinar o âmbito de aplicabilidade de cada uma das leis.

À constituição das situações jurídicas aplica-se, em regra, a lei do momento dessa constituição: a lei nova não se aplica a factos constitutivos (modificativos ou extintivos) verificados antes do seu início de vigência.

Deste modo, no que respeita, de um lado, aos deveres de informação (conteúdo, intensidade e extensão), aplica-se o art. 312.º, do CVM, na sua versão originária (DL n.º 486/99, de 13 de novembro) e, de outro lado, à responsabilidade civil do intermediário financeiro perante investidores não institucionais (ulteriormente designados como investidores não qualificados e, atualmente, como investidores não profissionais), o art. 314.º, do mesmo corpo de normas, na mesma versão.

O DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro (art. 8.º), aditou os arts. 312.º-A - 312.º-G ao CVM, cuja natureza interpretativa ou inovadora foi debatida. Poder-se-á ponderar se a maioria das normas contidas nos arts. 312.º-A - 312.º-G se não terá revestido, materialmente, de natureza interpretativa, na medida em que se limitaram a densificar os deveres de informação previstos já no art. 312.º, configurando-lhes o conteúdo mais minuciosamente, como explicitação das suas exigências num quadro interpretativo comum. O mesmo se poderá afirmar a propósito do art. 312.º, na sua redação atual. Isto significa que se procederia como se o art. 312.º, do CVM, ao tempo da negociação entre o intermediário-financeiro e o investidor-cliente, tivesse já o alcance que lhe foi fixado pelas disposições interpretativas(4).

A razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores consiste em que ela vem consagrar e fixar um dos resultados da interpretação possíveis da lei antiga, um resultado com que os interessados podiam e deviam contar. Não se violam, por isso, expectativas legitimamente fundadas.

Afigura-se, todavia, muito discutível que as alterações introduzidas pelo legislador, mediante o aditamento dos arts. 312.º-A - 312.º-G ao CVM, assim como o art. 312.º, na sua redação atual, tenham natureza interpretativa. Contudo, o facto de tais preceitos constituírem meras concretizações de normas e princípios já vigentes conforta um tratamento em sede de sucessão de leis no tempo bastante similar ao das verdadeiras normas interpretativas.

A Lei 35/2018, de 20 de julho (art. 29.º, alínea a)), que entrou em vigor a 1 de agosto de 2018 (art. 31.º), revogou os arts. 312.º-A - 312.º-G, do CVM, e o acórdão recorrido transitou em julgado a 14 de janeiro de 2019.

Por seu turno, a norma contida no art. 314.º, na versão originária do CVM, manteve-se inalterada, apenas tendo sido transposta para o art. 304.º-A, aditado pelo DL n.º 357-A/2007 de 31 de outubro (art. 8.º).

Importa começar por tecer, previamente, algumas considerações sobre o regime jurídico dos deveres de informação e da responsabilidade civil do intermediário financeiro por violação desses mesmos deveres para, depois de fixada a resposta uniformizadora, se poderem apreciar os seus reflexos no acórdão recorrido.

II - Os deveres de informação do intermediário financeiro(5)

Os deveres de informação do intermediário financeiro, ainda que se apresentem como próprios também de um estatuto profissional e por ele implicados, conformam de perto as relações entre o intermediário e o seu cliente. Trata-se de deveres fundados, em último recurso, num conjunto de princípios e valores gerais que entretecem conceções de justiça generalizadamente aceites no âmbito do próprio direito comum. O CVM como que os "explicita" e particulariza enquanto direito especial.

Assim, em concretização dos "princípios" que regem a atividade de intermediação financeira, como o legislador os denomina na epígrafe da Divisão I da Subsecção VIII - Informação a Investidores (Secção III do Capítulo I do Título VI), o art. 312.º, n.º 1, do CVM, impõe ao intermediário financeiro um conjunto de deveres de informação muito amplo. Por um lado, tem-se em vista "uma tomada de decisão esclarecida", porquanto o investidor deve ter todos os conhecimentos que relevam para a adoção da decisão de investimento. Por outro lado, visa-se "uma tomada de decisão fundamentada", para que a adoção de uma decisão de investimento se alicerce em critérios de racionalidade, fundados no entendimento dos conhecimentos transmitidos pelo intermediário financeiro(6).

Em grande medida, a forma que a lei encontrou para realizar os "princípios" que referiu em ordem a tutelar o investidor-cliente foi a consagração de um modelo de proteção assente na elucidação necessária para assegurar um exercício consciente da sua liberdade contratual(7), para garantir a adoção de decisões de investimento esclarecidas e informadas. Trata-se de um modelo informativo de proteção. Está-lhe subjacente um entendimento material do princípio da autodeterminação, condição habitual da justiça dos contratos.

Em si mesmo, o modelo informativo é dotado de grande elasticidade ou plasticidade, variando a intensidade e a extensão da informação a prestar pelo intermediário financeiro consoante o investidor-cliente de que se trate. Concretiza-se através de deveres de esclarecimento a cargo do intermediário financeiro; de informações a prestar espontaneamente ou em virtude de solicitação do investidor-cliente. Tendo como objetivo assegurar decisões de investimento informadas, este modelo consubstancia-se, fundamentalmente, em deveres de esclarecimento - "de falar" - e estes, por seu turno, articulam-se com o dever de verdade(8).

Outros deveres existem que são instrumentais desses deveres de informação, mesmo que munidos de grande alcance. Assim, o dever plasmado no art. 304.º, n.º 3, do CVM, segundo o qual "na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente". O CVM impõe mesmo ao intermediário financeiro uma categorização dos clientes, destinada a facilitar o cumprimento cabal dos deveres de informação.

O dever de conhecimento do cliente (know your client, know your costumer) desempenha uma função instrumental da observância dos deveres de categorização, de adequação e de informação. Por isso, o art. 312.º, n.º 2, do CVM, obriga ao conhecimento do cliente em ordem à graduação da intensidade e da extensão dos deveres de informação. Na medida em que se visa a adoção de decisões de investimento esclarecidas e fundamentadas, a intensidade e a extensão dos deveres de informação variam em função do tipo de investidor-cliente. Consagrou-se, por isso, no art. 312.º, n.º 2, do CVM, um princípio de proporcionalidade inversa: "A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente". Quanto menores os conhecimentos e a experiência do cliente, maior será a sua necessidade de proteção. Compreende-se, por outro lado, que a lei dispense tutela mais intensa a investidores-clientes não profissionais (não institucionais ou não qualificados). O legislador preocupou-se com a "personalização" do dever geral de informação(9), procurando que o intermediário conheça o investidor-cliente e que molde a informação a prestar de acordo com as características do investidor-cliente concreto.

A aplicação do princípio de proporcionalidade inversa entre "a extensão e a profundidade da informação" a prestar pelo intermediário financeiro e "o grau de conhecimentos e de experiência" do investidor-cliente implica a necessidade de o primeiro conhecer "o grau de conhecimentos e de experiência" do último. O dever de conhecer "o grau de conhecimentos e de experiência" do investidor-cliente no que respeita ao tipo de instrumento ou serviço, oferecido ou procurado, afigura-se igualmente como instrumental do dever de adequação do instrumento ou do serviço de investimento ao perfil concreto do investidor-cliente (arts. 304.º, n.º 3, e 314.º, n.º 1, do CVM).

O estabelecimento destes deveres a cargo do intermediário financeiro implica um desvio ao ónus do sujeito (investidor não profissional, não qualificado ou não institucional) de obter individualmente, por si mesmo, a informação relevante. Diferentemente do direito comum, o Direito dos Valores Mobiliários não é axiologicamente enformado, neste aspeto, pelo princípio da igualdade dos sujeitos contratantes: intermediário financeiro e investidor não profissional. Os deveres de informação que recaem sobre o intermediário financeiro desoneram o investidor-cliente não profissional da necessidade de procurar ou de obter essa informação, comprimindo o espaço de um possível concurso da assunção do risco ou de culpa própria em caso de sobrevirem danos.

Reitere-se que a consagração dos deveres de informação do intermediário financeiro tem por finalidade a proteção de um destinatário determinado, tutelar a regular formação da vontade de um investidor-cliente concreto. O modelo informativo legalmente estabelecido procura assegurar-lhe um apoio profissional efetivo que o auxilie na compreensão da informação difundida no mercado para, com base nela, decidir de modo livre e esclarecido(10).

Acresce que à delimitação da categoria dos investidores não profissionais está subjacente a ideia - que, aliás, justifica o regime que a ordem jurídica lhes dedica - de que estes não têm aptidão suficiente para aceder à informação no mercado ou para atuar de forma esclarecida no contexto do mercado dos valores mobiliários sem o respetivo regime informativo(11). Assim, os deveres de informação (prévia em relação ao investimento) do intermediário financeiro - que têm fonte legal, independentemente de, no caso concreto, se enquadrarem, ou não, numa relação contratual ou pré-contratual -, dirigem-se a um investidor concreto e não ao público dos investidores em geral. Cumprem-se, portanto, individualmente perante cada um dos investidores-clientes, levando em devida linha de conta a situação concreta de cada um deles, pois se dirigem, efetivamente, à proteção da correta formação da vontade do investidor-cliente individual: é esta o bem jurídico tutelado(12).

Os requisitos de qualidade da informação estabelecidos no art. 7.º do CVM - completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude - revestem-se de particular importância na conformação dos deveres de informação em apreço. O dever do intermediário financeiro de atuar com transparência (art. 304.º, n.º 2, do CVM) pressupõe, aliás, o cumprimento pontual de todos os deveres de informação de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Em virtude da sua elasticidade ou plasticidade, afigura-se extremamente difícil dizer, em abstrato, se uma ação ou omissão sua implica, ou não, uma violação dos deveres de informação do intermediário financeiro. São estes, no entanto, os parâmetros gerais de apreciação da (i)licitude da sua conduta em matéria de informação. Parâmetros que, conforme o art. 304.º, n.º 5, do CVM, vinculam também os colaboradores do intermediário financeiro.

III - O fundamento dos deveres do intermediário financeiro: relação geral de intermediação financeira

A consideração dos deveres do intermediário financeiro para com o investidor-cliente pode convocar, com pertinência, figuras e construções do direito comum com vista a clarificar devidamente o seu alcance e conteúdo.

A relação de intermediação financeira pode ser considerada como uma relação pré-negocial, ou como uma relação corrente de negócios - que, em boa medida, se resolve numa relação de índole pré-contratual -, suscetível de ser fundada na confiança e de representar, por isso, uma "relação de confiança"(13). Sendo uma relação de confiança, a regra de conduta de boa-fé apresenta-se especialmente exigente.

Contudo, o CVM pode acomodar as duas perspetivas em confronto - a contratual e a pré-contratual (incluindo a de relação corrente de negócios) -, pois os deveres em causa encontram-se também determinados explicitamente pelo legislador, pelo que se aplicam independentemente da construção escolhida. O CVM estabeleceu uma regulação que, quanto ao cerne dos deveres que pretendia consagrar, se afigura independente de saber se havia, ou não, relação contratual válida entre intermediário financeiro e investidor-cliente, ou que relação não contratual alternativamente existia(14).

Derivando de valorações legais - independentes da vontade das partes -, esses deveres não configuram a relação de intermediação financeira por força da vontade dos sujeitos. São consequências ex lege, nesse sentido não negociais, da conduta das partes - intermediário financeiro e investidor-cliente -, pois não radicam na sua vontade de produção de efeitos jurídicos, produzindo-se independentemente de a vontade das partes se lhes dirigir. A relação entre intermediário financeiro e investidor-cliente será, pois, nessa medida, de direito objetivo, radicada num comportamento seu.

Deste modo, o intérprete-aplicador do CVM não tem de se preocupar com a natureza - contratual ou pré-contratual - de tais deveres. Tratando-se, em todo o caso, de deveres particulares que são impostos ex lege, em relações especiais entre pessoas determinadas, devem ter um regime assimilável em diversos aspetos ao das obrigações.

Sem descurar o desenvolvimento doutrinário de que os deveres de informação e de adequação do intermediário financeiro têm sido objeto(15), estas considerações revestem-se de especial relevância na interpretação dos diversos preceitos do CVM que regulam os deveres de informação e para estabelecer o seu alcance e efeitos.

IV - A responsabilidade civil do intermediário financeiro e, em especial, o alcance da presunção estabelecida no art. 314.º, n.º 2, do CVM (na versão do DL n.º 486/99, de 13 de novembro, e que corresponde, atualmente, ao art. 304.º-A, n.º 2)

O sistema de proteção consagrado no CVM assenta primordialmente, conforme mencionado supra, em deveres de informação e de adequação, cuja inobservância é suscetível de originar deveres de indemnizar do intermediário financeiro no caso de se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil.

O CVM constitui direito especial. A disciplina da responsabilidade civil do intermediário financeiro aí contida é fragmentária e incompleta, afigurando-se indispensável integrar estas normas especiais no quadro dos regimes gerais da responsabilidade civil do direito comum. Em sede de deveres de informação, deve em especial proceder-se a uma conjugação entre as cláusulas gerais dos arts. 227.º, e 762.º, n.º 2, do CC, de um lado e, de outro, as regras do CVM(16).

O art. 314.º, n.º 1, do CVM, adapta o regime comum da responsabilidade civil às especificidades do mercado de valores mobiliários.

Contudo, esta norma não resolve a questão de saber quais os termos, ou o concreto fundamento, dessa mesma responsabilidade, nem qual a natureza do dever concretamente infringido. Impõe-se, neste aspeto, sempre que o direito especial o não esclareça, o recurso ao direito comum.

O art. 314.º, n.º 2, do CVM, por sua vez, em ordem à tutela do investidor, faz presumir a culpa quando o dano ocorre no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Esta presunção de culpa vale, como se referiu, para os casos de violação dos deveres de informação, independentemente da respetiva fonte(17). Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (art. 350.º, n.º 2, do CC).

Qual, porém, o alcance da presunção, posto que é essa a questão controvertida?

V - A culpa, a ilicitude e a causalidade - fundamentante e preenchedora da responsabilidade - e respetivo ónus da prova

1 - A determinação do cumprimento pontual efetivo dos deveres de informação pelo intermediário financeiro deve atender a algumas coordenadas

De acordo com o art. 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM, "o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: e) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar". Os deveres de informação do intermediário financeiro incluem, portanto, todas as informações necessárias para a adoção de uma decisão esclarecida e fundamentada, designadamente aquelas respeitantes aos riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar. Tem-se em vista prevenir a lesão dos interesses do investidor-cliente(18).

Não pode, no entanto, partir-se de um ponto de referência abstrato, pois na decisão do caso deve ter-se em conta o perfil do investidor-cliente concreto.

É o que resulta do art. 312.º, n.º 2, do CVM, que estabelece um princípio de proporcionalidade inversa: a extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário financeiro serão tanto maiores quanto menores forem os conhecimentos e a experiência do investidor. Consagra, deste modo, o critério da densidade informativa a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor-cliente. Este preceito implica o cumprimento, pelo intermediário financeiro, do dever de conhecer os conhecimentos e a experiência do investidor-cliente (know your client), conforme o art. 304.º, n.º 2, do CVM. Compete, pois, ao intermediário financeiro indagar, em observância dos deveres de averiguação do carácter adequado de um instrumento financeiro, o nível de conhecimento concreto do concreto investidor-cliente quanto ao concreto instrumento financeiro negociado. Essa aferição traduz-se num aspeto essencial da atividade de intermediação financeira. Pode, nesse sentido, dizer-se que a intensidade e a extensão dos deveres de informação do intermediário financeiro dependem das circunstâncias do caso.

Por seu turno, do art. 7.º, n.º 1, do CVM, resulta que a informação a prestar pelo intermediário financeiro deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, para que possa ser compreendida pelo seu destinatário.

Avulta o requisito da completude para evitar uma imagem parcelar ou distorcida da realidade. A extensão necessária para que a informação prestada pelo intermediário financeiro seja suscetível de ser considerada completa e a profundidade necessária para que a informação completa permita ao investidor-cliente a adoção de decisão esclarecida e fundamentada dependem, inter alia, dos conhecimentos e da experiência do cliente (art. 312.º, n.º 2, do CVM), da natureza e dos riscos especiais dos instrumentos financeiros negociados (art. 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM), assim como do perfil do cliente (304.º, n.º 3, do CVM). O intermediário financeiro deve explicitar ao investidor-cliente, com um grau suficiente de particularização, a natureza e os riscos associados ao tipo de instrumento negociado, incluindo o impacto do risco de perda da totalidade do capital investido.

A completude da informação não exige, naturalmente, qualquer esclarecimento sobre riscos em que investidor possa vir ulteriormente a incorrer em virtude de circunstâncias futuras, pois não pode pretender-se que o intermediário financeiro preveja ou antecipe o futuro. O risco relevante para o cumprimento do dever de prestar informação completa é aquele em que, em abstrato, o investidor pode vir a incorrer considerando a concreta operação de investimento em causa. Quanto a este, a forma extrema que possa apresentar deve, em princípio, ser comunicada em virtude da relevância de que se reveste para a decisão do investidor-cliente.

A informação deve também ser verdadeira. Assim, se o intermediário financeiro assevera que os resultados futuros por si indicados se verificarão sem manifestar ao investidor-cliente o seu desconhecimento do futuro e a possibilidade de eles, atenta a natureza do instrumento financeiro, não ocorrerem, não respeita o requisito da verdade da informação. Por outro lado, sendo a garantia do investimento um elemento fundamental para a decisão do investidor, deve haver uma informação absolutamente verdadeira e não enganadora a seu respeito.

O intermediário financeiro que, mediante equiparações ou similitudes externas que estabeleça, distorça as características endógenas e/ou exógenas dos instrumentos financeiros negociados, não cumpre também o requisito da objetividade da informação.

Acresce que o dever de transparência impõe a prestação de informação de modo a que o investidor-cliente possa conhecer com facilidade as características e os riscos do investimento antes de manifestar a sua vontade.

Presentes estes elementos, consideremo-los agora perante o tipo de situação sub judice.

Estando em causa investimentos em obrigações subordinadas, o intermediário financeiro deve informar o cliente sobre a sua natureza e os respetivos riscos(19), incluindo naturalmente o risco de perda da totalidade do capital investido por incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência). Só desse modo um investidor não profissional, ordinariamente pouco sofisticado, com pouca literacia jurídico-financeira, está, via de regra, em condições de tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre a aquisição dos instrumentos financeiros negociados.

Particularmente para um investidor-cliente com aquelas características, a garantia do reembolso do capital afigura-se fundamental. Pelo que o esclarecimento sobre tal aspeto é crucial, para que a informação seja completa.

Se, além disso, a subscrição de obrigações é apresentada como similar a um depósito a prazo a um investidor não profissional, pouco sofisticado, com escassa literacia jurídico-financeira e parca - ou até nenhuma - experiência no mercado de valores mobiliários -, afeta-se negativamente a exigência de verdade da informação, porque se cria facilmente na contraparte uma imagem sem correspondência à realidade. O intermediário financeiro incumpre, assim, o dever de identificação dos riscos do instrumento financeiro, ocultando-os e impedindo que o investidor-cliente os possa apreender: nem descreve em abstrato os riscos associados ao instrumento financeiro e nem em concreto indica o impacto do risco que o instrumento financeiro negociado apresenta para o concreto investidor-cliente. Não só não cria as condições necessárias para que o investidor-cliente possa aperceber-se dos riscos do instrumento financeiro, como ainda lhe transmite informação errada sobre a dimensão dos riscos a ele associados.

A equiparação de obrigações a depósitos a prazo, a instrumentos financeiros seguros a que não estão associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e ao pagamento de juros representará, para o "declaratário normal", colocado na posição do "declaratário real" (segundo o critério do art. 236.º, n.º 1, do CC), a existência de uma garantia do capital investido. É esse o sentido que o destinatário médio - com as características específicas e do mesmo tipo do "destinatário real", designadamente no que respeita às capacidades, conhecimentos, experiência, perfil, etc. - retiraria das informações prestadas. O investidor não profissional médio, reitera-se, não se caracteriza certamente pela literacia jurídico-financeira, devendo o intermediário financeiro interpretá-lo, em regra, como alguém tipicamente muito pouco sofisticado, com parca experiência no mercado de valores mobiliários e com um perfil conservador. No horizonte de compreensão do destinatário médio, não existe, nessa medida, pois, qualquer risco de perda do capital investido perante a forma como o instrumento financeiro é apresentado, enquanto equiparado a um depósito a prazo. A informação não é, consequentemente, transmitida de molde a permitir ao destinatário médio a devida compreensão do concreto instrumento financeiro negociado, não cumprindo, por outro lado, o intermediário financeiro o seu dever de conhecer o investidor-cliente. De acordo com o que é em geral indiscutível, um dos elementos fundamentais na caracterização dos instrumentos financeiros consiste na garantia - ou na falta dela - do capital, se têm ou não capital garantido, pelo que a sua ausência, ou a sua não equiparação à garantia que os depósitos a prazo possuem, deve ser comunicada.

Em casos deste tipo, impõe-se, portanto, que o intermediário financeiro informe o investidor-cliente sobre a perda máxima que, em abstrato, poderá sofrer - a totalidade do capital investido.

Justifica-se um critério elevado de exigência informativa a cargo do intermediário financeiro. Com efeito, é a própria lei a sujeitá-lo a "elevados padrões de diligência" (v.g., elevado padrão de diligência profissional, diligentissimus pater famílias) em vista da prossecução dos interesses legítimos dos investidores-clientes (art. 304.º, n.os 1 e 2, do CVM).

Tal implica também que o intermediário financeiro averigue se o investidor-cliente compreende ou não, e até que ponto, as informações prestadas. A diversidade dos instrumentos financeiros impõe uma averiguação da capacidade do investidor-cliente para poder compreender concretamente cada um deles e para sobre cada um deles concretamente poder decidir.

O risco de uma compreensão deficiente do instrumento financeiro negociado - e, nessa medida, de uma falta de informação - recai sobre o intermediário financeiro.

Está em causa a função de proteção do Direito dos Valores Mobiliários, tendo em conta que o intermediário financeiro e o investidor não profissional não se encontram para a lei em paridade situacional, em pé de igualdade, porquanto o último não tem e nem pode ter a mesma quantidade e a mesma qualidade de informação do primeiro. O modelo informativo legalmente consagrado pressupõe sempre que o intermediário financeiro somente considere cumpridos os seus deveres quando, realizados os testes de adequação quanto ao instrumento financeiro que propõe, tenha criado a convicção legítima de que o investidor-cliente compreende efetivamente o que lhe é sugerido e que pretendia assumir os concretos riscos inerentes ao contrato que celebra.

Quer dizer que o ónus da prova do cumprimento do dever de informar incumbe ao intermediário financeiro. Este é que tem de provar a criação de condições concretas e efetivas que permitissem ao investidor-cliente não profissional compreender o significado, o alcance e os efeitos dos instrumentos financeiros negociados. Qualquer situação de dúvida se decide contra ele.

Uma vez assente o incumprimento - ou o cumprimento deficiente - dos deveres de informação, presume-se, nos termos do art. 314.º, n.º 2, do CVM, a "culpa" do intermediário na ocorrência dos prejuízos verificados no âmbito contratual ou pré-contratual, com o alcance que julgamos dever atribuir-se a esta presunção e também objeto do presente recurso de uniformização de jurisprudência, infra explicitado. Este preceito estabelece quer a presunção da ilicitude da conduta do intermediário financeiro na origem do dano sofrido pelo investidor-cliente, quer a presunção de que o dano sofrido pelo cliente tem nela origem.

Não compete, consequentemente, ao investidor-cliente provar a ilicitude da falta de cumprimento dos deveres de informação do intermediário financeiro, bastando-lhe provar a violação objetiva desses deveres.

2 - As presunções legais

As presunções legais não são verdadeiros meios de prova, mas antes meios lógicos ou mentais de descoberta de factos, e apoiam-se em regras de experiência (apreciadas pela lei)(20). Relacionam-se com o regime do ónus da prova.

No domínio da responsabilidade civil, de acordo com a regra geral, caberia ao sujeito que invoca o direito à indemnização provar integralmente os respetivos factos constitutivos. Porém, a prova da culpa, da ilicitude e da causalidade encontra-se regulada no art. 314.º, n.º 2, do CVM, de maneira diferente.

Em geral, as regras de distribuição do ónus da prova levam em linha de conta a dificuldade objetiva da produção da prova.

De facto, aquilo que justifica a referida norma do CVM é, em primeira linha, a clara preocupação do legislador com a utilidade e a consistência prática da tutela indemnizatória do investidor-cliente, atribuindo, por isso, o ónus da prova, nas circunstâncias potencialmente mais difíceis de provar, ao intermediário financeiro. O seu intuito é o de resolver as dificuldades objetivas dos investidores e de compor da maneira que considera mais acertada o conflito de interesses em causa, ao mesmo tempo que dessa forma incentiva o intermediário financeiro ao cumprimento dos seus deveres(21).

3 - O art. 314.º, n.º 2, do CVM (na versão do DL n.º 486/99, de 13 de novembro, e que corresponde, atualmente, ao art. 304.º-A, n.º 2, do CVM)

Cremos que o art. 314.º, n.º 2, do CVM, não se limita a estabelecer uma simples presunção de culpa enquanto censurabilidade da conduta (desvalor subjetivo) ou mesmo de conduta desconforme com a ordem jurídica por parte do intermediário financeiro (desvalor objetivo), pois inclui também, pelo seu teor, uma presunção de causalidade entre a violação ilícita e culposa dos deveres de informação e o prejuízo sofrido pelo investidor-cliente.

A imputação do prejuízo ao intermediário financeiro, com efeito, pressupõe que a decisão de investimento haja sido tomada pelo investidor-cliente com base no comportamento informativo daquele. É certamente por existir, em muitos casos, uma extrema dificuldade de o investidor-lesado provar com segurança o nexo causal entre a falta ou a deficiência da informação e a sua decisão de investimento, que se justifica o estabelecimento da sua presunção pelo art. 314.º, n.º 2, do CVM(22). A presunção, fundada em juízos de probabilidade e verosimilhança, estende-se, pois, ao nexo de causalidade entre o incumprimento ilícito e culposo dos deveres de informação e o prejuízo.

A esta luz, o alcance da presunção do art. 314.º, n.º 2, do CVM, é muito vasto: longe de se cingir apenas à culpa como censurabilidade da conduta - pouco importante, porque ordinariamente revelada já a partir da ilicitude na ausência de fatores de desculpação -, ela estende-se, quando o investidor-cliente sofre danos, não só à existência de uma conduta ilícita do intermediário financeiro e, portanto, desconforme com o ordenamento jurídico quando a informação devida não é prestada, mas, além disso, também à causalidade entre a conduta (ilícita, ou presumivelmente ilícita) do intermediário financeiro e o resultado danoso alegado pelo investidor-cliente, efetivamente fulcrais para uma tutela adequada do último.

A presunção consagrada no art. 314.º, n.º 2, do CVM, corresponde, pois, a uma presunção de que o prejuízo sofrido pelo investidor decorreu da violação ou incumprimento ilícito dos deveres de informação do intermediário financeiro(23) -, se os danos ocorreram no âmbito contratual ou pré-contratual.

Essa presunção estende-se, portanto, também ao nexo de causalidade entre o evento fundamentador da responsabilidade - o facto ilícito-culposo do intermediário financeiro que viola os seus deveres de informação - e os danos sofridos pelo investidor-cliente. A lei quer acautelar a posição de vulnerabilidade do investidor-cliente na demonstração do nexo de causalidade, posição que sem essa presunção correria o risco de ficar esvaziada de qualquer tutela adequada, por o investidor-cliente não lograr, muitas vezes, provar facilmente, com o grau de certeza próprio da prova em juízo e para ela requerido que, caso houvesse tido acesso à informação que lhe era devida, não teria tomado a decisão de investimento prejudicial.

Mas é também a consideração do elemento sistemático da interpretação a que o intérprete está vinculado pelo art. 9.º, n.º 1, do CC (vide o lugar paralelo do art. 152.º, n.º 2, do CVM), e a coerência das soluções exigidas nos vários níveis de concretização da imputação a conduzirem e imporem esse resultado uniforme(24). Pois também em outros domínios se estabeleceu no CVM um regime de ónus da prova similar. Importando, portanto, uma interpretação conforme com a unidade do sistema jurídico, como preceitua, repete-se, o art. 9.º, n.º 1, do CC (e sendo certo que essa mesma solução se imporia por analogia na ausência de norma que a estabelecesse).

Se o modelo informativo de tutela do investidor-cliente legalmente estabelecido tem a finalidade de prevenir a violação de determinados bens jurídicos (a autodeterminação, a tutela da esclarecida formação da vontade do investidor que lhe consinta escolher os instrumentos financeiros mais adequados à prossecução dos seus interesses), não é, naturalmente, indiferente a distribuição do ónus da prova, pois que a eficácia da consagração dos deveres de informação depende da possibilidade de sucesso em matéria de prova do nexo de causalidade(25).

Esclarecendo ainda: entendemos, pois, que o preceito do CVM em apreço consagra, nos moldes vistos, o que pode denominar-se, de acordo com uma expressão que faz curso na doutrina, uma presunção de causalidade preenchedora. Esta modalidade de causalidade distingue-se da causalidade fundamentante. Enquanto a última estabelece o nexo entre o sujeito e a fundamento (gerador) de responsabilidade, imputando-o a este e sendo, nesse sentido, correspondente ao também denominado "nexo de imputação", a primeira é aquela que intercede entre o fundamento da responsabilidade (in casu, o facto ilícito do intermediário financeiro) e o dano(26). Serve para "preencher" a obrigação de indemnizar, e, assim, circunscrever também os danos imputáveis ao agente de acordo com o fundamento da responsabilidade, podendo por isso denominar-se também causalidade delimitadora.

É a esta que se costuma aludir quando, no âmbito dos pressupostos da responsabilidade civil, se fala do nexo de causalidade que é, habitualmente referido, nesse contexto, ao nexo que intercede entre a ocorrência ou a prática de um facto ilícito-culposo do sujeito (o fundamento da responsabilidade) e os danos causados.

O facto de os deveres de informação do intermediário financeiro terem em vista esclarecer o investidor-cliente de modo a permitir-lhe adotar uma decisão de investimento adequada aos seus interesses afigura-se relevante para a solução da querela sobre a aceitação - ou não - de uma inversão do ónus da prova em matéria de causalidade. Perante a violação desses deveres e a ocorrência de danos que estes deveres têm em vista prevenir, é coerente e deve admitir-se uma inversão do ónus da prova de comportamento conforme à informação - causalidade preenchedora (ou delimitadora). Face à lei, competirá, assim, ao intermediário financeiro-devedor da informação provar que, mesmo que houvesse cumprido corretamente os seus deveres de informação, o investidor-credor da informação se teria comportado do mesmo modo, tomando a mesma decisão, ou que o cumprimento dos deveres de informação nenhum impacto teria tido nas decisões do investidor, correndo deste modo o primeiro o risco de não serem provados factos que permitam uma conclusão clara em matéria de nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e a decisão do investidor-cliente(27).

E não se diga que é excessiva a solução: pois a presunção da lei (de um comportamento conforme com a informação recebida - ou que deveria ter recebido) é iuris tantum, podendo ser contrariada se para tanto houver indícios suficientes, entre os quais, por exemplo, a constatação de um perfil de afeição ao risco do cliente, ou a sua insistente vontade de, não obstante o risco patenteado, decidir pela realização da operação em causa sem colher ou esperar as informações que eram aconselhadas e que, com o seu conhecimento, lhe poderiam ser prestadas. De resto, a presunção em causa não exclui necessariamente a possibilidade de concorrer, em maior ou menor grau, uma culpa do lesado - ainda que comprimida pelos deveres de informação do intermediário financeiro que desoneram o investidor-cliente não profissional da necessidade de procurar ou de obter essa informação, conforme mencionado supra. O juiz tem, portanto, também ao seu alcance meios e instrumentos jurídicos que, pela flexibilidade e amplitude que apresentam, lhe permitem, dentro da variedade de situações que lhe podem ser presentes, fazer a justiça devida no caso concreto.

Isto recordado, presume-se, pois, o nexo causal - preenchedor - entre o incumprimento ou deficiente cumprimento dos deveres de informar e a decisão de investimento adotada pelo investidor-cliente.

O art. 314.º, n.º 2, do CVM - que encontra um lugar paralelo no regime resultante do art. 152.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas - parece assim amalgamar os dois tipos de causalidade: a causalidade fundamentante e a causalidade preenchedora.

É também a propósito da causalidade preenchedora que se debatem as diversas teorias: ultrapassada a da condição sine qua non, é sobretudo de harmonia com as doutrinas da causalidade adequada, do fim da norma e da causalidade normativa que a "causalidade preenchedora" deve ser averiguada. No art. 314.º, n.º 2, do CVM, essa causalidade presume-se. Assim, uma vez demonstrada a omissão ou a deficiência da informação prestada perante os danos sofridos, deverá presumir-se, não só a contrariedade à ordem jurídica da conduta do intermediário financeiro sobre quem impendiam os deveres de informação inadimplidos, como também que a omissão ou a deficiência da informação foi causa da decisão do investidor-cliente que visavam esclarecer e que, portanto, da lesão do bem jurídico protegido - a correta formação da vontade - resultaram os danos patrimoniais concretamente sofridos pelo investidor.

A propósito da norma do art. 799.º, n.º 1, do CC, tende a prevalecer, atualmente, um entendimento amplo da presunção de culpa, abrangendo a de ilicitude e a de causalidade fundamentante(28). Aquela prevista no art. 314.º, n.º 2, do CVM, vai, porém, mais longe, pois inclui a da causalidade preenchedora, sendo por isso uma regra especial em relação ao direito comum.

Compreende-se. Atendendo às dificuldades probatórias da causalidade da conduta do devedor da informação em relação ao comportamento que o investidor-credor da informação adotaria em caso de cumprimento correto do dever, assim como em relação à influência que nele exerceu a informação errada que recebeu ou a omissão da informação devida, como factos internos, reais ou hipotéticos, insuscetíveis de prova direta, deve ter lugar a inversão do ónus da prova da influência da deficiência da informação na vontade individual do investidor: parte-se do princípio de que este adotaria a conduta razoável ou racional de um investidor na posse da informação devida(29). Presume-se, portanto, que a vontade individual do investidor foi determinada pela irregularidade da informação, ou seja, o nexo causal entre a falta ou deficiência da informação e a decisão do investidor-cliente, e que essa vontade teria sido diferente caso a informação houvesse sido corretamente prestada.

Compete, assim ao intermediário financeiro-devedor da informação provar que mesmo perante um cumprimento pontual do dever de informar, o investidor-credor da informação teria adotado a mesma decisão(30).

A solução encontrada pelo legislador afigura-se equilibrada. Por um lado, parece que a incerteza ou a não dilucidação do efeito da informação devida sobre a conduta do investidor-cliente é, ou deve ser, um risco do devedor dessa informação. Por outro lado, a presunção em causa é, naturalmente, uma presunção iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CC), pelo que o intermediário financeiro pode infirmar a causalidade mediante a alegação e a prova de factos idóneos para tal, incluindo a possibilidade de utilização, se necessário ampla, das praesumptiones hominis para o efeito. Quer dizer que, conforme mencionado supra, se trata de uma presunção que, conquanto estabelecida por lei, pode ser facilmente infirmada em muitas circunstâncias (por exemplo, demonstrando o intermediário financeiro o perfil do cliente como amigo do risco ou a ele insensível, etc.).

Esclareça-se que a presunção de nexo de causalidade não equivale a prescindir da ligação entre a violação ou o cumprimento deficiente do dever de informar e a celebração do contrato pelo investidor-cliente. Com efeito, não se revelaria adequada neste contexto, em que a lei elege a regular formação da vontade como bem jurídico protegido, a opção de prescindir do estabelecimento do nexo causal entre o incumprimento ou deficiente cumprimento do dever de informar e a decisão de investimento. Trata-se apenas de estabelecer uma presunção que poderá vir a ser afastada - reitera-se - se o intermediário financeiro lograr fazer prova em contrário(31). Sendo que os tribunais podem admitir também, caso ou onde se justifique, uma atenuação ou facilitação do grau de prova exigível ao onerado - ao intermediário financeiro - na ilisão da presunção de causalidade preenchedora.

Insiste-se: a consideração dos critérios hermenêuticos gerais (art. 9.º do CC) corrobora a conclusão a que se chegou.

O art. 314.º do CVM estabelece um regime especialmente eficaz na tutela indemnizatória. Assenta numa presunção de culpa, cuja apreciação é feita de acordo com elevados padrões de diligência profissional. Não é uma norma incompleta, porque estabelece a consequência indemnizatória - e os respetivos pressupostos - da violação ilícita dos deveres do intermediário financeiro. O problema que se coloca - conforme mencionado supra - respeita ao nexo de causalidade.

Interpretar consiste em retirar do texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. O elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei) têm sempre que ser utilizados conjuntamente. Não pode haver uma modalidade de interpretação gramatical e uma outra lógica, pois que o enunciado linguístico, que é a letra da lei, é apenas um significante, portador de um sentido (espírito) para que nos remete(32).

O texto constitui o ponto de partida da interpretação (art. 9.º, n.º 1, e n.º 2, do CC). O intérprete deve, em princípio, optar por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no pressuposto de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento (art. 9.º, n.º 3, do CC).

Da letra da lei resulta com toda a clareza que se presume que o dano foi causado pelo facto ilícito-culposo do intermediário financeiro. A expressão "causado" foi usada, certamente, em sentido técnico-jurídico. Não se trata de todo e qualquer dano causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, ou originado pela violação de deveres de informação, mas antes do dano que tenha sido causado por um facto ilícito-culposo do intermediário financeiro. Quando se refere ao "dano causado" ou "originado", o art. 314.º, n.º 2, do CVM, está a presumir que esse dano foi causado pela violação ilícita de deveres do intermediário financeiro.

Se assim não fosse, certamente que o legislador se teria expressado de outro modo, aproximando a redação da norma em apreço dos preceitos do direito comum que regulam a responsabilidade civil, delitual ou obrigacional.

O elemento racional ou teleológico da interpretação da lei (art. 9.º, n.º 1, do CC) consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste objetivo constitui um auxílio da maior relevância para determinar o sentido com que a norma deve valer. O esclarecimento da ratio legis revela a "valoração" ou ponderação dos diversos interesses em jogo que a norma regula e, por conseguinte, o peso relativo dos mesmos interesses, a preferência de um deles em detrimento do outro traduzida na solução consagrada na norma.

Conforme referido supra, o legislador teve em vista a tutela da autodeterminação do investidor-cliente e, sobretudo, do investidor-cliente não profissional. A descoberta desta "racionalidade" inspiradora do legislador na fixação do regime jurídico da responsabilidade civil do intermediário financeiro permite definir o alcance da presunção estabelecida no art. 314.º, n.º 2, do CVM, como abrangendo também a de causalidade entre o facto ilícito-culposo e o dano(33).

No que toca ao elemento sistemático, deve levar-se em linha de conta a norma enquanto harmonicamente integrada na unidade do sistema jurídico (art. 9.º, n.º 1, do CC). Está em causa o princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Baseia-se no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem, por princípio, a um pensamento unitário(34).

O recurso aos "lugares paralelos" pode, nesta sede, revelar-se de grande utilidade, pois que, se um problema de regulamentação jurídica fundamentalmente idêntico é tratado pelo legislador em diferentes lugares do sistema, sucede com frequência que num desses lugares a fórmula legislativa surge como mais clara e explícita.

Conforme mencionado supra, a consideração do lugar paralelo do art. 152.º, n.º 2, do CVM, confirma o sentido atribuído ao art. 314.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas. Se no primeiro caso o legislador presume a causalidade entre o facto ilícito-culposo do lesante, que pode ser um terceiro (art. 149.º, n.º 1, do CVM), e o dano, não se justificaria que o não fizesse na segunda hipótese, em que o lesante é o intermediário financeiro com quem o investidor-cliente mantém uma relação de negócios. Enquanto na primeira hipótese compete ao investidor-cliente provar a existência de um vício do prospeto, na segunda cabe-lhe provar a verificação de omissão ou deficiência da informação prestada pelo intermediário financeiro.

Por seu turno, o elemento histórico da interpretação compreende todos os materiais relacionados com a história do preceito (art. 9.º, n.º 1, do CC). Desde logo, a história evolutiva do regime jurídico da responsabilidade civil do intermediário financeiro. A norma é produto de uma determinada evolução histórica, pelo que o conhecimento dessa evolução é suscetível de lançar luz sobre o sentido da norma, pois faz-nos compreender o que pretendeu o legislador com a fórmula ou com a alteração legislativa introduzida. Na verdade, o art. 651.º do CMVM (DL n.º 142-A/91, de 10 de abril) remetia para o art. 483.º, do CC e, assim, também para um regime do ónus da prova bem diferente daquele que o art. 314.º, seguramente previa. Isto corrobora o sentido que pensamos dever atribuir-se à presunção estabelecida no art. 314.º, n.º 2, do CVM.

A ponderação dos diversos cânones hermenêuticos confirma, portanto, que o art. 314.º, n.º 2, do CVM, consagra uma presunção de causalidade entre o facto ilícito-culposo do intermediário financeiro e o dano sofrido pelo investidor-cliente.

VI - O dano

Visando os deveres de informação assegurar as condições necessárias à autodeterminação do investidor no seio do mercado de valores mobiliários, da sua violação decorre a obrigação de colocar o investidor na situação em que estaria se esses deveres houvessem sido corretamente cumpridos, que seria a de não aquisição dos instrumentos financeiros negociados - no caso em apreço, a não subscrição das Obrigações SLN 2006 - (art. 562.º, do CC). A indemnização deve reconstituir essa situação e corresponde ao interesse contatual negativo ou dano da confiança(35).

VII - A resposta uniformizadora

Tendo em vista a uniformização de jurisprudência, propus as seguintes regras interpretativas:

1) O intermediário financeiro que não informa investidores não profissionais sobre o risco de perda máxima em que, em abstrato, podem vir a incorrer, decorrente do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas), cuja subscrição lhes sugere e que equipara, no que respeita ao nível de segurança, a depósitos a prazo, viola ilicitamente os deveres legais de informação que sobre si impendem, nos termos dos arts. 312.º, n.º 1, alínea a) (correspondente à alínea e), do mesmo preceito, na versão atualmente em vigor), e 7.º, do CVM;

2) Perante a violação ilícita e culposa de deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e a ocorrência de danos que aqueles visam prevenir, o art. 314.º, n.º 2 (correspondente ao art. 304.º-A, n.º 2, na redação atualmente em vigor), do CVM, contém uma presunção de comportamento conforme à informação, dispensando o cliente-investidor da prova da causalidade que intercede entre o fundamento da responsabilidade invocado e o dano patrimonial por si sofrido, correspondente ao prejuízo que o cumprimento correto daqueles deveres visa prevenir (perturbação de decisão esclarecida e fundamentada do investidor-cliente).

VIII - A repercussão da resposta uniformizadora no acórdão recorrido

Com base no artigo 695.º, n.º 2, do CPC, propus a revogação do acórdão recorrido, condenando a Ré/Recorrida no pagamento aos Autores/Recorrentes do montante de 300.000 (euro), correspondente ao capital por si investido em Obrigações SLN 2006, acrescido de juros de mora legais desde a citação, devendo os Autores/Recorrentes restituir essas Obrigações à Ré/Recorrida(36).

Lisboa, 06 de Dezembro de 2021.

Maria João Vaz Tomé.

***

(1) Cf. Miguel Gorjão-Henriques, Direito da União, História, Direito, Cidadania, Mercado interno e Concorrência, Coimbra, Almedina, 2019, pp. 475-506; Rui Moura Ramos, "Reenvio prejudicial e relacionamento entre ordens jurídicas na construção comunitária", Legislação (cadernos de), n.os 4/5, INA, 1992, pp. 100 e ss; Sofia Oliveira Pais, Estudos de Direito da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 100-114.

(2) Não está, por isso, em causa, "a garantia da unidade de interpretação do direito comunitário", destinada a "evitar que a unidade normativa obtida ao nível da criação da regra seja destruída no momento da sua aplicação". Cf. Rui Moura Ramos, "Reenvio prejudicial e relacionamento entre ordens jurídicas na construção comunitária", in Cadernos de Ciência de Legislação, n.º 4/5, abril-dezembro de 1992, INA, 1992, pp. 100 e ss.

(3) Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p. 225.

(4) Cf. João Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Casos de aplicação imediata, Critérios fundamentais, Coimbra, Almedina, 1968, p. 285.

(5) Com base no regime europeu plasmado na DMIF I (Diretiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril, relativa aos Mercados de Instrumentos Financeiros, transposta para a ordem jurídica interna pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro de 2007) e na DMIF II (Diretiva n.º 2014/65/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, transposta para a ordem jurídica interna pela Lei 35/2018, de 20 de julho), os deveres de informação dos intermediários financeiros perante os seus clientes foram objeto de uma densificação assinalável. Por seu turno, o art. 77.º-E do RGICSF (introduzido pela Lei 35/2018, de 20 de julho) estabelece deveres adicionais de informação para a comercialização em retalho de instrumentos financeiros.

No Direito europeu, a DSI (Diretiva n.º 93/22/CEE, do Conselho, de 10 de maio de 1993, relativa aos Serviços de Investimento, transposta para a ordem jurídica interna pelo DL n.º 232/96, de 5 de dezembro) já previa o dever dos intermediários financeiros de conhecer a situação financeira, a experiência e os objetivos de investimento do cliente (art. 11.º, § 4.º, 4.ª alínea). É, todavia, a consagração, em termos amplos, do dever de adequação na DMIF I e na respetiva Diretiva de execução, que representa a adoção plena, no espaço europeu, desta figura ulteriormente desenvolvida na DMIF II e no Regulamento Delegado.

(6) Cf. Rui Polónia, Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros, Coimbra, Almedina, 2019, p. 145.

(7) Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 2*1. e ss..

(8) Cf. Manuel Caneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 471-473.

(9) Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de maio de 2017 (Lopes do Rego), proc. n.º 1961/13.TVLSB.L1.S1 - disponível in www.dgsi.pt - , "a extensão deste dever de informação tem de se aferir em concreto, de modo casuístico".

(10) Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, p. 111; vide também Catarina Monteiro Pires, "Entre um modelo correctivo e um modelo informacional em direito bancário e financeiro", in Cadernos de direito privado, n.º 44, outubro/dezembro de 2013, pp. 3-22 e, ainda, Manuel Carneiro da Frada, "A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros", in Livro de Homenagem ao Prof. Doutor Germano Marques da Silva, Lisboa, 2020, pp. 1571 ss.

(11) Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, p. 146.

(12) Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 222 e ss..

(13) Cf. por exemplo, Manuel Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 474 e ss, 544 ss, e 575 ss..

(14) Cf., a propósito, Manuel Carneiro da Frada, "A relação bancária/Reflexões em torno de um conceito-chave", in Cadernos de Direito Privado, 63 (Jul.-Set. 2018), pp. 23-32, p. 30, considerando a possibilidade de transposição das reflexões tecidas sobre a natureza jurídica da relação bancária para o domínio da intermediação financeira; "Deveres de informação e relação bancária (com vista para a intermediação financeira)", in Revista de Direito da Responsabilidade, ano 3 (2021), pp. 184 ss..

(15) Cf., por todos, Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 413 e ss.; pode ver-se também António Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 303-304.

(16) Sem esquecer os preceitos dos arts. 73.º, 74.º, 77.º, n.º 1, e 77.º-E (aditado pela Lei 35/2018, de 20 de julho), n.os 1 e 2, do RGICSF (não releva, in casu, a diferença entre a redação originária - dada pelo DL n.º 298/92, de 31 de dezembro - e a redação atual - resultante do DL n.º 1/2008, de 3 de janeiro - dos arts. 73.º e 74.º, de um lado e, de outro, entre o art. 75.º - dada pelo DL n.º 298/92, de 31 de dezembro - e o atual 77.º, n.º 1 - resultante do DL n.º 1/2008, de 3 de janeiro -, do RGICSF) - os bancos são simultaneamente instituições de crédito (art. 3.º, alínea a), do RGICSF) e intermediários financeiros (art. 293.º, n.º 1, alínea a), do CVM).

(17) Cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Coimbra, Almedina, 2008, p. 212.

(18) Note-se que, conforme referido supra a propósito dos conflitos de leis no tempo, a consideração da ilicitude da conduta da Ré/Recorrida não é afetada pelo facto de ao tempo da prestação da informação aos Autores/Recorrentes sobre as Obrigações SLN 2006 ainda não estar em vigor um modelo de deveres de informação tão intenso e extenso como o que resultou da transposição da DMIF I para a ordem jurídica interna.

(19) Segundo o art. 48.º, alínea c), do CIRE, que não sofreu, entretanto, alterações, a subordinação de um crédito pode ser convencionada pelas partes, aceitando o credor ser pago depois de outros credores. Esta convenção de subordinação, celebrada ao abrigo dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, é considerada como um desvio à regra geral aplicada ao concurso de credores, plasmada no art. 604.º, n.º 1, do CC (princípio da igualdade dos credores). Entende-se que se é consentido às partes convencionar a atribuição de preferência a um credor, nos termos do art. 604.º, n.º 2, do CC, é-lhes igualmente permitido convencionar o enfraquecimento do crédito em relação aos outros credores. O pagamento desses créditos - "enfraquecidos" ou "debilitados" - só tem lugar após terem sido integralmente satisfeitos os créditos comuns, conforme o art. 177.º, n.º 1, do CIRE.

(20) Cf. Adriano Pais da Silva Vaz Serra, "Provas Direito Probatório Material", in B.M.J., n.º 110, 1961, p. 198; Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lisboa, Lex Editora, 1995, p.210.

(21) Segundo Rita Lynce de Faria, A Inversão do ónus da Prova no Direito Civil Português, Lisboa, Lex, 2001, p. 33, "O mecanismo da inversão do ónus da prova permite introduzir uma maior equidade no sistema geral e abstracto de distribuição do ónus probatório".

(22) Pode dizer-se que é inexigível ao investidor-cliente realizar a prova da causalidade entre o facto ilícito-culposo do intermediário financeiro e o dano por si sofrido. Na verdade, trata-se da prova de um facto negativo: se a informação lhe tivesse sido corretamente prestada pelo intermediário financeiro, não teria celebrado o negócio indesejado/desvantajoso. Subjaz também à presunção em apreço a necessidade de tutelar a parte vulnerável na relação de intermediação financeira. Cf. Rita Lynce de Faria, A Inversão do ónus da Prova no Direito Civil Português, Lisboa, Lex, 2001, pp. 60-61.

(23) Conforme referido supra, em virtude da elasticidade ou plasticidade dos deveres de informação do intermediário financeiro, é difícil dizer, em abstrato, se uma ação ou omissão sua implica, ou não, uma violação desses deveres. Competirá, pois, ao intermediário financeiro provar que, no caso concreto, a sua ação ou omissão não se consubstancia numa violação dos deveres de informação que sobre si recaem.

(24) Cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Coimbra, Almedina, 2008, p. 215-216.

(25) Sobre as presunções no domínio do nexo de causalidade preenchedora para facilitar a prova, de outro modo difícil ou impossível, cf., por exemplo, Manuel Carneiro da Frada, Direito Civil - Responsabilidade Civil (O método do caso), Coimbra, Almedina, 2006, pp. 101-103.

A inversão do ónus da prova é passível de permitir a transferência do risco da assunção de uma decisão desvantajosa do credor da informação para o devedor dessa informação. Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o bem jurídico protegido, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 227-229.

(26) A questão do nexo de causalidade encontra-se intimamente ligada ao bem jurídico protegido pela responsabilidade civil do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação. A conexão é evidente no que toca à causalidade fundamentante da responsabilidade, mas é igualmente relevante na causalidade preenchedora da responsabilidade. Enquanto a causalidade fundamentante diz respeito à relação de causalidade entre uma determinada conduta e o evento responsabilizador, a causalidade preenchedora identifica-se com a relação entre o evento responsabilizador e o dano, determinando o alcance e a extensão da indemnização. Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, p. 347.

(27) Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 230-231.

(28) Sobre o entendimento amplo da presunção de culpa (hoje largamente referenciada), vide António Menezes Cordeiro, "Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade", in Estudos de Direito Bancário I, 2018, Almedina, 2018, pp. 37 e ss.; Manuel Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1994, pp. 190 e ss., a propósito da responsabilidade obrigacional e considerando que o art. 799.º, n.º 1, do CC, estabelece, na realidade, ocorrido um incumprimento, uma presunção de ilicitude na sua origem.

Defendendo, além disso, que a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do CC, inclui também uma presunção do nexo de causalidade entre o incumprimento, ou o cumprimento defeituoso, e o dano de valor equivalente ao valor da prestação incumprida, vide Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 268.

(29) Sobre a presunção da conduta conforme com a informação, vide Paulo Mota Pinto, in Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 1385 e ss.

(30) Incumbindo-lhe ilidir a presunção de causalidade, recai sobre o intermediário financeiro o ónus de demonstração de que o dano teria ocorrido ainda que os seus deveres de informação tivessem sido escrupulosamente cumpridos (exceção do comportamento alternativo lícito por parte do responsável). Não deve igualmente descurar-se que da consideração do fim das normas que consagram os deveres de informação resulta que o ónus da prova recai sobre o intermediário financeiro, a quem competirá provar que a decisão do investidor teria sido a mesma no caso de a informação lhe ter sido corretamente prestada ou que o cliente agiu especulativamente, não merecendo tutela.

Não curamos, nesta sede, de analisar a questão de saber em que moldes é de admitir, em vista da limitação ou da exclusão da indemnização, a invocação, pelo responsável, do seu hipotético "comportamento lícito alternativo" (de que também poderia ter causado o dano de modo lícito, sem violar qualquer dever, correspondendo assim a situação hipotética do lesado à sua situação real). Vide, a este respeito, Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 1061; Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 711-716.

(31) Cf. Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, p. 233.

(32) Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 175, 181-182.

(33) Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, p. 183.

(34) Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, p. 183.

(35) Cf. Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Coimbra, Almedina, 1989, p. 369; Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem jurídico protegido, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 225-226.

Importa notar que, uma vez que os deveres de informação têm como escopo proporcionar ao investidor-cliente as bases para uma decisão esclarecida e livre, a sua violação acarretará, com frequência, precisamente, uma decisão de investimento para si desvantajosa ou prejudicial, decisão essa que não teria tomado caso tal violação não tivesse ocorrido. O dano consiste nestes casos, por isso, na aquisição dos instrumentos financeiros sobre que o intermediário não prestou as informações que devia ou como devia. Genericamente, há um dano real consubstanciado na celebração de um contrato de investimento desfavorável para o investidor-cliente. Tal dano (real) tem uma expressão patrimonial. Contudo, considerando o primado da reconstituição natural, consagrado no art. 566.º, n.º 1, do CC, deve equacionar-se, como a doutrina vem apontando, a possibilidade de, em obediência a esse princípio, o investidor-cliente pedir a revogação do contrato celebrado com o intermediário financeiro a título indemnizatório, havendo então lugar às pretensões restitutórias respetivas. A favor, vide Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 879-880; Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil por Prospecto no Direito dos Valores Mobiliários, o Bem Jurídico Protegido, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 236 e ss.; Manuel Carneiro da Frada, "A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros", in Revista de direito comercial, ano 2.º, 2018, pp. 1239-1240.

(36) A esse valor não deverá ser deduzido o valor atual das Obrigações SLN 2006 - Obrigações que os Autores/Recorrentes deverão restituir à Ré/Recorrida. Porque, de outro modo, o investidor-cliente ficaria enriquecido em consequência da prestação indemnizatória. Parece que decorre dos princípios gerais, nomeadamente do art. 562.º, do CC, que o lesado não pode ser obrigado a ficar com uma coisa que sofreu uma perda total - ou quase - de valor, como se verificou no caso em apreço, e com o correspondente ónus de a transformar em dinheiro, se puder. Cf. Paulo Mota Pinto, in Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 729-731. Àquele montante não deverá igualmente ser deduzido o valor dos juros remuneratórios que lhes foram pagos pela SLN até novembro de 2015. Na verdade, conforme o art. 1270.º, n.º 1, do CC, o possuidor de boa-fé faz seus os frutos civis (art. 212.º, n.os 1 e 2, do CC) percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem. As razões subjacentes à norma do art. 1270.º, n.º 1, do CC, que atribui ao possuidor de boa fé o direito de manter os frutos percebidos vale também para casos em que não possa falar-se, cum summo rigore, de situação possessória do accipiens. Cf. Paulo Mota Pinto, in Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 972.

Não pode, por outro lado, nesta sede, lançar-se mão da compensatio lucri cum damno, porquanto os juros remuneratórios percebidos pelos Autores/Recorrentes não são vantagens adequadamente causadas pela violação ilícita e culposa dos deveres de informação pelo intermediário financeiro. Acresce que o pagamento dos juros remuneratórios pagos pela SLN não tinha, evidentemente, em vista exonerar o intermediário financeiro nem atribuir uma vantagem adicional aos Autores/Recorrentes. Cf. Paulo Mota Pinto, in Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2009 p. 772.

Tendo os Autores/Recorrentes agido, pelo menos até maio de 2016, na convicção de que eram titulares de instrumentos financeiros equivalentes a depósitos a prazo, não seria justo que a lei os obrigasse a restituir os juros remuneratórios entretanto percebidos.

Procº n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A - Recurso para Uniformização de Jurisprudência

Declaração de voto

1 - Tenho algumas divergências que irei assinalar, em breve síntese, relativamente ao actual projecto de acórdão de uniformização de jurisprudência, começando por saber se existe contradição entre os factos provados em 2.º, 3.º e 4.º e os factos provados em 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º aditados pelo acórdão da Relação e ainda se ocorreu a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco e, consequentemente, pela existência da culpa e da ilicitude.

No actual projecto de AUJ em apreciação afasta-se a apontada contradição e ainda que os factos provados permitem configurar a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco, concluindo-se pela existência da ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Banco réu.

No projecto que apresentei como relator (por vencimento da primitiva relatora) concluí em sentido contrário ao projecto agora apresentado, ou seja, de que existe a mencionada contradição factual e ainda de que não foi violado o dever de informação por parte do Banco réu e, consequentemente, pela inexistência de culpa e de ilicitude.

2 - No tocante à contradição factual, ali se considerou que ela existe e que o boletim de subscrição, referido nos n.os 2, 3 e 4, assinado pelo autor, de forma deliberada e consciente, equivale a confissão extrajudicial constante desse documento, dotada de força probatória plena nos termos do artigo 358.º n.º 2 do Código Civil e que não se mostra contrariada nos termos do artigo 347.º do mesmo código, pois os factos aditados pelo acórdão da Relação assentam essencialmente na prova testemunhal, como decorre da respectiva fundamentação constante das páginas 14 a 19.

Consequentemente, aqueles factos 2, 3 e 4, relativos ao conhecimento das características e riscos inerentes à aplicação financeira, não admitem prova testemunhal em contrário (n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil).

Fazendo tal documento (boletim de subscrição assinado pelo autor) prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, e considerando-se os factos compreendidos na declaração provados, na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (artigo 376.º n.os 1 e 2, do Código Civil), tem essa declaração de prevalecer sobre o teor dos aludidos pontos 15 a 19, aditados pelo acórdão da Relação.

3 - No que respeita à falta do dever de informação, contrariamente ao actual projecto de AUJ, que afirmou que o Banco prestou ao autor uma informação, no mínimo, incompleta, falsa e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos autores e aos seus conhecimentos, concluímos no sentido de que o réu forneceu ao autor as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse generosamente rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a da emitente das obrigações (a SLN).

Em concreto, a matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável ao réu e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que o autor através dele realizou.

Aliás, o autor, que era, afinal, o principal interessado na operação, nunca questionou a bondade da referida aplicação que, durante um prolongado período de cerca de 10 anos, lhe garantiu, efectivamente, a rentabilidade que procurou com a mencionada aplicação do capital.

4 - Quanto à culpa considerei que a presunção de culpa prevista no n.º 2 do artigo 314.º do CVM é ilidível, mediante prova em contrário (artigo 350.º n.º 2 do Código Civil).

Sendo essa uma questão controvertida, há que averiguar o alcance da presunção.

A presunção de culpa prevista naquele preceito não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um "mínimo de correspondência" na letra da lei (cf. artigo 9.º n.º 2 do Código Civil).

A responsabilidade do intermediário financeiro pressupõe a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A lei estabelece uma presunção de culpa quando os danos decorram da violação do dever de informação, mas não presume a ilicitude. A ilicitude implica a violação pelo intermediário financeiro dos deveres que lhe são impostos por lei ou regulamento, emergentes da relação estabelecida entre ele e o cliente.

Incumbe ao lesado a prova do carácter ilícito da violação dos deveres relativos à actividade de intermediação financeira, ou seja, que o intermediário não usou da diligência que deveria ter usado, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro, se o dano for causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, ou, em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação.

Não tendo havido violação dos deveres de informação por parte do Banco réu, fica afastada a existência da culpa.

5 - Quanto à ilicitude, o actual projecto, ao considerar que "os factos provados permitem configurar a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco", concluiu "pela existência da ilicitude".

Pelo contrário, deixámos dito que, atendendo à matéria de facto dado como provada, não se pode concluir que o réu tenha faltado ao cumprimento dos deveres a que estava obrigado ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.

Deste modo, concluímos pela inexistência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à ré.

Neste sentido decidiram, entre outros, os acórdãos do STJ de 11.10.2018, procº n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1, de 30.04.2019, procº n.º 2632/16.6T8LRA.L1.S1, de 06.06.2013, procº n.º 364/11.0TVLSB.L1.S1, de 13.09.2018, procº n.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1, de 06.06.2013, procº n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, de 12.01.2017, procº n.º 428/12.3TCFUN.L1.S1 e de 09.01.2019, procº n.º 9659/16.6T8LSB.L1.S1, todos alcançáveis in www.dgsi.pt/jstj

6 - Finalmente, e no que respeita ao segmento uniformizador, continuo a entender que serão suficientes os dois pontos que apresentei em 27 de Abril de 2021, como 2.º projecto, com a seguinte enunciação:

"[...]

1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor lesado, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação específica dos deveres de informação, imputável ao intermediário financeiro, que originou o dano sofrido.

2 - Para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelo investidor, torna-se também necessário que este demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, importando que o nexo causal seja analisado através da demonstração que decorre da matéria de facto".

Ilídio Sacarrão Martins.

***

Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1.-A

Acordam, em conferência, no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1 - Notificados do Acórdão de fls.295/414 (do processo físico), vieram os Recorrentes AA e BB reclamar, apresentando o que denominaram "Reclamação/Reforma/arguir nulidades nos termos dos art.s 615.º, n.º 1, alínea c) e 616.º, n.º 2, alínea b), ambos do CPC e com os fundamentos melhor expostos nas alegações que se juntam."

No seu requerimento, apresentaram as seguintes (transcritas) conclusões:

1 - No douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, ora reclamado, fixou-se jurisprudência no sentido de que incumbe ao investidor o ónus de provar a violação, por parte do intermediário financeiro, dos deveres de informação que lhe são impostos por lei e a consequentemente provar a existência do respetivo nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano que tenha sofrido com tal ausência de informação, para que seja ressarcido dos danos e prejuízos sofridos com a conduta do intermediário financeiro.

2 - Tal douto acórdão fundamentou a sua decisão no seguinte aspeto essencial:

"[...] Apesar de ocorrer a violação do dever de informação (ilicitude) e de a culpa se presumir (artigo 304.º, n.º 2, do CVM - na redação em vigor aquando da ocorrência dos factos), a obrigação de indemnizar não prescinde, pois, do preenchimento dos demais pressupostos - o dano e o nexo de causalidade -, o que significa que, no caso vertente, haveriam de estar provados factos que permitissem estabelecer uma cadeia factual, que incluísse o ato ilícito que o desencadeou (isto é, a falta de informação sobre o produto subscrito) e que, naturalística e juridicamente, conduzisse ao dano (artigo 563.º do Código Civil), sendo que era sobre os Autores que recaía o ónus dessa prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) - cf. Ac. STJ, de 30/04/2019 (processo 2632/16.6T8LRA.L1.S1)"

3 - Ora, tendo em conta o teor do Acórdão, melhor discriminado nas alegações do recurso de Uniformização de Jurisprudência, que os Autores/Reclamantes apresentaram perante esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, do qual agora se Reclama, e cuja decisão é absolutamente contrária ao agora decidido, no douto Acórdão/Reclamado, ao impor a prova de factos internos, diabólica e impossível como constitutiva do direito plasmado no art. 563.º do CC, viola o princípio Constitucional da Igualdade (art. 13.º, da CRP).

4 - Dúvidas não restam que o Acórdão proferido faz impender sobre o investidor, além do mais, da prova de um facto psicológico, de foro interno e que nunca se conseguirá fazer sem apelo apenas às circunstâncias que rodearam a contratação, a forma como se concluiu e o equilíbrio de prestações, etc.

5 - Portanto, como já explicitado a prova diabólica nada mais é do que aquela que possui um alto grau de dificuldade para ser produzida, ou seja, pretende provar um fato que dificilmente ou jamais conseguirá ser provado.

6 - Quando se impõe que alguém faça a prova de determinados fatos, tem de partir-se do princípio de que esse facto, em si, susceptível de ser provado. Além disso, quando se impõe a alguma das partes a prova de determinada factualidade como constitutiva do seu direito, parte-se do princípio de que essa prova dessa fatia de realidade é mais facilmente conseguida por esse sujeito do que pelos demais que possam por ele ser afectados.

7 - O legislador do ónus da prova (através dos injuntivos arts. 342.º e ss, do Código Civil) e os tribunais (através de uma correcta interpretação daquelas regras substantivas, estão constitucionalmente vinculados, sob a luz do princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efectiva, a, cada um nas respectivas funções soberanas, evitarem as situações do ónus da prova diabólica ou impossível.

8 - O Acórdão de Fixação de Jurisprudência, ora em reclamação, em nenhum momento analisou ou ponderou todas estas questões que agora se invocam, padecendo de insuficiência, e, por outro lado, imbuindo-se de invalidade por aplicar inconstitucionalmente normas jurídicas (arts. 563.º e 342.º, n.º 1, ambos do Código Civil, interpretação esta violadora dos princípios constitucionais, de igualdade, proporcionalidade geral e restrita, acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e acesso a um processo equitativo e justo.

9 - A distribuição do ónus da prova como vem feito em termos de nexo de causalidade, fixada pelo acórdão, torna os artigos de que se socorre (arts. 342.º e 563.º, do Código Civil) inconstitucionais com a interpretação de que o segundo exige a prova impossível de um facto interno, a prova diabólica de um facto negativo, a desproporcionalidade e desigualdade na repartição do ónus da prova e a impossibilidade de, em termos efectivos e reais, aceder ao direito e obter uma tutela jurisdicional efectiva, bem como aceder a um processo justo e equitativo.

10 - A aplicação de tais normas com essa interpretação gera invalidade/nulidade da decisão, por violação dos arts. 13.º, 18.º, 20.º, 268.º, da CRP, e 6.º e 13.º da CEDH.

E concluem:

"[...] requerem que se dignem dar provimento à presente, e, em consequência:

- se declare que o Douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, ora reclamado, é inválido/nulo, por conter aplicação das sobreditas normas com uma interpretação manifesta e ostensivamente inconstitucional, o que nem sequer foi ponderado; e

- Consequentemente, seja proferida nova decisão onde aqueles citados artigos sejam devidamente ponderados e excluída a interpretação inconstitucional que deles foi feita."

2 - O Recorrido Banco BIC Português, S. A. não respondeu.

3 - Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto da reclamação

Os Recorrentes vieram reclamar para a conferência, invocando a nulidade do Acórdão e requerendo a reforma do mesmo, com fundamento no disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º e alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º, ambos do Código de Processo Civil.

III. Fundamentação

1 - Enquadramento preliminar

O artigo 613.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), aplicável por força do disposto nos artigos 685.º e 666.º, preceitua o seguinte:

"1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes".

A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607.º a 609.º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do n.º 2 do artigo 663.º e 679.º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi n.º 1 do artigo 666.º e artigo 679.º do Código de Processo Civil).

No caso em presença, convocam os Recorrentes a nulidade típica prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Prescreve esta disposição legal que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Assim, verifica-se a nulidade invocada (oposição entre os fundamentos e a decisão) quando a construção da sentença se mostra viciosa, pois os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, isto é, verifica-se quando os respectivos fundamentos estejam em oposição com a decisão: trata-se da deficiência em que o silogismo em que se analisa a decisão contém fundamentos que levam logicamente a um juízo em determinado sentido, mas em que a decisão efectivamente adotada é a de sentido oposto

- Acórdão do STJ, de 4/02/2014, in Sumários, fevereiro/2014, consultável em www.stj.pt -

Ou, no dizer do Acórdão do STJ, de 17/12/2014 (in Sumários, 2014, consultável em www.stj.pt), a contradição entre os fundamentos e a decisão existe quando a fundamentação aponta para um sentido, que lógica e formalmente não é comportado pela decisão, estando com ela em frontal colisão.

Por outro lado, uma decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível ou cujo sentido exato não pode alcançar-se.

E é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, não sendo possível alcançar o sentido a atribuir à passagem da decisão em apreço.

Os Recorrentes pretendem, também, a reforma do Acórdão, invocando o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do Código de Processo Civil.

Prescreve o artigo 616.º do Código de Processo Civil (aplicável ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto nos artigos 685.º e 666.º do Código de Processo Civil) que:

"Não cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida".

Ora, como se refere no Acórdão do STJ, de 17/06/2010, o erro manifesto de julgamento das questões de direito pressupõe obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e virtualmente incontroverso, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando antes e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adotar (v.g., aplicando ao caso uma norma indiscutivelmente revogada, por não se ter então apercebido dessa revogação). O erro de julgamento, sem lapso manifesto, não pode ser suprido em sede de reforma da decisão.

E pode-se dizer que lapso manifesto será o erro grosseiro, um evidente engano, um desacerto total no regime jurídico aplicável ou na omissão ostensiva de observação dos elementos dos autos; enquanto manifesto, o referido lapso tem que ser evidente, patente e incontrovertível

- cf. Acórdãos do STJ, de 4/05/2010, consultável em www.dgsi.pt e 26/06/2014 -

Por outro lado, é possível a reforma quando do processo conste documento ou outros elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que a decisão não tenha tomado em consideração.

- cf. Acórdão do STJ, de 9/12/2014 -

Como se refere no Acórdão do STJ, de 27/01/2022 (processo 1292/20.4TBFAR-A.E1.S1), a reforma da decisão destina-se a corrigir um erro de julgamento resultante de um erro grosseiro, um evidente engano, um desacerto total no regime jurídico aplicável à situação ou na omissão ostensiva de observação dos elementos dos autos, não podendo ser usado para as partes manifestarem discordância do julgado ou tentarem demonstrar "error in judicando".

- cf., neste sentido, Acórdão do STJ, 2/12/2021 (processo 9/21.0YFLSB) -

2 - O caso concreto

Após esta sumária indagação e interpretação das normas jurídicas invocadas pelos Recorrentes, importa agora reverter ao caso concreto.

Os Recorrentes/ora Reclamantes, no seu requerimento, bem como nas conclusões supra transcritas, não invocam qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, bem como a existência de alguma ambiguidade ou obscuridade.

Os Reclamantes vieram discordar da fundamentação do Acórdão.

Contudo, os Reclamantes referem que o Acórdão reclamado "em nenhum momento analisou ou ponderou todas estas questões que se invocam, padecendo de insuficiência".

As questões a que os reclamantes se referem reportam-se à questão do ónus da prova, quando o Acórdão reclamado, na opinião dos Reclamantes, impõe "a prova de factos internos, diabólica e impossível como constitutiva do direito plasmado no art. 563.º do CC, viola o princípio Constitucional da Igualdade (art. 13.º, da CRP)".

Deste modo, os Reclamantes parecem pretender invocar a nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que prescreve que se verifica a nulidade quando não se especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Ora, constitui jurisprudência uniforme do STJ: "o vício de falta de fundamentação só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão e já não quando a fundamentação seja meramente deficiente, incompleta, aligeirada ou não exaustiva" (cf. Acórdão do STJ de 16/11/2021 - Revista n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3 -)

- No mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do STJ de 10/05/2021 (Incidente n.º 3701/18.3T8VNG.P1.S1), de 21/09/2021 (Revista n.º 2856/17.9T8AGD.P1.S1), de 8/06/2021 (Revista n.º 215/16.0T8VPA.G2.S1) e de 9/12/2021 (Incidente n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt -

Assim, a alegada insuficiência de fundamentação não conduz à nulidade do Acórdão reclamado, pelo que a pretensão dos Reclamantes, no que respeita à nulidade do Acórdão não pode ser atendida.

Deste modo, não se verifica a nulidade arguida.

No que concerne à reforma do Acórdão

Também nesta parte, os Reclamantes invocam uma disposição legal e na sua reclamação nenhuma referência fazem ao que aí é previsto.

Assim, em nenhum momento, os Reclamantes referem que constam dos autos qualquer documento ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

Contudo, os Reclamantes afirmam que "a distribuição do ónus da prova como vem feito em termos de nexo de causalidade, fixada pelo Acórdão, torna os artigos de que se socorre (arts. 342.º e 563.º, do Código Civil) inconstitucionais com a interpretação de que o segundo exige a prova impossível de um facto interno, a prova diabólica de um facto negativo, a desproporcionalidade e desigualdade na repartição do ónus da prova e a impossibilidade de, em termos efectivos e reais, aceder ao direito e obter uma tutela jurisdicional efectiva, bem como aceder a um processo justo e equitativo.

A aplicação de tais normas com essa interpretação gera invalidade/nulidade da decisão, por violação dos arts. 13.º, 18.º 20.º, 268.º, da CRP, e 6.º e 13.º da CEDH."

Deste modo, os Reclamantes parecem pretender invocar o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do Código de Processo Civil, que prescreve que não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.

Ora, o STJ vem tendo o entendimento que "no incidente decorrente da aplicação dos arts. 615.º e 616.º do CPC, ex vi dos arts. 666.º e 685.º do CPC, não cabe a discussão de inconstitucionalidades, assente na discordância em relação às interpretações do Tribunal e visando, em consequência, obter uma decisão favorável ao recorrente).

- Acórdão de 28/09/2021 (processo 249/18.0YHLSB.L1.S1) -

Já no Acórdão do STJ, de 9 de julho de 2015 (processo 3820/07.1TVLSB.L2.S1), se havia decidido que "não quadra no expediente processual previsto nos arts. 616.º e 685.º, ambos do NCPC, a alegação da inconstitucionalidade material da interpretação dada no acórdão reclamado a determinada norma jurídica, visando obter uma nova decisão favorável ao requerente".

Também o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de 3 de junho de 1998 (publicado no DR, 2.ª série, de 20 de julho de 1998) havia afirmado que "A eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a da inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos".

Assim, não se verifica qualquer fundamento para a reforma da decisão, porquanto não se verifica qualquer lapso, e muito menos, lapso manifesto, tendo os juízes aplicado as normas jurídicas respeitantes às questões em causa que entenderem pertinentes, e tendo-as analisados e efetuado o enquadramento jurídico.

Da análise do requerimento dos Reclamantes resulta que os Reclamantes não fundamentam a sua pretensão em violação de qualquer das circunstâncias que permitam que se declare a nulidade do Acórdão ou a reforma do mesmo, mas somente na discordância do julgado e para colocar em discussão as questões de inconstitucionalidade das interpretações das normas que não havia efetuado no momento oportuno.

Pelo exposto, indefere-se a reclamação dos Recorrentes.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se, em conferência, em indeferir a presente reclamação.

Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..

Lisboa, 26 de abril de 2022. - Pedro de Lima Gonçalves (relator) - Maria Rosa Oliveira Tching - Maria do Rosário Morgado - Fátima Gomes - Graça Amaral - Henrique Araújo - Maria Olinda Garcia - Acácio Luís Jesus das Neves - Oliveira Abreu - Fernando Augusto Samões - José Bernardo Domingos - Nuno Manuel Pinto Oliveira - Raimundo Queirós - Ricardo Alberto Santos Costa - Fernando Jorge Dias - João L. M. Bernardo - Maria dos Prazeres Beleza - Abrantes Geraldes - Ana Paula Boularot - Maria Clara Sottomayor - Fernando Pinto de Almeida - Manuel Tomé Soares Gomes - José Rainho - Maria da Graça Trigo - Olindo dos Santos Geraldes - Alexandre Reis - Maria João Vaz Tomé - Ilídio Sacarrão Martins - António Magalhães.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5111633.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1991-11-02 - Decreto-Lei 430/91 - Ministério das Finanças

    Regula a constituição de depósitos e introduz no ordenamento jurídico português uma nova modalidade de instrumento jurídico designado «depósito a prazo não mobilizável antecipadamente».

  • Tem documento Em vigor 1992-12-31 - Decreto-Lei 298/92 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-14 - Decreto-Lei 246/95 - Ministério das Finanças

    Altera o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 1996-07-31 - Lei 24/96 - Assembleia da República

    Lei de Defesa do Consumidor.

  • Tem documento Em vigor 1999-11-13 - Decreto-Lei 486/99 - Ministério das Finanças

    Aprova o novo Código dos Valores Mobiliários.

  • Tem documento Em vigor 2003-10-17 - Decreto-Lei 252/2003 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime jurídico dos organismos de investimento colectivo e suas sociedades gestoras e transpõe para a ordem jurídica nacional as Directivas n.os 2001/107/CE (EUR-Lex) e 2001/108/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Janeiro de 2002, que alteram a Directiva n.º 85/611/CE (EUR-Lex), do Conselho, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM) com vista a regulamen (...)

  • Tem documento Em vigor 2007-10-31 - Decreto-Lei 357-A/2007 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Altera, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 25/2007, de 18 de Julho, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92 de 31 de Dezembro, o Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99 de 13 de Novembro - republicando-o em anexo -, o Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 262/86 de 2 de Setembro, o regime jurídico das sociedades corretoras e financeiras de corretagem, aprovado pelo Decr (...)

  • Tem documento Em vigor 2018-07-20 - Lei 35/2018 - Assembleia da República

    Procede à alteração das regras de comercialização de produtos financeiros e de organização dos intermediários financeiros, e transpõe as Diretivas 2014/65, 2016/1034 e 2017/593

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