Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma Dos Açores 11/2022/A, de 10 de Março
- Corpo emitente: Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa
- Fonte: Diário da República n.º 49/2022, Série I de 2022-03-10
- Data: 2022-03-10
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Sumário
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Sumário: Recomenda ao Governo Regional dos Açores a proteção e reconversão do património da SINAGA.
Recomenda ao Governo Regional dos Açores a proteção e reconversão do património da SINAGA
Após o declínio da economia da laranja, surge, como alternativa nos Açores, a cultura da batata-doce, com o propósito de produzir-se álcool. Em 1886, foi inaugurada a «Fábrica de Destilação de Álcool de Santa Clara». Já no início do século xx, a produção de álcool nos Açores foi alvo de medidas restritivas, razão pela qual, em 1902, foi constituída a União das Fábricas Açorianas do Álcool.
Em 1906, surge a «Fábrica do Açúcar», com o propósito de converter a beterraba sacarina. Instalada na antiga unidade de produção de álcool de Santa Clara, a «Fábrica de Açúcar de Santa Clara» seria adquirida pela SINAGA - Sociedade de Indústrias Agrícolas Açorianas, S. A. R. L., adiante designada por SINAGA, em 1969, com a modernização do processo produtivo e consequente aumento de produção de açúcar. Por sua vez, a SINAGA foi constituída em meados de 1968, cujo objeto social visava, essencialmente, a prática de atividades relacionadas com o setor primário, nomeadamente a indústria agrícola, sem prejuízo das demais com carácter subsidiário que dela dependiam e estavam, naturalmente, interligadas.
Todavia, o impacto da crise económica de 2008 teve fortes repercussões no setor, tendo, numa primeira fase, o Governo Regional adquirido parte do capital social da empresa, que culminou, em meados de 2017, na aquisição total desse capital social.
Assim, face às dificuldades económico-financeiras demonstradas, o Decreto Legislativo Regional 30/2021/A, de 19 de outubro, regulou a extinção da SINAGA. Pode, por isso, dizer-se que a extinta SINAGA representa mais de meio século de história do ideário dos açorianos e, em especial, dos micaelenses, fruto do impacto económico que teve, diretamente e indiretamente, na vida de todos, imprimindo a sua marca e assinalando um ciclo económico de história presente na memória de todos. Todavia, se olharmos para o passado, há que considerar que a SINAGA, ao longo da sua existência, foi adquirindo património propriedade de outras empresas de maior antiguidade, como é o caso da originária «Fábrica de Destilação de Álcool de Santa Clara», ou atualmente conhecida como «Fábrica do Açúcar», localizada na freguesia de Santa Clara, no concelho de Ponta Delgada, cuja construção remonta a 1886, ou ainda a «Fábrica do Álcool», no concelho da Lagoa, cuja edificação data de 1882.
Consequentemente, o Decreto Legislativo Regional 30/2021/A, de 19 de outubro, definiu, nos seus artigos 2.º e 3.º, os termos da transmissão do património para a Região Autónoma dos Açores, na qualidade de maior acionista, através da Secretaria Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública. Para o efeito, o património encontra-se, agora, na esfera jurídica da Região e urge a adoção de medidas de gestão orientadas para a concordância entre a proteção da identidade histórica do património e a rentabilidade e utilidade do mesmo, sem castigar a personalidade do conjunto edificado.
Assim, a Região tem competência e o dever público para, simultaneamente, tomar medidas efetivas que visem a proteção do património imóvel existente e empreender medidas concretas para valorizar o conjunto de edificações que se encontram dispersas pela ilha de São Miguel, designadamente: «Fábrica de Destilação de Álcool de Santa Clara», ou mais recentemente apelidada pela comunidade de «Fábrica do Açúcar», e respetivo recheio, sita na Rua de Lisboa, freguesia de Santa Clara, e imóvel sito na Rua da Formação Profissional, freguesia das Capelas, ambos no concelho de Ponta Delgada; «Fábrica do Álcool», sita na Avenida de António Medeiros e Almeida, freguesia de Nossa Senhora do Rosário, concelho de Lagoa; e «Casa da Balança», sita na Rua da Nossa Senhora da Natividade, na freguesia de São Miguel, concelho de Vila Franca do Campo.
Reconhecendo a importância da preservação da memória do património que integra o espólio da SINAGA, a Câmara Municipal da Lagoa procedeu à classificação do imóvel «Fábrica do Álcool» como de interesse municipal, no decurso de 2017, conforme previsto no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional 3/2015/A, de 4 de fevereiro. E, pese embora não disponha de capacidade económico-financeira para aquisição do terreno e reabilitação do espaço, conforme outrora assumido pelo executivo camarário, tem manifestado, ao longo de todo este processo, interesse na proteção do património que integra a «Fábrica do Álcool», pretendendo reverter esta preservação arquitetónica em benefício da comunidade, após a mudança da sua função inicial. Exemplo disso foi a criação de trilhos pedestres relacionados com a indústria, nomeadamente o trilho «Janela do Inferno - Rota da Água», em que é possível observar a imponência dos aquedutos que serviam a «Fábrica do Álcool», corroborando o teor da produção literária científica que destaca a importância dos vestígios deste património em toda a ilha.
A par disso e ante o perigo de delapidação do património cultural que integra o espólio da SINAGA, tem-se assistido à movimentação da sociedade civil, que, reconhecendo a sua importância, apela, publicamente, à proteção urgente do património da «Fábrica do Açúcar», a fim de evitar idêntico destino ao da «Fábrica do Álcool», que foi parcialmente desmantelada e alvo de diversos atos de vandalismo, em resultado do seu abandono progressivo.
Acresce que os munícipes de Vila Franca do Campo, reconhecendo a importância histórica concelhia da «Casa da Balança», em meados do mês de dezembro do ano de 2019, intervieram junto do poder local, designadamente a Assembleia Municipal, conforme ata da sessão ordinária do dia 5 de dezembro de 2019, da Assembleia Municipal de Vila Franca do Campo, avocando a possibilidade de o município adquirir o imóvel e proceder à sua classificação.
Urge, por isso, proteger a identidade cultural de um ciclo de história agroindustrial, valorizar o espólio, a globalidade do edificado, através de um plano de reconversão de carácter abrangente e não casuístico e que englobe a preservação do património arquitetónico na sua dimensão urbanística, histórica, estética e cultural, no contexto atual, e conjugado com a potencialidade da multifuncionalidade do espaço envolvente.
Porquanto, é incontestável a assunção da qualificação de monumentalidade dos edificados da «Fábrica do Açúcar» e da «Fábrica do Álcool», pela sua relevante dimensão estrutural e expressão visual do conjunto, considerando a malha urbana dos concelhos em apreço.
Quer a «Fábrica do Açúcar», quer a «Fábrica do Álcool» são detentoras de uma forte presença no quadro urbano onde estão inseridas, dotadas de uma notável instalação industrial no contexto arquipelágico. A par disto, a localização geográfica dos imóveis é estratégica, face à grande centralidade que possuem - ambas estão sediadas no core das cidades a que pertencem. A título exemplificativo, a chaminé da «Fábrica do Álcool» é dotada de uma personalidade cénica no enquadramento paisagístico daquela cidade, uma imagem que emerge e quebra o cenário bucólico da urbe.
Deste modo, o conjunto que configura o espólio da SINAGA, em especial a «Fábrica do Açúcar» e a «Fábrica do Álcool», afirma-se distinto no contexto espacial e da própria edificação local, contribuindo para a valorização urbano-ambiental do espaço público local e envolvente.
Para o efeito, a gestão do património da SINAGA deve passar por uma abordagem inovadora à sua salvaguarda e preservação, aproveitando a integridade do edificado, mas não numa abordagem tradicional, conservadora e redutora. Estamos perante um conjunto arquitetónico, disperso pela ilha de São Miguel, que, per si, possui potencial para promover um processo de reconversão arquitetónico, com novas linhas funcionais e ambientais de carácter positivo para os locais onde estão inseridos.
O conjunto de edificações, independentemente das novas funções que lhe venham a ser atribuídas, deve reafirmar a sua centralidade, bem como a dimensão e integridade estrutural, evitando reconstruções que coloquem em causa a sua autenticidade original, mas que, ao invés, potenciem o seu denominador histórico, que se encontra latente na sua dimensão monumental.
É emergente a necessidade de preservar e acrescentar valor funcional ao testemunho arquitetónico do período industrial no contexto da ilha com potencial para transpor a conversão aprisionada no horizonte didático e expositivo de simples «núcleo museológico fabril».
O património arquitetónico da SINAGA poderá, mediante preservação, reabilitação e reconversão, ser um exemplo matriz da adaptação de um antigo módulo fabril de carácter interconcelhio face ao seu potencial inovador e dinâmico.
Daí o espólio patrimonial da extinta SINAGA reunir os requisitos necessários para que os imóveis sejam alvo de classificação de interesse público, nos termos previstos no Decreto Legislativo Regional 3/2015/A, de 4 de fevereiro.
Por seu turno, a participação pública ativa é um pilar indispensável ao desenvolvimento dinâmico e assertivo, como forma de dar resposta às necessidades e vontades da comunidade. O potencial identitário e o forte sentido de pertença, aliados à memória histórica e cultural, encontram espaço para abrir a participação e o diálogo no domínio do desenvolvimento local, em que a comunidade, como ator do seu desígnio, pode ser o principal motor de decisão no âmbito participativo. Nesse sentido, a proteção e a redefinição da utilidade do património da SINAGA representam uma singular oportunidade de desenvolvimento com níveis de exigência e ambição renovados, um novo ciclo de desenvolvimento e investimento na requalificação patrimonial, investindo numa devolução do que já é pertença de todos. Desta forma, o concurso de ideias é um potenciador formal da inclusão da participação pública naquilo que podemos denominar como reconstrução progressiva do ideário da cidade.
Ademais, é reconhecida a necessidade de as edificações serem alvo de obras de conservação e possível reconstrução, devido ao estado de degradação que apresentam, podendo, por isso, representar um risco e perigo de derrocada e, como tal, uma ameaça real para a segurança, nomeadamente a «Fábrica do Álcool» na Lagoa. Desse modo, compete ao proprietário, no caso, à Região, o dever urbanístico de realizar as obras necessárias à manutenção da segurança, salubridade e arranjo estético dos edificados, sobretudo daqueles que se encontrem em estado de ruína. É um dever que recai sobre o proprietário do imóvel - dever de conservação do imóvel. Por seu turno, o proprietário não pode provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou de salubridade, provocar, por ação ou omissão, a deterioração do edifício ou prejudicar o seu arranjo estético. Deve, por isso, exigir-se a adoção de medidas preventivas e de proteção e salvaguarda do património edificado, como forma de manter a integridade do edificado circundante.
A importância de todo este espólio não reside apenas na riqueza histórica e cultural do seu património material, de cariz monumental, que carece de um processo interventivo e inovador que mantenha a sua integridade, mas também na diversidade do conteúdo imaterial. O núcleo da herança fabril da SINAGA, que se estende pelos vastos terrenos envolventes, marcou, além do percurso económico micaelense e açoriano, a história dos habitantes da cidade de Ponta Delgada, ao longo de várias gerações, e foi protagonista de mudanças no âmbito da própria vivência e uso da malha urbana e na forma como a comunidade fabril gerou a sua integração no domínio do património identitário dos vários locais onde se enraizou. Este núcleo constitui, igualmente, uma forte personificação da atividade agroindustrial e expõe na sua herança estrutural a marca do «maneio», do «saber fazer», da praxis industrial, aliada a um período histórico inovador da conversão da beterraba sacarina.
O espólio que compõe o património da extinta SINAGA carece, para o efeito, da adoção de políticas públicas norteadas pelo princípio da integridade do património, conjugado com a motriz da inovação.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores resolve, nos termos regimentais aplicáveis e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 44.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, recomendar ao Governo Regional dos Açores que proceda:
1 - À inventariação e levantamento do estado de conservação de todos os bens móveis e imóveis industriais que se considerem detentores de valor histórico e cultural.
2 - À adoção de medidas urgentes no sentido de executar intervenções que visem a preservação e reabilitação do edificado que apresente um estado de conservação que coloque em risco a sua unidade estrutural, espaço e ambiente envolventes, assim como, circulação segura de pessoas e bens.
3 - À classificação dos imóveis como de interesse público, nomeadamente:
a) «Fábrica do Açúcar», sita na Rua de Lisboa, freguesia de Santa Clara, concelho de Ponta Delgada;
b) «Fábrica do Álcool», sita na Avenida de António Medeiros e Almeida, freguesia de Nossa Senhora do Rosário, concelho de Lagoa; e
c) «Casa da Balança», sita na Rua Nossa Senhora da Natividade, freguesia de São Miguel, concelho de Vila Franca do Campo.
4 - À construção de um núcleo de carácter museológico integrado que contemple o património móvel passível de mostra pública e complementar com um centro interpretativo do círculo da produção do açúcar de beterraba.
5 - À abertura de concurso de ideias para apresentação de conceitos e projetos funcionais para os referidos imóveis, devidamente conjugados com a preservação do património existente, aliando com a prestação de serviços úteis à comunidade/sociedade.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 9 de fevereiro de 2022.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Luís Carlos Correia Garcia.
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Anexos
- Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4843634.dre.pdf .
Ligações deste documento
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2015-02-04 -
Decreto Legislativo Regional
3/2015/A -
Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa
Estabelece o regime jurídico relativo à inventariação, classificação, proteção e valorização dos bens culturais móveis e imóveis, existentes na Região Autónoma dos Açores
-
2021-10-19 -
Decreto Legislativo Regional
30/2021/A -
Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa
Determina a extinção da SINAGA - Sociedade de Indústrias Agrícolas Açorianas, S. A., e regula o processo de integração dos trabalhadores na administração pública regional
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